Avec mortem escrita por K Maschereri


Capítulo 11
Compurgatio




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O tempo não parecia passar rápido o suficiente para Veronika, mesmo estando a quase 110 km/h em uma das poucas estradas decentes da Romênia.

Sua breve reunião com Kowo, Sonja e o detetive romeno, ocorrida poucas horas atrás, não tinha sido muito produtiva: tudo o que foi apresentado já tinha sido deduzido pela moça, uma vez que não era sua estreia neste tipo de coisa; o que também fez com que não tivesse falado nenhuma bobagem durante o encontro. Muita sorte, já que o caso era a única coisa que praticamente não passou pela sua cabeça naquele dia.

Uma vez terminada a reunião, Vyka saiu o mais rápido que pôde, alegando precisar de um descanso. Sua verdadeira intenção era chegar o mais rápido possível à Valcânia, sua pequena vila natal, encontrar Devrim e levá-lo para algum local seguro, longe das garras reais de seu pai e de seus soldadinhos sanguinolentos.

Vlad também parecia ter pressa em encontrá-la: antes que tivesse tido tempo de alugar um carro, seu cunhado a abordou, pronto para levá-la ao seu destino de interesse. Adrik não parecia muito feliz em vê-la ali, o que ficou claro pelo silêncio constrangedor que se instalou no veículo escuro, mas não lhe endereçou nenhuma resposta rude ou agressiva.

Vyka preferiu ignorá-lo, e observar a paisagem ao seu redor. Faziam anos desde a última vez em que a moça tinha posto seus pés na Romênia, mas tudo parecia igual. Localizado na região da antiga Valáquia, o lugarejo onde nasceu era uma lenda para todas as cidades e vilas que o rodeavam. Protegida por encantamentos antigos, a vila só se revelava aos que tinham sangue mágico; ou, ironicamente, aos que eram convidados a entrar.

Kowalczyk e Nyvieska já tinham adentrado os muros da cidade algumas vezes, muitos anos atrás, em um outro caso que envolvia um vampiro decadente. Na época, Vlad convidou-os a ficar permanentemente, de maneira a integrar as forças de defesa da Vvila; mas nenhum dos dois aceitou.

Talvez, ponderou Vyka, eles aceitem o convite após esse caso. Seu pai, com certeza, não se importaria. Muito pelo contrário. Desde mais ou menos a expulsão de Devrim da guarda, cerca de dois séculos atrás, não existiam novos membros de elite — e esse estancamento não era bem visto pelas outras Casas.

Devrim.

Não era incomum Veronika sentir o peito constringir com a mera menção de seu coreternum. Mesmo que seu relacionamento estivesse complicado nos últimos séculos — especificamente desde que perdera o laço que a ligava ao rapaz, o que se provou ser a pior coisa que já aconteceu em sua vida — Vyka ainda se importava com ele. Amava-o, até. Mas demonstrações românticas nunca foram o seu forte, muito menos fidelidade.

Onde ele estaria agora? Nas últimas horas, desde que sua casa foi invadida, essa era a pergunta de um milhão de dólares em sua vida.

Ele deveria estar vivo. Não apenas pelo fato de que negociar sem moeda de troca era inútil — e nem mesmo seu pai tinha tamanha cara de pau — mas porque a moça sentia, no mais profundo de sua consciência, que ele não estava morto. Talvez fossem as reminiscências do seu laço. Talvez, apenas intuição.

Uma das poucas alegrias da existência não-humana — ou, no caso particular de Vyka e Devrim, uma pequena maldição — era a possibilidade de encontrar seu coreternum: um vínculo antigo, que resistia à praticamente tudo, capaz de unir duas criaturas por toda a eternidade.

Era a isso que os humanos chamavam de alma gêmea.

A maior parte da humanidade nunca encontrava os seus, por razões das mais diversas: localidades separadas, épocas distintas, ou simplesmente incapacidade de perceber quem realmente está ao lado.

Os poucos a se encontrar apresentavam uma compatibilidade assustadora, e experienciavam sentimentos de profundidade inigualável; o que nem sempre surtia o efeito desejado e, às vezes, acabava por afastar os pares, devido ao medo e a outros pormenores.

Esse laço ficava ainda mais visível na imortalidade, uma vez que, com a percepção aumentada dos sentidos, encontrar sua outra metade tornava-se mais fácil. E como o tempo não era mais um problema, as coisas tendiam a se resolver quase que por mágica.

No caso de Veronika, não foi necessário nem procurar: Devrim veio ao seu encontro, mesmo que por acaso.

Ao passar de carro em um defeito na estrada, Vyka voltou à realidade. Não fazia nenhum bem navegar em águas passadas, ou acabaria por afogar-se. Muito pelo contrário: precisava de foco.

A paisagem do lado de fora já tinha se modificado: os prédios deram lugar a casinhas, que por sua vez cederam seu espaço a grandes fábricas abandonadas, que finalmente foram substituídas por uma floresta densa, quase fechada, e algumas pequenas vilas, e um terreno muito mais hostil. 

Não estavam muito longe.

A detetive precisava de um plano de ação que permitisse recuperar Devrim o mais rápido possível, já que tinha quase certeza, desde a conversa que tivera com seu irmão, há alguns dias, que seu pai não pretendia soltar seu marido tão cedo. Não. Vlad usaria todo o seu arsenal para mantê-lo lá até que o caso, que era de seu interesse, fosse resolvido.

Precisava pensar em algo, pois sabia que Devrim não aguentaria muito tempo preso e, sem sangue de qualidade, a decadência viria rapidamente, jogando séculos de precaução e cuidado às cinzas, em apenas algumas semanas.

Mas o tempo passou rápido demais. O motor do carro, de repente, deixou de roncar, marcando o final de sua jornada.

Chegamos, pensou Vyka, desenganada. E sem nenhum plano.


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