Jovens Afortunados escrita por Taigo Leão


Capítulo 14
XIV




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Alego,

 

Como tem passado?
Depois de uma longa ligação com Clara, resolvi lhe contar toda a verdade.
Sei que está dormindo enquanto escrevo, pois estou vendo que não há luz em seu quarto. O silêncio nas ruas também deixa claro que é hora de descansar, mas aqui estou eu, sem conseguir dormir, escrevendo para ti.
Preciso lhe contar que estive doente, como imagino que deva ter desconfiado.
Não quero usar termos técnicos, pois não quero que se preocupe. Apenas quero que tenha a noção de que viver por mim mesma não estava ao meu alcance, então mamãe contratou uma ama para cuidar de mim.
Joanna, minha doce Ama, me fez companhia durante muito tempo.
Ela amenizou um pouco minha amargura e meu vazio com sua companhia, ainda mais depois de mamãe me privar das coisas que gosto de fazer, como se estivesse me privando da vida.
Não aprovei a idéia, pois me privou até mesmo das visitas de Clara, e tão logo não pude deixar de notar como este quarto é escuro e vazio se não há ninguém aqui por mim ou se não estou concentrada em alguma coisa. Quando estou sozinha, impossibilitada de fazer tudo, este quarto é como uma prisão. Gosto da solitude, mas saber que há alguém ali me conforta de certa forma.
Mamãe retirou até mesmo as telas do meu quarto, me proibindo de pintar, e também me proibiu de sair. Ela me proibiu de fazer tudo que pudesse me cansar, tudo que exigisse qualquer esforço físico. Em suma, me proibiu de viver.
Um dia, quando fui tola, e, em uma tentativa falha, tentei cuidar do jardim por mim mesma, me faltou forças para ficar em pé e segurar o regador, e, atordoada, acabei caindo. Desde então, mamãe também me tirou o direito de cuidar de meu próprio jardim, e não gosto muito de pensar nisso, pois essa foi uma situação muito vergonhosa para ser repetida.
Mas as rosas não morreram. Joanna não deixou por isso. Ao mesmo tempo em que cuidava de mim, ela cuidava de meu jardim, pois disse saber como ele era importante e uma parte de mim, e mamãe havia pago para que ela cuidasse de mim como um todo, e não em partes. Aos poucos Joanna cuidou não só do meu físico, mas também da minha cabeça e coração.
Ela também tentou se aproximar de mim, mesmo com sua tímida natureza e sua forma reclusa. Em algumas situações, até mesmo me lembrava de você, acreditas nisso, Alego? Agora eu consigo lhe entender um pouco mais.
Nos dias em que estive doente, percebi como tive sorte quando estava no exterior, pois lá, ao menos conseguia ver a vida dos outros através da janela, enquanto que presa aqui, apenas conseguia imaginar como os outros estão vivendo. Não abri mais a janela, não via outras pessoas, era como um pesadelo horrível onde apenas eu e Joanna existíamos em um mundo tão vasto, pois presa no quarto, nem mamãe ou Dan eu conseguia ver com tanta frequência. Então permaneci solitária nesse recinto, aceitando minha condição completamente desolada. Presa em um novo mundo. Um mundo onde as pessoas continuavam trabalhando. Um mundo onde as crianças iam para a escola e você vive a sua vida. É apenas um mundo onde eu não existo, mas isso não é relevante para ninguém.
Agora estou melhor e mamãe dispensou Joanna por "não ser mais necessária", mas gostaria que ela continuasse comigo, pois me senti mais próxima dela do que jamais me senti de mamãe. Gostaria que Joanna fosse contratada por mamãe para fazer o seu papel, pois com ela tive um pouco de companhia. Seria como uma mãe de aluguel, ou algo desse tipo. Parece uma loucura, mas isso me faria feliz.
Não é como se mamãe fosse uma pessoa ruim. Ela sempre me deu tudo, mas acabou se esquecendo de algo essencial: o amor.
Nestes dias cinzas, peguei parte do marasmo que senti – quando Joanna não estava comigo –, para tentar compreender um pouco mais minha própria vida, através de uma linha mais clínica e crítica. Entre todos os pontos que analisei, com certeza minha relação com você não podia ter passado despercebida.
Desde o início da minha vida fui instruída a viver de uma forma diferente. Eu deveria ser feliz e forte. Mas, e se não puder ser feliz nunca? Me diga, Alego, o que eu poderia fazer? Se em toda minha vida fui privada das coisas que gosto... É como se eu sempre tivesse que fugir de mim mesma e dos meus círculos; é como se cada parte de mim tivesse seus gostos próprios e uma vida própria, assim eu sempre necessitei da mudança. Assim que me acostumo e me apego à algo ou alguém, ou até mesmo com algum lugar, devo sair, para bem longe. Mas eu não quero mais mudar, quero ser eu mesma!
Acreditei que eu deveria achar uma maneira de fugir dessa tristeza, porque me disseram que isso era o certo a se fazer. Mas e se eu nunca achar uma maneira? Devo deduzir que minha forma de vida é falha e errônea, apenas por ser errada perante os olhares dos outros? A verdade é que em meu melhor dia sou levada por uma tristeza sem sentido. Não é um sentimento amargo, é apenas uma tristeza simples. Para mim essa é com certeza uma forma de se viver, pois é a forma que encontrei, e isso me basta. Se estou satisfeita – Não feliz, e sim satisfeita – com minha vida, então a das outras pessoas não me importa nem um pouco.
Não estou romantizando, apenas acredito que não há mal algum em viver deste jeito. E também acho que não devo ouvir os pitacos que as pessoas dão nas vidas alheias, só me sinto mal por estar tentando relevar estas informações por serem instruídas por pessoas tão próximas de mim, como minha própria família.
Se isso é o certo a se fazer, por que sinto que estou seguindo por um caminho errado, Alego? Espero não me arrepender futuramente... Não quero parecer ingrata, pois sei que, do jeito dela, mamãe sabe o que é melhor para mim e apenas não quer me ver triste. Acho que o que ela mais teme não é minha depressão, mas sim que eu seja como ela foi um dia.
Sinto que o mundo dos sonhos está vindo me buscar, mas antes de encerrar essa carta, preciso lhe confessar que há algo que me atormenta muito agora. Lhe digo isso, porém peço que aguarde mais um pouco, pois só quero lhe revelar quando tiver uma resposta definitiva, e, infelizmente, ainda não a tenho.
Sei que estou sendo maldosa e sei que estou atacando sua ansiedade deste jeito – talvez você se sinta ainda mais ansioso para receber uma carta minha agora –, mas tenha a noção de que se não fosse realmente importante ou válido para ti, eu não lhe contaria sobre. Eu apenas não tenho a resposta para isso ainda, mas logo terei, e a compartilharei com você, expondo toda a situação.
Prometa, Alego, que esperará por mim e por minha resposta, pois essa, meu amigo, pode mudar drasticamente o rumo de minha vida.


Com amor,
Natasha.

 

 

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Natasha,

 

Meu anjinho.
Que alegria senti quando recebi tua carta.
Bem sei que não devo adiar ainda mais nossas conversas, por este motivo, já estou te respondendo, para não cessar nossa aproximação, já que ficamos muitos dias sem nos falar. Mas vamos deixar o passado no passado; vamos falar do agora.
Sua extensa carta me deu o que pensar. Eu não fazia ideia, meu anjinho, de como tens vivido nos últimos dias. Nem ao menos vi esta pessoa que se chama Joanna pelas redondezas, mas fico muito contente em saber que está melhor agora.
Vejo a confusão em tuas palavras e entendo perfeitamente o que está tentando me dizer. Logo encontrará uma resposta, sei que sim, então não se preocupe, meu anjinho, pois dias melhores virão.
Hoje acredito que devemos encontrar nossa própria forma de viver. Os mais velhos, principalmente nossa família, tentam nos direcionar para o que acham melhor, pois não querem ver a nós vivendo como eles, mas eles não sabem que os tempos são outros. Eles não sabem que, por sermos rebeldes – que é como eles nos vêem –, estamos formando nosso próprio caráter. Da mesma forma que eles formaram no tempo em que viveram.
Então devemos fazer o que gostamos. Ler um livro, criar novas aptidões. Estamos vivendo à nossa maneira. Não somos mais crianças. Sabemos que o tempo está passando e é um tempo que não voltará mais. A vida é desta forma. Vivemos procurando por um caminho. Não um caminho certo universal, procuramos nosso próprio caminho, que, inconscientemente, já estamos trilhando.
Então você está certa em não viver exatamente da forma que sua mãe quer, pois tenho a certeza de que ela não viveu exatamente da forma que seus avós queriam. Você precisa viver da forma que lhe der vontade. Você pode levá-la em consideração, mas lembre-se de que só você sabe o que você está sentindo, então não deve ir por caminhos que lhe afetarão negativamente apenas porque foi guiada por este caminho. Um conselho familiar não é uma ordem, muito menos um roteiro para ser seguido à risca.
Digo, se tua arte não lhe rendesse dinheiro, acha que sua mãe deixaria que você seguisse por este caminho por tanto tempo? Como você se sentiria sabendo que teria que deixar isso de lado, apenas por que sua mãe não vê algum futuro nisso? Tens de ser rebelde e seguir seus caminhos, meu anjinho, pois você, com tuas próprias pernas, hoje trilha seu próprio caminho. Você não é um fantoche; não é uma marionete. Você é uma pessoa. Se tua mãe realmente te ama, ela não te deixará de lado apenas por não seguir estritamente o roteiro que ela lhe ordena. Você não vive de forma errada. Você vive da forma que deve viver.
Seja você mesma, meu anjinho, pois não há ninguém neste mundo que pode ser como tu, então precisamos de você. E não diga sobre um mundo em que você não existe, pois se eu estou no mundo, então sempre serei uma testemunha de sua existência. Enquanto eu estiver aqui, você sempre existirá dentro de mim.
Você pode pensar que está esquecida ou solitária, mas saiba que o mundo não é tão cinza e injusto assim. Ainda existem belas obras para serem vistas e outras serão criadas. Um dia talvez eu volte a te ver. Eu vivo no mesmo tempo que você, então não posso dizer que o mundo é totalmente injusto.
Quanto aos últimos dias – em minha visão –, não foram tão ruins quanto para ti.
Ainda não possuo um novo trabalho registrado, mas recebi uma quantia por minha crônica. O jornal me entregou mensagens e cartas que receberam para mim. Recebi até mesmo mensagens profissionais, mas não sei se estou pronto para isso agora.
Tenho lido um pouco mais. Tenho visto um pouco mais sobre artes. Fui à bibliotecas e ao teatro. Conheci uma nova praça, em um parque, do outro lado da cidade, mas é um bom lugar, que possui um lago, não sei se você já foi até lá.
Me mantive em silêncio. Caminhei para longe de ti. Me afastei pois temia que se estivesse por perto, teria que lhe encarar uma hora ou outra. Além disso, temi que não pudesse mais reatar o que tive um dia e que é tão valioso para mim.
Mas onde fui, pensava em ti. Me contrariando, caminhei pelas mesmas ruas, na esperança de te ver, mas apressei o passo, com medo de lhe encarar, e quando chegava ao final de meu caminho, lamentava ter passado tão depressa, porém no outro dia fazia a mesma coisa. Talvez eu já tenha me acostumado a viver sem ti, pois quando você foi para o exterior, nunca tive a certeza de que voltaria para cá, ou de que gostaria de falar comigo novamente. Eu nunca soube se você voltaria ou não, e me arrisco a dizer que caso tu não tivesse voltado, eu nunca mais poderia ser feliz.
Quando nos afastamos nestes dias não foi como da primeira vez. Na verdade foi como estar no inferno. Foi o pior dos castigos, pois eu sabia exatamente onde você estava, e por mais que eu tentasse esquecer tudo isso e seguir vivendo, eu sei que não poderia, pois as memórias são coloridas, elas não desaparecem. Na realidade, elas nos atormentam.
Em cada esquina, em cada passo, eu via um pouco de você.
Se gostasse de uma boa frase em um livro novo, pensava em ti. Se comia algo novo, gostaria de lhe oferecer ou falar sobre. Se assistia um filme interessante, ou até mesmo uma peça, queria que estivesse ali comigo. Até mesmo na praça, vendo o reflexo na água, ou caminhando, observando as estrelas, gostaria que estivesse comigo. O que eu mais queria era a sua companhia. Acho que mais do que ser amado, gostaria de ser entendido, e você, junta de Jonathan, foram as únicas pessoas que me entenderam em toda minha vida.
Me edifiquei. Cresci aos poucos. Intelectualmente. Tudo para ser alguém melhor. Pois se não sou o suficiente para mim, quem dirá para outra pessoa.
Passei boa parte da minha vida esperando por algo, sem saber exatamente o que era. Mas agora encontrei minha resposta.
Para encerrar, meu anjinho, demonstro meu interesse e curiosidade sobre o que disse no final de sua carta. Estou esperando ansiosamente por tua resposta. Sei que é algo importante, pois disse que pode mudar drasticamente o rumo de tua vida, e me preocupo muito por isso. Zelo muito por você, meu anjinho, pois temo que a vida não seja o suficiente para ti. Temo que vás embora novamente. Temo que me deixe para trás. Mais do que isso, temo por tua felicidade, pois se tem alguém neste mundo que merece ser feliz, esse alguém é você. Então deves imaginar como me preocupo com tuas palavras e com o estado de sua mente e de seu coraçãozinho.
Mesmo agonizando em curiosidade, não lhe pressionarei. Apenas saiba que estou aqui para tudo que precisar. Sempre estarei aqui, meu anjinho, pois não tenho outro lugar neste mundo, senão ao seu alcance.

 


Com amor,
Alego.


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