Eu Quero Ter a Minha Filha! escrita por Mayara Silva


Capítulo 3
Perdoar


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura! ♡



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/805772/chapter/3

 

Quarto de Kate, Rancho Neverland (atual) - 20:44 hrs

 

Quando terminei de falar tudo que estava arraigado em meu coração, senti um calvário se desprender de minhas costas, senti o peso do meu fardo aliviar.

 

Levei as mãos ao rosto e chorei. Tentei soluçar o mais baixo possível, não queria assustar minha pequena Kate, sei como crianças se assustam ao ver adultos chorar. Nós somos a fortaleza delas, se estamos fracos, quem irá protegê-las?

Mas ela, surpreendentemente, teve outra reação. Estava ali, serena, como se estivesse pacientemente esperando que a dor da minha alma aliviasse. Não me julgava, não me temia, tinha toda aquela paciência e bondade que eu jamais vi em uma criança tão pequena. Eu jamais conversaria sobre um assunto tão difícil como aquele com uma criança, elas não entenderiam, elas teriam medo, então por que desabafar com ela havia me feito tão bem…?

 

Inspirei e expirei forte o ar, aos poucos a minha voz retornou, minha respiração tornou ao seu curso comum.

 

— Eu… continuei tentando dias depois. Eu liguei para ela… eu ofereci dinheiro… eu pensei até mesmo em processá-la, mas meus advogados insistiram em deixar isso de lado, seria causa ganha para ela, o aborto é totalmente legalizado desde alguns anos atrás.

 

Depois disso, fiquei em silêncio. Não sabia se Kate estava entendendo todo aquele linguajar adulto, mas eu sentia no meu coração que, de alguma forma, ela acompanhava tudo. Não consegui olhar em seus olhos, mantive o meu olhar no livro caído no chão, com sua capa marrom adornada de arabescos dourados e as páginas espalhadas pelo tapete cor-de-rosa.

 

— Me perdoa, Kate… me perdoa por não ter lutado o bastante por você. Eu não sou um bom pai… eu não sirvo pra isso, eu não consegui proteger você. Ela te levou de mim e… eu nunca soube o porquê. Eu não posso te responder isso.

 

Kate ainda estava em silêncio. Quase pensei em olhar para ela e ver se ainda estava ali, mas não tinha coragem alguma de erguer a cabeça.

 

— Papai…?

 

Mas então… aquela vozinha me encheu de forças.

 

Enfim olhei em seus olhos e me deparei com uma Kate calma e curiosa. Era uma conversa horrível para se ter com uma criança, mas ela estava ali, agindo como se fosse a minha adulta, como se eu fosse a sua criança. Naquele momento, ela era minha força.

 

— Você perguntou pra a mamãe… por que ela tava fazendo isso?

 

Lentamente balancei a cabeça, sem saber muito o que dizer.

 

— Algumas vezes. Não eram os pontos principais da conversa.

 

Ela assentiu e voltou a relaxar na cama, parecia muito pensativa, sempre muito inteligente a minha adorável Kate.

 

— Papai… quem é esse "Deus" que o senhor tanto falou?

 

Me surpreendi com aquela pergunta, definitivamente não era algo que eu estava esperando… Falar sobre quem é Deus, em toda a Sua complexidade, era uma tarefa difícil até mesmo para mim, mas pensei nas palavras mais fáceis para resumir toda a Sua grandiosidade. Se minha pequena Kate tivesse tido a oportunidade de nascer, ela descobriria o resto sozinha.

 

— Deus é… nosso Pai. Ele é maior que nós… e cuida de nós… e nos observa todos os dias, guardando os nossos passos. Ele nos ama, e foi Ele quem fez as nossas vidas e escreveu os nossos dias.

 

Ela parecia ponderar.

 

— Deus… perdoaria a mamãe?

 

Aquela pergunta… que pergunta complexa.

Embora eu soubesse a resposta, me questionava aonde ela queria chegar com aquilo. Kate parecia uma adulta… de onde essa menina tirou todas essas perguntas? Me sentia tão pequenininho diante dela… Deus realmente escolhia as coisas loucas para confundir as sábias.

 

— Sim… Ele perdoa os nossos pecados, e apaga o nosso passado mau. Ele não pensa como o homem pensa, porque nós vemos o que há diante dos nossos olhos, mas Ele vê o que está dentro do coração.

 

Kate não esperou que eu acrescentasse mais uma palavra, prontamente seguiu com seu raciocínio.

 

— Você perdoaria a mamãe…?

 

Eu a encarei sem dizer mais nada. Nem pude, pois o que ouvi depois disso arrancou todas as palavras da minha boca.

 

— Porque eu perdoo.

 

Como…?

 

Eu jamais contrariaria a Kate ou gritaria com ela, mas como ela pode pensar dessa forma? Ela foi morta pela própria mãe, a própria mãe a jogou em algum vaso sanitário por aí afora, como ela pode perdoar alguém que trata a vida humana com tanto desprezo?

 

— Por que você a perdoaria, Kate?

 

Senti a necessidade de perguntar. Ela, por sua vez, apenas me deu um lindo sorriso radiante antes de se cobrir com o seu cobertorzinho e abraçar-se ao seu ursinho preferido.

 

— Porque a gente só vê o que dá pra ver com os olhos… e Deus olha o que tá no coração.

 

Ela riu, sim, havia um certo quê de cômico nisso… usar as palavras que eu proferi contra o meu pensamento relutante. Eu não sabia se estava pronto para perdoar aquilo… eu nunca teria a minha Kate comigo, e eu sempre tentaria mentir para mim mesmo, mais e mais vezes, a fim de ter mais um pouco de tempo com a minha menininha… Como eu poderia perdoar a mulher que fez isso comigo? Que me prendeu nessa matrix eterna?

 

— Boa noite, papai!

 

Mal terminei as minhas reflexões, a vi já se preparando para dormir. Como se eu tivesse terminado de ler Chapeuzinho Vermelho, Kate esticou o bracinho para desligar o abajur e fechou os olhinhos, indo para o mundo dos sonhos. Estava incrédulo com tudo o que havia acabado de vivenciar, mas enfim descobri o que era aquilo que eu tanto admirava nas crianças… aquela magia que só elas poderiam ter.

 

Elas tinham algo de divino. Por isso era delas o Reino dos Céus… por isso elas eram tão especiais.

 

Nós realmente estamos sempre aprendendo.

 

x ----- x

 

Quarto de Michael, Rancho Neverland - 09:31 hrs

 

Despertei naturalmente, sem relógios programados, sem funcionários com surpresas, sem ajuda de remédios.

 

Pendi o corpo para o lado, estiquei o braço e fui ver que horas eram. Até que estava cedo, normalmente eu perco o horário do almoço quando estou meio cabisbaixo. Me espreguicei e me levantei.

Suspirei. Que noite difícil… novamente sonhei com Kate, sonhei em como seria nossa vida se ela estivesse aqui, ao meu lado. Abri a gaveta da minha mesa de cabeceira e, dali, tirei a bíblia, eu precisava de um pouco de paz de espírito para começar aquele dia complicado.

 

Porém, assim que folheei as páginas, percebi que Deus queria me oferecer algo diferente…

 

"Não julguem e vocês não serão julgados. Não condenem e não serão condenados. Perdoem e serão perdoados." - Lucas 6:37

 

Sempre perdoei todas as coisas… isso era de praxe, desde a minha tenra infância, com os ensinamentos proveitosos da minha adorável mãe. Mas aquilo… aquilo era tão difícil…

 

— Senhor Jackson?

 

Ouvi batidas na porta, seguidas por uma voz a me chamar. Logo guardei a bíblia e fui me aprontar.

 

— Já estou indo!

 

Eu já sabia que ia demorar para me vestir, eu sou muito vaidoso, e todas essas manchas pela minha pele… eu não gostava nem mesmo que os funcionários vissem aquilo.

 

— Er… me espere lá embaixo, eu desço em quinze minutos!

 

— Senhor Jackson, é uma ligação importante, eu irei transferi-la para o seu telefone.

 

Arqueei a sobrancelha. Normalmente os funcionários avisavam que eu não estava disponível no momento, contudo toda aquela urgência só me fez ficar em estado de alerta.

Logo meu olhar recaiu sobre o telefone ao lado da minha cama. Prontamente fui em sua direção e o tirei do gancho.

 

— Alô?

 

Ouvi uma voz… sussurrando… soluçando… chorando.

 

— V-vem pra cá… p-por favor…

 

x ----- x

 

Children’s Hospital, Califórnia - 12:45 hrs

 

Não me alimentei direito, não me vesti direito, não procurei conferir se havia espaço na minha agenda, simplesmente mandei meu chofer preparar o carro e peguei o que julgava necessário para partirmos.

 

Aquela ligação não me revelou muito, mas o que eu ouvi já foi o suficiente. Enfrentaria mais de duas horas de viagem de Los Olivos até Los Angeles, porém era o que menos me importava, meu coração pulsava freneticamente para ver tudo o que me foi dito, eu precisava ver com os meus próprios olhos.

 

E, enfim, quando cheguei, o que presenciei deixou as minhas pernas trêmulas.

 

Havia uma bagunça do lado de fora do hospital. A mídia havia me descoberto, os meus preciosos fãs estavam trocando mensagens entre eles, os policiais estavam tentando conter a multidão, mas ali dentro estava o mais absoluto silêncio. Não me importei, não me importei com nenhuma daquelas coisas, corri para o quarto dela, eu precisava ver aquilo…

 

E, foi quando vi um ser pequenininho enrolado em um cobertorzinho rosa e encolhidinho em um daqueles berços hospitalares, que assimilei toda aquela situação.

 

Corri, fui em sua direção. Minhas mãos tremiam, mas estava tentando me manter forte e de pé, eu queria logo colocá-la em meu colo! Não consegui segurá-la por conta própria, uma enfermeira viu a minha dificuldade e me ajudou a colocá-la em meus braços. Quando eu a segurei, não consegui conter as lágrimas.

Devo ter ficado tão abobalhado, pois as enfermeiras me olhavam de longe com um sorrisinho no rosto. Bem… eu não me importava, ela estava ali, e era uma menina! Eu sempre senti no meu coração que seria uma menina… e agora ali estava a confirmação que eu precisava. Kate, a minha pequena Katherine.

A ninei e tentei cantar uma canção. Minha voz estava embargada e trêmula e, embora eu conseguisse perceber algumas falhas vocais, acho que as outras mulheres não notaram isso. Minha linda Kate nem para reagir, estava muito sonolenta…

 

Aquilo era um sonho a se tornar realidade… ao menos, até que todo o meu rodopio cessasse e o meu olhar, enfim, encontrasse o de Mary.

 

Percebi que as enfermeiras notaram o clima que havia acabado de nascer, pois prontamente se retiraram da sala. Ela estava lá, sobre o leito, com uma fita colorida a enfeitar o pulso e uma agulha atrelada a um cordão de cor transparente, penetrando-lhe a veia. Quando ficamos a sós, o silêncio pesou sobre aquele lugar. Eu não tinha coragem de lhe desferir nenhuma palavra, mas muitas perguntas inundaram a minha mente. Ela, por sua vez, tinha os olhos brilhantes e o nariz levemente vermelho, parecia que não tinha muito tempo que havia chorado.

 

— Pensei… que tinha feito o que disse que faria.

 

Minha voz saiu branda, como se eu estivesse falando com ela pela primeira vez. Mary suspirou discretamente e desviou o olhar para as próprias mãos, que repousavam sob o colo.

 

— Eu pensei na nossa primeira conversa… mas… não foi só isso…

 

Arqueei a sobrancelha, esperando que ela prosseguisse. Algumas coisas realmente precisavam ser esclarecidas.

 

— Por que você não queria a nossa bebê?

 

— Eu não podia, Michael, eu não…

 

Ela tentou segurar as lágrimas, que já desciam silenciosas pela sua bochecha.

 

— Você achou que seria fácil, não é…? Você é o Michael Jackson, que garota não ia querer ter um filho seu? Mas tinha uma coisa mais importante pra mim do que a sua fama… a minha família.

 

Ela fez uma pausa.

 

— Meu pai é pastor. Muito religioso. Eu cresci num lar cristão. Eu dormi com você, eu perdi minha virgindade com você, e ainda por cima engravidei… Eu sei o que você queria, Michael. Você queria a bebê e só isso… e eu teria que carregar a má fama na minha comunidade pelo resto da minha vida. Eu cometi um erro, eu não devia ter ido pra aquele show… e-eu manchei a reputação do meu pai…

 

Ela levou as mãos ao rosto, e aquele gesto acabou me lembrando da minha conversa com Kate. Eu estava surpreso, mas busquei manter a calma. No fim das contas, a minha pequenina sempre soube o que dizia… nós, adultos, nunca sabemos de nada.

 

— E-eu queria aproveitar que ela mal tinha começado a se formar para terminar com isso logo. Eu fiquei tão nervosa, sem saber o que fazer, que comecei a fumar pra aliviar o estresse. Eu procurei alguns hospitais perguntando sobre o procedimento, e-eles me aconselharam a fazer o quanto antes…

 

Uma lágrima desceu pelo meu rosto, silenciosa. Não fazia ideia de como minha expressão estava agora, mas eu ouvia cada palavra como se não tivesse mais voz, como se estivesse em estado de hibernação, apenas ouvindo, apenas vendo…

Deixei que ela se recuperasse e prosseguisse se assim quisesse.

 

— Eu ia mesmo fazer. Eu ia perder minha família, meu pai ia me expulsar de casa, ele jamais aceitaria uma filha imunda como eu! Você não me queria, você queria a bebê… eu não tinha mais a quem recorrer… mas então… eu sonhei com ela.

 

Aquilo me despertou do meu transe. Sei que meus olhos arregalaram, porque quando ela olhou para mim, fez a mesma expressão. Por um segundo, nos conectamos.

 

— Você… também?

 

Mary murmurou, e eu, completamente sem voz, apenas assenti algumas vezes.

 

— Ela me disse que ia falar com o meu pai, e que eu contasse a novidade… Eu não entendi, eu já estava com a consulta marcada pra o dia seguinte, eu pensei que tudo isso fosse apenas o meu medo… mas eu resolvi ouvir esse sonho. Eu falei com o meu pai… e ele me acolheu.

 

Ela suspirou.

 

— Eu tive tanto medo de ser rejeitada... Já ouvi tantos relatos de mães de primeira viagem deixadas de lado, expulsas de casa, difamadas… eu tive tanto medo de que isso fosse acontecer comigo.

 

Quando notei que Mary havia acabado de descarregar o seu coração, eu finalmente pude compreender o versículo de Lucas. Não julgue para não ser julgado… perdoe para ser perdoado. É tão simples de entender… tão difícil de praticar. Se Mary, em algum instante, se sentiu impura, eu estava me sentindo daquela forma naquele exato momento.

 

Ainda sem dizer uma palavra, mas a contemplando derramar suas lágrimas sem pudor, me aproximei, ainda com todo o cuidado do mundo para não acordar a nossa pequena Kate, e me inclinei para beijar o topo de sua cabeça. Senti que ela se espantou, pelo visto não estava esperando aquilo, porém eu, mais do que ninguém, precisava me reconciliar.

 

— Mary… me perdoe… por não ver além do que estava diante dos meus olhos. Eu estava cego pela raiva…

 

Ela lentamente abaixou o olhar.

 

— Me perdoe por ter cogitado tirar a nossa filha… eu nunca vou me perdoar por isso…

 

A olhei com melancolia.

 

— Não… não se martirize. Ela está aqui, não está? Deus salvou a nossa menininha… e nos deu uma segunda chance.

 

Eu me acomodei ao seu lado, me sentei com cuidado e coloquei a pequena Kate diante dos nossos olhos, para que nós dois pudéssemos contemplá-la. Mary ainda parecia abalada, buscou o meu peito e enterrou o seu rosto ali, as lágrimas desceram mais uma vez. Eu abracei a ela e a nossa filha com cuidado.

 

— Eu perdoo você.

 

Sussurrei, antes de presenciar Kate soltar uma risadinha adorável enquanto sonhava.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Enfim, gente, esse é o desfecho!

Eu realmente me abstenho de falar mais do que já está na história, o que eu quis passar e o que eu acredito que o MJ pensava está tudo nesses 3 capítulos, cabe a cada um de nós refletir. Usei tanto a letra da canção dele quanto alguns conhecimentos básicos que tenho acerca da religião que ele seguia e a respeito do fato dele ter sido cristão para me basear em suas ''supostas'' ideias acerca desses assuntos tão complexos.

Enfim, espero que ninguém brigue com ninguém nos comentários kkkkkkkkkkkk e que vejam outras histórias no Projeto VMOM caso estejam atrás de temas mais espirituais e reflexivos.

https://www.spiritfanfiction.com/perfil/1fb3189b78b0433ca8ca7a68b3766d

E se vc gosta de Michael Jackson, te convido também a ver minhas outras histórias!

Obrigada pela atenção e até a próxima ♡ ♡ ♡



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Eu Quero Ter a Minha Filha!" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.