Rapture's Last Masquerade escrita por Jupiter vas Normandy


Capítulo 2
Rapture Masquerade Ball


Notas iniciais do capítulo

Eu joguei Burial at Sea e descobri que o personagem que eu planejava usar era completamente diferente do que eu tinha imaginado. Como eu não gosto muito de out of character, decidi "transformá-lo" em um OC. Ele não aparece ainda, mas já deixo o aviso.



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Quinze havia se forçado a abrir a porta do laboratório, o que já era o bastante para fazer suas mãos suarem. Os tiros já haviam parado, é claro. Mas ainda assim, estava saindo, ou querendo sair, e todos os seus instintos eram contra essa decisão. O anúncio nos alto-falantes e os sons dos tumultos distantes lhe deram a certeza de que ninguém voltaria para ela, e que ela podia sair ou ficar ali até morrer sozinha. A decisão não deveria ser tão difícil, mas foi. Mesmo que o tumulto já tivesse sido silenciado (ela não queria pensar em como), ela tinha ficado vários minutos no vão da entrada, inspirando profundamente, convencendo-se de que era a ideia racional.

Nada de bom acontece fora do laboratório.

Podia até ser verdade, mas não era como se coisas boas acontecessem lá dentro também.

Quinze não sabia o que esperar do lado de fora, mas com certeza não esperava o que viu. As portas do laboratório davam para um longo túnel de vidro, o que explicava porque todos os sons pareciam tão distantes, não havia nada próximo dos laboratórios. O mundo além do vidro era um gradiente de tons de verde-escuro ao preto, mal conseguiu avistar o cardume passando próximo do túnel, mas a experiência quase lhe fez esquecer do forçoso primeiro passo que precisava dar para fora do laboratório. Todo esse tempo estavam submersos e ela nunca percebeu. Era um feito impressionante, um pouco assustador também. Àquela profundidade, o mar era um breu misterioso. Ela descobriu que a poça de água que invadia por baixo da porta vinha de uma rachadura no vidro. Não parecia instável, a água nem entrava mais, provavelmente impedida pelos próprios sedimentos na água, minúsculos grãos de areia e restos de algas marinhas. Mesmo assim, não ficou menos inquieta. Ao menos, a rachadura foi um motivo a mais para deixar o lugar. Por garantia.

Quinze ainda estava na metade do corredor, não apenas porque cada passo a levava mais longe do lugar ao qual sentia pertencer, mas também porque mantinha o olhar no chão. Depois do deslumbramento inicial, as luzes do corredor sobre o cenário escuro tornavam o túnel de vidro um espelho muito longo. Lamentou não olhar mais para o mar lá fora, mas disse a si mesma que era só aquela vez, e que depois conseguiria admirar a visão sem sentir o olhar do próprio reflexo sobre si. Ainda nem enxergava o final do corredor quando os avisos que repetiam no alto-falante há pelo menos quatro horas falharam, o som cortado de forma estranha, e outra voz assumiu o canal, bem menos comedida que a anterior, tão irritada que Quinze se retraiu ao primeiro grito.

— Ryan, seu filho da mãe maluco! Você acha que é dono da gente? Acha que somos animais?! – A voz não transmitia da mesma origem que a outra, a qualidade do áudio era perceptivelmente inferior. – Não viemos para essa merda pra viver a mesma miséria que vivíamos lá em cima! A gente se mata para manter essa cidade funcionando e sua gente se acha melhor porque vive de luxo e festa chique?

— Cala a boca e desliga isso, vão nos achar! – Uma segunda voz falou, abafada, mais distante do microfone. O primeiro não pareceu ouvir. Continuou seu discurso exaltado.

— Vai à merda, Ryan, você não é dono da gente! Não pode parar a gente, não pode cortar o nosso ADAM! Vocês já têm o bastante e nem merecem. Vamos até você, e Rapture vai ser o que deve…

A interrupção abrupta fez Quinze pensar que a segunda voz havia desligado o equipamento.

O túnel deu em uma grande intersecção de caminhos. Letreiros neon indicavam a direção de lugares como o metrô, Point Prometheus, Olympus Height... Tudo estava com uma aparência catastrófica. Rapture Masquerade Ball 1959, diziam cartazes rasgados nas paredes, haviam máquinas de venda derrubadas e objetos pessoais largados pelo chão. Quinze suspeitava que as manchas vermelhas no canto da parede fossem sangue. Ela escolheu um dos caminhos aleatoriamente, já que não sabia mesmo aonde ir. Agora os corredores não eram de vidro, mas de metal claro, sempre terminando em portas robustas que imitavam eclusas de ar e abriam automaticamente assim que se aproximava. Virou esquinas, atravessou portas e subiu escadas, até que conforme andava, ela começou a ouvir uma risada.

Quinze chegou em um grande salão do que parecia uma área comercial. Em seu centro havia uma mulher vestida de forma elegante, porém suas roupas estavam amassadas e sujas como se estivesse com elas há vários dias, e usava uma máscara branca e dourada de coelho. Ela segurava um facão e ria a cada golpe que dava em um corpo caído no chão, uma risada eufórica, maníaca, como se estivesse fazendo a coisa mais divertida do mundo. Ela também dava saltos ao redor do morto, cantarolando como se estivesse em uma festa. Então percebeu que havia uma pessoa nova no lugar, e seu sorriso se alargou ao pôr os olhos em Quinze.

— Oh, meu Deus... Como você é linda! Mas querida, querida, você perdeu a festa? Não foi convidada, pobrezinha... – O corpo que ela estava mutilando não era o único no lugar. As razões eram diversas, uns pareciam ter sido alvejados por tiros, outros por lâminas, alguns até estavam carbonizados. O mais estranho era que haviam dois deles congelados. A mulher passou por cima do corpo no chão, perdendo completamente a atenção que tinha com ele, mesmo por trás da máscara seus olhos brilhavam fixos em Quinze. – Mas me diga, me diga, você tem ADAM, não tem? – De repente seu tom mudou para uma raiva explosiva. – Não minta pra mim! Eu sei que você tem! Está escondendo pra ficar com tudo, não é?!

E sem esperar resposta, ela atacou. Quinze não entendeu o que aconteceu, a mulher não tinha se mexido, mesmo assim, Quinze tinha sido jogada contra a parede, caindo sobre uma pilha de malas e cartazes no chão. Só então a mulher avançou com o facão. Quinze desviou para o lado antes de ser atingida pela lâmina, mas não conseguiu se levantar antes da mulher se jogar sobre ela.

— Onde?! Onde você conseguiu?! É meu! – Ela gritou. Não sabia se era raiva ou desespero em sua voz. E novamente ela não deu tempo nem para Quinze perguntar sobre o que estava falando. Soltando o facão que ficara preso no chão, ela agarrou com as duas mãos o pescoço de Quinze, que se debatia tentando tirá-la de cima.

— Eu não sei... – Tentou explicar, mas a mulher continuou gritando, agora nem eram frases, apenas histeria. Quinze mal conseguia pensar. Agarrou o facão ao seu lado e acertou com o cabo na cabeça, na região desprotegida pela máscara. Aproveitando a situação, inverteu as posições e ficou sobre ela, mas não atacou mais. – Eu não sei do que está falando. Eu não tenho nada seu.

A mulher gritou novamente, e como antes, Quinze sentiu ser jogada para trás sem nada ter lhe tocado, atingindo de costas a vidraça de uma loja. A mulher riu, se colocando de pé com movimentos nada fluidos, como se cada músculo de seu corpo lutasse para permanecer lutando, mas ela não parecia perceber o esforço que fazia. Cambaleou nos primeiros passos e depois correu contra Quinze, que, encolhida contra a parede da loja, apenas teve tempo de erguer a arma instintivamente. Assim acabaram os gritos e as risadas. Tudo o que havia era o sorriso exposto sob a máscara de coelho se desfazendo lentamente ao perceber, com um olhar surpreso, a lâmina no abdome. Os dedos trêmulos ainda tentaram segurar a mão de Quinze, antes dela deixar os braços penderem ao lado do corpo.

— Foi você... Você que atacou... – Quinze murmurava, quase tentando se justificar. Permaneceu naquela posição por um tempo, as mãos agarrando o cabo com força para disfarçar o quanto tremiam. Temia que ao soltá-la, tudo recomeçasse, então apenas deixou a mulher cair no chão quando teve certeza de que ela estava mesmo morta.

Passando a mão nervosamente nos cabelos, Quinze olhou novamente ao redor, entendendo pela primeira vez o cenário onde estava. Encurralada em uma cidade submarina em alguma espécie de crise que deixara um meio mundo de mortos e o resto de pessoas enlouquecidas. Será que aquele lugar inteiro estava assim? Era só isso que encontraria a cada nova área, só para descobrir que não havia saída? Mas era a única coisa que podia fazer. Talvez pudesse ao menos entender o porquê de estar no meio de tudo isso.

O choque passou surpreendentemente rápido até para ela. Em um instante, estava à beira de um ataque de nervos confrontando o fato de que tinha acabado de matar alguém. No instante seguinte, sua respiração já estava tão calma e silenciosa que poderia pensar que não havia ninguém no salão. Algo tinha acontecido. Ela tinha matado alguém. Desceu o olhar para o corpo da mulher, com a certeza mórbida de que seria mais fácil da próxima vez.

Não bastasse a calmaria vazia que lhe consumiu, Quinze decidiu pela praticidade. Pegou para si a máscara da mulher, descobrindo um rosto de tom doentio, com pequenas veias escurecidas visíveis sob a pele e maquiagem borrada sob os olhos tanto por suor quanto por lágrimas. Embora a maioria dos corpos estivessem vestidos de forma comum, ela tinha visto alguns outros que também usavam roupas finas e máscaras parecidas com aquela, gatos, coelhos, ou sem representação definida. Com suas calças largas e camisa simples cinza, Quinze se distinguia de ambos. Tirou também o blazer preto que a mulher usava. Sua blusa tinha um grande rasgo agora, não sabia se tinha conseguido pelo vidro quebrado ou se sua atacante tinha rasgado. O blazer estava ensanguentado, mas, sem opção melhor ao redor, usou a própria blusa para limpar da forma que conseguiu e depois a descartou, fechando os botões para usar como se fosse uma camisa. A mulher estava de saltos, então Quinze preferiu continuar descalça, apenas tomou cuidado para não pisar no vidro estilhaçado. Talvez encontrasse sapatos depois.

— Claire... Claaaire, onde você foi? – Uma voz arrastada cantarolou de um dos corredores. Percebendo que alguém se aproximava do salão, Quinze invadiu a loja pela vitrine e se manteve abaixada. Um espelho em uma estante dentro da loja lhe permitiu ver o homem de camisa social que já tinha sido branca, mas agora era encardida e ensanguentada, uma gravata preta e o rosto oculto por uma máscara de gato. Deu um gole na garrafa que trazia em uma mão. Na outra, segurava um revólver. Andou pelo lugar quase arrastando os pés de forma desinteressada. – Ouviu o cara no rádio? Ele falou algo de ADAM. Aposto que tem algum... – Ele deu outro gole, mas num ataque súbito, arremessou a garrafa contra uma parede. – Aparece logo, Claire!

Por um instante, Quinze pôde vê-lo de frente pelo espelho e temeu que ele tivesse lhe percebido. Porém os olhos por trás da máscara de gato fitavam o chão, pois aquele corpo mais recente havia chamado sua atenção.

— Claire...? – Ao contrário de antes, sua voz soou tão frágil que parecia capaz de estilhaçar como cristal e quebrar aquele nome em pequenos pedaços. Ele se ajoelhou perto da mulher, Claire, saindo da visão do espelho, mas Quinze supôs que ele estava tentando acordá-la ou ver se estava viva. Talvez fosse apenas impressão, mas de repente o ar ficou mais frio. – Claire! Quem... Quem fez isso?! Amor, por favor, diga, acorde!

Quinze mordeu o interior da bochecha, tentando se impedir de exprimir qualquer som, mas algumas lágrimas inoportunas ainda conseguiram turvar sua visão. Limpou-as rapidamente, pois precisaria estar atenta caso o homem a percebesse. Em vez disso, porém, ele apenas se levantou e correu para fora, gritando ameaças contra o ar e o mar. Quinze não queria que aquele homem cruzasse seu caminho.

Chegar a algum lugar, qualquer que fosse, seria um desafio se essas pessoas estivessem espalhadas pela cidade. Embora soubesse que a próxima vez em que tirasse uma vida seria mais fácil, não esperava que fosse tão cedo. Pegou o facão de Claire e saiu de seu esconderijo pela direção contrária ao que o homem tinha ido.

Como imaginária, as ruínas da cidade se estendiam bem mais do que aquele local. Corpos em estados aterrorizantes estavam por todos os corredores, a maioria carbonizada ou congelada, o que ainda não fazia sentido para ela.

Um tiro interrompeu seus devaneios. Ela teria se afastado, como vinha fazendo sempre que escutava algum barulho, se não fosse por uma voz acima dos risos.

— Você vai matar a gente! Você trouxe eles aqui!

— Se tá achando ruim, então vai com a sua turma, doutorzinho de merda.

Eram as vozes que haviam interrompido a transmissão mais cedo. Talvez não fosse inteligente, mas eram os únicos vivos que não pareciam completamente enlouquecidos, então Quinze os seguiu. Ao menos poderia perguntar aonde ir para sair daquele lugar. Encontrou-os em uma estação de segurança no centro de um salão, com muitos daqueles mascarados tentando alcançá-los pela grade derrubada. Uma sequência de tiros fez com que ganhassem espaço na grade da estação, mas um deles se afastou para recarregar, e o outro gritou com um golpe de pé de cabra de um dos mascarados.

Quinze já havia se decidido. Precisava de alguém que soubesse o que estava acontecendo, e os únicos disponíveis logo se juntariam aos cadáveres se não fizesse nada. Por isso ela avançou. Os dois primeiros que derrubou com o facão nem haviam notado sua presença, e os não atacaram de imediato, em dúvida se abandonavam os homens pela nova presa, o que deu tempo o bastante para que o rapaz com a espingarda estourasse algumas cabeças dos que estavam mais próximos. Por fim, o último tentou fugir, mas Quinze estava em seu caminho e desferiu um golpe direto em sua garganta. O homem ainda segurava a espingarda, com um olhar temeroso. Estava sozinho, pois o outro não havia resistido.

Quinze estava exausta, mas respirou aliviada ao ver que tinha acabado. Então um último tiro soou, o som do disparo reverberando entre as paredes de metal.

Quinze caiu, a dor queimando em seu ombro. Estava certa desde o início.

Nada bom acontece fora do laboratório.


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