Eleuthería escrita por Kori Hime


Capítulo 1
Eleuthería




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A carruagem estava pronta e, mesmo que Ridon tivesse dito que poderia muito bem ir montado em Jules. Contudo, seu irmão, o rei de Akrobor, apenas ergueu uma das sobrancelhas dizendo que eles conversaram sobre aquilo antes e tudo já estava resolvido.

— Sim, majestade. — O tom de deboche foi ignorado por Rieron. A comitiva do príncipe de Akrobor seguiria para Filia e, depois, para Shilena. Onde seu futuro mestre o aguardava.

Ridon estava ansioso para muitas coisas. Mas, também, um pouco receoso sobre as novidades. Levou apenas alguns dias para que ele fosse liberado de sua prisão domiciliar, local que ele esperava não ver as paredes tão cedo. Provavelmente, quando retornasse de sua jornada, iria se mudar e viver bem longe daquele quarto que, só de pensar, causava um tremor na espinha.

O príncipe de Akrobor lutou em muitas batalhas, era experiente no manejo de armas e na luta corporal. Ele poderia dizer que poucas coisas causavam medo. Mas, nos últimos anos, conviver consigo mesmo foi uma das batalhas mais tensas de ser travada.

As lembranças de outrora, os pensamentos conflitantes, a angustia e o arrependimento eram armas letais que o levou a uma jornada mental. Por um momento, achou que enlouqueceria. E, no fundo daquele poço, Ridon se viu solitário. Ele pensou que tudo estava acabado e, por um momento, desejou por fim em sua trajetória.

Até que Rieron atendeu ao seu chamado e a verdade veio à toa. Sempre que Ridon pensava em seu pai e em Aekael, o seu coração saltava mais acelerado. Ele finalmente teria mais uma chance e, dessa vez, não a desperdiçaria, como fizera com todas as outras que Rieron lhe deu.

Não, dessa vez Ridon estava focado em descobrir o que Aekael fez com seu corpo, a sua alma e como ele poderia controlar todo aquele poder. Pensar nisso só o deixava mais curioso e ansioso para atravessar Uldin e chegar ao bosque de Shilena, onde o mestre o aguardava.

Rieron dera para ele uma lista extensa e confusa de regras, que ele precisava saber antes de conhecer Almon. No começo, achou que o irmão estava exagerando. Porém, estavam falando de um elfo, e aquela era uma espécie bastante complicada de se relacionar. Nem todos eles demonstravam a gentileza que Kalir possuía ou a paciência de Aekael. E, quando soube que o tal Almon era irmão mago de Dae’thal, o marido de seu irmão, Ridon deu uma risada forçada, entendendo tudo.

Ele não trocou mais do que algumas palavras com o outro rei de Akrobor. Embora estivesse muito curioso em saber como seu irmão conquistou o elfo mais sério que ele já vira em toda a vida. Contudo, na rara ocasião que Ridon os encontrou no jardim, um dia antes, ele viu que o elfo Dae’thal podia se expressar diferente. No olhar do elfo, Ridon viu amor e isso bastou para ele ficar feliz pelo irmão. Ele não precisava da benção do cunhado, embora achasse que era preciso manter uma relação de neutralidade com seu rei.

Depois de receber um abraço de Rieron, ele entrou na carruagem e partiu com os soldados que o escoltavam. Não havia mais ninguém ali para se despedir dele, senão Rieron e um de seus conselheiros, que fora lá apenas para se certificar de que Ridon estava indo embora.

Enquanto a paisagem da cidade era deixada para trás, Ridon sentiu o peso nos ombros se tornar mais leve. Ele não era ingênuo em achar que seria bem recebido em todos os lugares que parasse, mas pensou que seria muito melhor não receber aquele olhar acusatório e de vigilância, que vinha recebendo desde que saiu de seu quarto.

A carruagem era confortável até certo ponto, mas eles precisaram parar em algumas estalagens no caminho para pernoitar, voltando à estrada. Os soldados não tinham permissão ou não queria conversar com Ridon, isso era um pouco incômodo, mas ele não insistiu. Ele fazia as refeições sozinho, na fogueira quando paravam na estrada, enquanto os soldados se revezavam entre o descanso e a vigia.

Chegando em De Bru, o príncipe notou como a cidade parecia um pouco menos abandonada do que se lembrava, embora ainda encontrasse bêbados pelas ruas e gente de todos os tipos atravessando as ruas, na frente da carruagem. Naquele dia, o tempo se fechou e as nuvens de chuva o alcançaram. Eles se hospedaram na última hospedaria antes de deixar Akrobor, para atravessarem a ponte para Filia.

Como esperado, Ridon comeu sozinho em seu quarto. Contudo, a cantoria no primeiro andar o fez se levantar da cama, quando ele já estava prestes a dormir. Ridon calçou as botas e abriu a porta do quarto, vendo dois soldados no corredor. Outros dois soldados estavam nas escadas e, provavelmente, outros dois do lado de fora.

Ele ponderou por um momento, poderia sair e se estressar com os soldados. Poderia. Mas, também, poderia seguir o combinado com Rieron.

Ridou apertou a mão na maçaneta, sentindo-se como um jovem que recebia castigos de Aekael e seu pai. Só que os castigos do pai nunca duraram mais do que algumas horas, e ele estava livre novamente.

Mas a lembrança de Elar e de Aekael trouxe um peso no coração de Ridon. Ele fechou a porta e retornou para a cama, virando as costas para a porta.

Passagem pela ponte no outro dia e Ridon estava cansado demais para responder as perguntas dos soldados, até ser reconhecido por um soldado que lutou com ele em uma batalha em Naswe. Na época, ele era apenas um soldado, agora, o tenente responsável por escoltá-lo por Filia, até En’sheid.

Darius era mais jovem do que Ridon apenas cinco anos. Contudo, agora ele possuía até mesmo cabelos brancos e rugas nos olhos, ainda que suavizadas pela pele negra. Um perfeito soldado vivido, com seus quarenta e cinco anos. Enquanto Ridon manteve a sua aparência de vinte e cinco anos. Ele usava uma longa capa escura e uniforme da guarda. Estava sério e falando com o outro tenente. Quando deixaram a ponte e finalmente entraram em Filia, Dariu manteve o cavalo ao lado da carruagem e Ridon não resistiu em olhar para ele algumas vezes, até ser notado.

Eles não conversaram pelo caminho, sequer era possível, com a carruagem sendo conduzida por uma estrada e a janela de vidro impedindo o diálogo. Na primeira parada, Ridon pensou que Dariu diria alguma coisa para ele, mas só viu o tenente virar as costas para fazer a primeira vigia.

Ridon recordou-se da última vez que se viram, provavelmente foi a última vez. Se houve alguma outra depois daquela, o príncipe não se recordava. Eles estavam em viagem com poucos soldados. Darius parecia deslumbrado em viajar com um príncipe e Ridon fez questão de fazer com que aquela viagem se tornasse inesquecível. Foi apenas uma noite, mas o suficiente para ter dado uma boa impressão. Agora, vendo Dariu ao longe, e como ele havia crescido mais, e se tornado um soldado forte e atraente, Ridon balançou a cabeça, pensando que não havia restado nada mais do soldado deslumbrado de anos atrás.

Ridon deu alguns passos, após comer a refeição na fogueira e, quando Darius percebeu sua aproximação, ele parou de andar e sorriu.

— Eu esperava uma saudação, pelo menos. — Ridon disse, enquanto percebia a movimentação dos soldados de Darius.

— Vossa alteza, peço perdão pela falta de tato de minha parte. — Darius disse com uma voz grave e séria, fazendo Ridon curvar os lábios num pequeno sorriso, enquanto tentava se recordar dos gemidos que ouvira no passado ser bem diferente daquela voz firme. — Estou apenas seguindo as ordens de meu rei.

— Qual deles? — Ridon perguntou. Cauteloso como o rei elfo parecia ser, ele provavelmente pediu para que Rieron redobrasse a guarda.

Ridon fingiu não ver os soldados à paisana nas cidades por onde passou, e nem as carroças suspeitas que cruzaram com eles pelas estradas no caminho. E o príncipe não estava totalmente chateado, na verdade, sentia lá o fundo um pouco de orgulho de si mesmo por ter feito Dae’thal pensar em estratégias para o manter na linha. Ou, pensando um pouco melhor, em manter as pessoas seguras dele.

Darius não respondeu a pergunta e Ridon se virou para entrar na barraca que fora montada pelos soldados. Antes de começar a andar para o outro lado, ele arriscou um convite para Darius. Algo que fizesse o tenente não ter receios de encontrá-lo em sua barraca mais tarde.

Ridon tinha conhecimento de que não era o mesmo de alguns anos atrás. Embora ele tenha recebido todas as refeições em seu cárcere privado, o príncipe se deixou levar pelas incertezas, pela fraqueza e parou de se exercitar pela manhã no terceiro ano, talvez. Ele também não tomava sol, vivia fechado nas quatro paredes e sua pele agora mais parecia com a de um jovem adulto, mas pálido. Antes de deixar o castelo, Rieron mandou um barbeiro para cuidar de sua aparência. A barba bem aparada dava a ele um ar aristocrático e de mais idade, embora não tanto quanto deveria ser. Ele era um homem de cinquenta anos, preso no corpo de um adulto no começo da vida. Estava mais magro, ainda que fosse alto e as cicatrizes pelo corpo contasse suas histórias.

Ridon passou a mãos nos cabelos curtos e depois avaliou o hálito, para saber se não estava desagradável, pois comera coelho na refeição.

Ele esperou na cama improvisada dentro da barraca. Depois, cansado de esperar, sentou-se e analisou a ponta das unhas curtas, usando uma lamparina acesa. Os sons noturnos não o espantava, mas ele se sobressaltou quando ouviu um uivo do lado de fora. Deveria ser algum lobo em busca de sua matilha.

Ridon sentiu as pálpebras pesarem e fechou os olhos. E foi nesse momento que passos chamaram a sua atenção. Mesmo depois de tanto tempo, ele não perdeu os instintos, só precisava de um pouco de treino para retornar ao que era antes. Ainda assim, percebeu a aproximação de Darius e sorriu, quando o lado vazio da cama foi ocupado por ele.

Na manhã seguinte, chegaram na capital e Ridon foi escoltado até o palácio do rei dos elfos. Ele estava ansioso para rever Kalir, tanto que, quando foi anunciado pelo arauto, a única coisa que conseguiu fazer foi cruzar o longo salão real e parar diante de Kalir, que estava em pé na frente do trono.

Ridon abriu os braços, ao passo que Kalir imitou o seu gesto e um abraço apertado foi compartilhado pelos dois. Depois, Kalir tocou o peito de Ridon e apoiou a testa na sua, dizendo palavras gentis e amáveis, mas terminando com algumas repreensões que fez Ridon gargalhar gostosamente.

Depois, Kalir apresentou seu marido, o outro rei elfo. Ridon até segurou um pouco a respiração, pois, o elfo Fae’lyn era como uma bela pintura. Alto e loiro, suas feições eram tão bonitas e ao mesmo tempo seu olhar dava a ele uma aura perigosa. Ridon adorou aquela combinação.

Kalir queria saber como fora a viagem, ele também disse que teriam pouco tempo para ficarem juntos, pois Almon o aguardava.

— O que pode me dizer sobre esse mestre elfo? — Ridon perguntou, enquanto caminhava ao lado de Kalir, notando que o outro rei o olhava seriamente, alguns passos ao lado.

— É um grande elfo, eu o respeito muito. Você tem que respeitá-lo, me entendeu?

— Rieron já me fez prometer isso.

A refeição naquele dia foi íntima, com poucas pessoas à mesa, mesmo assim, Ridon estava exultante com as companhias. Ele pensou, por um momento, que Kalir o evitaria assim como faziam em Akrobor. Contudo, sabia que poderia contar com Kalir, para se reerguer. Naquela noite, eles tiveram uma longa conversa no escritório, que só terminou quando Fae’lyn foi buscar o marido pessoalmente para dormirem.

Ridon achou graça em como Kalir se mostrava rendido e apaixonado para o marido, e rapidamente bebeu o conteúdo do copo e se despediu de Ridon com um abraço apertado.

Ridon caminhou pelo palácio e ali ele não se sentiu vigiado, embora ainda estivesse sendo. Ao menos os elfos eram mais discretos. No outro dia, ele não encontrou Darius, que foi substituído por um capitão elfo. Tari’lin o levou até En’sheid e lá ele conheceu uma figura que jamais esqueceria, pois viriam a ser grandes amigos no futuro.

A voz do elfo ecoava pela floresta, assim como o som de seu alaúde. Era tão agradável e dava uma sensação de aconchego, ao mesmo tempo que tornava os ouvidos de Ridon viciados na melodia.

— Que bela canção. — Ridon disse, assim que deu alguns passos para longe da carruagem. A partir dali, ele poderia caminhar, sendo levado por outro grupo de soldados. E qual foi a sua surpresa ao encontrar-se com Vaella liderando-os?

— Este é Phialas. — A elfa falou, sustentando um sorriso cheio de orgulho.

— Eu vou pedir para que me apresente ao talentoso bardo, se não for incomodo, Vaella. — Ridon sorriu para ela, esperando como resposta uma rejeição, mas a elfa parecia estar sob algum efeito da canção que se espalhava pela floresta e dava a ela uma aparência um tanto suave.

— É bom revê-lo, vossa alteza. — Ela disse, voltando a seriedade. Ridon ainda era um príncipe, afinal, e Vaella seguia à risca a etiqueta.

Ele pensou que ficaria mais tempo em Loel, mas Vaella informou que o levaria para Shilena e eles poderiam descansar no caminho. Foi uma pena para o príncipe, porque ele queria conhecer pessoalmente o bardo. Contudo, Ridon estava sentindo algo em seu peito, algo que fazia ele se tornar cada vez mais ansioso. Era como se o seu corpo estivesse ditando o rumo que ele deveria seguir, e algo dizia que ele precisava chegar o quanto antes em Shilena.

A viagem foi tranquila, mais pelo local ser muito calmo, onde era possível ouvir apenas o barulho do vento e dos pássaros. Ridon estava finalmente montado no cavalo e a carruagem real ficou para trás. Ele sentiu saudades de cavalgar e sentir o vento cortar seu rosto. Era uma sensação de liberdade que ansiava por experimentar novamente.

Quando se aproximavam de Shilena, o coração de Ridon se tornou cada vez mais agitado. Ele teorizou que, talvez, o poder em seu corpo estivesse sendo estimulado pelo local em que estava. Mas tudo mudou quando ele pisou no belo bosque, onde as árvores eram tão altas que parecia tocarem o céu.

O coração agitado de Ridon foi se acalmando, à medida que ele dava passos para dentro do bosque e, assim que foi recepcionado por um grupo de belos elfos, o príncipe de Akrobor parou. Seus ouvidos pareciam ainda mais apurados naquele ponto da viagem, pois ele conseguiu ouvir as batidas do coração se acelerarem gradativamente, junto ao barulho das folhas balançando com a brisa.

Diante dele, um elegante elfo de longos cabelos platinados, quase brancos, segurando um cajado que foi ao chão com um toque não muito suave. Ele era um belo elfo, e Ridon sentiu o desejo de poder tocar sua pele fina, para se certificar de que ele era real, e não uma miragem produzida pela floresta élfica.

Tudo parecia reluzir ao redor, com as luzes do sol ultrapassando os galhos das longas árvores. O cheiro da natureza tornou-se mais forte, um agradável aroma de flores e ervas.

Quando o elfo comprimiu os lábios e sorriu em sua direção, Ridon sentiu o corpo relaxar, e uma sensação de paz tomar de si. Para, em seguida, o coração voltar a acelerar, quando ouviu a voz de Almon.

— Seja bem-vindo a Shilena. — Ele falou, estendendo a mão vazia em sua direção. Ridon não pestanejou e a segurou no mesmo instante.

Quando as duas mãos se tocaram, eles trocaram um olhar que fez Ridon ter a sensação de que aquele elfo podia ver bem fundo de sua alma. O toque não durou muito, mas a sensação permaneceu em seu peito.

Ridon foi acolhido pelos elfos, e ele finalmente sentiu que a sua nova vida estava apenas começando.


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Notas finais do capítulo

Eu estou muito apaixonada pelo Ridon e eu acho que todo mundo vai amar ele heheheh

O livro da C.M. Rocha está na Amazon, leiam! É maravilhosoooo

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