Te amavi escrita por Eliz de Liz


Capítulo 2
Capítulo 2: Frenesi


Notas iniciais do capítulo

Olá,
Acho que posso começar dizendo que quem é vivo sempre aparece (no Spirit, essa história está publicada há bem mais tempo). Nesses últimos dias, me deu um ímpeto para voltar a escrever essa história de forma que esse capítulo saiu em algumas horas. Tô realmente muito feliz por estar compartilhando ele aqui com vocês.
Espero apresentar um intervalo menor para a publicação dos próximos capítulos. Boa leitura!



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“I can't sleep, I hope I stay awake

Cause I've been running, running, running all day

Long nights, no peace

I feel like everybody's eyes on me

I can't sleep” — Can’t sleep, K.Flay

Narração por Mônica

Deitada na cama, sentia um calor descomunal, juntamente ao formigamento em meus pés. A sensação de que um despertador a qualquer momento sairia diretamente da minha boca e o sufocamento por não ter tido — desde alguns incontáveis últimos dias — um minuto de paz. Os olhos abertos, o suor escorrendo por minha face e as mãos atadas para agir diante de meus problemas da maneira conforme eu mesma esperava.

ansiedade fazia com que uma enxurrada de pensamentos competissem muito ferozmente por um espaço em minha mente, e eu refletia sobre vários problemas ao mesmo tempo. E de vez em quando, ao fundo de todos aqueles pensamentos, sua imagem me vinha à cabeça. Como uma gota de remédio em um machucado que está sangrando, sua presença — mesmo que abstrata — me causava genuínos arrepios, um nó no estômago. E, sinceramente, com tantas coisas para pensar, simplesmente não fazia ideia do porquê.

Esta era a segunda noite em que não dormia, simplesmente pelo ritmo frenético em que entrara para realizar um trabalho encomendado de última hora. Pilhas e pilhas de papel com endereços para que pudesse redigir algumas intimações de um caso extremamente prioritário no fórum onde estagiava.

Inquieta, levantei-me da cama e olhei o quarto ao meu redor. Embora houvesse terminado a meta estabelecida, não conseguia me desligar. Retirei, então, a caneca com um resto de café que tinha deixado na escrivaninha. Sentei-me na cadeira do escritório e abri o Notebook, a fim de ter uma insônia meramente útil.

Comecei a vagar por sites conhecidos, atualizando-me sobre algumas notícias, ou respondendo a alguma pendência por e-mail, bem como verificando algumas redes sociais.

E assim, uma notificação brilhou na tela.

Notificação: Messenger

“Como raios você conseguiu achar os meus textos? Eu não os posto em quaisquer grupos e você sabe exatamente o porquê, Mônica.”

 

“Don't ask me questions cause I'm tired of confessing

And I know that it's not much

To say but I swear that I'd like to change”



Olhei para aquela mensagem, estática. Aquele pequeno texto havia dado vida e consciência ao que de fato fizera. Nas loucuras dos últimos dias, tanto fora de mim como — apenas às vezes — levemente embriagada, seguia minha rotina de maneira banal e automática e sem autocontrole, — pois tentava, acima de tudo, controlar a realidade à minha volta — tomava atitudes das quais facilmente me esqueceria posteriormente. A mensagem que enviara a Maurício era facilmente uma delas. Quando a li, até me surpreendi. Abismada de como em um clique, revelei toda minha observação minuciosa acerca dele, em um ímpeto fechei o computador e decidi que — para benefício da minha sanidade mental —, voltaria a dormir. Não poderia lidar com mais coisas importantes neste dia. Simplesmente não queria e não sabia como respondê-lo, já que sequer sabia responder por minhas atitudes ultimamente.

***

Acordei atordoada, com umas 10 notificações seguidas do meu celular, que a partir de determinado horário fora configurado para sair do modo silencioso. Às dez da manhã, não fora nenhum raio de sol que me acordara, menos ainda algum despertador programado, mas sim 10 mensagens de uma Magali extremamente empolgada para que fôssemos a um bar recém-inaugurado na Augusta.

Com os olhos espremidos pelo incômodo natural com a iluminação — ainda que pouca —, respirei fundo ao ver as mensagens com, inclusive, fotos do local encaminhadas por ela.

Éramos assim; eu e ela. Duas entusiastas pela vida na capital e as programações que esta poderia oferecer. Sempre combinávamos, em média a cada 15 dias, que nos encontrássemos em algum lugar diferente e fôssemos conhecê-lo. Fazíamos assim para que pudéssemos nos ver, para que não caíssemos na rotina cotidiana e acabássemos presas na mecanicidade dos deveres que as responsabilidades traziam. No meio de trabalhos, estágios ou matérias de nossos cursos, haveria de sobrar algum tempo para colocar as conversas em dia e respirar o ar poluído da cidade.

De lados opostos da cidade, eu e Magá — amigas de longa data — trocávamos mensagens quase diariamente. Nosso convívio, na maior parte do mês, era virtual. Nossos cursos eram em campus diferentes, assim como nossos estágios não estavam relacionados. Então nos comprometemos a, periodicamente, estarmos perto uma da outra. E eu ansiava por mais uma sexta-feira na companhia da minha melhor amiga, embora a dor de cabeça e morosidade ao acordar não me permitissem agir da forma como desejava. Confirmei a programação com ela e me dirigi a meus afazeres matinais.

***

A noite desbotava, sem qualquer silêncio ou cerimônia, na cidade que nunca dorme. Dentro de meu apartamento, às vezes olhava de relance a janela enquanto me arrumava para sair. O céu escuro, a cidade iluminada e o barulho dos carros, motos, dentre alguns outros veículos.

A movimentada avenida onde residia se encontrava, no horário das 18h, em seu pico de lotação.

Olhei-me no espelho e conferi minha aparência: uma blusa de cetim cor bordô e de decote drapeado, juntamente a uma saia marrom escura de lã fina e uma sandália preta pouco delicada, de tiras elásticas. Para complementar, os cabelos curtos soltos, um brinco dourado de franjas, com pequenas luas metálicas nas pontas.

A última conferida no rosto. O delineado curto e delicado e um batom vermelho que ressaltava os meus lábios. Demorara, mas com o tempo consegui aceitar os dentes da frente, grandes.

Sim, poderia ter usado aparelho para corrigi-los, mas para tal deveria considerá-los um defeito estético, uma vez que — segundo o dentista — não havia mínimo prejuízo na minha dentição. E assim, diante desta escolha — aos 15 —, perguntava-me: por que deveria considerar meus traços um defeito?

Digo, o padrão realmente é opressor, ainda mais às mulheres, e nos coage a sermos todas iguais; todavia, eu nunca fui mesmo de me calar, gostava de peitar e agir diante daquilo que considerava injusto. Se fôssemos abaixar a cabeça para todas os padrões que a sociedade nos impunha, acabaríamos mortas.

Enquanto divagava mentalmente, hábito comum, chaveava a porta do apartamento, encaminhando-me ao elevador e descendo para esperar o Uber. Dentro do carro, observava os milhares de mundos e realidades dentro de São Paulo. Oras passávamos por avenidas movimentadas, iluminadas por faróis de carros e postes e, noutras, cortávamos por ruelas mais escuras e de cenários pitorescos, com casas emendadas umas nas outras. De vez em quando, um parque municipal ou um prédio histórico, toda a junção que me deslumbrava na cidade cosmopolita.

Na Augusta, o carro parou depois de uns 4 minutos vagando. A corrida estava encerrada e eu, olhando perplexa para o prédio com o qual me deparava. Não é como se não conhecesse vários lugares acolhedores, diferentes ou muito bem arrumados; todavia, diria que cada ambiente era uma experiência diferente. Cada segundo era único, nada nunca foi o mesmo, mesmo que visitasse algum ponto repetidas vezes, já que meus olhos tinham o costume de remodelar a realidade a cada vivência. Somos parte do universo que está em expansão, constantemente em transformação.

O bar possuía dois andares: o de baixo era pouco iluminado por luzes coloridas — majoritariamente azuis — e possuía bancos e mesinhas pretas metálicas num estilo industrial, juntamente a um balcão repleto das mais diversas bebidas. O andar de cima, onde Magali me dissera que estaria, era ao ar livre. Subi e encontrei uma vista encantadoramente boêmia: pequenas lâmpadas amarelas penduradas em cordas, dispostas em fileiras, trazendo a pouca, mas suficiente iluminação para as mesas e cadeiras de madeira, com seus braços, e plantas rodeando as extremidades daquele piso, que não possuía grades ou muros.

Avistei quem procurava e me direcionei à mesa que possuía uma vista para arranha-céus e a rua repleta de diversidade.

— Finalmente! — Magali se levantou para me abraçar.

— Ah, amiga, nem me fale. Que saudades!! — Exclamava muito feliz, envolta naquele abraço tão esperado. — Tô tão feliz de te ver hoje. — Olhei para ela, que me sorriu docemente, como costumava fazer. Magali estava nada menos que deslumbrante, pra variar: ela possuía um estilo boho — de tons pastéis com mesclas vibrantes —, tudo que combinava com sua delicadeza e vitalidade. O vestido marrom escuro com partes de uma estampa alaranjada e verde escura possuía uma manga midi e um recorte reto na região do colo, terminando pouco acima de seu joelho. A composição ainda contava com um pequeno e curto coturno marrom claro, e o cabelo daquela linda mulher terminava com uma trança frouxa. Quase uma deusa, eu sempre pensava.

Sentamo-nos e começamos a olhar o cardápio a fim de ver o que pediríamos. As opções vegetarianas eram um alívio tanto pra mim quanto pra minha amiga, e no fim acabamos pedindo uma porção de batatas fritas com queijo e um bacon à base de soja, de que a gente gostava muito, e drinks: o meu à base de limão e o dela, de melancia.

O simples fato de me sentar naquela mesa e sentir o vento sobre os nossos rostos me fazia plenamente feliz.

— Como que você tá, amiga? Como tá levando o estágio? — Perguntei. Magali havia começado um estágio em um pronto atendimento como nutricionista há pouco tempo.

— Nossa, amiga, tá sendo incrível. — Podia ver o brilho em seus olhos. — É muito legal finalmente colocar em prática toda aquela teoria do curso. Acredito que os meus pacientes vão ser bem sucedidos justamente pelo método de não recomendar dieta. — Por outro lado, vi o sorriso diminuindo. — Mas às vezes eu me sobrecarrego, é muita gente pra atender e são dois nutricionistas além de mim. O pessoal lá realmente se esforça muito pra fazer tudo acontecer, realmente é um hospital bem movimentado. A ala do nosso lado é a ortopedia, chega a me dar aflição de ver uns pacientes de emergência passando de maca pelos corredores de lá. Ahh, você nem sabe! — Ela exclamou a última frase com uma particular empolgação.

— Ai, minha nossa, lá vai. — Eu ri.

— Mô, tem um ortopedista lindo lá, você nem imagina. Eu fiquei foi toda chocada de como ele também é tão jovem e já conseguiu um emprego lá.

— Que nem você, Magá. Você é incrível. — Eu cortei, observando.

— Ah, amiga, muito obrigada mesmo. Mas sério, eu fiquei perplexa com a dedicação e a humanidade nele. Esses dias ele recebeu um menino que tinha quebrado o braço. Tadinho, ele tava chorando muito e o Dr. Cássio teve toda paciência do mundo pra poder desinfetar o corte na região da fratura e colocar o gesso. 

— Como você viu tudo isso? — Eu perguntei risonha, com a empolgação visível da minha amiga. — Você deve estar muito é interessada mesmo.

— Não é tão assim. — Ela riu corada. — É que eu tava na segunda pausa do dia, às 16h. Tava saindo da sala do café e de repente, sei lá, algo me cativou muito naquela cena. A porta do consultório estava aberta, então eu fiquei só observando, sabe? E, ai, amiga, nasceu em mim um misto de admiração com uma certa… — Ela ia falar, mas eu cortei.

— Paixão. — Arqueei a sobrancelha e ela ia protestar, mas complementei. — Nem vem, dona Magali, conheço você há 23 anos. Nem vem mesmo. Mas sabe…— Entornei a voz e fiz uma expressão pidonha. — Eu queria ver a foto. — Quando ela sacou o celular e mostrou seu perfil no WhatsApp, quase caí pra trás.

Eu conhecia aqueles cabelos crespos, a pele negra em tom claro e os olhos castanhos escuros amendoados.

— Esse Cássio? O Cascão? — Ri, em uma feição surpresa. — Nossa, Magá… Ele estudou comigo e… 

Assim, engatamos numa conversa até que nossos pedidos chegassem. Servidas com ele na mesa e bebericando as batida que pedimos, Magali repentinamente teve um estalo, lembrando-se das coisas que possivelmente havia lhe contado.

— Mô, e como é que foi no fórum essa semana? Sério, eu fico surpresa de como você conseguiu sobreviver.

— Era um caso de extrema urgência, Magá. Fiquei umas madrugadas acordada, mas valeu à pena. Consegui entregar tudo bem, e espero que os ofícios sirvam pra acharem a pessoa que estão procurando. O caso foi bem sério. — Restringi-me a essa observação, já que era segredo de justiça. — Sinceramente, tava sobrevivendo à base de café e muita, mas muita água gelada mesmo. Pelo menos agora passou, mas você acredita que ontem eu não consegui dormir também? Até achei que estaria um caco aqui, mas pelo menos consegui dar meu jeito. — Ri, segurando meu copo.

— Nem sei como você tá tão deslumbrante, como sempre. De verdade, que linda! Sinceramente, eu explodiria em várias crises, amiga. Mas você sabe, né? Se quiser passar esses dias caóticos em casa, pode passar. Lá, pelo menos, eu deixo a comida pronta pra semana e posso ajudar a cuidar pelo menos um pouco de você. Sei que você faria a mesma coisa por mim nos meus plantões. — Sorri. Aquilo era radiante. Aquela atmosfera, aquela amizade.

E continuamos ali, juntas, até o tempo se perder nele mesmo. Aquela construção de cuja existência eu sempre gostava de me esquecer. Os momentos sem tempo se perdiam, se congelavam, se tornavam eternos. Isso me fazia feliz.

E, de repente, às 21h, a área de dança abria com algumas músicas. O andar de cima, assim, ficou mais lotado e nos agitávamos ao som de Loco, da Anitta. Após várias músicas dançadas, uma playlist sortida de músicas brasileiras e internacionais — desde “Voltei pra mim”, da Marina Sena, até “Can’t Sleep”, da K.Flay —, resolvi que iria ao banheiro. Afastando-me da aglomeração, apressada para alcançar aquele repartimento do bar, esbarrei-me com um corpo alto e forte.

— Desculp… — Olhei para aquela feição bem conhecida e tudo foi ficando turvo.

 


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam? Quem será que a Mônica viu que deixou ela assim? (Autora se faz de desentendida: entenda o caso.)
Obrigada por terem lido, até o próximo capítulo.



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