Avec mortem escrita por K Maschereri


Capítulo 13
O ninho das vespas




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Silêncio.

O ar do gabinete pessoal de Vlad era pesado, não apenas pela quantidade absurda de livros e pergaminhos que cobriam as paredes altas do cômodo mal ventilado, mas pelo que significava estar ali. Não seria besteira acreditar que aquele era o coração tático de Valcânia, e muito tinha acontecido dentro de seus limites. Coisas boas e ruins, algumas grandiosas, outras não tão nobres.

Havia uma grande mesa no centro do salão, que em seus dias de glória havia sido o palco de tramóias e estratégias lendárias, e onde, provavelmente, muita coisa ainda iria acontecer.

Antes que Vlad ou Veronika pudessem começar a brigar outra vez, Ágatha, já de saída, lembrou-os:

— Por favor, não se matem. Seria terrível perder um marido e uma filha de uma vez só. Além de patético, visto que ambos precisam um do outro para atingir seus respectivos objetivos. — E assim que terminou sua fala, a bruxa saiu do cômodo.

Pai e filha suspiraram. Vyka parecia irritada, mas a moça sempre estava irritada, então, não era exatamente uma novidade. Mantinha os braços cruzados, esperando que seu pai começasse a falar, enquanto Vlad parecia pensativo, como se refletisse a respeito das palavras de sua esposa. Alguns segundos se passaram até que conseguisse, por fim, reorganizar seus pensamentos. Assim que teve êxito, limpou a garganta e começou a falar:

— Não pretendo contar com sua concordância em relação ao que fiz, e pouco me importa a vida de seu... marido — Vlad não fez nenhuma questão de esconder o desdém em sua voz — O que me importa é que ele se controle, e, aparentemente, é o que ele tem feito.

— É claro que sim, eleDev–- — Vyka tentou cortá-lo, mas Vlad rapidamente retomou sua fala:

— Como disse, não me importa, Vyka. Ele poderia explodir em uma pilha de cinzas neste momento e eu ainda não me importaria. Assim como não me importaria se ele decidisse matar uma pessoa por noite, contanto que escondesse as evidências.

— Mas-- — A moça tentou novamente e, mais uma vez, não teve êxito.

— Me deixe terminar, filha. Depois você defende a honra do rapaz, ou seja lá o que você queira defender, está bem?

Veronika se calou, mas não sem uma carranca assumir suas feições.

— Enfim, contanto que não esteja nos expondo para os Outros, enquanto Comandante, pouco ou nada me importa. Agora, minha opinião como pai é que você deveria tê-lo matado quando ele voltou rastejando do túmulo para nossa porta, mas isso também não vem ao caso.

— Olha aqui-- —

— Eu ainda não terminei, Veronika. Temos um trato, não?

— Certo. Desculpa. — Desta vez, ao menos, a moça parecia minimamente constrangida.

— Muito bem: existe um vampiro decaído caçando em Timisoara já há alguns dias. Tenho equipes de guardas rondando as florestas e a cidade à noite, mas nada foi encontrado até o momento. E os guardas de que disponho são... espalhafatosos, e não se encaixam muito bem com a população. Preciso que o capture e traga-o para mim, antes que os Outros acabem por descobrir alguma coisa e com isso chamem a atenção dos clãs. Traga-o, de preferência, com vida, para que eu possa puni-lo de maneira correta e exemplar, antes que isso vire uma pandemia. Assim que o trouxer para mim, seu marido será liberto.

A moça nem mesmo pensou sobre o assunto antes de responder.

— Nada feito!

— Bom, neste caso-- — Dracul tentou, mas foi novamente interrompido.

— Minha vez de falar, tata. — A detetive praticamente cuspiu as palavras, dando ênfase ao último termo de maneira cínica.

O vampiro apenas arqueou uma das sobrancelhas.

— Eu trago o vampiro para você, com o maior dos prazeres, sem levantar nenhuma suspeita, mas Devrim vem comigo. Além disso, quero que me prometa que nunca mais vai atrás dele quando precisar que eu venha para cá. Existem telefones, tata! Uma ligação e eu estaria aqui no dia seguinte!

Vlad suspirou alto, rogando aos céus — ou a quem quer que estivesse ouvindo —  paciência para lidar com sua filha.

— Não posso. É perigoso demais. Permitir que a raposa ronde a fazenda é uma coisa, colocá-la dentro do galinheiro é totalmente diferente.

— Devrim não é o perigo aqui, tata!! Nunca foi!! — disse Veronika, exaltada com as palavras de seu pai. — O perigo é esse vampiro decaído, que vai continuar matando até ser encontrado! Sem falar que Devrim é um ótimo rastreador, e com certeza consegue sentir o cheiro dessa criatura e... — E nesse momento, uma ideia torpe cruzou os pensamentos da detetive. Umas daquelas ideias intrusas, e meio obtusas, que nos fazem repensar sobre nossas escolhas de vida e sobre o quão bons realmente somos. Vlad percebeu que sua filha estava com um olhar estranho, e resolveu apenas esperar para ouvir o que ela estaria maquinando. Finalmente, a moça murmurou, tão baixo que o vampiro temeu estar enlouquecendo:

— Se ele se descontrolar, por uma vez que seja, eu mesma o mato. É uma promessa.

— Uma promessa? — Vlad ecoou, incrédulo. Com certeza ela não estava falando sério, estava?

— Sim. Juro pelos ancestrais. — Palavras pesadas, cheias de significado e magia, que faziam o cômodo parecer ainda mais claustrofóbico, e o ar, ainda mais pesado. E ao passo que ecoaram, voltaram aos ouvidos de quem as proferia, que de imediato fechou os olhos, como farfalhar dos corvos ecoando na distância, comprovando sua promessa.

De repente, a moça arregalou os olhos, lábios entreabertos. Só agora Vyka tinha se dado conta do que tinha feito.

O Comandante de Valcânia, ainda atônito com o que acontecera, prosseguiu, seu tom infinitamente mais calmo. — Muito bem, então. Eu aceito seu juramento. Mas saiba que posso, legalmente, cumprir com o que você jurou em seu nome, caso seja necessário.

— Eu entendo, tata. — Respondeu Veronika, com a voz miúda, abaixando a cabeça. Mexia os dedos de maneira a esconder — ou extravasar — o nervosismo que sentia. E o cômodo imergiu no silêncio.

Arrependimento. Foi o que Vlad ouviu no tom de voz de sua filha, e o que viu em seus olhos tristes, antes que a moça começasse a encarar o chão. E, de repente, quem estava em sua frente não era mais a mulher forte, furiosa e decidida que o confrontara há pouco tempo nas entradas da Vila, mas sua menininha, arrependida após ter feito algo errado, como da vez em que rasgou uma das tapeçarias do castelo por se pendurar por tempo demais, ou quando chutou (e quebrou) a canela de um dos guardas reais por um motivo bobo.

Mas desta vez, não havia costureira ou curandeira no mundo que pudesse ajudar. Praticamente nada poderia ser feito, a não ser rezar a qualquer entidade superior que ainda quisesse ouvir, pedindo que Devrim não perdesse o controle.

Um juramento ancestral tinha mágica em suas palavras. Agora, Veronika não tinha alternativa a não ser cumprir com sua promessa, e caso não cumprisse, o próprio destino o faria. O que normalmente era ainda pior, e mais doloroso.

Vlad Dracul respirou fundo, sem saber como prosseguir. Mas havia algo que, talvez, pudesse ajudar. Ou alguém.

— Neste caso, creio que precisamos encontrar Etrigan. Só ele tem as chaves das masmorras para libertarmos Devrim.


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