Depois do Crepúsculo escrita por FSMatos


Capítulo 12
Capítulo três




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*NATALIE*

Antes -

 

Eu era feliz. - Disso nunca poderei ter incertezas.

Muitos pensam que filhos oriundos de um casamento que chegou ao fim, serão homens e mulheres de vidas e mentes abaladas, fragilizadas. Seria hipocrisia da minha parte negar a realidade de que, em muitos casos, isso de fato acontece, ainda mais em um casamento que foi rompido de maneira conturbada. - Mas este não foi o meu caso. Sou uma exceção.

Eu era feliz, e devia esta minha felicidade às duas pessoas mais importantes da minha vida: mamãe e papai. Eles se casaram quando mamãe ainda era muito jovem, com menos de 20 anos de idade, e o meu pai tinha quase trinta. Foi um acordo entre eles: mamãe precisava de um visto estadunidense e o meu pai estava disposto a ajudá-la. Foi um casamento breve, de aproximadamente quatro anos, e por mais que não houvesse amor romântico entre eles, foram muito felizes juntos. Até me geraram! E quando o tempo permitiu a eles, o divórcio foi assinado amigavelmente. Hoje, cada um tem a sua própria família e permanecem sendo melhores amigos, e eu tenho duas famílias, nas quais me sinto muito acolhida, tanto por meus próprios pais, quanto por minha madrasta e meu padrasto, quanto pelos meus cinco irmãozinhos mais novos (dois por parte de mãe, três por parte de pai).

Eu era feliz, mas a vida não era perfeita. Eu ainda era a princesinha do meu pai e a linda flor brilhante de minha mãe, mas a vida não era perfeita. - Não por meus pais, ou um possível ciúmes de meus irmãos; não havia negligências da parte de ninguém, nem desprezo daqueles que não compartilhavam de meu sangue. O problema estava do lado de fora, nas pessoas de fora.

Além de ser agraciada pela felicidade e amor que toda pessoa merece, outras bênçãos haviam recaído sobre mim: a minha beleza e a minha inteligência. - Soa arrogante dar-me tantas qualidades, entretanto, seria falsa modéstia negar a existência delas. Em um mundo perpetuado pela inveja e competitividade, eu era enxergada como uma ameaça, mesmo quando era uma criança. Os adultos não estavam acostumados com uma criança que conseguia acompanhar o raciocínio deles, e as outras crianças não suportavam as comparações que os pais faziam. Eu tinha pena delas, por terem pais tão mesquinhos, e dava graças por não estar em suas peles.

Por causa de todo este desprezo externo, os únicos com os quais cresci tendo algum laço de amizade verdadeiro foram os meus irmãos mais novos. Até os meus primos não iam muito bem com a minha cara, mas em certa altura eu já estava acostumada. Na adolescência foi mais difícil, visto que a interação social é um pouco mais brutal, devido às intenções alheias serem mais obscuras. Porém, eu não era burra. Sabia quando alguém estava querendo tirar vantagens dos meus atributos, fossem eles físicos ou mentais. E, na maioria das vezes, eu agia como se fosse desentendida.

Claro, se tratando dos pervertidos, ninguém nunca conseguiu me “tocar”, mas deixar aqueles vermes na expectativa de conseguirem tirar uma casquinha de mim era muito gratificante. Devo ter beijado um ou dois, e sempre evitando as mãos bobas e os convites para lugares mais reservados. A maioria se apaixonava, e estes mesmos iludidos sempre acabavam me odiando quando percebiam que eu estava somente jogando o jogo deles. - Esta foi a minha maior diversão durante o final do ensino fundamental e por todo o ensino médio.

Em contrapartida à diversão, haviam dores de cabeça a serem evitadas: as outras garotas. Ter os olhos de tantos meninos sobre mim as deixavam irritadas e com o orgulho ferido. Metade delas gastaram rios de dinheiro em cosméticos na tentativa frustrada de me ultrapassar nesta “corrida do amor”, que permeia o mundo dos adolescentes desesperados por aceitação social (onde se você não tem um parceiro, você é um fracasso), e a outra metade me xingava de “vadia”, fosse pelas minhas costas ou na minha própria cara. Eu poderia jogar com elas, tornar sua inveja parte da minha diversão? Poderia, mas seria um risco muito maior. Ao contrário dos garotos, as garotas são muito mais reativas e vingativas quando o assunto é o ego. Peritas em assassinatos de reputação. - Não que a minha reputação fosse das melhores (“a destruidora de corações”... como se canalhas tivessem coração), mas não queria arriscar e piorar. Não com elas: um bando de garotas birrentas que não aceitam perder ou não serem as melhores (não se pode esperar maturidade de quem tem suas ações governadas por hormônios alucinados).

Ter tanta gente me desprezando me tornou uma aluna solitária? Não. Tive alguns conhecidos, mas eram mais pessoas pedindo minha ajuda com trabalhos e matérias escolares, passando longe de serem confidentes leais. Estes eram os que eu não odiava por estarem perto de mim. Por mais que estivessem tirando vantagens em um determinado nível, ainda sim, estavam sendo sinceros em suas intenções e nem um pouco maldosos comigo, ao ponto de ter que neutralizá-los com suas próprias artimanhas. Por isso, fiquei feliz em ajudá-los. Eram pessoas esforçadas, estes meninos e meninas, e eles tinham certa gratidão por meu auxílio. Lembro de um deles, no meu último ano do ensino médio, falando que eu não era a “vaca escrota” que todos diziam ser.

Eu ri, tanto de felicidade quanto de alívio, pois, em determinada época, eu estava realmente acreditando naqueles rótulos, mesmo que eu estivesse diminuindo as atividades predatórias nos últimos meses. Culpa e remorso? Um pouco. Ninguém é de ferro. E faz parte da maturidade reconhecer os próprios erros e excessos. Mas nunca pedi desculpas. A maioria não merecia tal consideração ou pena, vai por mim!

Para a surpresa de zero pessoas, terminei o ano como sendo a primeira da turma. A professora representante da nossa turma naquele ano me ofereceu a responsabilidade de ser a oradora, o que eu prontamente recusei. Escolheram outra menina, Nicole (acho que era este o nome dela). Ela tinha notas medianas e usava muita maquiagem cintilante, mas estes são os únicos detalhes que me lembro dela. Na maior parte do tempo, estava mais focada em qual faculdade eu iria me inscrever.

Recebi propostas de várias universidades de todos os cantos do país, inclusive uma bolsa integral para estudar em Yale, mas preferi permanecer na Flórida, junto da minha família, e focar no meu sonho de ser uma professora de literatura. A maioria dos pais teriam chamado a minha decisão de "medíocre", mas não os meus. - Ter a minha família por perto era revigorante e deixá-los não estava nos meus planos.

Foi um verão agradável e cheio do sol do sul. Não pensei muito no outono e no retorno ao ciclo de falsidade e ódio velados. Eu teria que engolir todo meu desgosto e sorrir amigavelmente de novo, como se nada no mundo me afetasse.

Eu era feliz. O mundo e toda a sua soberba não poderiam me tirar isso.

 

Setembro de 2008

 

Era o fim do segundo período e os corredores estavam apinhados de universitários. Estava cogitando faltar a próxima aula quando um bando de galinhas escandalosas, quatro delas, passou por mim, cacarejando como se suas vidas dependessem disso. Por seus trejeitos e roupas muito bem organizadas, dava para notar que eram calouras; o impacto desastroso da vida acadêmica ainda não havia as golpeado, ou então estariam com olheiras e descabeladas. Ou, se fossem muito asseadas, ao menos estariam mal-humoradas por algo não ter dado certo em seus cronogramas matinais.

Pude notar que estavam conspirando, ou simplesmente fofocando. Havia um certo brilho em suas vozes e olhares, como uma assombração tivesse passado bem diante de suas vistas, mas, em vez de causar medo e espanto, gerou a revolta. - Eu conhecia aquele olhar e aqueles tons de voz: uma “ameaça” estava à espreita. - Sendo a curiosa que sou, eu as segui até a área externa do campus, atravessando o ginásio e indo em direção a biblioteca oeste. O céu estava nublado e o vento era seco e frio; clima incomum para o sul. Com o início das outras aulas, os corredores se esvaziaram novamente. Elas estavam tão imersas em seu mundinho fútil que não notaram minha presença, mesmo eu estando a seis metros de distância delas. Elas entraram na biblioteca e foram para os fundos, onde havia as grandes prateleiras com livros didáticos e mesas maiores, de até oito cadeiras. Ali, podiam fingir que estavam estudando em grupo enquanto destilavam veneno, seja lá quem fosse o seu alvo.

Sentei-me o mais próximo possível, uma mesa logo mais a frente. Peguei um gigantesco glossário sobre anatomia das células e fingi que lia. Eu teria me distraído com as gravuras detalhadas e imagens de microscópio se não fosse por suas vozes agudas e transtornadas, altas demais para um ambiente tão silencioso. Éramos as únicas ali dentro e o bibliotecário estava fora de nossas vistas, provavelmente organizando algo nos depósitos. Livros novos estavam sempre chegando, sendo etiquetados e registrados no sistema.

— Cassie, você não acha que está exagerando? - Uma garota alta e de cabelos cor de chocolate murmurou, fingindo estar preocupada com a raiva da amiga, mas  o sorrisinho que lhe escapava entregava totalmente que ela estava contente com o rumo que as coisas estavam tomando. Uma pessoas menos atenta diria que ela estava sendo sincera. Menos eu. Para mim, todo mundo era um mentiroso sem talento. - Sabe, ela nem é bonita. - disse, acompanhada de uma risadinha debochada.

Que amadora!

A garota chamada Cassie retorceu as suas mãos, provavelmente querendo bater em algo para descontar toda sua raiva e frustração. No canto de seus olhos, vi lágrimas minúsculas brotando e depois desaparecendo, como se nunca tivessem existido antes. - Havia tristeza também. Ciúmes? Nossa, era muito cedo para isso. Ela tinha acabado de entrar na faculdade e não tinha nem duas semanas. Não era possível que já tivesse arranjado algum pretendente. Ou seria problema com atenção? Bem, Cassie era bonita, do tipo oriental bronzeada e com membros alongados e torneados, lacinho na cabeça. Talvez fosse líder de torcida antes de vir para o campus…

— Mas Chris estava falando dela sem parar! - Sua voz era menos aguda do que das outras, um contraste estranho para um rosto tão jovial. Fazia ela parecer mais velha. Eu quase podia ver rugas ao redor de seus olhos. Mas não havia nenhuma sensação ou presença materna nela, como algumas mulheres mais velhas têm. Isso a tornava atemporal de um jeito ruim. Não era belo ou minimamente harmonioso. Nenhum corpo e rosto bonitos conseguiriam suprir esta falta de estética em sua essência. Muito pelo contrário: tornava o trabalho de olhar e perceber ela muito mais desconfortável. Desagradável. - Em como a garota parecia uma especialista em Shakespeare. Grande coisa! Qualquer idiota entende aquilo. Tutoriais de internet existem para isso hoje em dia.

— Ele parecia fascinado. - comentou outra, uma garota negra e tão esbelta quanto Cassie, mas com volume maior nas pernas e quadril e braços mais trabalhados. Seu rosto era familiar para mim. Precisei de meio segundo para recordar de que ela estava jogando vôlei alguns dias atrás na quadra de esportes da universidade, depois das aulas. Ela era boa, uma atleta de alta performance. Ela jogou o cabelo para trás, claramente um alongamento com fios sintéticos, dada a textura visível, as ondulações uniformes demais para serem naturais. Diferente da outra, ela não escondia seu verdadeiro humor. - Acho que Chris, no fim das contas, não é tão burro quanto nós pensamos. Um cérebro estruturado talvez seja importante para ele também, ainda que a garota não use maquiagem e roupas combinando. - Ela riu, como se não pudesse acreditar na própria visão. - Qual era o nome dela, mesmo?

— Isabella, eu acho. - grunhiu Cassie, resistindo ao impulso de roer as próprias unhas enquanto as mordiscava delicadamente para não arrancar o esmalte roxo. - Isabella Swan. Uma novata saída dos confins do país. Ele disse que ela é mais velha do que a maioria do nosso ano. Começou a faculdade um pouco tarde.

— Uma gravidez, talvez… - comentou a que estava calada até o momento, Dinie. Aquela fedelha com cara enferrujada eu conhecia de longe, pois tinha estudado com um dos meus irmãos durante o primário. Continuava tendo uma língua afiada, a criaturinha.

Cassie riu com a possibilidade. Uma arma para perseguição caso a hipótese de um filho na adolescência fosse uma aposta certeira. Seu ar ligeiramente pensativo e distante denunciava o que passava por sua mente e eu quis dar um tapa nela por ser uma megera. Sério, qual era o problema com as outras garotas em simplesmente não conseguirem viver suas vidas sem odiar alguém? Até onde eu saiba, já havíamos saído do ensino médio há muito tempo!

Fechei o livro com força, interrompendo as risadas que cresciam entre elas, fazendo-as estremecer de susto. Cassie e a menina de cabelos falsos olharam torto para mim enquanto eu passava por elas e devolvia o livro em minhas mãos ao seu devido lugar.

Já na esquina dos corredores de livros que me levaria para fora do campo de visão delas, ouvi uma delas me chamar:

— Ei, você! Garota esquisita. - Era Cassie. - Qual é o seu problema, assustando os outros assim?

Respirei fundo e coloquei a minha melhor expressão doce no rosto antes de me virar para elas.

— Só galinhas espalhafatosas se assustam com coisas bobas. - falei suavemente.

O queixo de Cassie caiu um pouco, incrédula.

— Como é?

— É a natureza. Animais de pouca inteligência não conseguem diferenciar o perigo real, do que não é uma ameaça verdadeira. - continuei, mantendo a cadência melódica, como uma música muito suave. Um sopro de brisa quente. Misturado aos insultos, suas mentes limitadas pareciam não assimilar bem o que eu dizia. O tom não combinava com o conteúdo. - Ficam perdidos e é então que normalmente morrem ou se machucam: por culpa da própria estupidez.

Elas piscaram para mim, abobadas.

A garota sardenta tombou a cabeça para o lado e contraiu os olhos, fixando-os bem no meu rosto. Uma sombra de reconhecimento passou por suas feições, mas escapou antes que pudesse assimilar a informação perdida.

— Tenham um bom dia. - E me virei, caminhando a passos largos em direção a saída.

Foi apenas quando empurrei as portas de vidro que escutei um berro estridente atrás de mim e o som de saltos batendo em madeira encerada.

Dei graças a Deus por ter pulmões de ferro e pés ligeiros que me permitiram sumir como fumaça. Restavam quinze minutos para a segunda aula terminar. O professor me lançou um olhar feio quando passei por ele e me sentei, mas ele estava concentrado demais em seu discurso sobre trovadorismo, portanto, preferiu me ignorar.

Aproveitei o pequeno intervalo de tempo até a próxima aula para refletir sobre o que o projeto pouco glamouroso de “Meninas Malvadas” tinha comentado a respeito da outra caloura, a que não sabia combinar roupas: Isabella Swan.

Nome comum, elegante e antigo. Entrou na universidade sem ser uma leiga. Talvez já tenha feito faculdade antes. Mais velha do que a maioria. Os motivos poderiam ser os mais variados para o seu adiamento dos estudos, inclusive por ter sido uma simples escolha própria, problemas financeiros, ou até mesmo filhos durante a adolescência.

A lembrança do tom conspiratório delas fez o meu rosto esquentar. - Ora, céus! Qual era o problema de ter uma criança tão jovem? Não é o fim do mundo. Não foi para a minha mãe, com certeza não deve ser para alguém tão inteligente quanto ela. Claro, minha mãe teve apoio familiar do meu pai para se estruturar e eu não sei como é a dinâmica familiar dessa garota. Pode ser o oposto da nossa. Pode ser que o pai da criança a tenha abandonado com o bebê. Ou eles podem ter se casado, cuidado do filho até ele ter uma idade boa que permitisse que ela se afastasse longos períodos para poder estudar e trabalhar. Ela pode ainda ser solteira e conta com a ajuda dos pais para criar ele. Ela pode estar trabalhando em dois empregos para poder pagar uma babá… Eram muitas possibilidades a serem consideradas, inclusive se ela havia conseguido uma bolsa integral ou uma parcial para estudar, e se estava tendo que recorrer ao crédito estudantil.

De qualquer forma, independentemente das dificuldades que ela enfrentasse na vida pessoal, tinha chamado a atenção e isso não era pouca coisa. Em um mundo onde todos estão sempre na média, destacar-se é ofender a mediocridade alheia.

Um pensamento incomum invadiu a minha mente. - E se eu fosse atrás dela, para alertá-la? Não que eu a considerasse uma donzela que necessitava ser salva ou protegida, mas parecia ser a coisa justa a se fazer. Se alvo de piadas, provocações e ódio podia gerar um grande estresse, eu sei. E poucos sabem lidar bem com a hostilidade. Nem eu fui um grande exemplo, em boa parte do tempo.

Enquanto eu caminhava para a terceira aula e me questionava sobre o meu desejo de me intrometer na vida de uma desconhecida, uma figura alta e colorida cruzou o horizonte. Seus cabelos lisos como seda e brilhantes como ouro claro balançavam ao vento frio. Mesmo com a pouca luminosidade do dia, eles ainda reluziam.

Uma luzinha acendeu na minha mente.

— GEORGE! - berrei, assustando todos num raio de quinze metros.

Apertei o passo e as figuras amedrontadas abriram espaço para mim, que caminhava em direção ao garoto vaidoso e de cara amarrada. - George odiava que o chamassem pelo nome de batismo, por considerá-lo "nome de velho". Ele era bonito demais para "ser um velho", dizia ele, o que era um grande drama vindo de um metrossexual. Era um nome perfeitamente normal! Mas ele preferia ser chamado pelo sobrenome, Jackson. O que, ao meu ver, era o que de fato seria considerado antiquado. "Apenas senhores com mais de 40 anos gostam de serem chamados pelo sobrenome", falei. Devo destacar que ele não gostou muito da minha observação, porém, não mudou de ideia. Problema dele!

Quando me aproximei, vi que estava cercado por algumas pessoas. Elas me olhavam como se eu fosse uma louca. Talvez eu estivesse agindo como uma, gritando na frente de todo mundo, mas eu precisava da ajuda de Jackson se eu quisesse que aquela ideia de me aproximar da novata desse certo. - Se tratando de informação, George, o Sensível, era o especialista a ser consultado. Em outras palavras: fofoqueiro profissional. E ele não cobrava pelas informações; era um prazer para ele estar sempre atualizado. E ele não lidava com mentiras, muito menos as espalhava, o que o tornava uma fonte confiável.

E ele me adorava.

— O que a criatura mais impertinente do mundo quer comigo? - Seus olhos azuis como turquesa se apertaram para mim, tornando-se pequenas fendas. Ele cruzou os braços sobre o peitoral torneado, mas magro. Jackson era modelo profissional desde os quatro anos de idade, por isso fazia academia para manter-se sempre em forma, mas nunca para acrescentar massa. Estudava inglês, assim como eu, mais por paixão do que querendo seguir a profissão de professor, bibliotecário ou pesquisador algum dia. Ser bonito lhe rendia um bom dinheiro, sem dúvidas, mas ele não era esnobe, apesar de toda a atenção recebida.

— Bom dia para você, também. Preciso dos seus serviços. - Eu sorri, um sorriso malicioso; nosso pequeno código secreto.

Quem ouvia encarava-me com um grande ponto de interrogação estampado na cara. - Não era qualquer um que conhecia as habilidades (ou passatempo) de Jackson. Ele era um diplomata, um lord entre os alunos dos terceiro ano. Ninguém suspeitava da sua capacidade impressionante de armazenar qualquer tipo de informação que chegue aos seus ouvidos atentos. Por isso haviam tantos que confiavam seus segredos mais íntimos a ele, buscando conselhos construtivos ou simplesmente alguém de confiança para desabafar. Por mais que fosse um veterano como eu, ele tinha boas relações com todos os alunos da graduação. Já foi padrinho de casamento de velhos amigos, convidado para batizados e aniversários. Até os professores tinham grande apreço por ele. Jackson conhecia todo mundo e todo mundo confiava nele.

Um grande sorriso se abriu em seu rosto perfeitamente simétrico, revelando dentes brancos e retos. Novas facetas? Talvez. Não estava afim de perguntar.

— E a sua ansiedade constante não lhe permitiu que esperasse até que se aproximasse e se dirigisse a mim como uma pessoa normal? - gargalhou. - Olha, às vezes, um pouco de sensatez cai bem a qualquer um. Ainda mais quando se trata de imagem social.

— Guarde os seus sermões para quem quiser ouvir eles. - resmunguei, impaciente. - Preciso dos seus serviços!

— Jackson, do que ela está falando? - perguntou uma garota de cabelos negros e lisos, quase tão pálida quanto papel. Seria maquiagem?

George maneou a cabeça.

— Nada demais. Assuntos triviais. Eu volto logo. - disse ele, contornando sua pequena platéia e gesticulando para que eu o acompanhasse.

— As aulas devem estar muito tranquilas para estarem faltando a elas desse jeito. - comentei assim que alcançamos uma distância segura para que ninguém nos ouvisse. Paramos embaixo de um carvalho velho, próximo às janelas do prédio de ciências biológicas.

— Disse a garota que está faltando a segunda aula seguida no dia. - George riu, seus olhos claros brilhando de divertimento. Não fiquei surpresa que ele estivesse sabendo do pequeno evento na biblioteca. Porém, era um pouco perturbador a velocidade que tudo chegava ao seu conhecimento. - Diga-me, garota linda, o que você precisa de mim?

Cruzei os braços, fazendo a minha cabeça agitada se aquietar.

— Já que você sabe a respeito da biblioteca, deve saber o que a tal de Cassie estava falando sobre uma das novatas.

— A garota mais velha. Isabella Swan. - confirmou. - Ela estava resmungando algumas asneiras nos últimos três dias. Não entendo o porquê dessa implicância toda. A garota parece ser bem comum para mim. Inteligente, com certeza, mas comum. Claro, não diria que o tal de Christian pense da mesma maneira. E isso irritou bem a tal Cassie. - Ele riu, debochando. - Aparentemente, ela o está seguindo desde o primeiro ano do Ensino Médio. Eles tiveram um lance, mas Chris resolveu terminar. “Não é você, sou eu”. Grande mentira. Qualquer um capaz de pensar com lógica sabe que quem lança esta desculpa estúpida só não quer admitir que não gosta da pessoa o suficiente para sustentar um relacionamento a longo prazo. Está querendo dar cabo à rejeitada?

— Não. Quero conhecer essa tal de Isabella. - dei de ombros.

George franziu o cenho.

— Por quê?

— Nada demais. Assunto pessoal.

— Seus únicos assuntos pessoais são a sua família. - murmurou. - Por que o interesse na novata, Natalie?

Balancei um pouco o corpo, desconfortável.

— Já disse: nada demais. - Não pude evitar de fazer uma careta.

Seus olhos de pedras preciosas dançaram enquanto ele ria com deleite.

— É tão difícil assim admitir que tem empatia por alguém? - Seu corpo se sacudia. - Olha, não estou te julgando. Então, não precisa ficar na defensiva.

Franzi o nariz, envergonhada.

— Claro, claro… - resmunguei. - Pode descobrir como encontrá-la?

— Como se eu pudesse negar seus desejos, linda! - Seu rosto estava corado de tanto rir. - Casualmente?

— Lógico! - Dei um pequeno pulinho, sentindo meu corpo se preencher de empolgação.

— Procure-me amanhã, então! Terá o que necessita.



Seu único trabalho é não parecer uma louca desesperada. Lembre-se: ela não é o Jackson, muito menos um dos seus irmãos. Aja naturalmente, mas não ao ponto de assustá-la. Você consegue. 

Repeti a última frase umas dez vezes enquanto tomava coragem para cruzar a porta de vidro da biblioteca, uma semana depois da última vez que estive ali para espionar. - Jackson era fantástico: não apenas tinha conseguido o cronograma de aulas dessa tal Isabella, assim como os horários livres dela durante a semana. Como uma boa CDF, este espaços vagos eram preenchidos com estudos extras e trabalhos feitos com esmero e dentro do prazo. - Graças a estas informações, eu já tinha ensaiado uma abordagem casual. Eu também era uma aluna de notas exemplares. Seria fácil me enturmar com ela. Eu acho.

Respirei fundo pela vigésima vez e empurrei a porta de vidro com cuidado, para não fazer muito barulho. Aquele trecho da biblioteca estava quase vazio, com apenas três estudantes nas mesas individuais. Nenhum batia com a descrição fenotípica de Isabella.

Segui para os fundos, para as mesas grandes. Era final de dia e tinha mais gente ali, em grupos. Com exceção de uma mesa, com uma única pessoa; uma garota, cercada de livros e uma mochila azul. Ela estava na mesa mais distante, perto da parede com grandes janelas de vidro, oferecendo uma vista dos fundos da universidade, cheio de árvores e um pequeno rio correndo vinte metros à frente. Ali, o pôr-do-sol estava boa parte oculto entre as folhagens, com poucos raios solares passando. A luz dourada fazia o cabelo castanho e liso de Isabella brilhar avermelhado, como mogno. Irreal.

Ajustei a postura e fui até ela, parando a quatro ou três passos dela. Não pude deixar de notar que sua pele era branca como porcelana e, assim como o seu cabelo, seu rosto era irreal. Ela era linda; nada de “comum”, como Jackson descreveu. Os olhos escuros, profundos e quentes, castanho cor de chocolate. Os lábios assimétricos e rosados como pétalas claras. O rosto oval e bem desenhado. Olhar para ela era como se deparar com uma pintura renascentista. Uma dama pintada por um artista. Eu podia vê-la, vestida com seda e linho bordados, jóias de pérolas, em um lindo quadro como a própria Mona Lisa. - Para quem estava acostumado com a beleza extravagante moderna, ela poderia mesmo parecer mediana. Mas não havia nada de médio nela. Era atemporal.

Ela não percebeu a minha presença até eu me recompor e falar:

— Oi. - murmurei e depois fiz uma careta. Minha voz soou baixa e aguda, infantil. Eu não deveria soar infantil, mas eu estava encantada com ela.

Ela ergueu os olhos do livro que segurava (um exemplar de “Vinte mil léguas submarinas”), encarando-me com clara surpresa e confusão, o rosto branco adquirindo uma leve cor rosada. Creio que não esperava ser interrompida ou abordada. E provavelmente eu deveria estar fazendo uma cara abobada.

Depois do primeiro choque causado pela surpresa, Isabella abriu um sorriso cordial, recompondo-se rapidamente.

— Olá. - murmurou. Assim como ela toda, sua voz também era elegante. - Posso ajudar?

Pisquei. Algumas vezes.

— Claro! - respondi alguns segundos depois, minha voz saindo mais alta do que o planejado. Em vez de me conter, eu ri ruidosamente. - Estava me perguntando se eu poderia me sentar com você. Mas pode dizer “não”, se estiver muito ocupada. - Era quase um pedido de desculpas pelo incômodo.

A surpresa atravessou o seu rosto novamente, ao mesmo tempo que um sorriso mais espontâneo aparecia. Ela considerou por quatro segundos, olhando ao redor, para mim e para o livro em suas mãos. Por fim, deu de ombros.

— Fique à vontade. - disse, gesticulando para cadeira ao seu lado. Ela empurrou os livros que lia para o lado para poder me dar espaço. 

Eu me sentei rapidamente, incapaz de esconder a minha felicidade.

— Obrigada. Meu nome é Natalie Estrada.- Estendi a mão para ela. - Mas pode me chamar de Natie. Todo mundo me chama assim.

Ela riu.

— Meu nome é Bella Swan. - disse, com os olhos escuros cintilando. Ela apertou a minha mão, envolvendo-a com delicadeza mas firme. - Prazer em conhecê-la, Natie.

— Prazer! Por que está rindo? - Não consegui controlar a minha língua.

Seu rosto corou mais um pouco.

— Você parece prestes a explodir. - respondeu, rindo mais um pouco. Bem, o que ela dizia fazia total sentido. Eu sentia o meu corpo fervilhar, como fogos de artifícios cujo os pavios foram acesos. - Faz muito tempo que não vejo ninguém ser tão espontânea assim.

Seu semblante de repente mudou, sendo distorcido por uma careta. Desconforto. E depois a expressão ruim se desmanchou, o brilho e o sorriso feliz retornando. - Senti meu rosto de puro deleite vacilar pela mudança de humor repentina de Bella. Uma lembrança ruim? Era a única explicação plausível. Quem iria se incomodar com algo que a deixa claramente feliz? Apenas algo que a magoou muito, porém.

— Isso incomoda você? - perguntei, de repente com medo de que ela me rejeitasse por estar lhe trazendo memórias que preferia esquecer.

— Não. - Ela sorriu, um sorriso fraco. Era óbvio que estava mentindo; não porque eu soubesse. Ela era uma péssima mentirosa, do tipo que o mais leigo e tapado dos seres humanos iria notar a farsa de suas palavras e ações. - Apenas me desacostumei.

Pensei por dois segundos.

— Você não precisa mentir, não para mim. - Falei com calma, sem querer parecer intrometida. - Sei que nos conhecemos há apenas uns cinco minutos. Talvez menos! Mas eu ouvi coisas muito boas sobre você.

Seus olhos quentes se arregalaram, enquanto seu rosto ficava da cor de um tomate.

— Ouviu? - Sua voz subiu algumas oitavas e seus dedos apertaram firmemente a capa do livro que ainda estava ali. - De quem?

Fingi tentar me lembrar.

— Algumas pessoas. - Resolvi me fazer de desentendida. - Ouvi que você é muito boa com Shakespeare.

Não sabia que seu rosto podia ficar mais velho do que estava, mas ele ficou. Foi engraçado. Bella estava totalmente sem jeito. Eu a ouvi sussurrar “Chris” enquanto se encolhia em sua própria cadeira. - Claramente não era muito fã de atenção ou de admiradores babões.

— Está tudo bem. - Tentei tranquilizá-la. - Não acho que essas pessoas estavam espalhando coisas ao seu respeito. Foi apenas um comentário entre colegas.

Ela assentiu e respirou fundo. Sua cor foi voltando ao normal aos poucos.

— Não gosto que falem de mim pelas minhas costas. - confessou.

— Eu também. - Sorri, sendo o mais solidária possível. - Mas é algo que não posso evitar, então tento levar na esportiva.

Bella bufou.

— Bom para você. - murmurou. - Às vezes eu acho que não deveria ter saído da casa do meu pai. Viver em uma cidade pequena é muito mais tranquilo, apesar de amar a cidade grande.

Uma abertura.

— Eu sempre fui da cidade grande. Desde que nasci. Jacksonville, mesmo. E você?

— Forks, Washington. Mas morei um tempo no Arizona, com a minha mãe.

— Washington… Isso é do outro lado do país, certo? - Puxei o mapa dos Estados Unidos em minha mente. Nós estávamos na Flórida, extremo sul do país. Washington era o extremo norte, sem contar com o próprio Alasca. - Uma mudança e tanto.

— Minha família e meu namorado queriam que eu fosse para a faculdade. Dois anos sabáticos foram mais do que suficientes, segundo eles. - suspirou. - Buscar ares mais frescos e menos chuvosos. - Ela riu, provavelmente de alguma piada pessoal. - Eles me convenceram por alguns meses. Mas voltar a ativa, à vida social comum… Acho que perdi um pouco o jeito.

— Nossa, um namorado? - Pegou-me desprevenida. Bella não parecia estar presa a alguém. Sabe uma pessoa “ilha solitária”? Era o que ela transmitia em seus olhos, em sua postura, em sua voz. Sempre distante, por mais que esteja presente. - Ele deve amar muito você para apoiar sua mudança. Ele não quis vir junto? Qual é o nome dele, aliás?

— Jacob Black. - Não havia a velha emoção da paixão em sua voz. Nem seus olhos se alteravam ao pensar naquele que era seu companheiro. Um relacionamento desgastado, talvez por conveniência. - Ele cuida do pai cadeirante. Não teria condições de deixá-lo.

Senti um nó no peito.

— Eu o entendo perfeitamente. - assenti, pensando nas minhas próprias escolhas. - Eu poderia ter ido para Yale, mas preferi ficar aqui, perto da minha família. Não que eles precisassem de mim, porém, eu não vejo minha vida sem eles, de alguma forma.

Suas sobrancelhas delicadas arquearam-se.

— Isso é… lindo. - Ela parecia emocionada.

— É, sim. - Senti meus olhos esquentarem e ficarem úmidos. Mas eu não queria chorar. - Enfim, mora aqui sozinha?

Ela negou com um gesto de cabeça.

— Não. Moro com a minha mãe e o meu padrasto.

— Parece legal. Eu me dou muito bem com o meu padrasto e a minha madrasta. Até porque, eles são o pai e a mãe dos meus irmãos.

— Phill é muito legal, mesmo. Jovem, mas perfeito para a minha mãe.

Continuamos jogando conversa fiada por mais algumas horas. Bella também era filha de pais separados e era filha única, diferente de mim. Contou-me um pouco sobre o pai, que era xerife, e sobre a mãe, que era professora de artes em um centro comunitário. Falou de Phill e sua nova carreira como treinador de time escolar, depois de ter se aposentado após uma lesão grave durante o primeiro ano jogando na primeira liga profissional de beisebol.

Contou um pouco da sua vida no Arizona e em Forks, parecendo um pouco triste sempre que mencionava a cidade chuvosa na qual passou os últimos três anos. Era a mesma expressão triste que fez quando se deparou com a minha louca determinação em falar com ela. Não quis mais insistir no motivo de sua tristeza. Partia-me o coração vê-la cabisbaixa, mesmo que um pouquinho. Não queria mexer mais nesta ferida.

Em vez disso, pedi ajuda em um trabalho de literatura, convencendo-a com a desculpa que ela parecia mais entendida do assunto do que eu. Era uma mentira escabrosa, mas eu estava gostando de passar o meu tempo com ela e sua mente aguçada. Suas palavras analiticas mas sem perder a gentileza a tornavam mais linda. Não era à toa que o tal de Chris havia se encantado por ela. Eu podia vê-la como uma amada professora dali alguns anos. Combinava com sua sutil personalidade amorosa.

Bella olhou a hora, de repente com muita pressa.

— Tenho que ir. - disse ela, enquanto organizava os livros, empilhando-os. - Prometi à minha mãe que iríamos ter uma noite só nossa hoje, pelo meu aniversário…

— Hoje é o seu aniversário?

— Não. - Bella sorriu, sem jeito. - Foi há alguns dias, mas eu não estava com cabeça para as comemorações.

— Entendi. - murmurei. - De qualquer jeito, feliz aniversário! Eu te daria um abraço, mas acho que seria um pouco demais.

— Obrigada. - Ela estava vermelha como um tomate novamente. - Até outra hora, Natie.

— Até! - Acenei animadamente enquanto ela se afastava. - Parabéns, sua maluca. Você conseguiu não espantar a caloura. Acho que foi um grande passo. - disse para mim mesma, satisfeita. Reuni as minhas próprias coisas e partir, mais aliviada do que feliz e pensando em qual presente eu poderia comprar para ela até o fim de semana…


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Notas finais do capítulo

Amanhã eu trarei o capítulo seguinte. Uma compensação pela demora e um agradecimento pela paciência de vocês.

Não esqueçam de comentar e dar a opinião de vocês. São sempre muito importantes!



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