Roderick e seus doze irmãos escrita por Wi Fi


Capítulo 6
Filho maldito


Notas iniciais do capítulo

Oi gente!
Primeiro: uau, quanta gente comentando numa semana só! MUITO OBRIGAADAAAAAAA vocês não têm noção do quão feliz eu fiquei. Como já disse mil vezes, esses personagens já estão na minha cabeça há tipo 4 anos, e essa história me demorou um ano pra escrever, ver que está atraindo e encantando tanta gente me deixa muito feliz. Eu me sinto uma mãe mostrando vídeos do filho pra todo mundo ver o quão maravilhoso ele é. Eu ainda não respondi todos os comentários, mas vou tentar fazer isso o mais rápido possível!

Sem mais delongas, aqui está o capítulo em que finalmente vamos saber o que caralhos o Finley fez.



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A porta da sala de jantar fechou-se com um estrondo. Os jovens Donne – Fionna, Blair e Roderick, que acabara de completar dezesseis anos – interrompem sua refeição para olhar o que estava acontecendo. Lorde Ewan, sentado à cabeceira da mesa, prontamente se levantou, obrigando os filhos a fazerem o mesmo por educação.

O cômodo mal iluminado anteriormente tinha estado tomado pelo som dos talheres e da conversa leve que corria entre os irmãos presentes. Entretanto, agora a tensão fizera todos se calarem, e só se ouvia a chuva forte que caía lá fora. Griselda felizmente não estava ali, já tinha ido se deitar porque tinha aulas logo cedo.

Finley era quem tinha batido a porta. Ele estava encharcado dos pés à cabeça, e poças se formavam onde ele estava parado. Seus cabelos loiros estavam sujos e emaranhados, a cobrir parcialmente o rosto, e seu olhar parecia o de um maníaco. Fedia a cerveja.

— O que é esta loucura? – perguntou o conde Ewan, com sua voz cheia de raiva a ecoar.

— Tu escondeste de mim a carta que o príncipe Michael me mandou – gritou Finley, com as palavras arrastadas – Ele estava a oferecer-me uma posição na corte de Breator!

— Oh não – Blair murmurou para Roderick – Eu não vou ver mais uma destas conversas.

Ela atravessou o salão com passos fortes e saiu porta afora, sem nem dirigir um olhar a Finley. Roderick e Fionna trocaram um olhar nervoso, tentando perceber se também deveriam ir embora e deixar os dois lidarem sozinhos com a situação.

Eventualmente, Roderick decidiu que era melhor ficar. Aquelas discussões eram quase parte da rotina. Nunca levava a lugar nenhum, entretanto…

Roderick duvidava que seu irmão fosse capaz de machucar o pai. Mas não tinha certeza. Especialmente se estivesse bêbado, como parecia ser o caso. Rod tentou estufar o peito e mudar a postura para parecer mais alto.

— Eu não vou ter filho meu ser um criado para um nobre estrangeiro, ainda mais um breatoriano! – esbravejou conde Ewan.

— Porque tens inveja! Porque sabes que eu em Breator terei mais poder do que tu já tiveste na tua vida toda – retrucou Finley, se aproximando do pai e apontando o dedo para sua cara – Porque sabes que fracassaste!

— Finley, não ouses falar assim! – Roderick exclamou, enfurecido.

— Não vou dar ouvidos a um pirralho do teu porte, Roderick, não te intrometas!

— Pelo amor de Deus, parem de gritar! – Fionna gritou – Parecemos um bando de selvagens! Finley, senta-te. Pai, acalma-te. Roderick, tu também.

Mas ninguém lhe deu ouvidos. Fionna soltou um resmungo irritado e sentou-se sozinha, revirando os olhos.

Roderick moveu-se para ficar ao lado do pai. A cena teria parecido cômica, se vista por um estranho: Finley, um homem feito, naquele momento com sua aparência de bárbaro enlouquecido, barba e cabelos desgrenhados; o pai, conde Ewan, com o cabelo ruivo a começar a desaparecer, mas ainda com o porte imponente que tivera na juventude e sua longa barba vermelha; e em oposição, o jovem Rod, com o punhado de pelos loiros que chamava de barba, o rosto magricela e os braços finos de adolescente.

— Como te atreves, menino insolente? Queres ir para Breator, ser o cãozinho do príncipe? – perguntou conde Ewan.

— É culpa tua. Não me deste outra escolha – Finley retruco.

— Digas logo o que pensas – insistiu o conde.

— Sabes bem que se fôssemos um reino sério, o herdeiro seria eu. Eu deveria ser o próximo conde de Saye.

Roderick viu o rosto do pai se tornar uma carranca ainda mais fechada.

Não somos um reino — Fionna murmurou – Temos nossas próprias regras por um motivo, Finley. Nossas tradições…

— Tradições? Agarrados à elas, não estamos a pensar direito! - Finley exclamou, voltando-se para os homens da família - Pai, achas realmente que Fionna vai cuidar tão bem de Saye quanto tu? Por que achas que nenhum outro rei permite que as filhas herdem sua posição? Elas não têm força para governar.

Roderick arregalou os olhos e imediatamente voltou-se para Fionna, esperando que ela agarrasse na sua faca e fosse espetá-la no olho do irmão. Ela, entretanto, parecia ser mais sábia do que isso. De braços cruzados, encarava Finley com seu olhar mais afiado que qualquer lâmina. E tomou mais um gole de vinho.

— Não tenho por que mudar um sistema que têm funcionado desde sempre, e que nos foi dado pelos ancestrais – Ewan disse, com seu corpo inteiro visivelmente tenso – Fionna e Blair são minhas filhas tanto quanto tu e Roderick.

Finley não parecia satisfeito. Respirou fundo e passou a mão pelo rosto, exasperado.

— E o que acontece quando uma delas estiver grávida? Estarão numa sala com o rei de Breator e seus súditos, com o peito de fora a amamentar um bebê? As mulheres mudam de pensamento num piscar de olhos – ele insistiu – Achas que são mãos seguras para guardar nossas terras? Para guiar nossos homens? Quem as levaria a sério?

— Tu claramente não conheces tuas irmãs se achas que elas são assim tão frágeis – Roderick respondeu.

— Não tens como saber disso, Rod. Uma coisa é toda esta pose que têm aqui em casa. Outra coisa é a vida real. E se formos a guerra? Minha espada pesa mais do que a Blair. Achas que ela ou a Fionna poderiam liderar nossos homens para a vitória?

— Não é preciso que um soberano pegue em espadas para ganhar uma guerra, Finley. Tuas tataravós já ganharam inúmeras batalhas sem vestirem a armadura. És assim tão burro? – Ewan respondeu, irritado – És tão amargurado ao ponto de odiares as tuas próprias irmãs? Sangue do teu sangue?

— Só metade do meu sangue, no caso daquela ali – Finley apontou amarguradamente para Fionna.

— E isso importa? – ela respondeu, erguendo uma sobrancelha – Crescemos juntos, Finn. Eu significo tão pouco para ti?

Finley, pela primeira vez, não retrucou de imediato. Se estava arrependido de suas palavras, ou apenas pensando nas próximas, não era possível dizer.

— Eu me recuso a ser humilhado assim. A ser privado do que é meu por direito – Finley voltou a insistir, falando pausadamente, como que para conter a ira – Eu vou para Breator, e se voltar com mais terras e fama do que todo este condado já teve, não se surpreendam.

— Filho maldito! Eu criei-te! Eu fiz-te o que és, vives confortavelmente, mais do que a maioria do reino todo, e vais abandonar tua terra ao primeiro reluzir de ouro? – urrou o conde, cujo rosto agora estava tão avermelhado quanto seus cabelos.

— Criaste-me? Tu estavas demasiado ocupado a falar com fantasmas para cuidar de qualquer um de nós! Eu criei-me sozinho! – Finley gritou de volta.

E como um trovão, a mão do conde Ewan acertou o rosto do seu filho mais velho. O tapa reverberou pela sala de jantar. Roderick ficou boquiaberto, e até mesmo Fionna fora pega de surpresa.

Finley era obviamente o mais surpreso. Levou sua mão ao rosto, onde o pai o batera, e ficou assim parado, por alguns instantes. Conde Ewan respirava rápido, e não desviara o olhar dele. Roderick podia jurar que vira uma lágrima se formar no olho do pai.

Seu velho idiota….

Antecipando o que vinha a seguir, Roderick rapidamente colocou-se entre seu pai e Finley, levando o soco que seu irmão mais velho desferia em retribuição. O golpe o atingiu na maçã do rosto. Ele fez uma careta de dor, mas não gritou ou arquejou. Seu orgulho não o permitiria. Fionna, entretanto, soltou uma exclamação chocada, e levantou-se da sua cadeira.

Parem com esta merda!— gritou ela – Roderick, estás bem?

— Estou - murmurou o garoto.

Finley não pareceu arrependido de sua atitude, mas afastou-se lentamente.

— Eu poderia prender-te por traição – conde Ewan disse, ainda atrás de Roderick – Executar-te até.

— Mas não vais. Não tens a coragem – respondeu o filho – Eu vou-me embora. Roderick, se eu fosse tu, faria o mesmo. Se o pai fosse sensato, serias o segundo na linha de sucessão. Não te parece mais justo assim?

— Fionna é inteligente – respondeu Roderick, determinado - Confio nela para ser nossa líder.

Finley sorriu presunçosamente.

— Então és tão cego quanto eles. Cuidado, Rod, ou vais te tornar uma garotinha também.

Ele então virou as costas e saiu do salão. Pediu ao seu valete que preparasse seu cavalo imediatamente. Cavalgava para Sul. Para Breator.

Depois daquele jantar caótico, Roderick trancou-se em seu quarto – ou melhor, o quarto deles. A cama de Finley estava vazia havia meses, desde que ele decidira passar mais tempo com seus amigos de Breator do que com a família.

 O pai partira um copo contra a janela após Finley ir embora, irado, e não terminou de comer. Nem Fionna nem Roderick disseram mais uma palavra, e Blair não voltara. Nem ficara sabendo do abandono de Finley.

O quarto estava bem arrumado – o cobertor quente e macio sobre a cama de Roderick, seus livros estavam organizados na estante e sua escrivaninha estava limpa. O lado de Finley estava vazio.

A arrumação quarto não lhe trazia calma. Pelo contrário, ele queria quebrar tudo. Como a existência de um lugar arrumado era coerente com o turbilhão de pensamentos que ele tinha?

O rapaz optou por andar de um lado para o outro, inquieto.

Não tinha deixado de pensar em Finley o tempo todo durante o jantar, mas naquele momento o choque ainda tomava conta de suas emoções.

Entretanto, agora ele já havia tido tempo de processar o acontecido, e estava irritado. Seu peito estava ofegante. Tinha a visão turva.

Quem Finley achava que era? Achava que era muito melhor que todos eles ali? Por que odiava tanto Fionna? Teria sido mesmo envenenado pelas ideias horríveis do príncipe Michael, ou ele sempre foi assim?

O soco doía ainda. Roderick levou a mão ao rosto, mas rapidamente se arrependeu. Mesmo esse leve toque mandou ondas de dor pela sua face. Ficaria com a cara inchada por alguns dias, provavelmente.

Tudo bem. Era uma prova de que se posicionara – literalmente – em defesa do pai, como um bom filho deveria.

Conseguia ver a sombra do irmão sobre a cama, gabando-se de suas conquistas. As moças que seduzira, as lutas que ganhara, as aventuras que tivera, tanto sozinho quanto quando viajara com o príncipe Michael por Saye, usufruindo de toda extravagância que acreditavam ter direito.

Roderick idolatrara o irmão por tanto tempo. E para quê? Para que ele o visse apenas como mais um verme na família fraca em que nascera?

Seja lá o que Finley fosse fazer em Breator, provavelmente estaria mais feliz lá do que em casa.

Mas saber que ele odiava tanto sua terra natal, a terra onde eles todos haviam crescido, e que tinha tanto rancor contra toda sua família… esse era o verdadeiro soco no rosto.

Parte de Roderick queria sentir-se indiferente. Se Finley queria isto, o problema era dele.

Mas ele era seu único irmão.

Irmãos mais velhos deviam ser mentores dos mais novos, seus guias. Seus amigos. E em tempos até tinham sido. Mas Finley o ofendera, na frente do pai e de Fionna.

Lágrimas se formaram nos cantos de seus olhos, mas Roderick não queria chorar. Não era mais uma criança. Agora era o homem da casa, a seguir ao pai. Precisava agir como tal.

Mas seu peito ardia, tanto quanto o soco que levara no rosto.

Finley os havia abandonado.

Rod não saberia dizer o que estava pensando, mas precisava de alguma forma de expressar sua raiva.

Virou-se para a parede ao lado da janela, e desferiu um soco contra a pedra. E mais um.

E mais um.

E mais um.

O impacto o manteve distraído, e ele gritou obscenidades e xingamentos contra o irmão. Só parou quando viu o sangue que escorria de seus dedos marcar a pedra escura.

Jogou-se de volta na cama, peito ofegante. A adrenalina não demorou para abandoná-lo, mas antes que pudesse registrar a dor, alguém bateu na porta. Roderick levantou-se, e lá estava Fionna, com um robe a cobrir suas roupas de dormir, com um castiçal na mão e olhar preocupado.

— Rod, o que estavas a fazer? – perguntou, e olhou para a mão sangrenta do irmão, e depois para a parede – És estúpido?

— Estou bem.

— Claramente que não. Sai da frente e deixa-me tratar disto.

Ela empurrou o irmão para o lado e entrou no quarto. Pousou as velas na escrivaninha e imediatamente começou a revirar o quarto à procura de algo que pudesse usar. Roderick voltou para a cama, sentado e cabisbaixo.

Fionna rasgou uma faixa de tecido da barra de seu robe e pegou o jarro com água que estava sobre a escrivaninha. Dividiu a faixa em mais pedaços e sentou-se ao lado do irmão. Começou por limpar um pouco os cortes causados pela pedra áspera, fazendo Roderick sibilar.

— Vais ter um aspecto ótimo amanhã de manhã – comentou ela, sem desviar o olhar do seu trabalho – Cara machucada e mãos enfaixadas. Vai parecer que estiveste numa briga.

— E estive. Com Finley.

— Deixa de ser dramático. O Finley é tão burro quanto a tua parede, não te podes deixar afetar pelas merdas que ele diz. Ele só quer atenção.

— Eu não sou uma garotinha, Fionna.

Ela voltou o rosto para o irmão e ergueu uma sobrancelha.

— Acho que ninguém te confundiria com uma menina, Rod – disse, calmamente, mas com um sarcasmo velado – Além disso, não é o pior xingamento que já ouvi. Garotinhas não são assim tão más.

Rod assentiu, e Fionna continuou a enfaixar suas mãos.

Enquanto isso, o menino olhou de volta para a cama do irmão, a sombra de Finley ainda presente. Caberia a ele preenchê-la.


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Notas finais do capítulo

Se não me engano, esse foi o primeiro capítulo que eu escrevi da história, e também um dos que eu menos tive que reeditar porque eu tinha desde sempre a ideia do que o Finley tinha feito, foi só uma questão de dar uns vislumbres desse evento nos capítulos passados, como muitos de vocês perceberam.
Para o próximo capítulo, vamos ter pela primeira vez um irmão mais novo - ou melhor, irmã: Griselda!