Scooby Doo: Wicked Game escrita por KendraKelnick


Capítulo 6
Capítulo 6




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Fred logo decretou o fim das atividades, mas não tivemos tempo de nos despedir: do outro lado da rua, três carros pretos elegantes nos aguardavam junto à calçada. Reconheci um dos motoristas da família Blake em um deles, os outros dois homens eu não conhecia, mas imaginei que também seriam motoristas. Para a minha surpresa, dentro de um dos carros estava Marcie, minha noiva, acenando alegremente para mim.

Daphne: Ah! Esqueci de avisar, nós temos um almoço com papai agora mesmo. Papai é uma vítima assim como Alan, então considerem esse encontro como um depoimento, porque papai jamais irá concordar em ir até o NYPD para ser interrogado. Vejo vocês em Blake Manor.

Não tive tempo de contra-argumentar sobre a minha agenda, minha roupa inadequada e a minha vontade de ir ao tal almoço, porque logo Daphne deu as costas para nós (provavelmente porque ainda estava brava pela discussão do cartão) e nos deixou. Fred e eu nos sentimos desconfortáveis por nossa aparência totalmente inadequada para um almoço com a elite: estávamos despenteados, com roupas de trabalho sujas e amassadas, Fred com resquícios de batom na gola da camisa e eu com hematomas e luminol por toda parte. Shaggy estava em condições ainda piores (afinal, ele já chegou despenteado e suas roupas de trabalho estão sempre amassadas), mas a única preocupação que ele tinha naquele momento era se os carros ofereciam doces e balas aos passageiros. Aparentemente, Shaggy descobriu que apenas um dos carros oferecia essa regalia, por isso ele passou correndo por nós, trombou seus ombros nos ombros de Fred (o encontro foi tão violento que empurrou alguém tão grande quanto Fred contra o carro) e, sem se desculpar nem se despedir, ele entrou no primeiro carro com Scooby-Doo. Shaggy é o homem mais doce e pacífico que eu conheço, mas quando há comida em jogo, ele se transforma em um raivoso forward de rugby.

 O primeiro carro partiu enquanto Scooby pisoteava Shaggy para conseguir chegar até a janela e colocar a cabeça e as patas dianteiras para fora. Fred, então, se despediu e caminhou para o último carro, afinal, ele não queria viajar ao lado de um cão nem com um casal. Marcie estava linda e radiante, por isso eu me esforcei para não estragar a alegria dela com a minha frustração por ficar sabendo sobre um compromisso alguns minutos antes dele.

Marcie: Oi amor, como foi a perícia? O que vocês descobriram?

Passei todo o caminho explicando a Marcie o fiasco de nossa operação no prédio, e quando olhei pela janela, nosso carro se afastava da cidade em direção ao campo. Somente naquele momento percebi que Daphne havia dito “Blake Manor” ao invés de “Blake Tower”, e essa informação adicionou mais dez quilos de sentimento de inadequação ao meu já ansioso coração. Blake Tower é ruim por ser sinônimo de George e toda a ala masculina da família Blake, o que, na prática, são uma dúzia de velhos brancos engravatados, discípulos de Milton Friedman, que ditam os rumos da América e do mundo, mas só aparecem nos noticiários sob o pseudônimo de “os investidores”. Blake Manor, por sua vez, é ainda pior por ser sinônimo da ala feminina da família Blake, ou seja, senhoras e senhoritas elegantes, poderosíssimas, tão insuportáveis quanto os homens Blake, com o bônus de ainda repararem em seu cabelo, suas roupas e no seu peso.

Marcie: Hey babe, relaxa, você está ótima! Não ligue para eles. Estamos indo pela nossa amiga Daphne, lembra?

Marcie pegou na minha mão e em um passe de mágica toda a ansiedade se dissipou. Por sorte, a nossa amiga Daphne não faz parte de nenhuma das duas categorias Blake. E, por sorte, eu tenho alguém especial para me ajudar a lidar com o resto.

O misto de sensações boas que tive quando o carro entrou nos jardins de Blake Manor me fez perceber quanto tempo fazia que eu não pisava lá. Calculei aproximadamente uns doze anos, apesar de perceber que algumas coisas continuavam idênticas ao cenário da nossa infância. Como eu não acredito em Deus, agradeci ao universo (ao acaso, ao caos, ou a qualquer coisa que mereça agradecimento por isso) por chegar a Blake Manor depois de Fred e Daphne. Fred estava de terno e eu deduzi que ele pediu a Daphne para vestir algo mais adequado, por isso, eu me aproximei para reivindicar a minha roupa adequada. Não precisei pedir, pois o sensor de moda de Daphne lhe avisou imediatamente que a minha aparência estava um lixo. Não vou dizer que eu me senti bem em vestir as novas roupas porque feminilidade e gosto por marcas caras nunca foram as minhas prioridades, mas eu me senti mais adequada à situação e isso foi o suficiente. Quando estava a caminho do saguão para encontrar com Fred e Daphne, ouvi vozes femininas agudas gargalhando e o desconforto voltou imediatamente. Na verdade, um desconforto em dose dupla, com nomes e sobrenomes: Nan e Dorothy Blake. Aparentemente, a nossa presença também gerou desconforto às duas Blakes, pois elas pararam de gargalhar imediatamente e olharam para Daphne com cara de interrogação, o que deixou claro que elas não desejavam a nossa presença ali.

 Daphne: Oh! Mamãe, Dot, vcs se lembram dos meus amigos? Velma Dinkley, Marcie Fleach e Frederick Jones?

Nan: Oh, querida, claro! Vel…ma…Din…kley… e…Mar…cie…

Em um diálogo entre iguais, Nan é extrovertida e fala muito bem. As pausas na fala de Nan ocorrem apenas quando ela fala com pessoas de classe social inferior, porque seus olhos fiscalizavam a pessoa de cima a baixo à procura de algo repulsivo. No caso, Marcie e eu éramos essas pessoas, eu senti que os olhos dela aprovaram as roupas e sapatos, mas detectaram a nossa aliança em comum, as sardas e os cabelos de Marcie, o excesso de gordura dos meus quadris e meus óculos. Mesmo assim, ela nos cumprimentou oferecendo a mão, conforme a escola de bons modos lhe ensinou, e sorriu cinicamente. Nancy Blake é tão falsa que seria capaz de cumprimentar Hitler com um belo sorriso no rosto. Descobri isso no aniversário de Sweet 16 de Daphne, quando ela cumprimentou Meredith e Josie McCoy com um enorme sorriso e beijos nas bochechas, e logo em seguida demitiu a empregada que convidou “aquela a vadia ridícula e a vaca da filha dela”. Dorothy, infelizmente, era mais direta, nos olhou com a mesma cara de desprezo que ela nos olha desde os tempos de colégio, em que ela era líder de torcida e se divertia fazendo bullying contra as outras garotas.

Dorothy: Ah, é a Maria-cachorro-quente…

Daphne: Dorothy! O nome dela é Marcie!

Marcie baixou os olhos ao ouvir o velho apelido e se intimidou, ela parecia se sentir culpada pela maldade que as pessoas populares do colégio praticavam contra ela. Entretanto, nada disso se compara ao modo grosseiro como Fred Jones sempre foi tratado.

Dorothy: Mamãe, esse é o Fred, lembra dele?

Nan: Ah, sim, claro, como eu poderia me esquecer de Freddie…

Da mesma maneira falsa, as duas cumprimentaram Fred. O misto de deboche e desprezo na fala das duas doeu até em mim. Por um segundo, eu me lembrei de todas as vezes em que as duas (e também os outros quatro membros faltantes da família Blake) debocharam de Fred bem na cara dele, de todos os olhares de reprovação e de todas as coisas horríveis que eles sempre fizeram para deixar claro que não o queriam por perto. Por um momento, consegui sentir na pele um pouco do que Fred sentia, e entendi o que ele quis dizer sobre não desejar fazer parte desta família.

Daphne: Como vocês sabem, o Fred é capitão da NYPD e estamos trabalhando em um grande caso agora…

Nan: Querida, porque uma advogada de elite como você está fazendo o trabalho sujo da polícia? Esse país está cheio de problemas tributários, há tantas empresas sofrendo com impostos e você está atrás de problemas menores? Você já ouviu falar que agora a América quer tributar grandes fortunas? Como iremos sobreviver a esse absurdo? É por essa a causa que você deveria lutar, não esses… mistérios!

Meu relógio (que não era um Bvlgari como o de Dorothy, mas passou despercebido aos olhos censitários de Nan Blake) mostrava que havíamos chegado há apenas quinze minutos e já fomos nocauteados. Marcie, que não estava tão acostumada às delicadezas da família Blake, olhou para mim com espanto, esperando que eu dissesse algo, mas eu apenas suspirei.

Daphne: Mamãe, crimes e mistérios não são problemas menores, eles são os verdadeiros heróis deste país, lembra de 11/09? Hollywood faz filmes e séries sobre essas pessoas, e é por isso que eu tenho orgulho de trabalhar com elas…

Dorothy: Eles fazem filmes sobre bruxos e vampiros também. Não significa que é real.

Segundo nocaute. Fred aparentemente percebeu a minha empatia momentânea minutos atrás e me lançou um olhar de “agora você entende porque eu não quero fazer parte disso?”. Marcie, como uma treinadora de boxe indignada com o golpe que seu lutador recebeu do oponente, abriu a boca para dizer algo e eu segurei a mão dela com força, da mesma maneira que ela fez comigo no carro, e ela entendeu o que eu quis dizer com o gesto.

Daphne: É claro que o trabalho deles é real! Enfim… eu dizia que Fred e eu estamos trabalhando em um grande caso, e a Velma está nos ajudando com a perícia e todo o conhecimento científico…

Dorothy: Então Velma é a esperta e Fred é o líder. E o que você faz exatamente, maninha?

E então, sem nenhum motivo, elas nocautearam a Daphne. Fred e eu entendemos que as grosserias gratuitas doeriam ainda mais nela, então tentamos ajudá-la.

Velma: A Daphne é fundamental nas investigações!

Fred: A Daphne é… incrível!

Os elogios fizeram Daphne corar e a deixaram mais confiante para enfrentar as duas.

Daphne: Ah…bem…eu…sou…a advogada…desse…caso…na verdade…meu cliente fez uma denúncia e eu informei a NYPD…

Nan: Por que você não se ocupou de apenas processar os malditos envolvidos?

Daphne: Mamãe, não é assim que funciona…

Nan: É claro que é, eu tenho advogados realmente bons e nunca vi eles trabalhando com a polícia…

Daphne: Ora, mamãe, é porque ninguém precisa da polícia para processar alguém que falou mal de você no Instagram!

 Nan: Não disse que a polícia se ocupa com coisas menos importantes?

Daphne: Oh, mamãe, por favor! Deixe-me explicar para você entender…

Nan: Explicar? Então explique, Daphne, porque eu não entendo até hoje essa sua “carreira”… você foi à faculdade, se emancipou de seu pai, escolheu o anonimato, se distanciou da alta sociedade… para solucionar crimes?

A pobre Marcie, que não estava acostumada com a inversão de valores exorbitante de Nan Blake, ficou tão espantada que não conseguiu mais disfarçar a indignação em seu olhar.

Dorothy: E eu não vejo nenhum crime solucionado no seu Instagram, maninha… aliás, você tem uma conta muito chata, é uma conta privada! E tem uns… três mil seguidores? Como você pode ter uma carreira se ninguém sabe quem você é e o que você faz?

Nan: Dorothy tem uma carreira de velocista, Daphne, e ela tem milhões de seguidores… e Dawn também, e Daisy, ah, adoro as dicas médicas da minha Daisy! E Delilah… oh, vocês viram as fotos que a nossa Lilah acabou de postar?

Para as garotas Blake, o mundo real é o Instagram e o mundo em que vivemos é uma reles sombra de tudo o que acontece no Instagram. Talvez porque é muito mais fácil ter uma vida de fantasia na internet do que ter uma vida de verdade no mundo real. Ou seja, na vida real, para ser uma velocista, você precisa de habilidades, treino, disciplina, talento e centenas de outras coisas. No Instagram, Dorothy precisou apenas dormir com um ou dois pilotos da Nascar e tirar fotos em festas ao lado de Danica Fitzpatrick e Penelope Pitstop. Como Daphne optou por ter uma carreira fora do Instagram, ela era apenas uma sombra.

Daphne: Mamãe, é a polícia que soluciona os crimes, eu participo do processo de julgamento e condenação do criminoso e…

 Daphne falou com as paredes enquanto Dorothy e Nan riam e comentavam sobre as fotos de Delilah. Quando percebeu que não tinha a atenção que gostaria, ela se calou e olhou para nós com um olhar cansado e derrotado. Naquele momento, eu senti o que Daphne sentia em relação aos Blakes, da mesma maneira que eu havia sentido na pele o que Fred sentia, e eu entendi que todos nós compartilhávamos as mesmas aflições. Fred, aparentemente, também sentiu o que eu senti, pois sua primeira reação foi segurar na mão de Daphne como forma de apoio. Daphne corou e sorriu para ele, ele sorriu de volta e soltou a mão dela. Em seguida, ele olhou para mim e pela primeira vez na vida murmurou “você está certa”. O desconforto que a atitude de Nan e Dorothy gerou estava beirando o nível insuportável, mas felizmente, nosso salvador apareceu. Sem se vestir com roupas adequadas nem se arrumar (pelo contrário, ele estava ainda mais sujo do que antes, com pingos de ketchup e mostarda na camisa de seu uniforme), Shaggy apareceu com Scooby na coleira e acenanou para nós.

Shaggy: Tipo, hey turma! Desculpe o atraso, eu precisei parar para comprar uns hambúrgueres!

A entrada de Shaggy tirou Nan e Dorothy da tela do celular e os olhos de Nan começaram a analisá-lo de cima a baixo. Ela não demorou muito tempo nisso, afinal, tudo em Norville era repulsivo para ela.

Daphne: Mamãe, Dot, lembram do meu amigo Norville Rogers? Ele também é da NYPD e trabalha na perícia com cães junto com essa fofura aqui que se chama Scooby-Doo…

Shaggy: Tipo, é claro que eu lembro, Daph! Como a senhora está, dona Nan?

Desta vez, não houve cumprimentos à distância nem cinismo, Norville surpreendeu Nan Blake com um abraço tão apertado que a ergueu do chão e, por fim, transferiu os pequenos pingos de ketchup e mostarda da camisa dele para o casaco Chanel dela. Dorothy fez uma expressão de horror similar ao quadro “O grito” de Munch, mas mesmo assim Shaggy fez o mesmo com ela. Sem Shaggy para lhe segurar, Scooby Doo desatou a correr alegremente pelos jardins de Blake Manor e, como um bom retriever, terminou sua jornada mergulhando dentro da grande fonte de água da mansão.

Shaggy: Scooby Doo, saia já daí, garoto, você acabou de comer!

Shaggy correu em direção ao cão que, por ordem de seu tutor, saiu da fonte e se chacoalhou para tirar o excesso de água dos pelos. Após isso, ele continuou sua jornada correndo (molhado) dentro da mansão Blake, e Shaggy não teve outra escolha a não ser correr atrás dele. Perante tantos absurdos em tão pouco tempo, não tivemos outra opção além de rir da situação. Felizmente, Dorothy e Nan riram conosco – provavelmente porque ainda não tinham reparado nas manchas de molho em seus casacos.

Daphne: Então, mamãe, o que eu dizia é que eu e a turma estamos aqui para…

Desta vez, Daphne não conseguiu concluir a frase porque o barulho de um helicóptero se aproximando ecoou pelo ambiente. Nan e Dorothy se olharam com uma expressão mista de surpresa e logo em seguida olharam com raiva para Daphne, a provável culpada pela chegada do tal helicóptero.

Nan: Daphne Ann Blake, o que o seu pai está fazendo aqui?

Daphne: Eu o chamei para almoçar conosco e discutir sobre o caso em que estamos trabalhando, mamãe.

Nan: E porque eu estou sabendo disso apenas agora?

Daphne: Eu estava tentando dizer a vocês, mas as fotos da Delilah estavam mais interessantes!

Nan revirou os olhos de raiva e resmungou maldições incompreensíveis enquanto desmarcava seus compromissos do dia pelo celular. O casal Blake não se dava bem há anos e isso não era mais um segredo para ninguém, mas ver a situação deles com os próprios olhos era de cortar o coração.

Dorothy: Você não pode simplesmente convidar o papai para vir aqui sem nos consultar! Papai pensa que eu estou em Los Angeles, sabia?

 Daphne: Ah, maninha, você não é uma graaande velocista? Porque não pega o seu carro e vai rapidinho para lá antes que o papai perceba que você está aqui?

Dorothy sentiu tanto ódio que não conseguiu agir para evitar que o pai a visse. Depois de tanto apanhar, tivemos uma reviravolta ao estilo Ali x Foreman e Daphne recebeu o pai com uma expressão vitoriosa enquanto Nan e Dorothy amargavam a derrota.


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