Mate Angela escrita por Sebastian


Capítulo 5
Amare




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Ato I

Angela sonhou tanto com o momento em que veria Lucius novamente, o que conversaria ou o que faria, idealizou alguém que sempre viu em seus sonhos mais profundos. Agora ele está à sua frente, mas não consegue vê-lo, apenas uma imagem deturpada de Walter, um demônio.

— Têm como sair daqui sem passar pelas escadas ou sala principal? — Ele indagou, fazendo-a despertar de mais um devaneio. 

— Não — responde de maneira ríspida. 

— Precisamos nos esconder. 

— Achei que tinha um plano melhor. — Ela toca a maçaneta. — Já sei para onde podemos ir. Diga alguma coisa à minha vigia.

A garota abre a porta, ele pensa na aparência de Walter de maneira rápida e ambos cumprimentam com naturalidade a ama.

— Eu e minha amada irmã iremos dar um passeio no jardim — diz Lucius, com um sorriso de canto atrevido. 

Eles andam até a escada sem olhar para trás. 

— Você poderia ter sido mais Walter e menos você. — Angela sussurrou entre os dentes. — Ela deve estar achando que você bebeu. 

Ela o guia, passando pela sala principal e os enormes corredores da mansão, direita e esquerda, sem sinal de pessoas. “ Deveria tê-lo esquecido naquele museu" , ponderou, “mas seu rosto era tudo o que eu podia ver por dias, como poderia apagá-lo?” para onde Lucius a levaria? Será que seria capaz de lhe fazer algum mal? Deus ouviu suas preces e lhe mandou um anjo da guarda? Suas teorias começam a entrar em contradição. Anjo ou demônio, ele é a personificação da voz que mora em sua cabeça. Ele está em seus sonhos e pelo que disse, se conhecem há muito tempo. Angela começou a pensar que talvez fosse a encarnação de alguma alma amaldiçoada, um outro eu que vendeu sua alma ao diabo. Apenas perguntas, nenhuma resposta. Eles passam pela cozinha dos empregados e são abordados por uma criada assustada, branca como um fantasma.

— Sr. White ele está aqui! — A mulher berrou com todo o ar que possui nos pulmões. — O demônio está aqui com sua filha! — Eles escutam passos vindo do corredor. 

— O filho da puta se soltou — Lucius resmunga, desvencilhando-se de Angela e retira um pequeno punhal do bolso do casaco, aproximando-se de maneira feroz dela, tão rápido quanto um pensamento pôs fim na vida da pobre mulher.

— O que… — Angela caiu em cima do cadáver para prestar um socorro em vão, ensopando-se de sangue. — O que você fez? — Ela volta seu olhar para ele. — O que você fez?! — Ela repetiu, incrédula, com lágrimas flamejantes, mais ódio do que medo. — Isso foi desnecessário! 

— Anda Angela, chorar um punhado de lágrimas por uma serviçal não vai te fazer mais humana. — Ele a puxa pelos braços. 

— Me solta! — Ela berrou. — Volte para o inferno que você saiu, Satanás! 

Phelps não contém sua gargalhada ao ouvir aquilo, já estava começando a ficar ridículo, ela tenta se desvencilhar de seus braços e o suja com líquido rubro. 

— Eles estão vindo. — Lucius escuta o bater eufórico de pés. — Você prefere dançar com o diabo ou se casar com um sapo?

A garota para de se debater por um segundo, observando as órbitas nebulosas do algoz.

— Eu quero ser livre. — Por um momento, a voz dela soou como a de Theta. 

— Chega — ele diz, após um momento de silêncio. Lucius coloca os dedos em sua têmpora. — Hora de dormir. — Ela cai em seus braços e ele a põe sobre seus ombros. 

Eles passam pela porta quase despercebidos, ele avista o estábulo, andando com rapidez e cautela até chegar lá. Para sua surpresa, não havia cavalos, coisa de Chipperfield. Ele os conduz para um dos boxes vazios, eles não têm muito tempo. Lucius a coloca no chão, sua face está avermelhada e úmida pelas lágrimas. Ele toca seu rosto mais uma vez. Angela tinha razão, não deveria ter matado a criada, foi desnecessário. Poderia tê-la feito dormir, no entanto, está sempre com raiva e contendo seus instintos. Está cansado dessa maldição e de sempre encontrar uma parte que odeia de Theta. Ele agiu por impulso, embora não fizesse diferença, mostrou uma parte de si que sua amada abomina.

— Acorda — diz, aborrecido. 

Angela abre os olhos, um tanto desorientada e desapontada, o que viveu até agora não era um pesadelo. Ela fica quieta, guardada com seus pensamentos, sentindo-se traída por si mesma. Sim, sua obsessão por Lucius Phelps criou esse espectro, ela enfraqueceu sua mente e abriu seu coração. “Como eu poderia apagá-lo?” , a alegria, esperança, entusiasmo e tantos outros sentimentos que provou ao revê-lo deram espaço a revolta. O rosto de Stacy, a criada que ele assassinou na cozinha, invade sua cabeça, de certa forma, o sangue está em suas mãos também. Ela se sente culpada.

— Por que está fazendo isso comigo? — ela pergunta, é como se tivessem espinhos em sua garganta. 

— Eu só estou sendo pragmático — ele responde incomodado. 

— Seja lá o que você for, suponho que eu esteja presa a você. — Lucius olha para Angela surpreso. — Eu não sei como ou porquê, talvez seja karma ou em algum momento da minha vida clamei para que alguém me salvasse do meu destino,  pode ser que eu tenha vendido minha alma ao diabo sem saber. — Ela entra em seus devaneios, apática e com lágrimas presas em seus olhos. 

— É uma maldição — ele diz, é da natureza dela fazer conjecturas com esperteza.

— Por qual deus e por qual motivo meu destino foi vendido?

— Fomos malcriados. — Ele força um sorriso. 

— Nós?  — Ela o instiga. 

Phelps se aproxima, fazendo-a levantar e se espremer contra a parede. Angela mal consegue respirar, seus pensamentos são interrompidos por uma dor insuportável e o medo a consome novamente. Ele encosta a testa contra a sua e uma onda de lembranças alastram sua cabeça como vespas — a imagem de mantos coloridos com jovens dançando em volta deles, a bela arquitetura da cidade quente, os dois sóis, as estátuas gigantescas no que parecia ser uma sala, ruínas, o capitólio, Koschei e Theta trocando votos em segredo… Muitas memórias para seu pequeno cérebro humano. As entranhas de sua mente ardem como labaredas, tudo dói. O sangue escorre por seus nariz e ouvidos, suas lágrimas dão lugar ao líquido vermelho, ela cai em seus braços. 

— Acreditei em você de novo. — Ela caí em si, mais uma vez em séculos. 

— Eu sei. — Lucius desfez o filtro de percepção, ostentando mais um rosto que amou e assombrou Angela por eras.

— Prometeu que iria lutar por mim. 

— Isso foi há muito tempo atrás. 

— Você prometeu… — A voz dela saiu embargada, o nó em sua garganta fica cada vez mais forte. — É um covarde, mentiroso.

Lucius tem dois corações quebrados, no entanto, não há lágrimas para serem choradas, essa Angela não passa de uma cópia mal feita da sua Theta original, matar humanos não é uma tarefa tão difícil. Os lapsos de memória dela só servem para lhe jogar uma verdade dolorida na cara, sempre está magoada e cansada de morrer em seus braços. 

— Quando nossos destinos colidirem pela última vez. — Ele apoia o queixo em sua cabeça, sentindo o perfume de lírio vindo dos seus cabelos invadirem as narinas. — Prometo um encontro em Paris, não se esqueça. 

— Eu queria nunca ter te conhecido — Ela sussurra, está morrendo aos poucos, Lucius não sabe se foi Theta ou Angela que disse isso.

Eles ficam ali parados e quietos por um momento, enquanto doze séculos passam pela cabeça de Angela. Os lábios dele chegam mais perto de seus ouvidos, ela consegue sentir a respiração quente encostar em sua pele, um arrepio sobe por suas costas e o frio toma conta de seu estômago. 

— Ninguém te ama como eu, Thea — ele murmura, sua mão desliza por entre o corpo dela, firme conduz o objeto metálico até seu peito, ela não têm forças para lutar. Phelps enterra a adaga em seu coração de maneira indolente e escuta o pequeno grunhido sair de sua boca, o último suspiro. O peso do corpo dela cai sobre o seu e com cuidado  ele a coloca deitada na parte menos suja do lugar; não há beleza nela, o rosto completamente pálido e sujo de sangue, o líquido escorreu para o pescoço e manchou o belo vestido creme junto com as formas oblíquas e respingadas que o punhal deixou. Não há honra na morte, nem para os guerreiros mais corajosos. Será que um dia ela seria capaz de perdoá-lo? Ela fez isso mais que setenta vezes sete.

Lucius fica ali estático, sentado ao lado da sua amada Theta, é sempre o mesmo vazio. Está esperando sua vez de morrer, a maldição não permite que viva por muito tempo após a morte dela. Existe um elo entre eles, não há como fugir, por mais que tenha tentado, seus caminhos estão destinados a se cruzar ou talvez seja realmente covarde demais para buscar escapar. A conexão é muito mais profunda que um elo psíquico, ele a sentia de forma que às vezes se tornava insuportável saber o martírio pelo qual estava passando — desta vez, uma família insalubre e egoísta, pensamentos suicidas e tempo incerto. De qualquer maneira, se ela morrer, ele deve morrer também. Não importa a circunstância, claro que para Angela é mais sofrido, mas para Lucius é uma morte natural e programada. Suas células uma a uma ativam apoptose, tecidos gangrenam, órgãos perdem a função, é como um câncer tomando todo seu corpo. No fim, ele regenera. Theta nascerá de novo, daqui um século, no seu corpo original. A maldição teve seu desfecho. 

 

FIM DO ATO I


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