Atena seguiu distraidamente pelos corredores já tão familiares. A deusa saberia se localizar ali até de olhos fechados.

  Quando finalmente chegou ao seu destino não se surpreendeu ao ver que tinha companhia. O homem moreno com a barba por fazer parecia tão melancólico quando a própria deusa.

  Ambos se portavam como se sustentassem um enorme peso nas costas, e era assim mesmo que eles se sentiam.

  O local muito bem escondido, uma casa qualquer no mundo mortal muito bem ocultada de olhos enxeridos, quase não possua decoração.

  A casa não era usada para nada além dos breves encontros entre os dois.

    — Achei que não viesse. — A voz da deusa vacilou um pouco.

  O encontro anterior entre dois não havia sido muito cortês.

  Palavras pesadas e um tanto injustas foram jogadas de ambos os lados, tão afiadas quanto adagas.

    — De início até pensei em não vir, mas então tudo ficou demais pra suportar. Precisava de um pouco de paz. — “Da paz que você me traz” completou mentalmente. — Porque você está aqui Atena?

  A loira pensou um pouco antes de responder. Por quê mesmo estava ali?

  Porque nada parecia ser capaz de acalentar seu coração. Porque a saudade dele lhe corroía o peito como o pior dos ácidos, porque o arrependimento de ter concordado com tudo aquilo lhe sufocava lentamente.

  Nada daquilo era apropriado pra dizer a ele.

  Não podia desencorajá-lo. Não mesmo, aquele casamento era o certo pra ele.

  Sabia que se não medisse suas palavras com cuidado poderia estragar todos os planos. Poseidon era imprevisível demais, sempre tão temperamental agia de forma inesperada ao menor dos sinais de que algo estava errado.

  No fundo tudo que o ela queria era que ele desistisse daquela união que antes mesmo de iniciada já estava fadada ao fracasso e voltasse para seus braços.

  Seu coração clamava desesperadamente por aquilo ao passo que seu cérebro abominava totalmente a ideia.

  Os dois juntos, por mais que fosse lindo, não era o certo. Poseidon e Atena não podiam ficar juntos por causa de um bocado de questões.

  Primeiro porque para todos os efeitos Atena era uma deusa casta, com juramento perante o Estige e tudo.

  Segundo, porque Zeus jamais aprovaria uma coisa daquelas. Sua mania de grandeza com toda certeza deduziria que aquilo era apenas uma artimanha do deus dos mares para roubar sua estrategista principal e tirar o trono de suas mãos.

  Os pensamentos de uma guerra entre eles por vezes demais haviam tirado o sono da deusa.

  Entretanto a razão que mais preocupava Atena era o fato de que por ser a deusa da sabedoria, ela acabasse se deixando cegar por aquela paixão e então estragasse tudo.

  Seu maior medo era acabar como sua mãe. Para a deusa da prudência não esperar uma coisa daquelas de Zeus foi muito imprudente e sua parte.

  Não ajudava nada que seu relacionamento com Poseidon fosse conturbado e inconstante. Poseidon já era impulsivo por natureza e seu ciúmes constante apenas deixava tudo pior. Atena também não ficava atrás, a reputação de Poseidon o precedida afinal se contas.

  Haviam dias lindos, onde tudo era só amor, carinho com muitos beijos e abraços. E então haviam dias terríveis onde a raiva falava mais alto e as palavras raivosas dominavam.

  Aqueles dias eram exaustivos.

  No fim os dois concordavam que aquilo não era saudável e que não dava mais para viver assim e existiam apenas duas saídas para resolver aquela situação.

  Ou assumiam o que tinham para todos de vez, suportando todas as possíveis consequências ou terminavam e cada um seguia seu próprio caminho.

  Mesmo resistindo ao máximo até Poseidon concordou que aquilo era o mais adequado e então cada um seguiu sua própria vida.

  Poseidon finalmente encontrou uma noiva, para o alívio de Zeus, até um pouco rápido demais pensou Atena amargurada.

  Mas que direito ela tinha de reclamar se foi ela quem pediu que ele seguisse em frente?

  Tudo foi rápido demais, chegou ela a uma conclusão tardia. Dois meses depois do termino estavam agora na véspera do casamento dele com a pobre nereida.

  Ela parecia tão satisfeita quanto o deus dos mares com o casamento. Assim como ele, aquilo não era realmente o que ela queria. Seu pai, pelo contrário, parecia muito mais do que satisfeito com aquilo tudo.

  Aquele dois meses de separação tinham mesmo deixado uma impressão sobre os dois.

  Poseidon parecia miserável. A barba por fazer combinava com o cabelo completamente despenteado. Aquele não era um de seus melhores momentos.

  Atena não estava muito diferente. Estava visivelmente mais magra, não que os outros tivessem notado, mas foi a primeira coisa que Poseidon reparou.

  Conhecendo aquele corpo como ninguém, a perda de peso era muito visível. O semblante cansado também, seu palpite era de que ela já não dormia bem a dias.

    — Acho que eu também precisava de um tempo só pra mim. As vezes as coisas também ficam demais no Olimpo.

    — Se você quiser posso te deixar em paz então. - Sugeriu ele querendo totalmente o oposto.

    — Não! — Exclamou um pouco alto demais. — Quer dizer, não precisa ir. Podemos ficar aqui juntos. — Ajustou a voz tentando não soar tão desesperada.

  Poseidon até pensou em dar algumas alfinetadas, entretanto Atena parecia tão necessitada daquilo quanto ele.

    — Como nos velhos tempos?

  Foi se aproximando de mansinho mas com suas intenções muito claras. Quando suas mãos suspenderam o rosto dela seus olhares se encontraram, as orbes cinza tão límpidas quanto o céu demonstravam que ela precisava daquilo tanto quando ele.

  De uma despedida, o ponto final entre os dois. A resposta dela foi aproximar seus rostos.

  Ficaram com as testas unidas por um momento. Tentando passar um pro outro tudo aquilo que não conseguiam expressar em palavras.

  Atena passou os dedos pelo rosto dele, um carinho tão leve e que ela fazia sempre. Foi ele quem aproximou seus corpos puxando-a pela cintura, mas foi ela quem finalmente uniu seus lábios.

“...If this is my last night with you

Hold me like I'm more than just a friend

Give me a memory I can use...”

  Se aquela era realmente sua última noite, então eles fariam valer a pena.

  O beijo começou leve, despretensioso. O ritmo foi aumentando de forma rápida. Atena sentia as mãos dele percorrendo seu corpo, do jeitinho que ela se lembrava.

  Poseidon gemeu em seus lábios quando ela entrelaçou os dedos no seu cabelo. A atmosfera foi ficando pesada, dominada por todo o desejo sentido. Logo estavam os dois sobre a cama, as peças de roupa se perdendo vertiginosamente assim como os pensamentos sobre o futuro.

  Naquela noite eram só os dois e nada mais importava.

  Antes mesmo de acordar ela já sabia que ele não estava mais ali. Isso não fez com que doesse menos.

  Os efeitos da primeira noite bem dormida em meses logo foi esquecido.  Atena tinha prometido pra si que não se permitiria chorar por aquilo, entretanto seus planos foram por água abaixo no momento em que ela avistou o colar.

  Na mesinha perto da cama estava o mesmo colar que ela jogou nele no dia em que terminaram definitivamente.

  O vidro escovado pelas ondas era um espetáculo à parte. Junto do colar havia um bilhete. A caligrafia bagunçada que Atena reconheceria em qualquer lugar estava um pouco tremida.

  “O vidro é como o nosso amor, assim como o tempo é como as ondas. Ao invés de nós destruir, o tempo só vai nos deixar melhor.

  Enquanto você tiver o colar eu sei que ainda haverá um chance pra nós.

De todo o meu coração, seu Poseidon.”

    — Espero que você esteja certo. — Murmurou apertando o colar no próprio peito.

  A fé de que talvez houvesse um futuro pra eles foi tudo o que restou pra acalmar seu coração.

  Era o que ela se esforçava pra acreditar no momento.