De repente no futuro escrita por WinnieCooper, Laura Vieira


Capítulo 8
Beijo depois da briga




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Pai! A palavra parecia pairar em cima de sua cabeça. Petruchio sempre quis ser pai. Mesmo que sua juventude tivesse sido intensa entre mulheres e mulheres, ele sempre quis ter uma família como a que seus pais tiveram, com muito amor, companheirismo, uma vida a dois com sua esposa como um ser indivisível. E desde o dia que viu Catarina descer a escada da casa de seu Batista com uma melancia na barriga, ele soube que ela estava destinada a ser mãe de seus filhos. Sim, filhos no plural. Afinal, ele queria sim uns dez filhos. Ao mesmo tempo, percebeu que Catarina não era uma mulher que teria dez filhos, uma vida tranquila no campo e sem ambições. Catarina era diferente, Catarina era uma mulher moderna, uma mulher que queria trabalhar fora, que lutava por um mundo mais justo para as mulheres e não uma mulher que tinha filhos ou se casava. Mas, naquela realidade em que ela não queria estar vivendo, parecia que o destino gostava de sua ideia de dez filhos.

— Pai? Eu vou ser pai? - ele perguntou estático observando ela sentada no sofá, ainda tonta pelos últimos acontecimentos.

Clara olhou para ele estreitando seus olhos e rugiu nervosa. Tal mãe, tal filha.

— Você já é pai, Petruchio. - Catarina o alertou percebendo a filha atenta.

— Vou ser pai de novo? - ele emendou com um sorriso no rosto querendo se aproximar de Catarina que ergueu a mão no ar o impedindo.

— Estou ainda muito assustada com tudo, não chegue perto de mim!

Júnior saiu do lado da mãe, chegou perto do pai e lhe deu um pisão em seu pé.

— Fez a mamãe passar mal! Meu irmão tá na barriga dela! - ele rugiu e Petruchio teve a certeza que tanto Clara, quanto o filho, haviam puxado a personalidade de Catarina.

— Mas como isso é possível? - ele perguntou olhando Catarina nos olhos.

— Sabe melhor que eu como isso é possível. - ela respondeu nervosa, todos assistiam, pareciam hipnotizados como em uma história de filme.

— Arriégua seu Petruchio, mas ocê não sabe como é que faiz bebê agora? - Calixto comentou.

— Não é isso seu jumento! E não te chamei pra conversa!

— Oceis tão é estranho. O senhor nem comemorou como antes. - Calixto comentou. - Achei que ia chorá, abraçá a barriga dela e…

— Estou com fome, mamãe. - Clara reclamou sentindo seu estômago doer.

— Eu também. - Júnior disse fazendo coro a irmã.

Catarina olhou para Neca desesperada. A empregada e amiga resolveu ajudar.

— Mas vem comigo que faço um sanduíche de ovo com queijo pr'oceis comer com leite.

Júnior e Clara mais que depressa seguiram ela até a cozinha.

— Oh Neca, faiz pra eu também! - Calixto pediu indo atrás dela.

— A sua esposa tá aí pra isso. - Neca ignorou o pedido.

— Eu faço sanduíche pra você meu maridinho. - Mimosa fez a voz como se estivesse falando com um bebê.

Buscapé segurou um riso quando ouviu Neca implicar com Mimosa pela forma que tratava Calixto e Mimosa retrucar dizendo que ela tinha inveja, negou com a cabeça pensando que elas nunca mudariam. Chegou perto de sua madrinha que estava sentada apoiando a cabeça em sua mão.

— Madrinha a senhora perdoa eu que não consegui entregar um jantar perfeito?

— Não foi sua culpa Buscapé. - ela levantou a cabeça o olhando nos olhos. - E no final eu até gostei que tudo deu errado. - olhou de rabo de olho para Petruchio que encarava os dois andando em círculos pela sala.

— A senhora tá grávida mesmo. Parabéns. - Buscapé a parabenizou. - Não deixo de te agradecer por mesmo depois dos filhos, a senhora nunca ter deixado de cuidar de mim. Lembra quando me disse que queria me adotar?

— Te adotar? - o olhou curiosa.

— A senhora disse que pelos termos legais era quase impossível de me adotar, mas que mesmo sem um papel, queria que eu morasse com a madrinha e que vivesse aqui como um filho, que ia me mandar pra escola e me educar pra ser um homem de bem. Eu quero ser isso pra madrinha, um homem de bem que trabalha e se sustenta, mesmo sendo negro.

— E vai conseguir, eu tenho certeza que irá conseguir. Aposto que daqui uns anos estarei indo ao seu restaurante comer seus pratos toda orgulhosa dizendo a todo mundo que o chef é meu afilhado. - ela acariciou o rosto dele um pouco emocionada.

— Tô muito contente que a madrinha esteja grávida, sempre foi como uma mãe pra mim, é uma mãe maravilhosa com os gêmeos e agora com esse bebê tenho certeza que tudo vai se confirmar. É uma ótima mãe.

Catarina estava surpresa pela percepção de seu afilhado, ele tentando lhe convencer que era uma boa mãe, será que ela transparecia dessa maneira que estava apavorada com a ideia de ser mãe? Ficou sem saber o que lhe falar.

— Quer que eu faça um sanduíche pra senhora? Aquele de rúcula com queijo derretido e tomate que a madrinha ama. Não pode ficar sem comer por causa do bebê.

Catarina começou a salivar imaginando o sanduíche.

— Quero sim Buscapé. Com um refresco de limão. De repente me deu uma vontade de comer limão.

Buscapé riu, não deixou de comentar.

— Ainda bem que não é perninha de rã frita dessa vez.

Catarina arregalou os olhos espantada a ele, ficou curiosa com o comentário, mas não disse nada, observou ele saindo da sala e deixando-a a sós com Petruchio.

O marido olhou para ela preocupado, Catarina parecia cansada e ainda um pouco abalada.

— Perdoa eu? - se ajoelhou na frente de Catarina segurando em sua mão.

— Ainda estou muito chateada com você. - estava irredutível. - Me preocupei em lhe fazer um jantar e você está recebendo cartinha da Marcela.

Não cansava de repetir o nome da inimiga de forma debochada.

— Eu já li esse nome no diário! Não sei quem é essa mulher, mas sei que ela nos separou no casamento enquanto eu estava grávida da primeira vez. E pelo visto vai conseguir isso de novo!

— Não! Não vai não. - Petruchio negou se aproximando dela. - Eu nem tava vivendo essa vida  antes, eu não sei porque ela me manda essas cartas.

— Para mim é bem simples, todos os homens não prestam! E a pobre da Catarina dessa realidade não escapou dessa sina de um casamento em que o marido  trai a esposa.

— Catarina, eu juro que não! Não li aquela carta, mas eu sei que o Petruchio daqui nunca que ia te trair ou abandonar a família por causa de mulher, principalmente essa cobra que Marcela sempre foi.

Catarina estreitou os olhos ainda pouco convencida, apesar de estar mais calma. Petruchio ainda estava agachado e olhando sua barriga, começou a esticar a mão devagar para tocá-la.

— Não! - Catarina afastou sua mão imediatamente.

— Mas, é meu filho. - olhou para ela suplicando.

Catarina ia sustentar seu não, mas ele era o pai, tinha direitos. Não foi por causa de seu olhar triste que se convenceu tão rapidamente a deixá-lo tocar sua barriga. Fez sim com a cabeça, achou que ele iria apenas relar sua mão nela, se surpreendeu quando ele a abraçou na cintura e encostou a cabeça na barriga.

— Ah! Um bebê! Um novo Petruchinho! Um Petruchinho pra eu pega no colo e chamar de meu filho! - ele dizia com a boca encostada na barriga dela. - Um filho, um filho para preencher de felicidade essa fazenda.

Catarina resolveu culpar os hormônios da gravidez, estava chorando, deixou que lágrimas silenciosas caíssem de seus olhos devido a emoção da reação de Petruchio ao descobrir-se pai.

Lembrou-se do diário, a outra Catarina havia escrito que tinha se apaixonado definitivamente por ele depois de o ver como um pai, talvez a reação da descoberta da gravidez fosse o princípio de tudo. Petruchio havia nascido para ser pai e isso ela não podia contestar.

— Aí Catarina, obrigado por tá carregando um filho meu.

— Não sou sacola para carregar um filho seu!

— Um filho meu que é pra confirmar que essa vida é a vida certa e não aquela de galpão queimado e noivado desfeito. Essa vida é a vida certa. - dizia ainda hipnotizado lhe acariciando a barriga.

— Essa vida não é nossa! Mesmo assim o filho é meu!

— Mas o filho é mais meu que sou pai. - esticou o pescoço um pouco nervoso a olhando.

— Oras o filho é mais meu que sou mãe!

— Arriégua Catarina! Ocê tem que me deixa nervoso! - Petruchio se levantou irritado, não acariciava mais sua barriga. - Onde é que já se viu um filho ser mais de uma mãe que de um pai?

— Desde que o mundo é mundo! A mãe carrega a criança, tem as dores do parto, dá de mamar, o filho é muito mais da mãe. Portanto esse filho é meu!

Até poucas horas atrás estava chorando no quarto se sentindo inferior a Petruchio em relação aos filhos, não se sentia mãe o suficiente. Agora brigava com ele que era muito mais proprietária dos filhos.

— O filho é meu!

— É meu!

— Às veiz eu tenho vontade de… para de ser teimosa Catarina. De certo ocê feiz o filho sozinha. - Estava indignado pela teimosia de sua esposa.

— Não fiz nada, foi a outra Catarina, mas como tomei seu corpo, me sinto no direito de dizer que o filho é meu sim! Portanto não azucrine mais meus ouvidos que estou grávida e não quero me estressar! - reclamou já muito estressada.

Buscapé apareceu na sala, estava com um sanduíche e um copo grande de limonada.

— Deixei o açúcar pra madrinha por o quanto quiser. - ele lhe entregou o refresco e um pote de açúcar. Catarina provou e achou o saber azedo o ideal, bebeu a limonada toda sem açúcar num gole só. Petruchio olhou para ela espantado.

— Arriégua Catarina, num tá azedo não?

A mulher o ignorou e mordeu o sanduíche, era adocicado, amargo e salgado na medida certa, o queijo fresco da fazenda havia sido derretido por Buscapé numa chapa de ferro e ela podia sentir o gosto do defumado. Era divino, nunca havia comido um sanduíche tão diferente e virou seu preferido.

— Melhor a madrinha querendo comer coisa azeda que perninha de rã. Pé de limão tem aqui na fazenda, rã tem que caçar. Não é não seu Petruchio?

Petruchio olhou para ele sem entender nada.

— Ocê faiz um sanduíche desse pra mim também Buscapé, eu tô é morrendo de fome. - estava com inveja do jeito que Catarina comia aquele sanduíche, parecia delicioso, seu estômago roncava de fome. 

— Buscapé faça outro sanduíche para mim, estou com fome ainda. - Catarina não deixaria ele comer naquele dia.

Petruchio suspirou conformado e foi à cozinha pedir para Neca lhe cozinhar ovos.

Catarina deixou que os ânimos se acalmassem, mas ainda estava nervosa com ele devido a briga sobre de quem era a posse do filho que ainda estava na barriga. Clara acabou de comer e foi à sala onde a mãe saboreava o segundo sanduíche, percebeu os pais longe um do outro e emburrados. Foi até seu pai que comia dois ovos cozidos.

— Papai tá na hora de você beijar a mamãe.

Petruchio olhou Clara surpreso, o ovo parado na boca entreaberta em choque.

— Como é que é que ocê tá falando?

— É papai, toda vez que ela tá muito muito mas muito brava o papai beija ela e tudo fica bem.

— Papai eu não quero ir pra zoropa. - Júnior chegou e ficou do lado de Clara. - Beija ela que a gente não precisa ir pras zoropa. E óia que eu nem gosto de vê oceis dois se beijá!

— Não é tão simples assim. - Petruchio se justificou. Os filhos pareciam depositar toda a esperança nele.

Clara cruzou os braços na frente do corpo e rosnou.

— Eu quero dormir com a mamãe e o papai contando uma história! - Ela anunciou gritando e marchando até seu quarto. Catarina olhou para ela assustada.

Júnior correu atrás da irmã tentando entender o que ela estava planejando. Catarina olhou para Petruchio em busca de uma resposta, mas o marido deu dê ombros sem entender.

Clara sabia chamar atenção, a mãe estava curiosa e se encaminhou para o quarto dos filhos com Petruchio atrás de si.

— Qual é o problema? - Catarina perguntou vendo a filha colocar sozinha sua camisola ainda muito brava.

— Clara tá com medo de flutuar de navio. - Júnior explicou enquanto colocava seu pijama.

— Andar de navio. - ela corrigiu o irmão. - Não quero ir andar de navio. A mamãe já viu a história do Titanic? Um monte de pessoa morreu congelada, o barco furou.

— Que coisa ruim! - Petruchio comentou olhando a filha interessado. - E como que foi isso? Mas também, fazê flutuar um negócio enorme no meio do rio.

— Navio navega em mar Petruchio, não fale asneiras. Mas por que você iria andar de navio Clara?

— Pra ir pras zoropa tem que ir de navio, mamãe já falou isso um monte de veiz. - Júnior voltou a explicar.

— Por que iríamos para a Europa? - estava cada vez mais confusa.

— Acabou de falar pro papai que ia pegar a gente e levar pra europa pra morar longe dele.

Catarina lembrou-se da briga, no auge da sua sandice gritou o que não devia na frente dos filhos.

— Mamãe falou da boca pra fora. - Catarina se justificou. - Eu e seu pai já fizemos as pazes.

— Nóis ouviu oceis gritando quando a gente tava comendo o sanduíche na cozinha. - Júnior contestou.

Não tinha jeito de enrolar os dois facilmente. Catarina pensou, mas nada parecia passar por sua cabeça.

— Então vamos dormir, amanhã acordamos num dia melhor. - Foi o máximo que conseguiu.

Clara olhou para ela emburrada segurando um grosso livro na mão. Era o de contos de fada que Bianca tinha lhe dado naquele mesmo dia.

— Não durmo! Não fizeram as pazes! - Clara reclamou de braços cruzados e testa franzida.

— Já sei o que fazer. - Petruchio sussurrou no ouvido dela, fazendo Catarina sentir sua pele se arrepiar. No mesmo momento segurou sua mão, como no dia anterior quando estavam indo ao circo.

Catarina havia esquecido daquela sensação de aconchego e acalento que um simples dar de mãos lhe proporcionava, sem contar os arrepios e os embrulhos no estômago que sentia. Era uma adolescente num corpo de uma adulta. Ignorou as sensações e olhou os filhos observando se estavam satisfeitos com as "pazes".

Júnior sorria, mas Clara estava ainda emburrada com os braços cruzados.

— Minha filha, o que temos que fazer para provar a você que estamos bem? - Catarina sorriu mostrando a mão dada para ela.

— Nunca mais beijou o papai depois de uma briga.

— Verdade Catarina, nunca mais me beijou depois da briga. É difícil resistir a eu depois da briga? Deve de ser. - Petruchio comentou todo sorridente. Catarina entortou os olhos para cima o ignorando e focando na filha, que ainda estava brava.

— Mas beijar não significa que eu e seu pai estamos em paz. Veja, estamos em paz nesse momento e não precisamos nos beijar. - Catarina mais uma vez ergueu as mãos que estavam entrelaçadas. Petruchio riu de lado e se aproximou da mulher, a chamou, esperou ela virar o rosto em sua direção e lhe roubou um beijo de leve nos lábios.

Catarina arregalou os olhos com ódio, começou a rugir olhando a cara de safado que ele mostrava, Clara gritou feliz como se estivesse ganhado um presente e Júnior exclamou um sonoro eca.

— Agora sim! - a filha abraçou ambos ao mesmo tempo agradecida.

— Pelo menos a gente não vai mais morar nas zoropa. - Júnior comentou aliviado.

— Agora já dá pra vocês lerem uma história para dormir. - Clara voltou a erguer no ar seu livro de contos de fadas que havia ganhado de Bianca. Catarina entortou os lábios receosa.

— Tem certeza minha filha? Não prefere uma história menos floreada? - Catarina pediu. Previa que odiaria tudo que fosse ler a filha.

— Só se for esse outro, a madrinha me deu esse que a mamãe nunca leu. - Clara mostrou um livro escrito: Poemas de Camões.

— Vamos aos contos de fadas. - Clara sabia bem onde apertar para ela ler algo que não lhe interessava. Poesias lhe lembravam aulas com o professor Edmundo e Camões lhe lembrava romance. Preferia os contos de fada.

Catarina leu em voz alta os títulos dos contos e pediu para a filha escolher um, Júnior resmungou do lado e pediu algo diferente para ler para ele dormir. Catarina prometeu que lhe contaria um conto de fadas menos "chato" depois que terminasse o da irmã. Clara escolheu o da pequena sereia e ela começou a ler a história.

Petruchio não tirava os olhos da barriga de Catarina, queria tocar e lhe fazer carinho, mas previa a esposa lhe empurrando e isso só traria traumas aos filhos, aproveitou que ainda estava de mãos dadas com ela e começou a lhe fazer carinho na mão. Seu polegar acariciava a palma e Catarina fingia que não se importava com esse ato, mas lia o grosso livro com dificuldade só para não recolher sua mão.

Em certa altura da leitura, Petruchio entortou os lábios, enrugou a testa, e ficou indignado com os acontecimentos.

— Mas ela vai perdê a voiz por causa desse homem que ela nem conhece? - ele estava curioso.

Catarina o olhou admirada, óbvio que ela havia detestado essa parte da história, mas não esperava que ele tivesse notado isso.

— Romantizam o amor entre um homem e a mulher, fazendo essa mulher, literalmente, perder a voz para ficar com esse homem. Acontece todos os dias em nossa sociedade.

Clara olhou para os pais não entendendo nada.

— Mas é romântico, ela vai deixar de ser sereia por causa de seu amor.

— Não minha filha, não é romântico uma mulher se calar por causa de um homem, sendo ele príncipe ou um ogro como seu pai.

— Papai ogro? - Júnior riu. Ao mesmo tempo parou para pensar. - O que é ogro?

— O contrário de príncipe, ou seja, seu pai. - Catarina explicou.

Petruchio olhou para a mulher confuso, ainda pensava no que Catarina havia lido segundos atrás.

— Mas se ela já amava ele como sereia, porque que é que não foi falar com ele como sereia?

— O medo da rejeição. Mulheres são postas todos os dias a se calarem e renegarem como são de verdade para agradar os homens.

— Mas continua lendo que tô curioso. - Petruchio encostou sua cabeça na mão e continuou a ouvir atentamente Catarina.

Catarina continuou a ler, mesmo revirando os olhos em várias partes da história, ela lia e explicava todas as vezes que Clara ou Júnior ficavam confusos com alguma palavra difícil, percebeu ela fazendo carinho na testa da filha involuntariamente em determinada altura da leitura, percebeu que ela fazia uma voz diferente quando o personagem mudava, mesmo odiando a história ela fazia o possível para os filhos mergulharem no conto, era lindo de se ver, tão bonito que Petruchio não prestava mais atenção em nada do que ela falava e só ficava ali, a admirando e se apaixonando cada vez mais por uma Catarina mãe.

"A Pequena Sereia afastou a cortina púrpura da tenda e viu a bela noiva adormecida, com a cabeça apoiada no peito do príncipe. Inclinando-se, ela beijou a nobre fronte dele e depois olhou para o céu, onde o rubor da aurora se tornava mais e mais luminoso. Fitou o punhal afiado em sua mão e novamente fixou os olhos no príncipe, que sussurrou o nome da noiva em seus sonhos – só ela estava em seus pensamentos. Levantou as mãos que tremiam enquanto empunhava o punhal – e então ela o lançou para longe nas ondas. A água ficou vermelha onde caiu, e algo parecido com gotas de sangue ressumou dela. Com um último olhar para o príncipe, os olhos esmaecidos, ela se jogou do navio para o mar e sentiu seu corpo se dissolver em espuma."

Catarina parou a leitura e revirou os olhos indignada. Antes de falar qualquer coisa, Petruchio exclamou:

— Arriégua ela virou espuma!

— Aí está! A idiotice maior de todas as mulheres, se sacrificando por amor ao homem até o final.

— Ela ia matá ele? - Petruchio estava confuso, ainda estava admirando a mulher, a luz da lua entrava pela janela e iluminava o rosto de Catarina deixando ela mais linda.

— Sim, mesmo vendo-o feliz com a outra, não teve coragem.

— Mas é porque ela amav…

— Amava ele? Pare Petruchio, olhe como esse livro é pavoroso. É como se fosse um mantra do que as mulheres devem fazer para conquistar homens e logo depois perdoá-los, e esse é só um conto, tem outros bem piores como Cinderela. Não me surpreende Bianca ter dado a Clara, para ela tudo isso é romântico, a cabeça dela é cheia de melaço!

— A sua irmã queria que Clara tivesse um livro infantil só. - ele deu dê ombros tentando justificar.

— Mas ainda bem que eu sou a mãe, vou ensinar o verdadeiro feminismo a ela, Clara logo estará odiando esse tipo de livro e lendo o que realmente irá agregar valor na vida dela.

— Deixe a menina ser criança!

Começaram a discutir, Petruchio queria mesmo era ouvir o resto da história da sereia e não um monte de discursos feministas, continuar a admirar a mãe de seus filhos a luz do luar, mas Catarina parecia ter criado um monstro dentro de si sobre o assunto e precisava falar.

— Olhe filha, da próxima vez a mamãe irá lhe contar como mulheres eram queimadas vivas por serem consideradas bruxas na…

Catarina parou de falar quando viu a filha dormindo. Olhou para o lado e percebeu que Júnior também dormia. Parou para admirá-los sem se dar conta, era tão simples amá-los. Cada um tinha sua personalidade, eram tão diferentes, ao mesmo tempo tão iguais. Catarina se sentia sortuda.

— Mas são bonitinhos, não são? - Petruchio comentou reparando no olhar que ela dirigia aos filhos.

— São perfeitos. - ela confessou.

— Mas é por isso que não quero sair daqui, quero viver isso aqui pra sempre. Ainda mais do seu lado Catarina. - ele voltou a acariciar a mão dela que insistia em ficar entrelaçada a dele.

— Petruchio, você sabe que essa vida não é nossa. - ela sussurrou sua resposta surpreendentemente calma.

— Talvez seje, sabe que dizem por aí que a gente tem que tomar cuidado com o que deseja e eu sempre desejei de todo coração que eu tivesse uma família assim. Ocê não?

Ela parou para refletir, o que ela havia imaginado e desejado estava bem distante daquela realidade.

— Minha irmã foi a que sempre desejou ser exatamente o que a sereia era, uma mulher que se sacrifica por um homem. - apesar das palavras duras, ela dizia muito calma. Petruchio ergueu a mão que não estava grudada na dela e começou a acariciar sua bochecha.

— Os homens não são todos iguais, eu entendi a sua dor, mas ocê não pode resolve o problema do mundo todo. Não acha?

Catarina respirava forte, não de raiva, mas pela proximidade que conversavam, praticamente estavam com os lábios colados.

— Acho que preciso resolver primeiro esse meu problema, de estar vivendo uma realidade que não é minha. - foi ela que se afastou. Petruchio bufou frustrado. Observou Catarina ir até Clara lhe cobrir e beijar sua testa. Foi até Júnior e fez a mesma coisa.

Petruchio viu ela sair do quarto, deu beijo de boa noite nos filhos e a seguiu. Viu Catarina entrar dentro do banheiro e começar a se trocar.

— Ocê têm é medo. - Petruchio confessou fazendo ela ouvir. Ficou reparando nela trocando, a luz do lampião fazia sombra e a silhueta dela se mexia enquanto colocava sua camisola. Ouviu ela bufar dentro do quarto, resolveu prosseguir. - Ocê fica com a desculpa que quem vivia isso era outra Catarina pra não assumir que tem medo de sustentar essa vida.

Catarina abriu com tudo a cortina e olhou para ele brava.

— Eu não tenho medo de nada!

— Tem é pavor de viver uma vida feliz num casamento com filhos porque não se programou pra isso. Não entende porque a sereia renegou sua voz por amor ou se sacrificou pela vida do príncipe.

— Ah então a questão aqui é o conto de fadas.

— Não! É ocê! A questão aqui é ocê vivendo uma vida que não é sua pela metade por medo de gostar! É essa a questão!

— Por que eu gostaria dessa vida?! - ela berrou aproximando seu rosto do dele.

— Porque ocê tem filhos saudáveis, porque tem uma casa, um emprego, sua família tá feliz e acima de tudo tem um marido…

Catarina baixou a guarda sem saber o que lhe responder.

— Um marido que… te ama…

Ela negou com a cabeça olhando para ele.

— Vamo viver essa vida Catarina? Vamo viver essa vida por completo?

Ele cortou o resto da distância entre os dois, seus braços seguravam seus ombros e cintura, por fim aproximou seu rosto do de Catarina. Fechou os olhos esperando o próximo passo vir dela.

Já havia resistido tanto, todos os beijos que desviou, os corações acelerados que ignorou. Ela teria esse direito? Parecia o próximo passo de todos os beijos que não deram.

Era como se a vivência da realidade que não é sua lhe autorizasse a viver um momento que não era seu.

Catarina beijou Petruchio.

 


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