Lily Apaixonada escrita por Bianca Vivas


Capítulo 2
Mais um primeiro dia




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As férias também são estimadas. Esperadas. Desejadas. Entretanto, não existe instante mais sublime que o da volta à rotina, quando o tédio já é o elemento principal da sua existência. Pelo menos, era assim para Lilian e as amigas.

Não era o amor pelos estudos que as fazia amar este momento, entretanto. A volta às aulas significava voltarem a se ver todos os dias. Então, Lilian encontrava-se exultante naquela manhã de segunda-feira, apesar de estar atrasada.

O relógio marcava 06h30min quando acordou. Levantou-se no terceiro toque, como de costume. E, naturalmente, às 6h45min descia correndo as escadas. Farda amassada, cabelo despenteado, mochila pendendo do ombro, um sorriso no rosto ― mais largo que todos que esboçara durante o recesso. A ordem natural de sua vida voltara.

Encheu uma xícara com café e a bebeu, enquanto observava Benjamin guardar alguns papéis numa pasta preta. Ele estava vestido com seu melhor paletó, sinal de que haveria uma grande reunião naquele dia. Também chegaria tarde da noite, quando as filhas já estariam dormindo. Era sempre assim quando Benjamin vestia novos paletós.

— Onde está Petúnia? — Lilian perguntou, olhando ao redor, procurando pela irmã mais nova. Não queria acreditar que a sempre pontual Petúnia estava atrasada.

— Não tão rápido, maninha. — Petúnia segurava uma maçã muito vermelha. Viera da sala e estava impecável. Os fios louros puxados para trás, em um perfeito rabo-de-cavalo, a roupa perfeitamente ajeitada no corpo. Um leve odor de flores emanava dela.

Lilian fez uma careta.

— Que cheiro é esse?

— Rosas, irmã. — Petúnia retornou à sala. — Já está na hora — acrescentou, olhando o relógio de pulso, irritada. Provavelmente, estavam alguns poucos segundos atrasados.

Lilian e Benjamin a seguiram. Sabiam que ela estava certa. Petúnia gostava de ter controle sobre a própria vida. Administrar cada minuto gasto era, segundo ela, a melhor forma de fazer isso. Costumava explodir de raiva quando alguma coisa saia de seu meticuloso roteiro.

O trajeto até a escola foi feito ao som de um rock antigo que Lilian não reconheceu. O pai mantinha-se concentrado no trânsito, apesar de quase não haver carros na rua. Havia certo nervosismo na maneira como ele acariciava o volante e a marcha, sem saber qual dos dois deveria segurar.

Petúnia, ao seu lado, trocava mensagens incessantemente. As unhas finas e pontudas, pintadas de um tom de azul escuro, batiam no teclado compulsivamente. Restou a Lilian observar a névoa da noite dissipar e dar lugar a um sol ameno.

Rapidamente, prendeu-se em devaneios bobinhos, criando cenas e canções ao seu bel prazer. O tédio consumindo-a e alegrando-a. Uma perfeita antítese. Foi arrancada, contudo, das divagações mentais com o parar suave do carro. Haviam chegado ao Instituto de Aprendizagem para Moços e Moças de Hogwarts.

O colégio era grande. Um gramado exageradamente verde estendia-se à frente de um enorme portão de ferro, que guardava a entrada. A escola estava abarrotada de alunos que chegavam e Benjamin teve alguma dificuldade em estacionar, mas, depois de algum tempo, conseguiu deixar as garotas o mais perto do portão de entrada que pôde.

Lilian desceu do carro. Observou que a maioria dos colegas chegavam em grupos. Apenas alguns, como ela e Petúnia, vinham de carro.

Petúnia correu de encontro aos amigos que não via há alguns dias, enquanto Lilian caminhava pela entrada. Gargalhadas e conversas animadas estavam por toda parte. Viu Alice e Frank juntos, de mãos dadas. Sorriu para eles. Percebeu quando Dorcas Meadowes chegou sozinha, com fones no ouvido e um grosso livro nas mãos – a típica Dorcas. Alguns veteranos conversavam perto do grande arco de pedra, que era a entrada de pais e professores. A rotina estava reerguida.

Então Emmeline a chamou, balançando a mão no ar. Estava num canto privilegiado pelo calor. Ao seu lado, Marlene e Mary conversavam. As três sempre iam juntas para o colégio, de algum jeito.

Lilian se aproximou. Depositou um beijo na bochecha de cada uma das garotas e, juntas, caminharam para a sala de aula.

***

Era um cômodo arejado. Várias janelas emolduradas por cortinas azuis. Um quadro branco enorme cobria uma das paredes. Alguém estava empoleirado na mesa do professor; os pés pendendo frouxamente na cadeira de madeira. Duas grandes fileiras de cadeiras verdes e acolchoadas já estavam bagunçadas. Lucius Malfoy, o namorado de Emmeline, por quem Lilian não nutria afeição nenhuma, tentava ligar manualmente o ar-condicionado. Meninos e meninas tiravam fotos, jogavam no celular, corriam e gargalhavam. Nada havia mudado. Duas semanas, afinal, não era um longo tempo.

Colocaram a mochila em uma cadeira qualquer na segunda fileira, onde era o lugar delas, e foram conversar com os colegas que não viam há algum tempo.

― E como anda Snape, Lilian? ― Uma menina de longos cabelos negros perguntou a ela.

Lilian sentiu que seu cérebro parou de funcionar por uns dois segundos. Poucas pessoas sabiam sobre Severo Snape. Aquela garota não era uma delas. Ela não fazia parte do círculo de amigos de Lilian, não se interessava pela vida de Lilian e, muito menos, andava com Severo.

― Como você sabe sobre isso?

― Lucius ― a menina sorriu e saiu, como se tivesse atingido seu objetivo.

Alguns minutos depois, após três pessoas perguntarem sobre Snape, ela percebeu que todo mundo sabia algo que ninguém deveria saber. A vida dela estava sob os holofotes de novo e ela detestava isso.

Por isso, teve uma súbita irritação naquela manhã que deveria ser gloriosa. Assim, passou toda a aula tentando digerir o fato de toda a escola saber, graças ao Lucius, sobre o muitíssimo breve caso que ela teve com o amigo Severo Snape no Halloween.

— Você não parece bem. — Mary ia dizendo enquanto desciam as escadas para a quadra.

— Mas eu estou bem. — Lilian insistiu, apressando o passo. Era hora do intervalo e no primeiro dia a fila do refeitório sempre era maior.

— Você passou a aula inteira olhando para o nada com a cara de quem ia cometer um assassinato, Lilian.

— Sou eu, faço isso o tempo inteiro. — Lilian deu de ombros.

— Espera — Mary a virou de frente para si, segurando-a pelo ombro. — Não é normal, mesmo para você. Sei que os comentários a incomodaram. Eu percebi.

— Não. Não incomodaram. — Lilian voltou a caminhar, soltando-se do abraço forçado. Já estavam no refeitório e ela se dirigiu à fila, a carteira vermelha na mão. – Foi impressão sua. Esse tipo de coisa não me afeta.

Mary revirou os olhos antes de responder, num sussurro:

— Não sou a Emmeline, que conhece cada olhar seu. Ou a Marlene que sabe de cada parte de sua história. Nem mesmo Alice, a garota que sempre te faz sorrir. Mas acredite quando eu digo, Lilian, eu sou sua amiga e sei quando algo está errado. Você se sentiu incomodada. Admita. Faz bem pra saúde.

— Ah, tá bom! — Lilian estava irritada com a conversa — Admito! — O grito dela sobressaltou a todos na fila e metade do refeitório a olhava com curiosidade agora. — Eu fiquei incomodada, mas apenas porque não esperava que eles soubessem. — Tomou o cuidado de falar baixo. — Satisfeita? — Acrescentou, por fim.

— Muito — Mary respondeu, mas Lilian já não a ouvia mais.

Os olhos verdes de Lilian estavam fixados em ponto muito aquém a cabeça de Mary. Ela estreitava as vistas, seu olhar encontrando o de outra pessoa. Mary passou a mão em frente a seu rosto algumas vezes, contudo Lilian permanecera parada. Sem piscar. Sussurrou alguma coisa e saiu da fila, deixando Mary estupefata.

Lilian abriu caminho em meio à multidão de alunos que se amontoavam no refeitório e saiu. Atravessou a quadra de futebol, interrompendo o jogo e ouvindo muitos xingamentos. Mesmo assim continuou a andar. Quando chegou ao outro lado, arfou antes de dar um soco no rosto do menino que se encontrava a sua frente. A fúria fora finalmente liberada. Mary tinha razão, admitir alguma coisa fazia bem à saúde.

— Mas... O quê...? — As palavras ficaram presas na garganta de Lucius.

Lilian observou Lucius. Estava patético com a mão no nariz, entretanto, um brilho furioso estava preso em seu olhar. Seus grunhidos pareciam dizer que ela iria se arrepender. Provavelmente iria mesmo, mas não estava disposta a pensar nisso por agora. Olhou rapidamente a cena: a gargalhada de Emmeline ainda congelada em seu rosto; Mary tampava a própria boca; Marlene olhava-a fixamente, como se a garota a sua frente fosse uma alienígena. Voltou-se novamente para Lucius.

— Nunca mais se meta na minha vida. Não importa a maneira. — Murmurou em seu ouvido e lhe deu as costas.

Desceu a arquibancada furiosa. Enquanto atravessava a multidão que se reunira para ver a cena, percebeu Emmeline em seu encalço. Lilian apenas ignorou a amiga, seguindo o caminho que seus pés traçavam. Entrou e saiu do refeitório. Atravessou metade de Hogwarts e foi parar em frente à capela. Sua boca se abriu em um grito irado.

— Lilian... — Emmeline estava cautelosa, com medo de dizer a coisa errada.

— Cala a boca, Emmeline! — Lilian virou-se, perdida em sua cólera, os braços jogados para cima, como se pedisse algum tipo de poder extraordinário aos céus. — O seu namoradinho se incumbiu de arruinar a minha manhã! Então, não tente defendê-lo!

Emmeline deu um passo para trás.

— Eu não estava tentando... — ela parecia inserta quanto ao que dizer. — Só queria te acalmar.

Lilian, então, olhou para Emmeline. Franziu os lábios enquanto a observava. Emmeline segurava nervosamente a barra da camisa. Os cachos negros esvoaçavam ao vento da manhã de inverno, enroscando-se em sua boca apertada. Lilian sentiu o furor deixando-a. Largou os braços ao lado do corpo e escorregou para o chão de paralelepípedos. Com as pontas dos dedos, esfregou os olhos. Procurava a lucidez.  Emmeline ajoelhou-se ao lado dela.

— Eu detesto isso, sabia? — Ela disse com a voz meio embargada. — As pessoas falando sobre mim. Odeio isso!

— Você pensou que ninguém sabia, não é?

Lilian assentiu. Emmeline continuou:

— Bem, sabem mais do que você pensa.  — Lilian levantou o rosto, curiosa. — Potter ― disse Emmeline, como se tudo fosse, repentinamente, fazer sentido.

Aquele nome fez cada poro do corpo de Lilian estremecer. Fazia algum tempo que não o ouvira. Sentiu-se genuinamente intrigada.

— O que tem ele?

— Acho melhor você falar com a Marlene. — O tom de Emmeline era sério e encerrava a conversa.

Lilian fitou o horizonte por alguns momentos, até ouvir o sino marcando o fim do intervalo tocar e ter que voltar para a sala de aula.

***

O sol do meio dia é o mais quente. Uma verdade até no mais rigoroso dos invernos. Lilian absorveu a luminosidade, fechando as pálpebras. Estava na esquina de Hogwarts, esperando por Marlene, Mary e Emmeline. As constantes reuniões de Benjamin o impediam de buscar as meninas no colégio. Geralmente, ele chegava em casa quando as filhas já estavam dormindo.

— Vamos? — Marlene puxou-a, arrancando-a da linha de pensamentos que traçava.

Caminharam em silêncio por um tempo. A maioria dos alunos seguia por aquele caminho. A balbúrdia natural estava aumentada.

Quando já estavam afastadas de todo o barulho, Emmeline interrompeu o silêncio.

— Estou pensando em terminar com o Lucius. — O tom usado foi o mesmo para dizer qual a sobremesa do jantar.

— Como? — Mary quase engasgou.

— Acho que irei terminar com o Lucius. — Emmeline repetiu, parecia entediada.

— Por quê?

A questão levantada por Lilian era meramente retórica. Lucius e Emmeline terminavam e voltavam. Os motivos: sempre os mesmos. Era uma rotina desgastante. O intervalo entre os dois cursos era acompanhado de um longo flagelo. A mais afetada era sempre Emmeline, obrigada a lidar com todos os boatos sobre “as novas garotas do Lucius”. Não era raro Emmeline chorar até a madrugada.

Quando isso acontecia, ligava para Lilian. As duas conversavam durante horas, Lilian tentava acalmar a melhor amiga, apenas para, logo depois, ela anunciar que haviam voltado. A alegria reinava e todos os erros do passado eram esquecidos.

Há muito tempo, Lilian havia percebido que Emmeline era apenas uma marionete. Sua vontade era a de Lucius. Sucumbia sempre aos desejos do namorado. O garoto também percebera isso e gostava de aproveitar-se da situação, mas Emmeline não queria enxergar a verdade, por mais que todas as suas amigas lhe alertassem.

— Não aguento mais ser a bonequinha do Lucius. — Suspirou — É... Corrosivo.

— Você não é a bonequinha dele! — Mary retrucou. Ela sempre fora a favor de casais que dariam uma ótima fotografia. Emmeline, com suas madeixas negras, e Lucius, com todo a beleza dos fios quase brancos, estavam neste time.

— Se você tiver certeza... — Lilian preferiu ignorar o comentário anterior.

Emmeline assentiu.

— Dessa vez é pra valer. — O problema dos términos de Emmeline e Lucius era que sempre eram “pra valer”.

Marlene revirou os olhos verdes, sabendo que aquela era apenas mais uma resolução boba de Emmeline. Em duas semanas, estariam juntos novamente.

Emmeline inspirou, antes de continuar, com um sorriso sincero:

— A gente tem outra coisa para discutir — olhou para o lado. — Marlene...

Marlene finalmente sorriu e exibiu o olhar malicioso que Lilian tanto conhecia. O anjo e o demônio da personalidade de Marlene atingiam seu auge quando ela sorria daquele jeito. Uma sensação de déjà vu atingiu Lilian.

— É melhor conversarmos mais tarde, não? — Lilian pressentia o conteúdo das palavras que seriam ditas por Marlene e não queria ouvi-las. Sentia medo do que elas revelariam e de quais seriam seus sentimentos quando tudo fosse revelado.

Então, a menina apressou o passo com medo dos próprios sentimentos.

Suas amigas, porém, não a deixariam fugir com tanta facilidade. Também apressaram o passo até alcançarem Lilian.

― Você precisa ouvir o que ela tem a dizer ― Emmeline, segurou o pulso da amiga, fazendo-a parar de andar.

― Eu não quero, ok? ― Lilian se soltou, e continuou andando.

― Para de sentir medo do que ainda nem aconteceu, Lilian Evans ― Marlene gritou, interceptando a melhor amiga no meio do caminho.

― Você vai me falar sobre Potter ― Lilian ia dizendo, tentando se livrar de Marlene, que bloqueava a passagem ―, e eu não quero saber nada sobre ele. Já não basta a vergonha que vocês me fizeram passar? Já não basta ele achar que eu sou completamente apaixonada por ele?

― Será que você não é mesmo apaixonada por ele? ― Mary, pela primeira vez, se pronunciou naquela conversa. Lilian apenas revirou os olhos e empurrou Marlene, para conseguir passar.

― Ele quer conversar com você! ― Marlene finalmente gritou, ao perceber que aquela era a sua última chance de deixar sua amiga saber da verdade. ― Ele gosta de você, Lily. Ele gosta de você.

Ao ouvir as palavras de Marlene, o coração de Lilian parou. Ela sentiu todas as forças de seus músculos deixando-a. Só poderia ser mentira o que ela dizia e, caso fosse mesmo verdade, certamente nada de bom viria dali.

Com as pernas tremendo e o estômago revirado de borboletas, Lilian começou a correr, sem se dar o trabalho de responder à amiga.


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