Os Retalhadores de Áries II escrita por Haru


Capítulo 16
— Os esclarecimentos




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— Os esclarecimentos

Seizako, Yue e Haru alcançaram a base da embaixada em tempo de salvar os soldados que corriam perigo. Entretanto, ao notarem que três destacados guerreiros do Reino de Órion se uniram aos retalhadores pressionados, os meliantes também pediram reforços. Durante algum tempo, a força de Seizako, a perspicácia de Yue e as habilidades de Haru bastaram para conter os avanços deles, mas não para encerrá-la de vez. O trio e seus aliados foram completamente cercados.

Com um rápido cálculo, os combatentes de Órion viram que o número infindo de homens do exército inimigo fazia-o invencível. Optaram, então, por uma evasão estratégica. Haru ludibriou-os com sua capacidade de manipular a luz: forjou imagens para que eles seguissem enquanto Yue, Seizako e os outros fugiam. Deu tudo certo. Sucedidos pelo filho caçula de Yume, a embaixada e os lutadores enviados por Arashi escapuliram das mãos do manancial de bandidos. Correram juntos, floresta a dentro, e só pararam após se virem diante da casa que o ruivo disse que haver nos arredores. 

 Todos sabiam que o esquadrão de criminosos não iria demorar para perceber que via uma miragem e achar a residência — que se tratava, na verdade, de uma das instalações do décimo quarto batalhão oficial de Aldebaran. Yue se sentou no leito mais distante da porta para pensar no que fazer. Com resistentes paredes cor verde água, um firme piso de madeira e belos móveis, ninguém diria do local que ele estava abandonado há muito tempo. E realmente não estava. Não havia uma grama de poeira nas camas.

Seizako vigiava o exterior através da fenda da robusta porta de aço do casebre, enquanto os médicos aproveitavam o tempo e o espaço para cuidar dos feridos. Haru logo notou a dificuldade de sua melhor amiga, que sentou distante de todos para poder pensar melhor e cuja mente, no entanto, nenhum plano concebeu. Andou calmo até o colchão de frente para o dela e sorriu. 

— Fica fria, a gente vai sair dessa! Vamo lá, sobrevivemos ao Santsuki, ao Kikuchi, ao Hizashi, sem chances desses bandidinhos nos derrotarem! — Dizia, cerrando os punhos com uma expressão feroz no rosto. 

— Eu só queria ter essa sua confiança. — Yue desabafou, voltando os olhos para baixo. — E também queria que a minha cabeça funcionasse!

O garoto se aproximou dela como quem ia confidenciar um segredo, quando o único por quem não queria ser ouvido, na realidade, era Seizako. O problema foi que Seizako percebeu a olhada sorrateira de Haru para ele e essa aproximação suspeita, mesmo a vários metros de distância do final da ampla sala.

— Eu liguei pro Arashi, dentro de poucos minutos dois retalhadores de elite vão estar aqui! — Sussurrou.

— O que você disse que fez?! — Esbravejou Seizako, que ouviu cada palavra dita pelo ruivo. Marchando enfurecido na direção deles, procurava mentalmente o melhor adjetivo para qualificá-lo. — Você é um...!!

Yue ficou de pé, entre os dois.

— Calma aí, ei! Pra que toda essa raiva?! — Indagou. 

— Seus idiotas! O pelotão que está lá fora vai perceber a chegada dos retalhadores de elite e vai nos destruir antes! — Justificou-se. 

 — Ai, não vai, nada! São retalhadores de elite que estão vindo, não imbecis! — Contra argumentou Yue. 

— É, eu contei toda a situação pra eles. — Disse Haru. — Eles com certeza vão pensar num jeito de virem sem ninguém notar, só precisamos aguentar alguns minutos. 

 Algo bateu com força contra o muro da fortaleza dentro da qual eles estava, tamanha foi a força que ela estremeceu inteira. Todos volveram seus olhares para a entrada. 

— E a gente vai ter todo esse tempo? — Falou Seizako, de costas para os dois. Sem resposta, correu de volta para seu posto de observação.

 Yue bufou de indignação.

— Eu já tô por aqui com esse cara! — Exclamou a garota. Pensava que mandá-los com ele foi a vingança de Arashi pelo modo como ela o fez se vestir para a reunião com os conselheiros.

A gritaria do lado de fora começou, impedindo os do lado de dentro de conversarem entre si. Os homens passaram a tentar pôr a porta a baixo. Yue se achegou de Haru e deu a ele a ideia de criar uma miragem para despistar a quadrilha, Haru fez o que ela disse. Criou, com seu poder, uma figura que mostrava-os fugindo pelos fundos do esconderijo. Uma boa parte dos retalhadores foi atrás da ilusão, a outra, receosa, ficou circundando a instalação. Seizako fez menção de sair, certo de que, sozinho, poderia liquidar os que sobraram.

Assim que ele pôs a mão no batente para abrir a porta, Yue agarrou-lhe o braço.

— É loucura ir lá pra fora! Vamos esperar nosso reforço! — Alegou. 

— Acha que aquelas luzes vão segurá-los por muito tempo? Eu não vou ficar esperando pra morrer aqui dentro! — Redarguiu Seizako, soltando o braço da mão dela. 

A menina cruzou os braços e, altivamente, fechou os olhos.

— Se sair por essa porta e sobrevivermos, vou dizer pro Arashi que você nos abandonou! — Ameaçou. 

Ele trepidou na decisão. Parou. Se existia alguma coisa que ele temia na vida, era a desonra. Ser chamado de desertor ou de covarde. Contrariado, fabricou um sinistro sorriso no rosto e se afastou da porta para sentar-se na cama mais próxima. Como o calculado, a parcela do exército que correu para perseguir as ilusões de Haru retornou — mais furiosa do que antes. O esconderijo deles nunca esteve tão comprometido. A porta estremecia com as pancadas dos inimigos, e só não cedeu de todo porque Haru, junto com alguns dos médicos, segurava-a. 

Yue não via escapatória. Nervosa, bradou para Haru:

— Quanto falta pro nosso reforço chegar?

O garoto cerrou os olhos e usou sua habilidade de visão ilimitada. Contudo, a porta protegida por suas costas chacoalhava tanto que o atrapalhava. Os bandidos, por fim, puseram-na abaixo, junto com ele e com os que o ajudavam a mantê-la no lugar. O casarão foi invadido. Seizako tomou a dianteira, sacou a espada que levava na bainha e matou dois dos três que passaram por cima da porta. Yue nocauteou o outro com um soco. Ela tirou a pesada porta de cima do amigo e deixou a cargo de Seizako conter a brutal intrusão. 

Apenas dez dos homens de fora passaram pela entrada, tão estreita ela era. Além disso, Seizako matava quem se atrevia a cruzá-la. Permitiu que os últimos dez viessem para exibir seu poder: uma nuvem de vapor circundou-o, ele converteu-o em água fervente, apontou as mãos para a frente e inundou os oponentes por completo. Todos morreram. As águas travavam a entrada, de maneira que, qualquer um a poucos passos de distância dela, padecia de uma morte horripilante: afogamento em águas tão quentes que mais pareciam ácido. Yue não aguentava ver aquilo. Não reclamou, todavia.

Agachada no centro da instalação, aguardava uma resposta de Haru, que quedava atordoado pelo golpe que ganhou na cabeça e pelos pisões.

— Eles chegaram, já estão aqui. — Anunciou o garoto, para o gáudio da amiga. 

Voltando-se para Seizako, que se divertia dando aos invasores uma das piores mortes imagináveis, ordenou:

— Já pode parar com isso, os retalhadores de elite estão aqui! Não me ouviu?!

Fazendo-se de surdo às ordens dela, o impiedoso retalhador atormentava os adversários. As visões das mortes daqueles homens, somadas aos urros de dor e desespero, apavorava mesmo os que estavam do lado do matador. Furiosa, Yue atirou uma pedra na cabeça dele e pôs um fim em sua brincadeira sádica. O retalhador se virou com a intenção de reclamar com ela, porém, mais homens de fora entraram e interromperam a discussão deles antes de começar. Yue, Haru e todos os membros da embaixada uniram-se a Seizako para contê-los até o reforço se fazer presente. 

Assim como Haru antecipou, Gray e Kande deram as caras — e somente isso bastou para pôr em fuga uma parcela dos guerreiros que almejavam destruir a embaixada de Órion. Os dois defensores de elite atacavam por fora, Yue e seus companheiros, por sua vez, de dentro, e assim os de Órion foram capazes de estabelecer uma confortável vantagem no prélio. Em dez minutos de conflito, forçaram os infratores a baterem em retirada, sem sofrerem uma baixa ou lesão. No percurso da volta para o Reino de Órion, uma nova — ou velha — briga estourou. 

Yue contendia com Seizako por causa das mortes desnecessárias, Seizako revidava com queixas sobre a pedrada que ganhou. Discutiram o trajeto inteiro. Haru, Gray, Kande e o pessoal da embaixada não intervia, sabia que somente Arashi seria capaz de pôr fim àqueles animoso debate, que qualquer esforço de apaziguamento de qualquer outro se demonstraria supérfluo. Mantinham-se afastados dos dois para proteger as orelhas dos gritos deles. A rusga não se arrefeceu nem na entrada da sala do primeiro ministro. 

Sentado de trás de sua mesa, o guerreiro glacial ouviu os dois lados com tranquilidade. Sua expressão facial não entregava a surpresa que a cena despertou nele. Nunca viu Yue tão irritada. Imaginava, sim, que ela fosse do tipo explosiva, mas não pensou que algumas horas na companhia de Seizako a deixariam assim. Talvez Kin tivesse razão e, no mundo inteiro, ninguém que não fosse tão frio quanto Arashi era capaz de suportá-lo com constância de temperamento. 

Transcorridos dez minutos desde o início daquela violenta troca de conceitos em sua presença, Arashi acenou com a mão dispensando os demais e ficou de pé para falar aos dois. 

— Yue, foi imprudência sua acertar uma pedra nele no meio de uma luta. — Começou, no tom mais compreensível existente. 

Yue abaixou a cabeça e pensou melhor. 

— Eu sei, foi mal... — Concordou. — É que o que ele estava fazendo me tirou do sério! Eu não pensei direito!

Seizako explodiu numa sarcástica risada.

— Isso é fala de um retalhador?! — Zombou, quase enfurecendo-a de novo.

— Quanto a você! — Com ele, por outro lado, Arashi sabia que devia ser mais ríspido. — Sua missão era resgatar a embaixada, não matar sem motivo, e muito menos traumatizar seus aliados... Esse foi o meu primeiro aviso, eu preciso que você saia do reino amanhã também. Se houver mais uma queixa igual a essa dos seus companheiros, vou te proibir de sair de Órion por um mês. — Terminando de falar, encostou na mesa. — Está dispensado. 

— Ela me dá uma pedrada na cabeça e eu levo advertência?! — Seizako não estava bravo de verdade, nem queria levar aquela discussão adiante, só queria testar a paciência do primeiro ministro. 

Arashi, que o conhecia bem, replicou com firmeza:

— Está dispensado, Seizako. 

Havendo fracassado em mais uma de suas muitas tentativas de irritá-lo, sorriu e se retirou. Yue deu duas voltas pela sala, queria o ar fresco da janela. Lá pela segunda volta, desculpou-se:

— Foi mal por essa cena, é que ele já estava me dando nos nervos! 

O primeiro ministro sorriu com compaixão. 

— Eu já sabia que algo assim aconteceria. Não se preocupe. — A tranquilizou. — E o Seizako não está irritado de verdade por causa da pedrada, ele só queria te testar. Não liga pra ele. 

Yue deu mais atenção à primeira frase do ministro. 

— Se já sabia, por que me mandou ir com ele? — Indagou. Com as mãos na cintura, andou até o amigo e, enfezada, sugeriu: — Fala a verdade, você quis se vingar porque eu te mandei com aquelas roupas pra reunião! 

Arashi resolveu tirar onda com ela. 

— Estamos quites, não é? — Redarguiu, fazendo-a pensar, por um minuto, que estava certa. Então, dissipou essa ideia: — Brincadeira. Acho que é porque no reino, tirando eu, só Haru e você são capazes de passar tanto tempo com ele sem matá-lo. 

Yue sacudiu a cabeça em desaprovação.

— Se ficássemos mais duas horas lá, essa sua teoria teria ido pro ralo! — Exclamou.

O líder de Órion sorriu amistosamente. 

— Duvido. Seu coração é bom demais pra isso. — Afirmou, calando-a. 

Algo na postura dele a instigou. Uma característica dele para a qual ela não achava explicação. Após alguns silenciosos instantes tentando se responder, abaixou os ombros em desistência e lançou no ar o ponto de interrogação que a perturbava:

— Eu não sei como você faz isso. Sabe, você passou a manhã toda com gente que só te insultou, passou a tarde assinando sozinho um monte de papéis chatos e agora parou pra apartar uma briga... e conseguiu apartar! Não só isso, mas continua aí, calmo!

O guerreiro glacial não economizou na risada. No fim, apontou:

— No fim de todas as missões, Seizako me pede pra não juntá-lo de novo com os mesmos retalhadores. Ele não fez isso dessa vez. Meu palpite é que ele gostou de você e do Haru. Eu não sei explicar como vocês fizeram, mas é isso que eu acho. Cada um de nós tem algo de característico, que ninguém pode explicar. A de vocês dois é essa. Por isso te pedi pra ir com ele.  


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