Depois do Crepúsculo escrita por FSMatos


Capítulo 14
Capítulo Cinco




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NATALIE

*Agora*

 

Minha mente vagava entre a consciência e a ausência dela, como um corpo à deriva sendo arrastado pelas ondas do mar. Senti mãos quentes e mãos frias em mim. Vislumbrei outro rosto pálido, no alto, me olhando com muita curiosidade, como se eu fosse o objeto de estudos mais fascinante de seu laboratório dos infernos. Senti uma mão fria em meus pulsos e braços rígidos que me carregavam através de uma corrente de ar de temperatura glacial que ficava cada vez mais gélida em minha pele.

Quando os ventos pararam de soprar sobre mim, senti o meu corpo afundar em algo macio, talvez um colchão. O movimento trouxe à tona a dor louca da realidade e eu senti minhas costelas latejarem novamente. A dor trouxe as lembranças da matança, de um salão cheio de corpos flácidos e empilhados como se fossem restos de lixos descartados. Eu choraminguei pedindo por ajuda, mas sem ter forças para fazer que as minhas palavras fossem claras. Ouvi passos e mãos me alcançaram de novo, me fazendo estremecer. Porém, logo percebi que elas eram quentes, portanto, seguras.

— Shh… Sou eu. - É claro que seria ela. Apenas ela parecia ter mãos e olhos normais naquele lugar.

Fiz uma careta e me esforcei para abrir os olhos. Desta vez eles me obedeceram e conseguiram focar no rosto marfim de Bella. Ela parecia assustada, apesar de estar obviamente preocupada e assustada, assim como eu, porém, mais estável. Eu tinha visto parte dessa estabilidade antes de apagar, quando ela teve aquela pequena conversa com o homem que havia me chutado, Demitri. - Queria perguntar para ela sobre o que estava acontecendo, sobre o que ela claramente saberia, mas a dor era terrível, assim como a temperatura baixa daquele lugar. Não estávamos mais no torreão, mas em uma cela pequena de pedra, iluminada por velas. Pelo canto do olho, eu podia ver as grades atrás dela sendo fechadas rapidamente.

Comecei a chorar, de medo e de agonia.

— Bella… está doendo! - Era a única coisa em que eu conseguia pensar naquele momento. - Está doendo muito. E… está tão frio… - As palavras engasgaram na minha garganta e eu solucei.

— Eu sei. - Bella sussurrou, apreensiva. Ela olhou para os lados, procurando algo que pudesse ser útil para resolver. Era como se tivesse ativado o modo sobrevivência nela. Ela olhou para as nossas capas de cetim e raciocinou por um tempo. Tirou-as e analisou seus tamanhos, assentindo para si mesma. - Se apoie em mim. - disse ela, ainda sussurrando, enquanto passava os braços ao meu redor com muita delicadeza, ficando longe de onde estava machucado.

Ela me afastou do centro da pequena cama, encostando as minhas costas na parede. Logo em seguida, se deitou no espaço aberto e nos cobriu com as capas. As capas eram finas, mas ajudavam a criar um pequeno casulo quente para nós. Bella pegou as minhas mãos trêmulas e as colocou em seu pescoço quente para poder aquecê-las. Em seguida, passou os braços ao redor da minha cintura, puxando-me para ficar mais perto. - Em um momento normal, a aproximação causaria estranheza, mas agora parecia muito certo, dadas as circunstâncias extremas em que estávamos.

— Não se mexa. - instruiu-me.

— O-okay. - concordei, emocionada por sua preocupação tão delicada. Ajeitei os ombros para me acomodar melhor sobre a superfície macia.

Fechei os olhos e deixei as nossas respirações aquecer nossos rostos. Eu poderia dormir naquele momento - meu corpo pedia por um descanso - mas minha mente estava a um milhão de milhas por hora, assim como o meu corpo normalmente estaria se eu não estivesse machucada.

A primeira questão que vinha à minha mente era: o que era aquilo? E quando eu falo "aquilo", me refiro ao filme de terror com massacre e olhos demoníacos que vi antes de apagar. Por um momento, em meus devaneios causados por estar sendo arremessada e chutada, considerei que tudo não passava de um pesadelo. Mas os pesadelos não duravam tanto tempo. Eles acabam depois do clímax, da pior parte, da mais aterrorizante. E eu continuava sem acordar em minha cama da hospedaria, ou mesmo em casa. O pesadelo persistia. Portanto, ou eu estava ficando louca e tendo uma alucinação, ou tudo era muito real e eu só não queria acreditar. Conhecendo-me bem, apostaria na segunda opção, por mais absurdo que fosse o cenário em que estávamos inseridas.

O segundo ponto, talvez o mais intrigante deles, era a tranquilidade da Bella. Claro, ela tinha tido as reações certas: pânico, medo, preocupação, agitação. Mas e os momentos em que a Bella parecia conseguir racionalizar perfeitamente, mesmo em meio aquele horror e aqueles monstros (um nome perfeito para quem mata e tortura inocentes!), e, puta que pariu, conseguir conversar com um deles? Era como se tudo não fosse uma novidade para ela. E mesmo ela sendo um poço de tranquilidade, paciência e sobriedade, não era a reação normal de um ser humano. Nem eu parecia estar dentro de mim. Não fazia sentido!

— O que… - Mais uma vez, senti o impulso de me intrometer em seus segredos, mas eu mordi a língua para não avançar. Em vez disso, perguntei o óbvio: - O que eles são? - Eu estremeci, lembrando dos olhos vermelhos e perversos de Demitri, e de Jane, e aquela dor absurda que um deles me infligiu (disso eu tenho certeza!).

Bella ficou calada, olhando para um ponto invisível entre os nossos corpos, como se sua mente de repente estivesse flutuando para longe. Ela estava pensando, provavelmente ponderando se me diria o que sabia ou não. Perceber que ela poderia saber me deixou assustada e curiosa. O que diabos você está escondendo de mim, Bella?

— Quando você olha para o vazio assim, - sussurrei. - é quando você está se preparando para contar uma mentira. Por que você tem que mentir tanto o tempo todo? - Não pude mais esconder a mágoa e ela saiu. Eu não queria invadir os segredos dela, mas eles pareciam um fardo pesado demais para carregar sozinha. Não queria que ela carregasse sozinha.

— Não sei se entenderia. - Confessou, e eu senti que um muro começava a ruir.

— Eu já não entendo as coisas muito bem. - ri histericamente. Eu vinha tentando ajudá-la todo esse tempo às cegas, sem compreender o que ela queria, contando apenas com os seus olhos expressivos e verdadeiros, desejando que ela não se fechasse. Ilha solitária. - Estávamos felizes, aproveitando a nossa viagem… e de repente… - Não consegui mais falar pois minha garganta de repente se fechou. Eu tossi, sentindo gosto e cheiro de sangue. O movimento não foi nem um pouco delicado e meus pulmões empurraram a caixa torácica. Eu urrei de dor. Bella me segurou para que eu não me mexesse mais e piorasse. Respirei com calma e recuperei o fôlego. - Só acho que isso não é um pesadelo horrível ou uma alucinação. Lá em cima, você parecia tão sob controle, como se já tivesse vivenciado algo parecido.

Por sua cara de evidente surpresa, eu a tinha pego desprevenida. Eu havia acertado, com a mais absoluta certeza!

— Você estava desacordada. - Era uma desculpa. Uma desculpa muito mal feita.

— Não, eu estava olhando para você, Isabella. - Eu sentia a intensidade fervilhando pelo meu corpo, como metal quente. - Você olhava aquelas coisas nos olhos. Você tentou se colocar entre mim e eles. Por quê?

Eu esperei e observei. Mais uma vez, Bella parecia estar em um impasse, mas eu vi mais tijolos caindo, mais muros sendo derrubados. Eu podia ver do outro lado; ela não me esconderia a verdade.

Só precisava estimulá-la.

— Não é algo que uma amiga faria?

— Não uma amiga comum. - Uma humana comum. - E você,  Bella, nunca foi comum. Por isso que passei a amar você. - Por sua compaixão e companheirismo, por sua força de vontade e determinação, mesmo que esta última foi direcionada para as coisas mais dolorosas de sua estranha vida.

Ela riu, pela primeira vez em que eu disse que a amava. Era como se ela nunca acreditasse em mim antes, mas agora tinha mudado. Como mudou?

— Eu também amo você. - Bella parecia água cristalina, sem mentiras.

— Você é a minha irmã querida. - choraminguei, puxando o seu cabelo, tentando não parecer um bebê se debulhando em lágrimas outra vez. - Não gosto que você minta para mim.

Ela assentiu, concordando. Mas não como antes, a contragosto. Ela parecia mesmo disposta a compartilhar as verdades que tanto se recusava a me contar, mesmo que eu nunca tenha pedido antes.

— Prometo que não farei mais isso.

— Então, fale. - Pois eu não aguentava mais de ansiedade.

Ela respirou fundo.

— Tudo bem. Mas preciso que me ouça com atenção. Tudo que vou contar vai parecer um grande absurdo e uma mentira. E vou entender se não quiser acreditar em mim. - Seus olhos gritavam súplicas.

E eu as atenderia.

— Estou pronta.

— Okay… - Bella mordeu o lábios inferior, parecendo um pouco perdida. - Bem,... você sabe que quando a minha mãe e Phil se casaram, ele teve que continuar viajando para jogar. Foi difícil para ela ficar longe dele, mas ela não queria me deixar sozinha em casa. Na época, me pareceu a coisa certa a fazer: pegar as minhas malas e ir morar com o Charlie em Forks.

"Devo admitir: quando me pus os meus pés naquela terra úmida e chuvosa, eu quis me arrepender amargamente. Mas eu precisava fazer isso por Renée. Ela estava constantemente triste e isso não combinava com ela, não era ela. Não suportava vê-la sem seu brilho."

Eu assenti, concordando, pois entendia esse sentimento de insatisfação.

— Mas estava feito. Então resolvi engolir minhas mágoas e seguir em frente. Em menos de dois anos eu estaria em uma faculdade e fora dali. Eu poderia suportar quase dois anos, não poderia? - Ela riu, rindo da própria ingenuidade. - É claro que o destino estava fazendo outros planos para mim. Naquela época, eu não acreditava nessa coisa, de universo conspirando e destinos. Parâmetros sobrenaturais. Mas não pude evitar ser agarrada por eles e ser triturada no processo.

"Foi no primeiro dia de aula. Forks é uma cidade minúscula e todo mundo conhece todo mundo. Eu era a novata, o centro das atenções naquele pequeno fim de mundo. Todos me cercavam com perguntas irritantes e olhares pouco ponderados. Foi quando os vi pela primeira vez, sentados em uma mesa distante. Lindos demais, perfeitos demais para existir e irresistíveis demais para não olhar. Olhei e gravei cada um dos seus rostos, fascinada como qualquer um ficaria. Eles eram cinco. Cinco irmãos. E um deles, o de cabelos vermelhos como bronze, era o que mais chamava atenção."

Um sorriso apaixonado e triste cruzou pelo seu rosto.

— Na minha próxima aula, de biologia, eu o vi na sala e vi que sentaria com ele. Estava tudo bem para mim, eu poderia ser cordial, ser educada. Mas quando passei por ele, algo de estranho aconteceu. Eu olhei em seus olhos e havia apenas fúria, ódio. Aquilo me apavorou, pois tive a sensação de que seu desejo era de me matar. Só mais tarde eu entendi que tinha a ver com o meu cheiro.

— Seu cheiro? - perguntei, super confusa. O cheiro da Bella era normal. Ela não usava perfume, então cheira a qualquer humano comum.

— Sim, você vai entender depois. - Bella me tranquilizou. - Mesmo com medo, tive que me sentar com ele e suportar uma hora de hostilidade velada. Quando o sinal tocou, ele desapareceu. Mais tarde, na secretaria da escola, eu o encontrei tentando mudar de horário e substituir por qualquer outra aula. Qualquer outra, mesmo. Aquilo me deixou constrangida e tive que lutar para me convencer de que nada tinha a ver comigo. Se não fosse por um dos meus colegas de sala, eu teria acreditado na minha própria mentira. Aparentemente, o garoto ruivo nunca tinha se comportado daquele jeito.

“No dia seguinte, ele não apareceu para as aulas, e assim seguiu pelo resto da semana. Havia rumores de que ele tinha ido embora. Eu fiquei sentida, mas tentei levar a vida. Afinal, não havia sentido para aquele cara me odiar apenas por eu chegar perto dele, certo? A não ser que ele fosse louco ou algo do gênero.

"Contra todas as possibilidades, ele voltou na semana seguinte. Tivemos uma conversa desconfortável. Ele fez perguntas muito pessoais e espontâneas. Como você fez." Ela riu. "Incrivelmente, eu respondi a cada uma delas sem pestanejar. Foi engraçado. Era como se ele pudesse me hipnotizar. Ele era lindo, de fato, e tinha os olhos dourados tão quente. Eu notei isso nele, a mudança nos olhos. Na semana anterior, seus olhos estavam escuros, muito escuros. E então eles brilhavam como ouro. Perguntei se usava lentes de contato e ele disse que não. Mais tarde, ele me explicou que aquilo foi um grande deslize dele, que ele deveria ter mentido."

— Os olhos dele mudaram de cor? Tipo, naturalmente? - Minha cabeça dava voltas. Nada na natureza fazia aqui, quem dirá humanos. - Como?

— Eu vou chegar lá. Bem, depois dessa conversa despretensiosa, ele saiu fugido novamente da sala.

— Por causa do seu cheiro. - supus.

Bella assentiu, concordando.

— No dia seguinte, tinha amanhecido mais frio do que o normal. Havia gelo nas ruas, então estava tudo muito escorregadio. Eu dirigi devagar para a escola, mas só quando eu cheguei lá foi que notei que Charlie tinha colocado correntes nas rodas para que eu não derrapasse enquanto estava dirigindo.

"Enquanto eu analisava as rodas traseiras, eu o vi do outro lado do estacionamento. Ele olhava para mim, como se quisesse vir até onde eu estava e falar comigo. Isso não aconteceu, não houve tempo. Eu me assustei com um barulho muito alto e me virei a tempo de ver a van de um dos meus colegas vir girando na minha direção, em alta velocidade. Ela ia me esmagar contra a parte de trás da minha picape. Eu iria morrer bem ali."

Estremeci com a imagem que minha cabeça criou: uma Bella com seus membros e tronco retorcidos da maneira errada, sangue por todos os lados.

— Tudo aconteceu tão rápido. Mas, antes que eu pudesse pensar, ele estava ali, pressionando-me contra o gelo para que eu ficasse protegida, me tirando do caminho da van desgovernada. Ele ergueu a van, com uma única mão, e não se machucou no processo. Mais tarde eu exigi uma explicação. Prometi que não contaria a ninguém, mas precisava de um motivo plausível para mentir por ele. Ele se recusou, foi grosseiro e por um mês ignorou a minha existência, mesmo quando eu sentava ao seu lado na aula. Eu cumpri a minha promessa, mesmo ele tendo rompido a sua ao não me contar como ele tinha feito aquilo, aparecer do nada e erguer um veículo de pelo menos uma tonelada como se fosse feito de isopor.

“E então começaram as provocações.” Bella revirou os olhos, rindo. “Como eu tinha dito a você, quando cheguei a Forks, todos os olhares se voltaram para mim, incluindo, principalmente, dos garotos. O rapaz que quase me matou, Tyler, como uma maneira de se desculpar pelo descuido ao volante, insistiu que iria me levar ao baile de primavera. O garoto ruivo, como eu disse, estava me ignorando, mas ele simplesmente decidiu me fechar no estacionamento na hora da saída a fim de me dar a oportunidade de ouvir o convite de Tyler. Disse que era pelo o garoto, mas eu vi claramente que ele estava rindo de mim.”

Não pude evitar a risada.

— E você foi ao baile com esse tal de Tyler?

— Não. Dei a mesma desculpa que tinha dado ao amigo dele, de que iria a Seattle no dia do baile. Você sabe que eu sou péssima em pistas de dança. E eu não tinha interesse romântico em ninguém.

“Enfim, depois desse showzinho para tirar a minha paciência, ele voltou a falar comigo. E até se ofereceu para me levar a Seattle. Disse que minha picape velha não aguentava a viagem.” Seus olhos se estreitaram pela raiva antiga, mas sem ressentimentos. “E eu, embasbacada pelo fato dele simplesmente querer ser meu amigo quando ele tinha deixado claro que não era uma boa ideia, acabei aceitando. Até almoçamos juntos, em uma mesa só nossa. Foi uma conversa estranha, cheia de subjetividades. Mas ele fala como se estivesse desistindo de ficar longe de mim.”

— Ele se apaixonou!

O rosto da Bella assumiu um tom rosado, semelhante ao de rosas.

— Sim, eu acho que sim. - Ela mordeu os lábios de novo, como se duvidasse da minha observação. - Na hora ele de ir para a aula de biologia, ele disse que não iria e que era saudável faltar a aula de vez em quando. Depois eu entendi: era dia de tipagem sanguínea.

Eu fiz uma careta.

— Exatamente. - disse Bella, entendendo a minha expressão. Eu sabia do problema dela com sangue e seu olfato de cachorro. - Tive que ser levada arrastada até a enfermaria, mas eu estava com receio de vomitar no meu colega e pedi para ele me deixar deitada na calçada do lado de fora por um momento. Foi quando ele nos viu e veio correndo para ver se eu estava bem. Ele, vendo que o outro cara não estava tendo sucesso em me levar, fez o resto do caminho sem esforço. Fiquei morrendo de medo de vomitar nele, também. Ainda bem que eu estava de estômago vazio.

“Quando voltei ao normal, ele me ajudou a faltar a aula seguinte e insistiu em me levar em casa. Não vi quando ele trouxe o meu carro, mas mais tarde ele estava ali na vaga em frente de casa, como deveria ser, e antes de Charlie chegar em casa.” Ela riu, claramente assombrada pelo ocorrido. Seus olhos brilhavam com ternura, mesmo na pouca luz.

“Eu o tinha convidado para ir à praia com o restante do grupo com o qual eu costumava me sentar todos os dias, mas ele recusou quando ouviu que estava indo para a reserva, La Push. O que foi uma pena, pois eu não o veria até a semana seguinte. Ele disse que sairia para o fim de semana mais cedo com o irmão mais velho.

“Bem, sexta-feira seguiu tranquilamente e sábado eu fui até a loja de materiais esportivos da família de um dos meus colegas. De lá, fomos em direção à praia. Passeamos pelo bosque ao redor e vimos as piscinas naturais da maré baixa. Quando retornamos à praia rochosa, vimos que alguns garotos quileutes estavam lá. Um em específico, quando ouviu o meu nome, ficou me encarando por algum tempo. Era o Jacob, ele tinha 15 anos.”

— Papa-anjo. - murmurei, provocando-a.

Bella fez uma careta, mas riu.

— Cala a boca. - Seu rosto estava vermelho pelo desconforto. - Enfim, ele veio falar comigo e se apresentou. Por mais que eu frequentasse a casa dos Black quando criança, eu não lembrava dele, então aquela era a primeira vez em que nos falávamos.

“Enquanto conversávamos, uma das minhas colegas que não gostava de mim por causa de ciúmes, tentou me provocar dizendo que o garoto bonito não tinha vindo conosco à praia e que era uma pena. Foi quando um dos rapazes mais velhos da reserva, Sam, disse que a família dele não ia até ali. Ninguém notou que havia algo implícito naquela fala. Exceto eu, talvez.”

— Soou como se eles estivessem proibidos de ir até ali. - comentei, pensativa. Era estranho.

Bella assentiu.

— A esta altura, eu tinha grandes suspeitas sobre eles, obviamente. E estava mais do que disposta a descobrir do que se tratava. Consegui levar Jacob para um passeio comigo. Eu… paquerei ele e o fiz ficar à vontade. Felizmente, ele era inocente o suficiente para cair no meu papo furado. - Seu semblante era de puro atordoamento.

Tive vontade de rir. Bella paquerando era a última coisa que eu esperava vir dela. Mas Bella era Bella e ela era sempre uma caixinha de surpresas. Mas com certeza a determinação não era diferente. - Até eu estava curiosa: alguém tão bonito ao ponto de parecer impossível, que os olhos mudam de cor e é tão forte que é capaz de erguer veículos robustos… Havia algo ali a mais do que os olhos permitem ver, e sentia que esta era a explicação para o que estava acontecendo ali, no tempo presente.

— Jacob me contou uma história de terror. Sobre uma família de “frios” que chegaram até aquela região, mas que eram diferentes dos de mais que cruzaram aquelas terras, pois eles não caçavam pessoas. Os protetores daquela terra os pouparam sob o acordo de que eles não colocariam mais os pés na região da reserva. Eu fiquei confusa na hora; por que iriam implicar com a família de pessoas que viveram há décadas, antes mesmo da formação da cidade? Jacob respondeu que aqueles não eram descendentes, mas as mesmas pessoas. Setenta anos e eles eram as mesmas pessoas, com alguns poucos acréscimos.

— Frios? Setenta anos? - Minha mente dava voltas, junto com o meu estômago. - Eu não estou entendo Bella. O que…?

— Jacob os nomeou como “vampiros”. - Senti Bella estremecer ao dizer tal palavra.

Congelei.

— Você está brincando. 

Os olhos não tinham sombra alguma de brincadeira. Ela falava muito sério.

— Por um momento também não acreditei. Até pesquisei na internet, mas nada fazia sentido. No fim,cheguei a conclusão de que não importava. - Bella deu de ombros, como se aceitasse o próprio destino.

Eu me sentia tonta e muito enjoada.

— “Vampiros”? - perguntei, minha voz aguda pelo estresse. - Você está dizendo que eles… aquilo lá em cima são…? - Eu não conseguia dizer a palavra novamente. Ela travava como um nó em minha garganta.

Uma parte de mim, a racional, desdenhava do que Bella dizia. Vampiros não existiam. Eram apenas monstros de um mundo puramente ficcional. A outra parte, tremia de medo pois, se estávamos presas naquele lugar com seres tão perigosos, não levaria muito tempo para que o mesmo que aconteceu aquelas pessoas, aqueles garotinhos, mais cedo ou mais tarde, acontecesse conosco.

Bella me abraçou e acariciou as minhas costas, solidária. Eu queria que ela dissesse que aquilo tudo era mentira, que ela era uma mentirosa talentosa e que apenas tinha ocultado por  todos estes anos suas verdadeiras habilidades. Que tínhamos chances de fugir. Eu estava em negação e apavorada.

— Eu sinto muito, Natie. - sussurrou, lamentando. - Não queria que você fosse arrastada comigo para isso. É culpa minha. Isto, este destino cruel, é para mim e não para você.

— Do que diabos você tá falando? - Já tinha ouvido aquela auto acusação antes, quando ainda estávamos no torreão.

Bella me afastou para que pudesse olhar em meus olhos. Estavam avermelhados e algumas poucas lágrimas caiam.

— Se eu não tivesse bloqueado tudo, se eu não estivesse esquecido… - Ela respirou fundo para manter a compostura. - Eu teria impedido que nós duas tivéssemos vindo até aqui. Estaríamos em casa, seguras. Eu a convenceria a irmos à praia. - Ela fechou os olhos, como se tentasse bloquear a dor.

— Você sabia sobre este lugar?

— Sabia. Ele me contou. Me contou sobre Volterra. O pai dele, seu criador, já havia estado aqui séculos antes de formar a família. Aqui, esconde-se o clã responsável pelo monitoramento do mundo dos vampiros, a fim de manter a todos em segredo dos humanos, a qualquer custo.

Franzi o cenho.

— Vocês ficaram bem próximos para que esse tal vampiro ter lhe contado isso. Como… como conseguiu, ficar perto dele? Ele não poderia… te matar? - perguntei, cada frase com um arrepio de medo. Bella tão perto deles…

— Poderia, mas não o fez. Nunca o faria. - A convicção defensiva de Bella me pegou desprevenida. - Eles eram diferentes, eu disse: não caçam pessoas. Vivem de sangue dos animais.

— Ah! - Bem, isso era diferente. - E como ele reagiu quando você soube?

Outra careta.

— Não muito bem, ainda mais quando eu disse, de maneira subjetiva, que gostava dele. - Admitiu, o rosto ardendo em chamas vermelhas de tão corada.

Senti o meu queixo caindo.

— Você está brincando! - Bella! Apaixonada por um vampiro? O que era isso? Um romance pop para adolescentes?! - Você não… - Minha mente travava. - Você não teve medo de morrer, de ser mordida, partida ao meio, alguma coisa?!

Bella riu do meu súbito estado de desespero e eu me senti ainda mais horrorizada. Como ela poderia rir depois do que vimos que estes vampiros eram capazes de fazer? A paixão a havia enlouquecido, sem sombras de dúvidas. - No fim das contas, Bella não era somente masoquista. Era suicida, também!

— Apesar dos constantes alertas sobre tais possibilidades, eu não me sentia apta para ficar longe dele, sem ele. - Seus olhos brilhavam de saudades, como se estivesse falando do amor da sua vida, e não um ser capaz de sugar todo o seu sangue. - Eu já sentia isso antes mesmo de saber o que ele era. Não sei explicar exatamente quando começou. E por incrível que pareça, ele dizia sentir o mesmo por mim.

“Não precisa fazer essa cara de transtorno, Natie. Eles não são monstros; diferente daqueles que esbarramos hoje. Eu disse, eles não caçam pessoas pois amam a vida humana e pacata que tinha. Ou fingiam ter. Ele mesmo lutou por mim, para me proteger de outros que queriam me matar. A família inteira dele se mobilizou para me manter segura, me manter viva.” Seus olhos imploravam pela minha compreensão.

Bem, eu não compreendia. Precisava ser convencida.

— Explique. - Estava evidente a minha impaciência.

Outro suspiro.

— Quando iniciamos a nossa… relação, - A palavra saiu um pouco sufocada. - fui convidada pela família para irmos à uma clareira. Não fique assim, Natie. Só fomos jogar baseball.

— Mas você odeia praticar esportes ao ar livre.

— Sim, por isso eu fui apenas assistir. Eu nem conseguiria acompanhar se tentasse. A velocidade e a força deles, parecia que eu estava assistindo a um desenho animado. Estava tudo muito tranquilo e animado, e eles, em sua maioria, estavam felizes em me ter ali. Eles respeitam a vida humana tanto quanto nós duas e estavam felizes por ele, por ter alguém depois de tanto tempo.

— Mesmo que você fosse frágil e mortal. - Me remexi um pouco. A ideia dela perto de criaturas tão perigosas ainda era desagradável, por mais que ela os defendesse e alegasse serem pacifistas.

— Sim, mesmo que fosse. - Concordou, o olhar perdido enquanto enrolava os dedos em uma mecha de cabelo meu. O toque era distraído, porém, parecia ajudá-la a pensar. - Era para ser um fim de semana tranquilo, uma programação familiar tranquila. Entretanto, o destino tinha planos diferentes para nós.

“Para os vampiros, jogar baseball provoca muitos ruídos. Por isso a necessidade de se embrenhar na floresta. Enfim, enquanto eles estavam jogando, um novo grupo se aproximou. Três nômades, curiosos com a nossa movimentação incomum. Eles não eram tão bem organizados como aqueles que vimos antes, mas eram similares. Vampiros tradicionais, com olhos vermelhos e tudo.”

Estremeci com a lembrança e com o que Bella me relatava.

— Nós nos apresentamos. Tentaram me manter fora de cena, não ser percebida. Mas o vento soprou contra nós e o clima, antes de descontração, ficou subitamente hostil. O líder desse bando, James, ficou intensamente obcecado por mim, por eu ter sido tão prontamente defendida. Ele era um rastreador, era parte de seu instinto caçar até alcançar sua presa. E comigo não foi diferente. - Bella ergueu sua mão, mostrando a cicatriz branca em forma de meia lua. - Ele chegou bem perto.

Eu já tinha visto ela antes e questionado. “Um acidente infeliz, rolando de uma escada e atravessando uma janela de vidro.” Outra mentira.

— Quando James decidiu que me teria, a família inteira teve que agir. Decidimos que precisávamos sair de Forks, fazer com que James seguisse um rastro meu falso enquanto eu ia para o lado oposto, em direção ao sul, para Phoenix. Acompanhada, obviamente. Por um tempo, funcionou. Mas logo ele percebeu que estava sendo enganado. De alguma maneira, ele descobriu o meu endereço no Arizona e voou para lá. Eu tinha ligado para lá, para avisar minha mãe que eu estava bem. Quando sai de Forks, precisei convencer Charlie que minha partida era séria, que eu não suportava mais estar lá, e garantir que ele não me seguiria de jeito nenhum. Eu disse palavras duras a ele, mas que foram necessárias para que ele permanecesse seguro.

“A essa altura, James já estava dentro da casa e ouviu o meu recado. Ele retornou, fingiu que tinha sequestrado a minha mãe e me obrigou a encontrá-lo na antiga escola de balé, na esquina de casa. Por mais extraordinário que possam ser, os vampiros, eu consegui despistar os dois irmãos que estavam comigo. Creio que o sol tenha ajudado, também.”

— O sol. Então, os vampiros realmente queimam no sol?

— Não, eles brilham. - Ela riu. - Eu sei, parece ridículo pensar falando desta maneira, mas não consigo dar descrição adequada. Apenas vendo para você entender. - A lembrança a deixava assombrada.

Vampiros que brilham. Com certeza era uma informação anticlímax.

— Eu fui. E quando cheguei lá, ele brincou comigo, quebrando algumas costelas e a minha perna, e me fazendo sangrar até quase morrer. E, como você pôde ver, me mordendo também. - Foi a vez da Bella estremecer. - A sensação do fogo… Definitivamente é algo que nunca irei esquecer.

— Fogo? Ele tentou atear fogo em você?

— Não, foi por causa do veneno. - Bela fez uma careta. - É assim que eles transformam as pessoas em vampiros. E a sensação é de que você está sendo consumido por fogo vivo à medida que vai se espalhando pelas veias.

Senti a minha mente embaralhar.

— Bella, se você foi mordida e estava se transformando, como você é ainda humana?

— Ed… Ele conseguiu me alcançar, junto da família, a tempo de evitar o pior. Deram cabo ao James e conseguiram tirar o veneno antes que fosse tarde demais. Depois me levaram ao hospital e inventaram toda aquela desculpa de acidente e revolta adolescente que eu já tinha contado para você. - Ela deu de ombros, desgostosa.

— Você não parece muito feliz por ter sido salva. - comentei.

Suspiro.

— Não, não é isso. Eu sou muito grata a eles, a ele. Mas eu queria que as coisas tivessem sido um pouco diferentes. Queria que eles não tivessem conseguido tirar o veneno de mim. - Confessou Bella, em um sussurro tão baixo que pensei que tinha ouvido errado. - Talvez assim eu tenha sido o suficiente. Para ele.

Seus olhos estavam cheios de lágrimas de novo e de novas emoções que eu não saberia identificar se não já tivesse visto em várias dezenas de rosto diferentes de todos aqueles tolos que um dia se encantaram por mim: a dor da rejeição. E coisas mais significativas: raiva, frustração, mágoa, perda, desesperança. Tão intensos que eram quase palpáveis. Pela primeira vez em anos, Bella estava frágil. Não estranha, distante, mal-humorada ou cabisbaixa. Frágil. Delicada como cristal. Como se vivesse constantemente por um fio.

Por mais que meu lado racional achasse um absurdo ela desejar ser uma vampira, a verdade daqueles olhos fez o meu coração afundar no peito e eu sabia que tinha me tornado o seu reflexo quando Bella começou a enxugar os meus olhos.

— Eu sou patética. - murmurou.

Balancei a cabeça.

— Você é maluca, mas não patética. - Eu também murmurei, a voz rouca. - Ele abandonou você. - Deduzi, pois era o mais óbvio a se pensar. Apenas a rejeição das pessoas que Bella amam seria capaz de deixá-la tão abalada.

Bella riu sem humor algum.

— Talvez a minha maluquice tenha espantado ele. E talvez ele tenha pensado que estava na hora de me deixar antes que as coisas piorassem. - sussurrou. - Tivemos alguns meses juntos antes que tudo viesse por água abaixo, então eu tinha esperanças. Se eu não tivesse me cortado com aquele pedaço de papel idiota no dia do meu aniversário, depois do que aconteceu com James, eu teria tempo para convencê-lo a mudar de ideia, a me aceitar como sua companheira. Mas ele resolveu agir antes, dizendo que tinha levado aquela brincadeira longe demais. Ele disse que não estava mais apaixonado por mim. - A medida que Bella falava, o fluxo de lágrimas, minhas e as dela, aumentava. Ela já tinha desistido de secar as minhas. - Eles foram embora de Forks, desaparecendo como fantasmas. Como se nunca tivesse existido. Foi o que ele me disse. Mas era fácil para ele falar; ele logo me esqueceria, a humana patética e delicada, que mal consegue ficar de pé e é extremamente azarada. Eu fiquei com as lembranças, todas elas.

“Por meses, eu vivi no inferno e arrastei Charlie comigo. Acordava gritando todas as noites por causa dos pesadelos. Não falava com mais ninguém, nem os meus antigos colegas de escola. Estava vivendo um dia por vez, no modo automático. E escrevia, todos os dias, para a irmã dele, dizendo o quão mal eu estava e pedindo por notícias. Mas nunca fui respondida. Eu meio que voltei a vida no ano seguinte, quando comecei a falar com Jacob de novo.”

— Foi assim que vocês começaram a namorar. 

— Mais ou menos. Jacob era o meu melhor amigo e sua alegria ajudava a esquecer um pouco de toda a dor, a fechar um pouco mais a ferida aberta. - Ela tocou o centro de seu tórax, como se quisesse indicar o local do tal machucado. - Eu me apaixonei por ele, admito, mas nunca foi tão intenso quanto a experiência anterior. Nem se compara! De alguma maneira, Jacob nunca se incomodou por ser o mais entregue de nós dois, nunca se incomodou de ser a segunda opção. E eu fui covarde demais para largar o meu bote salva-vidas. - Ela se sentia culpada.

“Como eu disse, os quileutes sabiam dos vampiros pois os seus antigos protetores já haviam lidado com eles antes. ‘Os lobos que viravam homens’. Eles dizem ser lobisomens e eu vi eles se transformarem ao vivo e a cor algumas vezes. Eles até me salvaram, duas vezes, daqueles vampiros que faziam parte do bando de James: Laurent e Victoria.

“Laurent era neutro, não queria conflito. Então, quando James começou a me caçar, ele viajou para o norte, para o Alasca, e se juntou com outra vampira de outra família que também escolheu não matar humanos. Ele retornou a Forks, e quando viu que eu estava sozinha, tentou se alimentar de mim, mas sem pessoalidades, apenas sede. Foi quando eu vi os lobos pela primeira vez.”

— Imagino que Jacob seja um deles. - Minha cabeça dava cambalhotas irritantes, indignada de que eu realmente estava levando tudo muito a sério, mas fazer o quê?! Bella não estava contando mentiras.

— Sim, ele é. Apesar de que hoje em dia, eles pouco se transformam. Não há mais ameaças à espreita.

“A segunda vez em que eles me salvaram, foi em uma caçada intensa a Victoria. Ela era companheira de James e queria se vingar dele me matando. Os quileutes não deixaram e por dias, semanas, eles a perseguiram até que finalmente a mataram. Foi um grande alívio saber que uma assassina sanguinária não estava rondando mais a minha vida, a minha família, Jacob e a família dele. Ninguém merecia morrer por minha causa, por minhas escolhas. Talvez tenha sido nesse momento em que eu ofereci uma abertura para Jacob. Parecia ser o curso natural naquele momento.”

— E você parou de ter pesadelos, de escrever os e-mails?

Bella mordeu os lábios.

— Não. Mas são esporádicos, ambos. - Bella estava corada de vergonha. - Eu deveria parar e esquecer, como ele próprio fez, mas não é algo que consigo controlar. Ainda mais quando volto a Forks.

— Onde tudo começou. - murmurei, pensativa. - E você ainda o ama.

— Isso é óbvio?

— Tanto quanto um livro aberto pode ser. - comentei. - É uma pena que ele não tenha sentido o mesmo. Quando você ama alguém, o sentimento perdura, como o seu.

— Disse a garota que nunca se apaixonou.

— Mas eu tenho a minha família. Amor é amor, independentemente de paixão. E tenho você. - Cutuquei a sua bochecha, arrancando um sorriso de Bella.

— Você parece com ela, sabia? A irmã dele. Duas mandonas impertinentes. - Ela riu, como se a lembrança a deixasse mais feliz. - Claro, ela era mais flexível e nem um pouco chorona.

— Assim você me deixa com ciúmes! - Tentei parecer irritada com a comparação, mas sorri. Vê-la feliz com a lembrança de uma antiga amizade que fazia bem a ela me deixava feliz também. Nem tudo era cinza em suas memórias desta tal família, afinal. - Então, é assim? Você me escolheu por que sou semelhante à ela?

Bella pensou por alguns segundos.

— Não. Eu te escolhi porque, de alguma forma, - Franziu o cenho. - era o certo a se fazer. Você ser tão aberta, sem rodeios, me fez sentir em casa de novo. Um pouco mais normal do que consigo ser.

Aquilo me deixava lisonjeada.

— Bem, isso é contraditório. - argumentei. - Sou a pessoa menos normal para escolher como suporte para o “mundo da normalidade.”

Bella riu da minha frase estranha.

— Por isso mesmo! - Foi a vez dela me cutucar. - Com você, eu não preciso sorrir se não estiver à vontade. Posso ser um pouco amargurada sem ser questionada. Você é prática. Prefere agir e não me força a pensar. Só segue o fluxo.

— Eu sou prática? Nossa, minha mãe precisa ouvir isso. Ela diz que eu sou complicada.

— Não tiro a razão dela. Você pode ser bem insuportável quando quer. - Bella franziu o nariz. - E geralmente você quer muito, o tempo todo.

— E você não quer nada, na maior parte do tempo. - observei.

— Nada que a maioria iria querer. - suspirou.

— Ele? - arrisquei perguntar.

Vi o vislumbre daquele brilho apaixonado, mas ele foi sufocado pela resignação.

— Não. Eu já entendi que é perda de tempo ter esperanças. Ele já se foi há muito tempo. - murmurou. - Eu só queria ter tido a oportunidade de me desculpar com Jacob antes, por usá-lo como muleta. Ele foi um grande apoio durante todo esse tempo, como você, então ele merece essa consideração. Talvez eu faça isso, se sairmos vivas daqui.

— Sabe o que eles vão fazer? - perguntei, sem saber se eu realmente queria ouvir sua resposta.

Silêncio.

— Não tenho certeza, apenas um palpite. - O vinco entre as sobrancelhas se acentuou mais. Era o claro sinal de sua preocupação. - Espero estar errada.

— Tudo bem. - murmurei, apreensiva.

Depois disso, Bella contou alguns detalhes que foi lembrando: o motivo de seu cheiro ser tão significativo para ele, a clareira que ele havia levado ela para explicar acerca do sol, o resgate em Port Angeles e a explicação dos poderes extras que alguns vampiros têm, as conversas intermináveis em que ele a obrigava a contar tudo que viu e que amava, os presentes, a primeira noite deles juntos depois da clareira, o baile de fim de ano, a festa de aniversário desastrosa, os olhos que foram escurecendo durante os dias anteriores a sua partida abrupta. E eu entendi o porquê da Bella ter se apaixonado por ele, mesmo que ele fosse um vampiro. Eu também teria me apaixonado se fosse uma alma delicada e romântica como a Bella era. Ele a fez se sentir única e especial, mostrando-lhe coisas que ninguém sabia, confiando a ela um segredo tão precioso.

Por alguns instantes eu me questionei sobre a avaliação de Bella, sobre os verdadeiros sentimentos do garoto bonito e imortal, se ele realmente não era recíproco com relação aos dela. Por outro lado, a maneira cruel como ele rompeu com ela, deixando-a sozinha na floresta e tratando toda aquela entrega como um simples passatempo… deveria ter algo a mais ali. A imortalidade é tão entediante a ponto de querer brincar com os mais profundos sentimentos de alguém? Nem eu, no auge da minha soberba adolescente, permitia dar esperanças além das criadas por palavras vagas e abertas a todo tipo de interpretação. Será que ter sido paralisado em um corpo e mente de adolescente fazia dele um eterno imaturo babaca que não mede consequências, como a maioria dos que têm pouca idade e nenhum senso? Pois, consequências, teve. Talvez ele subestime a mente humana, mesmo tendo sido humano um dia. Não poder ler a mente dela deve ter contribuído com as suas suposições e ele se convenceu que um dia ela se esqueceria, como qualquer humano comum faria. Mas ele deveria saber que Bella não era comum, nem de longe.

Mas e se não for nada disso? Se não tivesse sido apenas um jogo de alguém com muito tempo livre? A obsessão e a proteção que ele ofereceu, toda a intimidade, própria e familiar. Ele não queria que ela fosse vampira. Para ele, ser imortal era uma constante provação, principalmente depois que ela entrou em seu caminho. Ele não queria essa provação para ela, suponho. - Seria essa a chave de toda a quebra de lógica: uma mentira bem contada? Tão bem contada que até mesmo a Bella, a garota que observa tudo, acreditou fielmente?

Não sei em que momento eu adormeci, mas quando abri os olhos de novo, sabia que estava sonhando. - O cenário era idêntico ao que Bella me descreveu: uma pequena clareira circular, cercada por abetos, carvalhos e todo tipo de árvore antiga, o som de riacho ao longe, as plantas rasteiras altas e salpicadas de flores silvestres e multicoloridas. No centro dela havia duas figuras, uma familiar e uma desconhecida. Bella, adolescente novamente, com seus lindos cabelos avermelhados balançando ao vento, abraçada junto de uma figura mais pálida, de cabelos cor de bronze, também tremulando como a relva; eu não podia ver o seu rosto, apenas a pele de seus braços brilhando com a luz do sol amarela como manteiga fresca. Ela estava sorrindo como eu nunca tinha visto. E falava, mas eu não podia ouvir por estar na beira da clareira, uma simples observadora. Mas eu não me importava; era o cenário perfeito, o retrato perfeito de algo tão puro e tão único. Não fazia sentido atrapalhar.

Logo aquele deleite oriundo do sono e sonho tranquilos foi arrancado de mim, e me vi despertando violentamente ao som dos berros de alguém. - Acordei ofegante, voltando a realidade da pequena cela em que eu e Bella estávamos. Os gritos não paravam e vi o corpo dela se debatendo e caindo sobre o chão de pedra, as mãos arranhando o pescoço como se quisesse arrancar a pele que estava ali.

Não tive tempo para processar bem o que estava acontecendo. Um rosto sorridente e de olhos negros como pinche foi a última coisa que vi antes de ser lançada ao mar de fogo junto dela.


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Notas finais do capítulo

E assim se encerrar o POV (humano) de Natalie. Espero que tenham gostado. Ficou mais longo do que eu esperava, mas fazer o quê. É a vida.
No próximo capítulo, teremos Edward assumindo a narrativa.

Muito obrigada pelo apoio e não se esqueçam de comentar.



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