O Landau Vermelho escrita por Matheus Braga


Capítulo 1
Prólogo




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Contagem, Minas Gerais

 

A Avenida João César de Oliveira estava completamente deserta àquela hora da madrugada. O único veículo que transitava pelo local era um novíssimo Ford Fusion preto pertencente a Geraldo Lacerda, delegado reformado da Polícia Civil, que voltava de uma confraternização com os antigos colegas militares.

No rádio, um jornal anunciava a situação financeira do país.

E apesar de alguns estados apresentarem uma melhora em sua situação econômica, o PIB nacional continua em queda. Os preços dos principais produtos produzidos no país continuam em alta, o que dificulta...

O delegado mudou para uma estação de músicas dos anos 80 e 90, onde Bon Scott cantava Highway to hell a plenos pulmões.

Com o trânsito livre, os radares desligados e os semáforos piscando suas luzes amarelas em flash, o delegado mantinha a velocidade do Fusion tranquilamente na faixa dos 60 quilômetros por hora. Apesar dos bocejos de sono, tamborilava os dedos no volante de vez em quando ao ritmo da música que tocava.

Estava passando pela fábrica da Arcor quando viu os faróis surgindo pelo retrovisor interno. A princípio, eram apenas dois pequenos círculos brancos com luz alta, mas que vinham se aproximando rápido.

Geraldo não deu muita atenção. Sabia que àquela hora da noite era normal ver um ou outro motorista abusando da velocidade naquela via. No entanto, os faróis se aproximaram, se aproximaram e postaram-se por trás do Ford Fusion, inundando seu interior com uma potente luz branca. O delegado franziu os olhos, espiando pelo retrovisor na tentativa de ver o rosto do outro motorista, mas tudo que conseguiu distinguir foi um jogo de faróis duplos e a metade de uma grade dianteira de filetes cromados verticais. Pelo vulto negro do outro veículo e pelo rugido alto do motor, Geraldo pôde notar que se tratava de um modelo exageradamente grande e, muito provavelmente, antigo.

Estavam passando pelo Hospital Municipal. Geraldo dividia sua atenção entre o veículo que o seguia e a via diante de si, mas no momento em que desviou os olhos para o semáforo à sua frente o veículo misterioso atingiu a traseira de seu Fusion com um baque seco. O para-choque traseiro do Ford afundou, e o veículo dançou na pista.

Merda!, pensou o delegado, em alerta, fazendo seu carro voltar à trajetória correta. Quem é esse filho da mãe?

Ele não tinha resposta para a própria pergunta. E nem teve tempo de pensar muito. Com uma repentina guinada para a esquerda, o veículo abriu e ultrapassou o Fusion. O som grave e alto do escapamento deixava evidente a potência absurda de seu motor enquanto ele se afastava rapidamente.

E a noite caiu em silenciosa quietude novamente.

Geraldo encostou seu carro rente ao meio-fio e ligou o pisca-alerta. Em toda sua vida como militar, nunca havia enfrentado uma situação tão estranha e sem explicação. Tentou raciocinar, pensar em alguém que pudesse querer prejudicá-lo, ou se vingar de alguma coisa, qualquer coisa. Mas não. Ele não conseguiu pensar em nada do tipo. Muito provavelmente se tratava simplesmente de algum motorista transtornado ou sob efeito de álcool ou drogas.

Abriu a porta e desceu, dando a volta no Fusion e indo conferir a traseira batida. O dano era grande. O plástico do para-choque havia sido violentamente amassado e dobrado, e lascas da tinta preta haviam sido arrancadas em vários pontos. A tampa do porta-malas havia sido atingida próximo à placa e curvara-se para dentro, o que certamente a impediria de ser aberta. Apenas as lanternas permaneciam intactas. Por alto, Geraldo estimou um prejuízo de quase três mil reais, mas tranquilizou-o o fato de que o seguro cobriria o estrago.

Ainda rangendo os dentes devido ao susto e coçando o bigode, voltou para o carro e colocou-o em movimento novamente. Passou pela fábrica da DELP e começou a subir a avenida no sentido da Praça Paulo Pinheiro Chagas. Apesar da quietude envolvente da noite, ainda olhava vez ou outra pelo retrovisor, tentando entender o que havia acontecido. Estava quase no alto do morro quando os quatro faróis altos se acenderam diretamente à sua frente.

A reação foi instintiva. Geraldo pressionou o freio com força e virou o volante para a esquerda, fazendo o Fusion deslizar de lado e guinchar os pneus. Após um breve momento que pareceu acontecer em câmera lenta, o Ford finalmente parou. Virando-se para o olhar, Geraldo pôde ver os quatro faróis circulares do outro veículo iluminando cada centímetro do interior de seu carro.

E então, aquele som grave. O motor do misterioso veículo havia sido acelerado, e seu som assemelhara-se ao rugido de um Tiranossauro furioso. Geraldo viu a grade de filetes cromados aproximar-se da lateral de seu Fusion, e não hesitou sobre o que fazer. Engatando a marcha, pressionou o acelerador e arrancou com o Ford em alta velocidade, retornando pela avenida João César de Oliveira.

O outro veículo o seguiu, e não demorou muito para alcançá-lo e postar-se novamente em sua traseira. O instinto de militar de Geraldo o levava a forçar a vista para tentar identificar o outro motorista, mas tudo que ele conseguia ver pelos retrovisores era a cegante luz branca que vinha dos faróis. O delegado pressionou ainda mais o acelerador, mas o outro veículo o acompanhou até, por fim, atingir a traseira do Fusion mais uma vez com o para-choque. Tomou uma pequena distância e atingiu-o ainda outra vez. Novamente o Fusion derrapou de traseira, e desta vez Geraldo precisou de um esforço maior para retomar o controle do veículo.

Estavam passando pelo Hospital Municipal novamente, já a mais de 100 quilômetros por hora, e o delegado percebeu que o veículo de trás abria uma certa distância e vez ou outra ameaçava trocar de faixa para ultrapassá-lo ou, Geraldo julgou, abalroá-lo pela lateral. Era a deixa para reagir. Inclinando-se sobre o banco do carona, abriu o porta-luvas e tirou uma pistola Magnum automática. Engatilhou-a e, baixando o vidro, apontou-a para trás e disparou várias vezes, tentando atingir o veículo que o perseguia.

Mas foi em vão. O carro misterioso serpentou na pista e desviou facilmente das balas, apesar do seu tamanho exagerado. Geraldo voltou sua atenção para a avenida à frente novamente, pensando numa solução. Estava iniciando a descida para passar novamente diante da fábrica da Arcor e sobre o viaduto que se elevava sobre a Via Expressa de Contagem. Após o viaduto havia uma curva para a esquerda e, ao final desta, o 18º Batalhão da Polícia Militar.

Era isso. Se ele conseguisse chegar ao Batalhão, aquela loucura teria fim. Ele estacionaria rapidamente diante do local e acionaria os policiais de plantão. Geraldo apenas ensaiou um suspiro de alívio ao final do pensamento, mas o rugido grave do motor do outro veículo preencheu o ar. O delegado olhou para o retrovisor interno apenas a tempo de ver os quatro faróis circulares e a grade de filetes cromados aproximarem-se da traseira do Fusion em altíssima velocidade e esmagá-la com uma força avassaladora. As lanternas espatifaram-se e o vidro traseiro explodiu. A tampa do porta-malas ergueu-se como uma boneca de trapos atirada para o alto. Jogado sobre o volante com a força do impacto, Geraldo perdeu o controle do veículo.

A traseira do Ford rabeou como uma serpente convulsiva. Rodando sem controle para a lateral da via, o veículo atingiu o início da mureta do viaduto que se erguia sobre a Via Expressa e alçou voo, descrevendo uma longa curva no ar até embicar para baixo e despencar sete metros em queda livre. O Fusion atingiu o asfalto da Via Expressa com o capô, coroado com uma chuva brilhante de cacos de vidro e com o som horrível de metal sendo amassado, e aterrissou sobre o próprio teto, ficando com as rodas viradas para cima. Uma das incontáveis faíscas geradas pelo impacto ateou fogo ao tanque de combustível rasgado, iluminando a cena com uma tremulante luz amarela.

Dos destroços do que outrora havia sido o para-brisa do elegante Ford Fusion, pendia uma mão ensanguentada. Por alguma razão incrivelmente sádica, acima do som do crepitar das chamas no tanque de combustível ainda se ouvia a música que provinha do rádio do veículo, que ainda funcionava. A voz de Bon Scott preenchia a noite:

Hey, Satan! Paid my dues... Playin’ in a rock band...

Mais atrás, o veículo misterioso contornava vagarosamente a alça lateral do viaduto, saindo para a Via Expressa e aproximando-se dos destroços fumegantes do Ford do delegado Lacerda. Seu para-choque estava bastante amassado no centro, e alguns dos filetes cromados da grade dianteira haviam adquirido um estranho formato de S. Um de seus quatro faróis havia se quebrado, e outro piscava de forma vacilante. No entanto, os dois faróis que permaneciam intactos iluminavam bem o cenário horrendo diretamente à frente.

Era possível ver a claridade ínfima do display do rádio iluminar parte do interior do Fusion, enquanto ainda podia-se ouvir o vocalista do AC/DC cantar sua música mais famosa.

I’m on the highway to hell! Highway to hell!

Houve um estalo forte vindo do tanque de combustível, seguido por um aumento considerável no tamanho das chamas que o envolviam. O veículo misterioso, imóvel como uma estátua de mármore negro, parecia observar a cena, absorvendo e se deliciando com cada detalhe do que acontecia diante de si. Um segundo estalo, ainda mais forte que o anterior, lançou pequenos fragmentos em chamas para os lados e espalhou ainda mais as chamas sobre os destroços do Ford.

E então, o misterioso veículo acelerou. Acelerou forte, como se rugisse para a carcaça fumegante do carro do delegado. Como se mostrasse quem mandava naquele local. Acelerou duas, três, várias vezes, como um animal selvagem defendendo seu território do Fusion invasor, cujo rádio ainda tocava de forma sinistra:

I’m on the highway to hell! Highway to hell...

Finalmente, o Ford explodiu. Pedaços de metal e estilhaços de vidro voaram por todos os lados, e as chamas envolveram a lataria retorcida como um manto, crescendo cada vez mais. O carro misterioso acelerou novamente, seu motor rugindo como se confirmasse sua vitória, para em seguida arrancar com violência. A enorme traseira afundou sobre os amortecedores enquanto o veículo ganhava velocidade, cantando os pneus e contornando o Fusion do delegado. Enquanto ele se afastava, seus faróis foram apagados e seu motor foi ficando mais silencioso, até que ele sumiu na escuridão que cobria a Via Expressa de Contagem tão misteriosamente quanto havia surgido.

A pouco mais de um quilômetro de distância, o vigia noturno de uma empresa de autopeças julgara ter ouvido uma explosão e saíra da guarita de vigilância a tempo de ouvir aquele urro grave ecoando pela noite de forma impetuosa, sendo levado para longe pelo vento que soprava. Apesar de saber que se tratava apenas do escapamento de um automóvel qualquer, um calafrio correu-lhe pela espinha e por um instante ele pensou que, de alguma forma, uma fera jurássica havia sido trazida de volta à vida e, movida por um instinto mortal, dava início a uma terrível caçada por suas presas.

Como o som não se repetiu, ele voltou para dentro.


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