Blindwood escrita por Taigo Leão


Capítulo 15
O outro lado III (Inferno)




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— Me conte sobre a religião, por favor.
— Você veio até aqui mas não sabe nada sobre, não é mesmo? Veja, essa dimensão só existe por conta da religião. Na realidade Blindwood só existe por conta da religião. A religião é Blindwood e Blindwood é a religião. Todos a seguem e ela dirá o que é certo ou errado aqui. Ela dita as regras e no fim todos a seguem, inclusive eu. A religião começou a muito tempo atrás. Desde então Saliã tem abençoado essas terras e graças a ele, todos estão vivos. Hoje a religião atua pelas sombras, mas tudo é controlado por eles. Eles seguem cada passo seu. Eles são o que são. Eles possuem seus próprios métodos, eles criam os seus métodos, e você os seguirá.
— Então imagino que eles estejam me seguindo também. Mas então como ninguém impediu uma forasteira de continuar os seguindo? E aliás, de vir até essa dimensão.
— A religião é grande, Elaine. Você é pequena. Você é humana. Talvez eles nem saibam de sua existência. Você pode pensar ser grande coisa, mas no fim pode não passar de algo tão pequeno que não vale o esforço deles perseguir. Você pode pensar que está segurando em seus calcanhares e os impedindo de prosseguir, mas no fim não passa de uma mosca tentando zumbir em seus ouvidos que estão surdos para nada que não venha deles mesmos. Eles podem ser inalcançáveis. Agora se lembre, eu não posso lhe dizer nada que não lhe diga respeito com clareza, e esse assunto não lhe diz total respeito, mas é a respeito da religião também, então continue seu caminho e você saberá se está certa em seus pensamentos ou não.
— Espere... Você disse que essa dimensão existe por conta da religião?
— Essa dimensão não foi criada por eles. Eles podem ir e vir, mas não veio de seus feitiços ou planos. Eles não a controlam, apenas estudam para tentar entender. Ninguém a entende de fato, ninguém tem esse poder, só alguém que vê tudo. Aqui existem pessoas sem alma, pessoas sem vida. Você já viu uma dessas pessoas, e agora vê a mim, o escrivão.
— Por quê você está aqui? Digo, deste lado.
— Eu só existo aqui. Eu pertenço a essa dimensão. Aqui tenho todo tempo do mundo e cuido deste andar.
— Eu não entendo ao certo o que estou fazendo aqui. Na realidade, veja: eu estive em um pequeno cômodo onde encontrei uma escada que me trouxe para o subterrâneo, até o corredor além dessa porta. Um grande corredor com portas iguais, você consegue perceber o que está me incomodando?
— Você se incomoda pela sua ignorância, já que está no desconhecido. Aquele cômodo seria o meu escritório principal e esse andar seria como o meu depósito. Eu controlo tudo que há aqui, então você só achará arquivos e livros, como nessa biblioteca. Os arquivos não lhe dizem respeito, os livros você pode tentar ver, mas não entenderá pois desconhece o idioma no qual eles foram escritos. Você encontrou a escada para cá pois era de minha vontade que esse tipo de situação acontecesse, então deixei-a a mostra, destrancada. Assim como a entrada de meu escritório. Isso já havia sido escrito, Elaine.
— Então você vê o futuro? Ou foi apenas um palpite que um dia, talvez, fosse funcionar?
— O que é o futuro neste lugar onde o tempo está parado? Aqui tudo é um só: tudo é tempo. Passado, presente e futuro, tudo forma o tempo. Tudo está presente deste lado, então essas denominações são irrelevantes. Era de meu conhecimento que você chegaria no escritório e posteriormente até aqui, apenas não tinha a certeza se seria nessa dimensão, já que não poderia saber se você entraria nela ou não. Isso era uma incógnita, por isso estou sentado neste cômodo quando poderia estar fazendo outras coisas; estava a sua espera.
Elaine se levantou e pegou um livro na estante mais próxima; ela realmente não entendia o que estava escrito ali. Aquele idioma, formado por símbolos, não era parecido com nada que ela já havia visto.
— Essa linguagem é própria de Blindwood. Na realidade é própria da religião. É a linguagem de Saliã.
— Quem é Saliã? O criador da religião?
— Ele é o início, o meio e o fim. Ele é o que todos adoram e é quem acalma o coração de cada um de seus fiéis.
— Então ele é um deus?
— Sim, você pode denominar dessa forma.
— Ele está aqui, deste lado?
— Não. Ele não está aqui.
— Ele criou esse lado?
— Não. Ele não criou, pelo menos não inteiramente.
— Eu não estou entendendo. Onde ele está?
— Isso, Elaine Campbell, é algo que não posso lhe responder. O que posso lhe dizer, já que é algo que todos sabem, é que a religião trama trazê-lo de volta para a terra.
— Então existe um outro lado além desse?
— Isso eu também não posso lhe dizer, mas não porque não lhe diz respeito, e sim porque não é algo comprovado pelos homens. O que lhe digo é que ele não está aqui e nem no seu mundo. Ele está em um céu silencioso.
— E quem é esse? .– Elaine apontou para o quadro na parede. O homem levantou seus olhos cansados e cerrou os mesmos para ver melhor o quadro, então ele abaixou o olhar novamente, mas dessa vez olhando para Elaine.
— O Ceifador. Veja, ele é uma entidade. Mas além da religião, ele é uma entidade de Blindwood, chegando quase ao ponto de ser tido como um deus assim como Saliã e apenas parcialmente. Ele é temido pelas pessoas de uma forma tão brutal e tenebrosa que fez com que se tornasse o que é hoje.
— O que isso quer dizer? Ele realmente existe neste mundo?
— Sim, ele é real. Mas não apenas neste mundo, ele tem o poder de ir e vir quando quiser, assim como você possui. Ele é uma entidade amaldiçoada, de tal forma que apenas por estar em sua presença, você não pode esperar nada de bom ou de neutro: será algo ruim. Esse é o rastro que ele deixa para trás. Sua presença leva esse significado, ele cumpre o trabalho do qual leva o nome; Ele é o ceifador, e hoje recebe ordens da religião.
— Eu possuo o poder de ir e vir? Você tem certeza? Digo, vi seres em brasas se rastejando e me perseguindo, além de criaturas sem rosto das quais nem quero me lembrar. Nas duas situações me encontrei apavorada o bastante para, mesmo que inconscientemente, me mandar de volta para o outro lado, não acha?
— Sim, você tem razão. Mas há uma resposta para isso, na verdade uma possível teoria que pensei na mesma hora em que você disse tais palavras: talvez no seu interior, quando encarou essas situações, embora estivesse sozinha você possuía mais vontade de se manter nesse caminho do que retornar para o outro lado. Você sentia que apenas deste lado encontraria tais respostas desconhecidas pra você até então, como essas que está tendo no decorrer de nossa conversa.
— Isso quer dizer então que se eu estiver em um extremo perigo, digamos um caso de vida ou morte, eu retornarei para o outro lado?
— Não posso lhe dar uma resposta sobre isso. É algo que não está sobre o meu alcance. A habilidade é sua e agora que você sabe dela, com certeza se manterá atenta a possíveis situações como a que mencionou. Mas lembre-se de algo: entidades únicas como o Ceifador podem ir e vir assim como você, então se ele, hipoteticamente, lhe atacasse de tal modo que você corra um risco de vida, fugir para esse lado não é a resposta para o seu problema, pois ele poderá vir atrás de você. Entidades únicas tem o poder de unir as dimensões de tal modo que existam tanto em uma quanto na outra enquanto mantém a consciência nos dois lados, se lembrando e se recompondo quase que instantaneamente após a mudança de dimensão.
— Escrivão, você pode ao menos me dizer por qual razão eu, uma forasteira, tenho essa habilidade que parece ser única, ou pelo menos, pertencente a um grupo mais seleto de pessoas?
O homem pensou por alguns instantes antes de responder.
— ...Não posso lhe dar essa informação por duas razões: não possuo total ciência sobre esse assunto e também porque é algo além de meu cargo. Eu apenas escrevo e minhas recordações vem como consequência disso, mas falar sobre o que escrevo abertamente seria um erro gravíssimo, resultando até mesmo no fim da minha existência. Talvez você foi selecionada ao acaso, ou talvez tenha algo a mais, você pode pensar um pouco sobre isso e se for realmente importante, logo você terá sua resposta. O que você quer fazer agora?
— Irei explorar este lugar mais a fundo. Acho que só deste lado isso é possível, além de que já estou aqui embaixo, então não há mal em fazer isso logo.
— Bom, neste andar você não encontrará muito além dos arquivos e livros no idioma que você não entende. Mas você tem o meu aval para caminhar por aqui.
— Este andar? Existem outros?
— Na verdade você está no meio. Em cima fica a igreja e mais abaixo fica um lugar no qual não me arrisco a ir. Você pode ir até lá se quiser, mas tome cuidado.
— O que há lá?
— Não lhe darei essa informação, vendo que a resposta está a alguns passos de distância. Apenas te dei minha opinião sobre o lugar e agora você pode tomar sua decisão sobre o que fará: Ir ou não ir. Imagino que você pense que qualquer movimento que fizer lhe trará uma revelação nova sobre este lugar. Talvez esteja certa.
Elaine pegou o seu pequeno diário e fez anotações sobre sua conversa com o escrivão alí mesmo. O homem soltou ar pelo nariz como se achasse graça daquilo.
— Você também é uma escrivã, de certa forma.
Elaine se levantou.
— Eu apenas busco a verdade.
— E eu escrevo ela desde o princípio. Aliás, Elaine, antes de ir... Tome cuidado.
O homem levantou sua cabeça como se apontasse para trás de Elaine. Com esse gesto ela já sabia ao que ele se referia. O homem no quadro atrás dela.
— Imagino que você não vai me dizer mais nada.
— Lhe disse o necessário.
O homem abriu seu livro e, com uma pena, começou a escrever no mesmo, como se o fato de estar na parte mais escura do cômodo lhe fosse indiferente e não lhe afetasse em nada. Em poucos segundos ele já estava completamente imerso naquilo.
Elaine observou e saiu do cômodo, deixando o escrivão sozinho sem se despedir.
Antes de sair, o homem lhe informou sobre a localização de duas portas: a primeira, que ficava ao lado da porta que levava para as escadas do escritório, era a escada que descia para o último andar e a segunda, que ficava ao final deste corredor, levava até a igreja. Como se soubesse a escolha que Elaine faria, o homem lhe informou sobre uma lanterna que havia na gaveta da primeira escrivaninha, comparando as duas opções; as duas portas, como céu e inferno. Elaine havia feito a sua escolha.
Elaine refletiu um pouco sobre sua próxima decisão. Ela havia sido alertada sobre o andar inferior mas não sabia se teria outra chance de ir até aquele lugar, então ela não podia ir embora sem ao menos passar lá para ver do que se trata. Vindo de Blindwood ela podia esperar qualquer tipo de coisa além da imaginação, então precisava ver com seus próprios olhos.
A porta estava emperrada e não havia uma fechadura nela, apenas a maçaneta e um risco que atravessava a mesma, feito com algum objeto pontiagudo; a porta estava marcada.
Após algum esforço, Elaine conseguiu puxar a porta, que se abria para fora do cômodo e dava em uma nova escada, que descia ainda mais. Aquela escada lembrava Elaine de um porão de uma casa abandonada; como o porão de uma casa mal assombrada. Estava suja, o mofo era presente e não havia nenhuma luz naquele lugar; era completamente diferente do corredor onde ela estava.
Elaine respirou fundo e pegou a lanterna que ganhou do escrivão para iluminar a descida.
Lá embaixo, no novo local, após passar pelo que parecia ser uma porta escondida em um corredor, tudo que Elaine conseguia escutar além de sua própria respiração eram os pingos de goteiras que haviam por ali. O local era um novo corredor formado por paredes rochosas com algumas correntes penduradas nas paredes. Elaine caminhava lentamente, mas não conseguia identificar bem onde estava.
O cheiro, assim como a energia do local, era horrível.
Ela caminhou mais um pouco até chegar em uma área mais aberta, onde não havia móveis ou coisas do tipo. Elaine só se deu conta de onde estava quando notou grades próximas a um pilar de pedra à sua direita. Eram grandes de uma cela.
A cela, que estava com as grades enferrujadas, não possuía nada além de um colchão mofado e rasgado em seu centro. O colchão estava manchado com algo escuro, era sangue. Atrás da cela, do outro lado da mesma, havia uma espécie de cubículo pequeno, com uma porta que poderia ser uma saída na parede em frente, e perto desta havia um pequeno armário que estava com uma de suas portas arrancadas. Próximo a cela, ainda do outro lado, havia uma mesa de madeira e uma cadeira, como se fosse o local de um guarda. Havia algo na gaveta da mesa, que estava aberta, mas não havia uma forma de se aproximar da mesa de madeira de onde Elaine estava, pois aquela, que parecia ser a única parte limpa deste andar, não ficava no mesmo corredor em que Elaine se encontrava e não tinha como ir até a extremidade de dentro da cela e esticar sua mão para alcançar o que havia na gaveta, pois a cela estava trancada. Ela precisaria dar a volta em todo o local para chegar naquele corredor.
Elaine começou a caminhar lentamente, passando por mais duas celas que estavam a esquerda de onde estava. O chão estava pegajoso e havia sujeira por toda parte, como aquilo escuro que ela havia visto no colchão. Neste novo corredor ela poderia seguir caminho para conseguir dar a volta na cela e chegar ao outro lado. Além dessas duas celas, haviam algumas portas fechadas com uma pequena grade em uma portinhola na parte alta das mesmas, como se fosse para quem está ali dentro conseguir ver o lado de fora. Essas também eram como celas, porém mais privativas. Eram 8 portas, sendo 4 de cada lado daquele corredor. As duas primeiras da direita estavam fechadas, mas a terceira porta estava aberta.
Havia um pequeno ralo destampado no canto desta cela e pelo cheiro, parecia que havia algo podre ali, talvez fosse o esgoto. Elaine teve náusea e deu um passo para trás quando iluminou a parede a sua frente, onde havia um desenho do Ceifador e a frase "ele está vindo" logo abaixo.
Ela olhou bem para aquele desenho e tremeu só de pensar na hipótese daquele ser aparecer, ainda mais depois de tudo que havia escutado sobre ele do escrivão. Ela não podia morrer ali; precisava descobrir toda a verdade e pela primeira vez desde que chegou no vale, sentia que tinha realmente a chance de vir a falecer neste lugar.
A próxima cela estava uma bagunça completa e tudo estava muito sujo, com algo escuro nas quinas das paredes e um pouco nas mesmas, como se estivesse escorrendo até o chão. Era algo escuro. Elaine vomitou ali. O cheiro, que ainda era muito forte, e todo o resto, lhe davam uma grande sensação de enjôo.
Elaine virou no final deste corredor e entrou em outro, onde no meio deste, atrapalhando sua passagem, haviam armários caídos de uma forma que não havia como ela passar, pois o único espaço que havia entre os armários era muito estreito e apertado.
Neste momento ela escutou um barulho estranho e iluminou a parede atrás de si a tempo de ver uma sombra se mover rapidamente, voltando para a escuridão. Ela procurou incansavelmente essa sombra usando a luz da lanterna que estava usando, mas quando pensava que conseguiria revelar aquela sombra, ela logo desaparecia de novo, voltando para o outro corredor.
Elaine a seguiu.
— O que é você?
Mais um barulho.
— Ei, eu estou aqui, não tenha medo. Não vou lhe machucar.
Elaine foi até a terceira cela, a que havia o desenho do Ceifador, já que aparentemente a sombra havia ido até aquele lugar. Ao parar frente a porta da mesma, havia um buraco em sua parede que levava para a segunda cela, uma das que estavam trancadas, e ela deu de cara com algo sentado dentro da cela, frente o desenho do Ceifador. Era um garoto com roupas brancas que estava com suas pernas cruzadas e seus braços esticados, com suas mãos em cima de cada joelho. Sua coluna estava reta e seu olhar, embora fosse vazio e de certa forma parecesse levar um certo desprezo, era maduro.
— Ei, o que faz aqui?
— O que você faz aqui? Usando essa lanterna.
— Eu estou iluminando o meu caminho.
— E os atraindo também.
O garoto deixou o indicador reto frente seus lábios, em um gesto para Elaine fazer silêncio, assim ela conseguiu escutar um som familiar: era algo se arrastando, como aquele ser em brasas que havia fora do Chariotte.
Elaine sentiu um arrepio e entendendo o que o garoto havia dito, desligou a lanterna. O garoto se levantou e fechou a porta da cela, deixando Elaine e ele trancados ali, no escuro, até que ela pegou seu celular e o usou para iluminar o ambiente, já que a luz do mesmo não era tão forte como a lanterna.
— Você desceu até aqui. Você é mesmo uma idiota...
— Você sabe quem eu sou?
— Uma idiota, acabei de dizer isso.
— Onde eu estou?
— O que quer aqui?
— Onde eu estou?
— Droga, você não pode responder uma pergunta? Já ouviu falar do inferno? Você está aqui agora. Você está viva. Viva! Mas está aqui agora. E é claro que eu sei que você está viva e não deve estar aqui. Eu estou morto, então sei a diferença. Qualquer um nessa dimensão sabe a diferença, inclusive eles.
— Eles? Você diz sobre o pessoal da religião?
— Não, eu digo eles.
O garoto apontou para trás de Elaine e através da pequena grade que havia na parte alta daquela porta, ela conseguiu ver algo se arrastando no corredor e teve uma certeza: não era um humano. Ela conteve um grito.
— O que é isso? – Elaine sussurrou.
— São eles. Existem muitos nesta dimensão. Eles são diferentes, mas são eles. São monstros, demônios, chame como quiser. Eles são o que são.
Elaine se aproximou bem das grades da porta para ver melhor e viu um ser do tamanho e formato de um humano, carregando algo na mão direita. Não havia iluminação para ela identificar o rosto e detalhes daquele ser, mas ela tinha certeza de que o cheiro ruim que havia sentido antes vinha dele.
— Eu não ficaria tão próximo se fosse você. Se ele te ver, pode até mesmo derrubar essa porta.
— Você não parece preocupado com isso.
— E por quê estaria? Na verdade eu tenho um plano. Enquanto ele te mata, eu fujo.
Elaine saiu de perto da porta, se sentando próxima ao garoto, que manteve o olhar na mulher durante todo o tempo, até que revirou os olhos e com um suspiro, pediu para ela o seguir.
Ela achava aquele garoto estranho, mas atravessou a passagem que ia até a cela que estava trancada, indo atrás do garoto.
Aquela cela estava muito mais limpa do que a que estavam antes. Era um quarto inteiramente branco com um colchão que não estava sujo e havia até mesmo um pequeno travesseiro ali.
— Você o viu, não viu? Eu o chamo de desespero.
— Desespero?
— Sim. Ele causa isso nas pessoas. Na verdade ele é apenas um homem gordo cheio de cicatrizes e com a boca deslocada e caída, quase saindo de seu rosto. Eu não sei como esse tipo surgiu aqui e eles não tem um nome, então o chamo de desespero. Eu quero fazer um acordo com você. Me diga o por quê está aqui. Eu lhe ajudo com isso e depois você vai embora.
— Você parece me odiar... Por qual motivo?
— Eu não odeio você. Eu não gosto da vida. Na verdade... Eu invejo a vida. Veja, vivi uma vida inteira neste lugar que não passou de um pequeno inferno particular para cada um que ficou dentro dessas celas. Todas elas, cada pedaço deste lugar é um ponto de desespero, - Talvez assim eles surgiram - e agora você, que está viva, está aqui como uma idiota. Você é idiota, mulher, primeiro porque veio até Blindwood e em segundo por ter, de alguma forma, entrado neste lugar.
— Me desculpe por isso... Eu apenas quero saber mais sobre todo este lugar e de alguma forma tentar ajudar.
— Você quer me ajudar...?
— O que você quer?
— Já que estamos falando sobre hipóteses... Eu gostaria de sair daqui e brincar com ela novamente.
— Ela?
— Sim. Uma garota que conheci lá fora. Talvez ela ainda esteja viva.
O garoto não passava de um garoto, do qual Elaine não sabia nada.
— Me conte sobre você, por favor. O que é esse lugar?
— Esse lugar é como uma prisão, ou até mesmo um hospício. Todos que foram contra a religião, de alguma forma, acabaram neste lugar. Alguns foram chamados de loucos e vieram parar aqui com a desculpa deste ser um lugar melhor para o tratamento. A religião manda, então eles sempre fizeram isso. As pessoas que viveram aqui não tinham um tratamento digno. Eles nos tratavam como se fôssemos animais, sabe? Você simplesmente se sente um nada. Você não é nada. Você não se sente nem como um humano. Você não é mais parte de nada, você apenas está aqui enlouquecendo e escutando aqueles que estão ao seu redor enlouquecendo assim como você. Você escuta os gritos... Sente o cheiro; O desespero no ar. Se um humano fica muito tempo desse lado ele acaba enlouquecendo. Sem saber quanto tempo está passando... Ainda mais em situações como essa em que estamos; vivendo desse jeito. No começo todos queriam voltar para o mundo real, mas logo que se deram conta de que não há escapatória além da morte, então todos que estavam aqui se sentiam desesperados e ansiosos por isso. Todos queriam morrer para assim, acabar com isso.
— Mas com a morte vocês não acabam parando nessa dimensão?
— Não. Esse é o outro lado, como você sabe, mas este andar é de certa forma diferente. Na realidade, até onde sei, essa prisão só existe desse lado. Não existe no mundo normal, ou é um ponto entre os dois lados. Todos que vieram para cá já conheciam muito bem os dois lados, então a religião nos trouxe para cá, pessoas do mundo real. Se você desobedece uma ordem da religião, você vem pra cá. Aqui é o fim de tudo. Aqui é como um lugar onde o sol está silencioso. É o lugar onde nós habitamos. Não existe sol aqui. Não existe lua. Existe apenas a escuridão, eles e os gritos. Pelo menos costumava ter os gritos.
— Então eles prendem pessoas do mundo normal neste lado?
— É exatamente isso. Para o resto de nossas vidas. Tirando os que foram levados e nunca mais voltaram, mas tenho certeza de que o fim deles não foi melhor do que de todos os outros que estavam aqui.
— E por quê você está aqui?
— Eles tiveram seus motivos para me trazer.
A conversa foi interrompida por um som que fez Elaine se arrepiar inteiramente. Em um instante ela sentiu um enorme pavor e um grande arrepio. Ela estava completamente aterrorizada após escutar o som de passos pesados e algo, decerto feito com ferro, arranhando o chão como se quem carregava aquilo estivesse arrastando aquele objeto com sua parte afiada virada para o chão, fazendo assim um som agudo.


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