Frank & Carrie - O Normal da Vida Anormal escrita por L R Rodrigues


Capítulo 3
A Verdadeira Profissão dos Sonhos




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/806820/chapter/3

 

A investigação relacionada à um caso envolvendo um ardiloso incendiário estava se prolongando mais do que necessariamente deveria para Frank de tão escorregadio que era seu temível algoz do momento. O detetive tentava manter a paciência firme e inabalável durante um dos muitos interrogatórios que tal caso já havia rendido. Bateu na porta de um dos suspeitos de ser cúmplice do criminoso após virem à tona evidências substanciais de que o meliante não era um mero solitário no seu afã sociopata. 

O suspeito, um careca branco de rosto meio magro com algumas tatuagens pelo corpo, abrira, porém um rápido vislumbre em Frank foi suficientemente aterrorizante para que fechasse rápido a porta. Mas Frank, sempre muito ágil, pusera o pé esquerdo no meio. 

— Opa, esse tipo de atitude é previsível pra caramba. Pra um suposto cúmplice de um incendiário metódico e engenhoso, eu esperava mais de você. Sem falar que isso é praticamente um atestado de culpa. Não foi muito esperto, amigo. 

— Me mostra o mandado que a casa é toda sua, tiozão. — exigiu o homem, o tom indelicado. 

"Ah, qual é, nem os moleques da minha rua me chamam assim", pensou Frank, a testa franzida.

— E desde quando agente federal tem que exibir mandado pra suspeito? Confia na minha palavra que fica mais fácil pra você. Ou quer tentar do jeito dificil? É opção que eu geralmente não desconsidero. 

Rendido a pressão, o homem abrira a porta lançando uma expressão mal-humorada no seu rosto pouco simpatizável. Frank ajeitou o sobretudo, entrando. 

— Mora há muitos anos nessa pocilga aqui? — perguntou o detetive esquadrinhando com os olhos o lar pouco acomodador do sujeito.

— Nem fez muito tempo. Só aluguei porque tava duro. — disse ele, fechando a porta — Agora é bom me dizer porque de repente fui associado a um crime. Quem foi o bastardo que me denunciou?

— Se coloca no teu lugar, OK? Eu pergunto, você responde. Procedimento padrão. — disse Frank soando severo na fala. Andou pela sala, olhando para o sofá velho de couro preto repleto de rasgos. O detetive sentou-se à vontade — Cara, não sei se esse sofá tá fedendo mais a maconha, a cachaça ou... a fumaça de incêndio. — lançou um olhar intuitivo.

— Se veio aqui pra avaliar minha mobília, fica à vontade. — disse o homem, os braços cruzados enquanto parado diante de Frank — Tá bom, a quem eu tô querendo sacanear, né? Olha aqui, eu não tive absolutamente nada a ver com esses incêndios consecutivos por aí, minha ficha é limpa que nem prata lustrada. 

— Ah é? Então me fala porque as digitais num galão de gasolina abandonado num incêndio resultaram numa foto sua 3x4 no reconhecimento biométrico? 

Um silêncio de tensão se faz sufocante para o homem no ambiente quase precário em que vivia. 

— Não adianta me olhar com essa cara de cachorro que aprontou quando o dono não tava em casa. Eu esperava poder te pegar com as calças arriadas bem no ato, teria sido mais emocionante. — disse Frank, quase certo de que o desmascarou. 

— Escuta, eu... 

A fala do suspeito foi bruscamente cortada com uma inesperada e fatídica explosão que veio do corredor e destruiu a frente da sala bem como parte do teto forrado. Frank foi arremessado para mais adentro do apartamento junto com o sofá devido a onda de impacto da explosão, ficando soterrado sobre alguns escombros. No despertar da inconsciência, sentiu terem passado horas dormindo debaixo do móvel, o corpo vibrando ainda afetado pelo choque da explosão. Saiu de cima do sofá e correu os olhos à sua volta, procurando pelo suspeito nos escombros.

Em meio ao caos de fogo, fumaça, poeira e faíscas agressivas salpicando da fiação elétrica no teto destruído, Frank andava meio trôpego por sobre os pedaços de concreto, seu rosto totalmente sujo, bem como seu sobretudo. Continuou não desistindo da sua busca pelo suspeito, cujo nome era Billy, segundo conhecidos que foram indagados antes.

— Billy! — chamou, logo sendo tomado por uma tosse forte — Billy! — mas nenhum sinal de vida foi detectado no mar de pedras que invadiu a sala. No entanto, com um pouco mais de atenção redobrada, notara um antebraço ensanguentado — Difícil esse miserável ter escapado. — concluiu Frank, tossindo mais ao sair da sala. No corredor deparou-se com um inferno de ponta a ponta. 

Bastante fogo consumia o prédio do teto ao piso, comprometendo mais da estrutura de qualidade duvidosa. Aquele era mais um dos vários incêndios de grande proporção que o faziam recordar de uma ocasião em particular na qual cogitou pela primeira vez uma carreira profissional com firmeza. 

***

Danverous City, 1983

Desfrutando de uma bela tarde ensolarada por uma rua pouco movimentada com alguns carros estacionados, um Frank Montgrow de 11 anos de idade pedalava na sua bicicleta verde dada por seu pai como presente do aniversário retrasado. Naquele dia, o garoto usava roupas leves tendo em vista o clima seco trazido pelo verão mais quente. A camisa branca regata com listras horizontais azuis de Frank molhava-se de suor ao longo do passeio. 

Já sabendo pedalar sem as mãos em linha reta, ele cumprimentou algumas pessoas que conhecia de vista no seu bairro suburbano. Porém, sua atenção voltou-se imediatamente para uma fumaça que contrastava com a beleza do céu azul e quase desprovido de nuvens. A fumaça parecia tornar-se maior quanto mais aproximava-se. Ciente de que onde haveria fumaça também haveria fogo, aumentou o ritmo dos pedais e seguiu em disparada até o local do incêndio que ele sabia ser no parque. 

Ao dobrar, avistou o parque ecológico onde uma árvore pegava fogo de forma alarmante e logo pôde reconhecer a menina gritando por socorro.

— Melissa. — disse Frank vendo sua vizinha desesperada olhando parar a árvore aos gritos por ajuda num choro copioso — Eu já tô indo, Melissa! 

A garota de 12 anos virou o rosto para Frank e acenou agitada. 

— Frank, por favor, me ajuda aqui! — disse Melissa que era uma menina de cabelos loiros trançados nos dois lados usando um macacão jeans por cima de uma blusa rosa — É o meu gato! Não vai acreditar no que aconteceu pra tudo acabar nessa tragédia!

— Já posso até adivinhar: A gangue do Chester atacou de novo. — disse Frank parando a bicicleta. 

— Foi. Eles chegaram aqui me importunando como sempre, mas resolveram descontar no Fafner hoje! — contou Melossa não contendo seu pranto — Meu gato já tava em cima da árvore quando eles vieram. Acabei reagindo quando tentaram fazer algo muito errado comigo, dei um chute no meio das pernas de um deles e me seguraram enquanto... enquanto jogavam gasolina na árvore e atearam fogo! 

— Aqueles delinquentes. — disse Frank, revoltado — Ah, se um dia eu pego os desgraçados...

— Eu gostaria que você ficasse aqui comigo dando apoio, foi bom... alguém tão próximo vir me amparar nessa hora. Não tenta se vingar do Chester e os comparsas dele, tá bom? Não procura encrenca com aqueles panacas.

— Tá legal, não vou me meter, mas só porque você me pediu. E cadê os bombeiros? Ninguém chamou? 

— Já chamaram, mas estão demorando! Por que isso tinha que acontecer justo no dia de falta d'água? Fafner! Aguenta firme! 

— Não, não vai! Melissa, fica bem aqui, eu... Eu vou salva-lo. — disse Frank, determinado ao resgate. 

— Você o quê? — indagou Melissa, franzido o cenho.

Frank olhou para a árvore com minúcia e correu para subir nela evitando ao máximo as chamas que crepitavam nos galhos. 

— Não, Frank! Volta, não se arrisca desse jeito! — gritava Melissa, as mãos na cabeça, sua aflição sofrendo uma piora — Frank, não faz isso! Ainda tem muito fogo! Se você se descuidar, já era! 

Frank ouvia os miados baixinhos de Fafner num galho acima. Mas ao tentar subir pegando num galho ainda não afetado pelo fogo, seu pé esquerdo escorregou, fazendo quebrar o galho e ficar pendurado. Melissa cobriu o rosto com as mãos.

O gatinho siamês estava encolhido amedrontado pelas chamas e graças ao esforço de Frank, foi salvo colocado dentro da sua camisa. A descida foi um pouco mais arriscada, mas valeu a pena. Melissa tirou as mãos do rosto, surpreendida ao ver Frank trazendo o gato em mãos. Ela sorriu comovida.

— Fafner! Eu não acredito. Frank, como foi tão fácil? 

— Moleza. O seu bichano é esperto. Encontrou um canto bem seguro onde ficar. Fora que tem mais fogo no alto da árvore. Acho que Chester e os ratos dele são um bando de fracassados até sendo maus. 

Melissa deu uma risadinha e logo depois um beijo na bochecha direita de Frank que, enrubescido, entregou o gato a sua estimada vizinha. 

— Nunca vou esquecer disso, Frank. Obrigada.

A sirene da viatura de bombeiros soou na rua. Os homens desciam do veículo preparando para ligarem a mangueira a uma caixa com água previamente reservada devido ao abastecimento ter sido suspenso também nos hidrantes. Um bombeiro veio conferir a situação de perto e olhou para Frank.

— Parece que... você esteve num incêndio, garoto. Pelo seu rosto. Aliás, foi você quem salvou o gato? 

— Sim. — disse Frank — Passei por dificuldade, mas dei a volta por cima. 

— Esse é o espírito. Você foi um herói. O que quer ser quando crescer, rapaz?

Frank ficou meio pensativo brevemente sobre seu futuro e no que se profissionalizaria. A resposta diante do seu êxito não poderia ser outra.

— Bombeiro. — disse ele com firmeza. 

O homem sorriu e tirou sua chapéu pondo-o na cabeça de Frank. 

— Toma, fica pra você se lembrar do que acabou de dizer e do que fez. A gente assume daqui agora. — disse ele, dando uma piscadela para Frank. 

Quando o bombeiro se afastou, Melissa virou-se com seu gato para ir embora, mas Frank a chamou.

— Melissa. Você... tá afim de almoçar lá em casa no próximo domingo? 

Melissa voltou-se a Frank com um semblante que era um misto de tristeza e chateação. 

— Desculpa, Frank. Não vai dar. 

— Ué, por que? Você tá sempre livre nesse dia. 

— Porque eu vou me mudar. — respondeu Melissa, logo virando-se para enfim ir embora — Ficou charmoso com esse chapéu. 

— Obrigado. — disse Frank em voz baixa, sorrindo timidamente para a vizinha de quem se despediria muito em breve. 

***

Frank trouxe seus pensamentos de volta a realidade atual e foi percorrendo corredores caindo aos pedaços em meio ao fogaréu. Encontrou um homem rastejando com ferimentos na cabeça. Sem hesitar, o pegou para carrega-lo. O homem, porém, queixou-se.

— Sai fora, me deixa fritando aqui. 

— Cala a boca, larga de ser ingrato. A última coisa que eu pensaria em fazer numa situação dessas é deixar alguém morrer. — disse Frank, rigoroso no seu protocolo pessoal. Saiu do prédio com o homem pouco depois da chegada dos bombeiros. Alguns policiais vieram até o detetive.

— Montgrow, pelo menos arrancou uma confissão do suspeito ou alegação provada de inocência? — perguntou um deles. 

— Infelizmente o cara virou presunto bem na hora da explosão, logo quando parecia que ia dizer algo relevante. Esse aqui vai pra ambulância.

— Não vai não. — contrariou outro policial visualizando melhor a cara do indivíduo resgatado — Vai direto é pro xilindró, isso sim! 

— Por que? Reconhecem ele? Tem passagem? 

O policial que se apercebeu daquilo mostrou o papel com o retrato falado do incendiário descrito por uma testemunha não identificada. Os policiais o tomaram de Frank. 

— Ele é o incendiário. O vagabundo aqui, suponho, tentou eliminar o comparsa provavelmente seguindo seus passos, Montgrow. 

— Eu moro aí, merda! — disse o criminoso – E daí que eu quis matar dois coelhos numa paulada só? Pelo menos me livrei daquele inútil! Implantei a bomba assim que ele me avisou do Sherlock Holmes aí plantado de frente a porta e fugi pela janela pra descer noutro andar. 

— Por isso a demora pra abrir. — disse Frank — Tô começando a me arrepender de ter salvo sua vida.

— Não se arrependa. — disse um bombeiro, tocando no ombro de Frank — Salvou uma vida, é o que enobrece quem se arrisca, independente de quem salve. 

— Está de parabéns, Montgrow. — disse o policial que reconheceu, logo indo embora com os colegas levando o incendiário que rosnava feito um cão. 

— Melhor você fazer inalação na ambulância. — sugeriu o bombeiro. 

— Não, eu tô bem. — recusou Frank, imergindo em mais pensamentos. Aquela combinação do útil ao agradável o fez sorrir satisfeito — É, isso que eu chamo de juntar o melhor dos dois mundos. 

Se atentou aos bombeiros arduamente tentando apagar o fogo, imaginando como teria sido integrar uma equipe como aquela caso não tomasse o rumo da investigação criminal. Se encheu de orgulho daqueles homens e também de si mesmo por mais uma vez, e como nunca antes, desempenhar o papel básico do trabalho que tanto almejou um dia. 

                                           XXXX


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Frank & Carrie - O Normal da Vida Anormal" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.