Scooby Doo: Wicked Game escrita por KendraKelnick


Capítulo 17
Capítulo 17




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Myers: É uma descoberta interessante, doutora, mas não é tão surpreendente. Biggs e eu encontramos algumas coisas que vocês gostariam de ver…

Involuntariamente eu olhei para o meu relógio, para as amostras e depois para Fred, sinalizando que eu estava com pressa para encontrar os peritos, mas Myers não se importou com a minha linguagem não-verbal e me puxou até a sala de Biggs. Fred e Shaggy nos seguiram e Miller cuidou de trazer todas as amostras, temendo que elas sumissem.

Myers: Lembra quando dissemos que não havia nada de errado com as outras transações financeiras que a Liberty fez, nenhum indício de fraude nem de lavagem de dinheiro…?

Velma: Sim, eu me lembro que a divisão de crimes cibernéticos informou que as irregularidades vinham apenas de Cho Sang-woo…

Myers: Pois bem. Não existe nada de errado mesmo, exceto por um pequeno detalhe: os clientes não existem.

Velma: O quê? Como assim?

Biggs: As transações ocorreram entre a Liberty e centenas de “clientes”… mas quando procuramos detalhes sobre esses clientes, percebemos que todos são empresas fantasmas, registradas com número falso…

Myers: E muitas delas foram registradas com o mesmo número. Vejam, essas sete empresas diferentes possuem o mesmo número de registro… um registro bem antigo, por sinal…

Shaggy: Antigo quanto? Tipo, 1988?

Myers: Como sabe?

Shaggy: Tipo, é que eu tenho bons informantes…

Shaggy olhou para mim de maneira vitoriosa ao enfatizar “bons informantes” e eu revirei os olhos.

Myers: E o mais estranho é que desde 1988 esse registro só foi usado para fazer essas transações fantasmas… não encontramos absolutamente mais nada sobre esse registro… nem vendas, importações ou exportações, parece que esse registro de pessoa jurídica foi feito especialmente para essas transações…

Velma: E esses registros são todos de empresas americanas?

Myers: Não, achamos algumas européias e japonesas também…

Biggs: E existem alguns casos em que o registro de clientes nos leva a empresas gigantes… por exemplo, esse cliente aqui, “Cyrus Financials”… o registro é da Global Holdings… por que uma empresa enorme como a Global Holdings iria fingir ser outra empresa menor?

Velma: Para fazer escondido coisas que empresas enormes não podem fazer em público…

Shaggy: Tipo, transformar pessoas endividadas em órgãos valiosos…

Fred: Vocês mencionaram que há várias empresas registradas com o mesmo número de registro… quantos registros diferentes vocês encontraram?

Myers: No total? No máximo uns vinte… cada registro é responsável por umas vinte empresas diferentes…

Fred: E seria possível conseguir informações sobre esses registros de pessoa jurídica? Data, local, qual o nome do proprietário ou informações dos sócios responsáveis…?

Biggs: Nós já temos essas informações, por isso Myers disse que a descoberta de vocês não era tão surpreendente. Um dos registros pertence à MD Financial Group… MD sendo uma abreviação de Mayberry-Dawson…

Fred: A fintech de Alan Mayberry?

Biggs: Não, é um banco britânico gigantesco e muito antigo, da época dos Rothschild… mas Alan Mayberry é um dos vários herdeiros dessa família, eu pesquisei…

Velma: Está dizendo que Alan Mayberry vem de uma família bilionária de banqueiros?

Biggs: E não é uma família qualquer, é quase uma família real… uma das maiores e mais tradicionais de todo o mundo…

Shaggy: Tipo, por que alguém que tem tanto dinheiro assim processaria uma corretora por perder 38 milhões de dólares? Era só pedir mais dinheiro pro papaizinho dele!

Fred e eu rimos disfarçadamente da lógica infantil de Norville de achar correto pedir ajuda financeira ao próprio pai aos 27 anos de idade para patrocinar erros pessoais, mas o teor do argumento dele estava correto. O fato de Alan Mayberry vir de uma família tradicional era mais uma prova de que tudo era uma farsa.

Fred: E por ser uma das maiores e mais tradicionais famílias do ramo bancário há anos, eu imagino que eles não gostem muito da existência de Applegate e Blake no ramo…

Velma: Eles devem detestar! Principalmente porque Blake Bank está pegando as oportunidades que antes eram deles. No dia em que fomos à Blake Manor George estava irritado por perder uma reunião em Londres que lhe renderia um negócio de 200 milhões de libras…

Fred: Existem outros figurões desse tipo nessa lista, Biggs?

Biggs: Só existem figurões, capitão… por isso vocês devem tomar muito cuidado com as informações dessa lista. Se eles conseguem fazer até o FBI obedecer às vontades deles, imagine o tipo de pessoas com quem vocês estarão lidando…

Velma: Nós sabemos quem eles são, Biggs. Eles são os VIPs…

Fred: Foram eles que levaram Applegate à falência, e agora estão tentando fazer o mesmo com George Blake. Por isso precisamos de todas as informações que conseguiram a respeito deles.

Biggs relutantemente concordou e entregou um pendrive minúsculo nas mãos de Fred.

Velma: Jinkies! Quinze minutos se passaram, precisamos encontrar os federais!

Miller então me entregou o material da perícia da mesma maneira triste com que um pai entrega um filho para a adoção, e eu o tranquilizei ao dizer que tinha um plano. Quando o elevador parou no andar, Fred me segurou pelo pulso e me impediu de sair.

Fred: Tem certeza que vamos fazer isso? Você sabe que essas amostras certamente irão sumir…

Shaggy: É, Velma, tipo, é melhor você fingir que não está com as amostras… se você quiser eu vou buscar o Scooby-Doo e a gente fala que ele comeu os relatórios…

Velma: Não, gente, não podemos fazer isso! Se não entregarmos as amostras, vai ficar evidente que estamos fazendo nossa própria investigação porque discordamos do FBI e dos VIPs! E isso pode ser perigoso! Precisamos que eles acreditem que estamos do lado deles, ou seja, contra a Liberty, Steven e George. Já temos cópias de tudo isso, não precisamos nos preocupar…

Minha resposta deixou Shaggy mais calmo, a ponto dele sair do elevador antes do que eu. Fred continuou hesitante, segurando meu pulso e me olhando de maneira preocupada.

Velma: Fred, confie em mim! Eu tenho um plano! E você sabe que meus planos sempre dão certo…

Imediatamente, Fred soltou o meu pulso e nós caminhamos até a sala de reuniões. Minha apresentação foi breve, eu me limitei a dizer: encontramos o saguão da Liberty muito limpo e com cheiro de alvejante, por isso desconfiamos, usamos o luminol e achamos vestígios de sangue. Os vestígios revelaram 35 vítimas, entre elas, Cho Sang-woo, um gerente da Liberty que está desaparecido e foi acusado de fraude financeira. Ao pesquisar sobre as 35 vítimas, achamos 15 registros em hospitais. Os registros eram de transplantes e as vítimas eram as doadoras. Logo em seguida, entreguei tudo a eles e saímos. Felizmente, eles acreditaram em mim e não houve perguntas. Quando já estávamos de volta ao carro, Fred perguntou.

Fred: E aí, qual é o plano?

Velma: O plano é deixá-los falar. Da mesma maneira que eles divulgaram informações que nós não sabíamos, vamos deixá-los falar coisas que ainda não sabemos sobre as vítimas. Não sabemos nada sobre as 15 pessoas que tiveram seus órgãos retirados, não sabemos por qual motivo elas foram escolhidas para o tráfico de órgãos e não Sang-woo ou os demais… nem mesmo sabemos se as vítimas que encontramos no Ancestry estavam oficialmente desaparecidas… então vamos aguardar e ver o que eles deixarão escapar nas notícias… ora, visivelmente o caso é uma farsa, eles não irão investigar mais do que já sabemos, apenas irão explorar de maneira sensacionalista as informações que demos a eles…

Fred: Às vezes eu me questiono por que você não é a capitã, Velma… simplesmente genial…

Eu não sei qual foi a lógica fisiológica a que meu corpo recorreu, mas eu corei com o elogio de Fred. O primeiro elogio em dez anos trabalhando juntos.

Velma: Por que líderes são todos desprezíveis… e você ainda não sabe a diferença entre DNA e RNA…

Fred: Já disse, eu gostava mais de você quando não fazia piadas…

Nós três rimos e Shaggy pediu para Fred passar no canil, pois o treinamento de Scooby-Doo havia acabado.

Velma: Shaggy, podemos voltar ao seu apartamento para analisarmos o pendrive de Biggs?

Eu sugeri a casa de Shaggy antes que sugerissem a minha casa, afinal, não queria perder todo meu estoque de comida. Shaggy gaguejou à procura de uma resposta convincente enquanto mexia rapidamente no celular e ocultava as mensagens - um tanto obscenas- que ele e Crystal estavam trocando, dizendo as coisas que eles gostariam de fazer um com o outro naquela tarde. Fred sinalizou para eu não insistir na pergunta, então deixamos Shaggy e Scooby e combinamos um horário para o jantar dos Blakes.  Fred então dirigiu até o próprio apartamento sem eu precisar justificar por que eu não queria pessoas no meu apartamento. Ele entende minhas neuroses, afinal, somos ridiculamente iguais.

Fred: Pode subir na frente. Não quero que os vizinhos pensem que estou dormindo com você… pode acabar com a reputação que eu tenho por aqui…

Mesmo irritada, eu mostrei meu dedo do meio e o puxei com força antes que o elevador partisse. E ri da piada, porque sentia falta dos tempos em que Fred era meu amigo e me irritava de uma maneira boa, e nós nos dávamos bem a ponto de brincarmos um com o outro. Ou seja, eu sentia falta do tempo anterior à NYPD, antes da disputa profissional interminável entre dois egos e de toda a raiva e rancor que ela gerava. Acho que Fred também sentia falta disso, porque por um momento eu pude ver alguma alegria nos olhos dele (que sempre eram tão sérios e distantes). Ao chegar ao apartamento, eu me vinguei.

Velma: Está muito limpo, muito organizado e muito bem decorado para os padrões héteros. Acho que é isso que seus vizinhos pensam sobre você, “senhor reputação”…

Dessa vez nós gargalhamos. Mas não senti a mesma alegria de antes: de repente, aquele aperto no peito estranho que senti no aeroporto surgiu novamente, e me fez ter lágrimas nos olhos. Era como se o universo estivesse me falando que momentos como aquele iriam acabar… era como se algo me pedisse para parar o que eu estava fazendo imediatamente… Fred percebeu minha reação e perguntou se eu estava bem, ao mesmo tempo em que eu engoli o nó na garganta e neguei tudo. Constrangidos, nós dois deixamos de brincadeiras e começamos nossas atividades.

***

            Eu estava há quase duas horas vasculhando mais de dez mil anagramas quando finalmente encontrei uma relação entre um anagrama e o nome em uma das portas de Applegate Bank.

Velma: Jinkies! Veja isso, Fred, “Aron Linkmen” estava escrito em uma das portas. É um anagrama para Norman Klein, o sócio majoritário da Global Holdings!

Eu interrompi minha fala quando percebi que apenas as paredes estavam ouvindo.  Os cartões ainda estavam espalhados pela mesa – aparentemente não havia acontecido nenhum progresso em desvendá-los – e Fred estava imerso em um olhar perdido e triste, olhando profundamente as fotos do perfil do Instagram de Daphne de maneira lenta. As fotos em que ele e ela apareciam juntos eram analisadas de maneira ainda mais lenta. Eu repeti o que havia dito elevando o tom da voz e ele desviou o olhar das fotos por um segundo para sinalizar que estava me ouvindo.

Fred: Ótimo. Achamos os VIPs. Então eles usam a Liberty como uma empresa de fachada…

E então ele terminou a frase alojando o olhar perdido em outra foto. A resposta sem entusiasmo de Fred me desmotivou a continuar a vasculhar nomes conhecidos em dezenas de milhares de anagramas – eu esperava pelo menos receber alguma ajuda naquilo -, mesmo assim eu suspirei e continuei a comparar os nomes dos arquivos do agente Biggs com as combinações em meu aplicativo. Poucos minutos depois fui interrompida com o barulho abrupto de Fred se levantando de onde estava.

Fred: Fique à vontade. Vou checar como a Daphne está e volto em meia hora. Ela não me atende desde a manhã de hoje, deve ter acontecido algo…

Inevitavelmente eu chequei meu celular e vi que a última atividade de Daphne no Whatsapp havia sido há dez minutos, quando ela postou no grupo das garotas os três pares de sapatos novos que ela tinha acabado de adquirir. Mesmo sendo rápido, o meu olhar não passou despercebido por Fred, e ele entendeu exatamente o que eu queria lhe dizer. Ele voltou para o lugar onde estava da mesma maneira abrupta com que ele se levantou, se sentou e se perdeu novamente nas fotos. Eu realmente estava frustrada por perceber que teria que procurar cada um daqueles nomes sozinha, por isso fingi tossir e perguntei algo aleatório sobre os cartões que ele deveria estar analisando. Ao invés de responder, Fred apenas empurrou os cartões em minha direção para que eu os analisasse.

Velma: Ok, Fred, quer falar sobre isso?

Fred: Falar sobre o quê?

Eu suspirei diante da insistência dele em fingir que não estava sentindo nada. E então resolvi me abrir, na tentativa de fazê-lo falar também.

Velma: Quer falar sobre as coisas que nós dois estamos sentido, mas iremos negar isso até a morte porque a nossa razão não nos permite?

Fred: Primeiro as damas…

Velma: Você escolhe ser cavalheiro em momentos desnecessários, sabia?

Ele sorriu um pouco e eu engoli em seco, temendo as palavras que sairiam da minha boca.

Velma: Bem… quando me despedi de Marce no aeroporto… eu senti um grande nó na garganta, um aperto no peito, uma tristeza muito estranha… como se fosse a última vez, entende? Como se algo muito ruim fosse acontecer a qualquer momento e não há nada que eu possa fazer a respeito… ok, vou dizer as palavras certas: uma intuição ruim… como se algo místico estivesse me dizendo que as coisas estão tomando um rumo errado e eu apenas estou assistindo de mãos atadas… e agora há pouco eu senti a mesma coisa quando você brincou comigo… não sei… é como se algo estivesse acabando e eu não posso impedir… e eu só fico pensando o quanto as coisas poderiam ter sido diferentes, mas por minha causa, elas não foram…e eu não consigo controlar nem explicar esses sentimentos, apesar de eu saber que deve haver uma explicação lógica para tudo isso… sei lá, uma reação fisiológica ao stress, um descompasso neuroquímico, um defeito na ação serotoninérgica nos núcleos cerebrais da rafe ou um…

Fred: Velma, é culpa. Simplesmente culpa. Não precisa teorizar neuropsicologicamente, nem misticamente, eu entendo. Eu também sinto isso. Certamente você está se sentindo culpada pela situação entre você e a Marcie.

A revelação fez as palavras simplesmente sumirem da minha boca. Eu respirei fundo e arrisquei elaborar uma explicação.

Velma: Eu… não… olha, não há nada de ruim acontecendo entre eu e a Marcie no momento e…

Fred: Há algumas horas uma idiota me disse: “ignore os problemas e eles desaparecerão, que ótima estratégia racional”…

A imitação que Fred fez da minha voz me fez gargalhar, e foi tão ridícula que ele acabou sorrindo um pouco também.

Fred: … e essa idiota tem razão. Chega até a ser irritante o quanto ela está certa…

Velma: Ok… talvez a parte irracional minha esteja se culpando por tudo o que eu fiz para ela nesse nosso relacionamento de dez anos… e a outra parte racional esteja simplesmente morrendo de medo de como será a nossa vida de agora em diante… nós vamos nos casar ou simplesmente vamos nos separar para sempre? Eu vou conseguir lidar com a família maluca dela ou nunca mais terei que vê-los?…

            Fred: E a sua parte emocional só quer que as coisas fiquem bem entre vocês porque você não consegue nem imaginar como é uma vida sem ela…

            Desta vez, foi a admiração que calou as minhas palavras. Minha expressão facial mostrou a Fred que eu estava totalmente de acordo com o que ele havia dito.

            Velma: Sinto muito se um dia eu disse que você não me entende… parece que você me entende bem mais do que eu mesma…

Fred: É mais fácil de entender quando se trata dos sentimentos de outra pessoa…

Velma: Concordo. E também acho que é mais fácil de resolver quando se trata dos sentimentos de outra pessoa…

E foi aí que eu atingi a ferida. Fred suspirou e se afastou, deixando claro que aquele assunto havia encerrado. “É mais fácil atingir a ferida de outra pessoa, né Velma?”, minha mente me provocou. E ela estava certa.

Velma: Qual é, Fred, ao menos você sabe o que deve fazer para mudar tudo! Eu não faço a mínima ideia do que fazer para mudar meu relacionamento com a Marce… não acha que está na hora de você agir?

Eu falei já esperando uma resposta repetitiva do tipo “você sabe o que deve fazer para resolver o problema de outra pessoa”, e me preparei para continuar lhe pressionando para falar sobre os próprios sentimentos. Mas depois de algum progresso, Fred decidiu voltar para a sua caverna emocional e permanecer inabalável…

Fred: Velma, eu acho que está na hora de voltarmos ao trabalho, ainda temos dois cartões e milhares de anagramas para analisar.

***

            Muitas horas - e centenas de milhares de anagramas – depois, Fred e eu finalmente conseguimos uma lista com os nomes dos VIPs. Eu cheguei a digitar uma mensagem a Shaggy para informar sobre a boa notícia, mas Fred não achou seguro divulgar uma informação tão importante pelo celular. Creio que Shaggy viu a minha tentativa frustrada de mensagem ser digitada e logo em seguida apagada, pois em seguida ele me enviou uma solicitação de chamada de vídeo.

            Shaggy: Hey turma, tipo, alguém quer falar com vocês!

            Shaggy então direcionou a câmera do celular para o monitor do notebook, onde a imagem Flim Flam nos saudou timidamente.

Flim Flam: E aí, pessoal? Shaggy me contou sobre as descobertas recentes do departamento de inteligência, por isso trago notícias interessantes…

            Velma: Olá Flim Flam, também temos boas notícias para você…

            Fred imediatamente me cutucou para que eu parasse de falar.

            Fred: …mas falaremos sobre elas quando nos encontrarmos em Seul, porque são confidenciais.

Flim Flam: Ótimo, assim terei mais tempo para explicar o que acabei de descobrir… vocês lembram que nós nos perguntamos se as vítimas deviam dinheiro à Liberty? Então… nenhuma das nossas vítimas tinha dívidas com a Liberty, o que nos leva novamente a um caminho sem saída… daí eu me perguntei: “afinal, quem é o verdadeiro dono e fundador da Liberty?” E eu cheguei nesse indivíduo aqui: Oh Il-nam, um discreto magnata sul-coreano, dono de mais de cinco grandes empresas no setor financeiro, considerado o 5º homem mais rico de todo o mundo… o único problema é que ele era um idoso com demência e câncer terminal no cérebro que jamais conseguiria raptar pessoas… aliás, ele faleceu há algumas semanas e também não teria como transferir 38 milhões para uma ilha porque ele estava muito ocupado… estando… morto… maaaaaaaaasssssss… quando eu pesquisei sobre a outra pergunta: “será que as pessoas voluntariamente somem para pagar suas dívidas?”, eu descobri um… digamos… caminho. A grande maioria dos desaparecidos continua com suas dívidas milionárias mesmo depois do desaparecimento… mas existem exceções… em junho de 2015, um ex-policial corrupto sul-coreano chamado Hwang In-ho desapareceu perto de uma marina em Seul, assim como os outros desaparecidos ele também tinha dívidas… no entanto, um tempo depois ele reapareceu e milhares de wons simplesmente surgiram em sua conta… e adivinhem só! O dinheiro veio de contas da Liberty em Silmido, e a quantia em wons equivale a exatos 38 milhões de dólares…

Fred: Então achamos o filho da puta responsável pelo dinheiro?

Flim Flam: Não necessariamente. Hwang In-ho está desaparecido desde junho de 2020, assim como o seu irmão, o detetive da polícia de Seul Hwang Jun-ho. E o curioso é que a quantia continua na conta de In-ho, mas ele deve vários meses de aluguel… In-ho tem recebido mais dinheiro desde então  e Jun-ho sequer tem dívidas… enfim…fazer o quê, né… mais um caminho sem saída…

Fred e eu suspiramos impacientemente com uma revelação que – novamente - destruía a nossa linha de raciocínio e nos levava à total falta de lógica. Flim Flam aparentemente percebeu a nossa irritação e continuou.

Flim Flam: Calma! Parece algo idiota, mas vocês irão entender… o outro endividado desaparecido que reapareceu com a mesma quantia milionária na conta é esse indivíduo aqui…

Flim Flam interrompeu a imagem de sua câmera por um momento e compartilhou a foto de um homem oriental, aparentando meia idade, com os cabelos pintados de vermelho vivo.

Flim Flam: O nome dele é Seong Gi-hun e ele desapareceu em junho de 2020… além de empréstimos que ele não pôde pagar, ele tinha várias dívidas de jogos de azar e apostas…

Shaggy: O que nos permite deduzir que ele usou os serviços da Liberty…

Flim Flam: Exatamente. E curiosamente essas dívidas não foram pagas depois que ele reapareceu com a conta bancária com milhões de wons. Na verdade, ele mal tocou no dinheiro desde então…

Velma: Então Gi-hun e In-ho são sobreviventes do que quer que tenha acontecido? Quero dizer, um desapareceu em 2015 e depois reapareceu milionário, e o mesmo aconteceu com o outro em 2020… me leva a crer que sobreviveram à onda de desaparecimentos de seus respectivos anos…

Flim Flam faz uma breve pausa e nos olha com admiração.

Flim Flam: Na verdade, o que eu tinha de bombástico para dizer é que eu descobri que Gi-hun é amigo de infância de Cho Sang-woo. Inclusive, todo mês ele manda um pouco daquela quantia milionária para a mãe de Sang-woo, que trabalha como feirante em Seul. Então, o que quer que tenha acontecido, Gi-hun saberá nos responder e achá-lo será a nossa primeira missão em Seul… mas, sinceramente, eu não tinha pensado nisso, Velma, e achei genial você considerar que todos os anos algo acontece em junho, esse acontecimento faz cerca de 400 pessoas desaparecerem e apenas uma sobrevive…

Shaggy: Tipo, ou então eles podem ser o responsáveis pelos desaparecimentos…

Velma: Acho pouco provável, Shaggy. Atualmente os dois são milionários, mas mal usaram o dinheiro. In-ho deve aluguel mesmo com milhões na conta, isso me faz pensar que o dinheiro não é exatamente deles, eles apenas devem, sei lá, estar guardando o dinheiro para alguém?

Fred: E se Shaggy estiver certo, Velma? Obviamente, todo o dinheiro é dos VIPs, temos provas que a quantia sai de grandes empresas em Nova York… e se esses homens foram contratados pelos VIPs para raptar todas aquelas pessoas para a retirada de órgãos? Pense, as vítimas são pessoas totalmente diferentes, de idades diferentes, de ambos os sexos… daria para atender uma demanda enorme por órgãos no mundo todo… além disso, temos pessoas que receberam uma quantia milionária e provas de que houve tráfico de órgãos…

Velma: Parece uma hipótese perfeita, Fred, mas você raptaria Shags, eu e Daphne e nos enviaria para alguém retirar nossos órgãos e vender? Eu duvido que uma pessoa raptaria o amigo de infância e o entregaria para uma quadrilha de tráfico de órgãos… ou então faria isso com o próprio irmão, no caso dos irmãos Hwang…

Fred: Um psicopata certamente faria, se fosse muito bem recompensado por isso…

Velma: Recompensado por um dinheiro que visivelmente não usaram?

Fred: Velma, Gi-hun ajuda a mãe de Sang-woo porque certamente sabe que o filho dela não poderá fazer isso, me parece remorso… Gi-hun sabe exatamente o que aconteceu com Sang-woo, por isso tenta compensar a família de alguma forma… já trabalhamos em dezenas de casos em que o assassino ajudou nas buscas dos desaparecidos ou ofereceu ajuda à família… Eu jamais faria algo do tipo com nenhum de vocês, mas convenhamos, é bem mais fácil enganar um amigo e levá-lo para a morte do que convencer um desconhecido a te acompanhar…

Velma: É uma hipótese inteligente, Fred, mas não temos apenas um desaparecido, temos mais de 400! E não temos provas de que Gi-hun e In-ho são amigos de todas essas pessoas…

Flim Flam: Hmmm… na verdade, eu tenho… eu pesquisei e eles não são amigos de ninguém mesmo… Gi-hun era até um pouco odiado na comunidade, por ser visto como um caloteiro, um vagabundo que vive às custas da mãe idosa…

Velma: Viu? São pessoas endividadas, com fama de corruptas, ninguém quer esse tipo de pessoa por perto… entre Gi-hun e Sang-woo, eu penso que seria mais coerente que as pessoas se aproximassem de Sang-woo por ser mais bem-sucedido…

Shaggy: Tipo, nisso a Velma tem razão, e eu posso falar que isso é verdade porque vocês fazem isso comigo! Entre eu e a Daphne, vocês dois preferem a Daphne só porque ela é rica!

Velma: Eu prefiro a Daphne porque ela não rouba a minha comida, nem me pede dez dólares duas vezes ao dia para comprar donuts para um cachorro…

Fred: E eu pelo mesmo motivo, além do fato dela ser uma garota… e tomar banho todos os dias…

Nós rimos enquanto Shaggy resmungava fragmentos de palavrões incompreensíveis.

Flim Flam: Bem, na minha humilde opinião, vocês dois têm razão em alguns pontos… A minha teoria é que, se o dono da Liberty era tão poderoso a ponto de conseguir corromper o FBI, ele não teria problemas em conseguir meios para sumir com 400 pessoas todos os anos… e ele contrataria pessoas bem mais sérias e discretas para fazer isso, e não simples perdedores como Gi-hun ou In-ho, muito menos um agente da polícia de Seul como o irmão de In-ho, o que me leva a crer que Jun-ho desapareceu porque foi investigar o que houve com o próprio irmão… isso se encaixa com o fato de que a Liberty – uma empresa de um sul-coreano- tem estreitas relações com as pessoas mais poderosas da América e da Europa… entre elas, os VIPs… ou seja, Oh Il-nam recrutou os melhores para o seu negócio…

Fred: Faz sentido. Você disse que o velho morreu, então parece que ele escolheu herdeiros para continuar o seu negócio…

Flim Flam: Genial, Fred! Me faz pensar que os VIPs assumiram as atividades de Il-nam… já a ideia de que todos os desaparecidos estavam cheios de dívidas e alguns reapareceram com uma quantia enorme me faz pensar que o desaparecimento em massa aconteceu porque todos foram atraídos pela uma oferta irrecusável de ganhar muito dinheiro… não há nenhum registro de que os desaparecimentos tenham sido forçados ou violentos, como sequestros, aparentemente os sumiços foram voluntários… porque todos sabiam que ganhariam esses 38 milhões, mas não tiveram a mesma sorte que Gin-hun e In-ho e jamais voltaram…

Fred: Foram atraídos com uma oferta de trabalho, talvez? A Liberty era uma corretora de valores, mexia com bitcoins, talvez todos foram seduzidos pelo discurso de enriquecer facilmente… inclusive os nossos “vencedores”…

Velma: Como aquelas propagandas que dizem que é possível ganhar centenas de dólares por dia fazendo apostas online ou assistindo vídeos no Tiktok…

Fred: O emprego era falso e as pessoas foram capturadas para o tráfico de pessoas e órgãos… por serem pessoas com pouco prestígio e acostumados a crimes, Gi-hun e In-ho de alguma forma ajudaram no tráfico, por isso foram recompensados?

Velma: Fred, eu já disse, o fato de Gi-hun e Sang-woo serem amigos não se encaixa! Muito menos o fato de o dinheiro não ter sido usado! Há algo a mais nisso que ainda não conseguimos enxergar…

Flim Flam: E não querendo desanimar, mas ainda temos que entender também o fato de bilionários americanos fazendo operações falsas para destruir outros bilionários americanos… e usando o próprio negócio clandestino para difamar os inimigos… é como dar um tiro no pé…

Fred: Esse caso é como um tiro no pé… a cada descoberta, parece que os filhos da puta estão brincando conosco…

De repente, Shaggy arregalou os olhos e se levantou, desastradamente derrubando a o celular no chão. Quando ele voltou para a câmera, começou a falar de maneira agitada.

Shaggy: Peraí, minha gente, é isso! Tipo, ele estão brincando com essas pessoas da mesma maneira que eles brincaram com a gente!

Velma: É sério, Shaggy? E baseado em que prova você tirou essa conclusão brilhante?

Shaggy: Tipo, vocês se lembram da nossa perícia na Liberty? Daqueles joguinhos assustadores que chegaram até a machucar algumas pessoas? É isso!  A Liberty deve oferecer esse tipo de serviço… e fazer esses jogos com as pessoas… Tipo, eles até investiram milhões em robôs assustadores, campos magnéticos sinistros, por que eles investiriam tanto só para sacanear a gente? É óbvio que esses joguinhos bizarros são um negócio… e eles fazem esses jogos, tipo, valendo dinheiro, entendeu? 

Estranhamente, a ideia parecia genial e muito ridícula ao mesmo tempo. Flim Flam arregalou os olhos, demonstrando que estava pensando racionalmente a respeito do que ouviu. Fred e eu apenas nos olhamos com certa dúvida, e nosso ceticismo cruel fez brotar em nossos lábios um riso de deboche que nós tentamos segurar.

Shaggy: Pensa bem, gente! Tipo, isso faz muito sentido! Isso explica por que apenas algumas pessoas voltam e ganham muito dinheiro do nada… elas seriam as ganhadoras do jogo! Explica os 38 milhões que todo ano vão para aquela ilha, e também explica a ilha deserta… tipo, pode ser um reality show de sobrevivência na selva… ou então um reality na praia, tipo de férias com o ex! Explica por que algumas pessoas que são muito próximas ou são parentes desapareceram juntas… pode ser aqueles reality shows em que você leva uma pessoa que você tem problemas de relacionamento, tipo um irmão, e troca de irmão com alguém… e explica até por que algumas pessoas somem voluntariamente… elas vão participar voluntariamente desses jogos… tipo um reality show valendo milhões…entendeu?

A nossa expressão facial piorou e o riso de deboche ficou mais evidente,então Shaggy se irritou.

Shaggy: Porra, vocês não assistem Big Brother não? Tipo, pessoas ficam trancadas numa casa durante meses fazendo um jogo que vale milhões, não é difícil de entender!

Fred: Shaggy, eu achei que você tinha largado a maconha quando saiu da Narcóticos…

O comentário de Fred inevitavelmente me fez rir, e quando ele percebeu que eu também achava tudo aquilo absurdo, ele me acompanhou nos risos.

Velma: Shaggy, meu Deus, de onde você tirou isso? Não… nem responda, estou com medo de descobrir…

Fred e eu ainda rimos por alguns segundos, enquanto Flim Flam manteve a expressão séria e Shaggy ficava cada vez mais bravo.

Shaggy: Então a senhorita PhD sabe tudo poderia me dar outra explicação lógica para essa porra toda?

Velma: Eu poderia te dar inúmeras explicações mais lógicas do que essa, Shaggy…

Fred: Acho que a única lógica aqui é que você precisa urgentemente mudar seu repertório de programas de televisão, Shags…

E então rimos por mais alguns segundos.

Shaggy: Não! Gente! Espera! Tipo, não tirem sarro, só escutem, tá? Eu sei que parece idiota e um pouco maluco, mas pensem comigo… quais foram as evidências que achamos na Liberty? Vamos lá: jogos bizarros. Ninguém entendeu direito o que era aquilo, mas não tinha como voltar porque o elevador estava zuado… e do jeito que os jogos aconteceram dá para imaginar que alguém estava vendo a gente se ferrar… daí a Daphne achou aquele cartão e depois o Fred achou centenas de cartões idênticos. Não é preciso ser gamer para saber que os símbolos daqueles cartões lembram os símbolos de controle de videogame… e tem um número atrás desses cartões! Então deve ser assim que eles chamam as pessoas para o jogo, eles distribuem cartões de visitas para pessoas endividadas e quem quiser participar para ter a chance de ganhar o dinheiro liga…

Velma: Parece lógico, Shaggy, mas não explica o sumiço dos demais participantes… se é um reality show, todos os participantes ficariam famosos com isso, não? Quero dizer… mesmo que uma pessoa não vença o reality, ela acaba ganhando visibilidade por ter participado dele, e imediatamente se torna uma celebridade, ganha fãs, patrocinadores, trabalhos na televisão… nenhum participante de reality se torna mais anônimo do que era anteriormente! E no nosso caso ocorre exatamente isso, as outras pessoas simplesmente sumiram… algumas morreram… é totalmente ilógico…

Shaggy olhou para a tela em que estava a imagem de Flim Flam de uma maneira sinistra que fez um leve arrepio percorrer a minha coluna. Flim Flam também parecia em choque e fez um gesto demonstrando que Shaggy seria o encarregado de dizer a ideia terrível que, aparentemente, ambos estavam pensando…

Shaggy: Tipo… suponhamos… que os outros participantes sejam mortos… durante o reality…

Fred riu novamente com o mesmo deboche anterior e olhou para mim, esperando algum tipo de apoio para ridicularizar Shaggy. Eu, no entanto, senti novamente aquele aperto estranho no peito, uma sensação tão ruim que calou a minha voz e me fez engolir o ar. Eu tentei reagir e demonstrar que concordava totalmente com a opinião de Fred, mas um medo irracional me dominou e me fez sentir que algo estava muito errado. Fred percebeu o meu desconforto e se encarregou de contra-argumentar.

Fred: Ah, qual é, gente? Não estamos mesmo achando que pessoas estão morrendo em um reality show bizarro? Que emissora de televisão faria esse tipo de coisa?

Shaggy: Tipo… ninguém tá falando de emissoras, Fred… estamos falando de Deep Web…

Fred: Ah, qual é, todo mundo sabe que tudo isso é mito! Hackers espalham essas coisas para que pessoas despreparadas tentem acessar a dark web e caiam em golpes financeiros…

Flim Flam: Err… infelizmente… não é bem assim não, Fred. Esse tipo de coisa realmente existe lá embaixo, existem malucos que pagam para ver pessoas sendo torturadas e coisas do tipo… e como estamos falando de pessoas muito poderosas e com muito conhecimento técnico, eu acredito que Shaggy esteja certo…

Shaggy: Tipo, vocês nunca torceram por ninguém num reality show? Agora, tipo, imagina se você tivesse muito dinheiro e estivesse torcendo por um participante…

Flim Flam: Agora imagine que cada um dos VIPs tem seu participante favorito…ou, pior! Imagine que alguns paguem para ver coisas ruins acontecerem com essas pessoas… e quando eu digo “que alguns paguem para ver coisas ruins acontecerem com essas pessoas” eu quero dizer “paguem para ver pessoas se transformarem em órgãos”… imaginem quantos milhões a Liberty lucraria com tudo isso…

Shaggy: Tipo, eles lucraram muito com isso durante anos… mas agora, tipo, o dono da porra toda morreu, e deve ser difícil manter o negócio seguro como antes, então eles estão preparando para jogar a culpa nos inimigos… Blake e Applegate…por isso estão acabando com a reputação da Liberty também! Pois assim, além deles se safarem de serem punidos, eles ainda vão ganhar bilhões se os negócios de George e Steven falirem…

Flim Flam: E falando em punição, será que não é por isso que os vencedores não usaram o dinheiro?  Será que eles não têm medo de serem associados a esse reality show horrendo?

Shaggy: Ou então pode ser um motivo até mais simples… tipo, como um vencedor se sentiria se vencesse um reality em que os outros participantes morreram! Tipo, no mínimo o vencedor ficaria traumatizado… e nem tocaria no dinheiro, com medo dos VIPs o acharem… tipo, eu com certeza morreria de medo e não usaria um centavo…

Fred: Até parece… você tem medo de tudo, Shags, e gasta até o último centavo que possui…

A resposta rude de Fred fez Shaggy e Flim Flam olharem feio para ele, exigindo explicações.

Fred: Desculpa, galera, eu não consigo levar essa teoria a sério… na verdade, eu nem posso… é só uma suposição absurda e maluca, não há evidência nenhuma que seja realmente isso… É verdade que estamos lidando com evidências contraditórias e bastante confusas, mas devemos manter o foco na realidade, ok? Temos que pensar de maneira mais racional… eu não duvido que bilionários possam fazer coisas desse tipo com pessoas humildes, mas levar tudo isso a sério seria tão lógico quanto considerar que as pessoas desaparecidas foram abduzidas…

Shaggy e Flim Flam não discordaram de Fred, mas a expressão em seus rostos dizia claramente que eles não estavam dispostos a abandonar aquela teoria. Fred olhou para mim, talvez esperando que eu lhe desse algum apoio técnico, mas eu ainda estava imersa naquele pressentimento ruim que desativava qualquer pensamento lógico em minha mente.

Fred: Velma? A perícia tem alguma objeção?

Velma: Não… nenhuma… quer dizer… eu… bem… desculpe, turma, estou um pouco indisposta… acho que trabalhamos demais por hoje, será que podemos conversar a respeito amanhã?

Flim Flam concordou – afinal, já era de madrugada em Pequim, e ele visivelmente estava exausto por ter trabalhado o dia todo no caso. Fred também aceitou - apesar de ter me cutucado secretamente e sinalizado para que eu ficasse do lado dele. O único que recusou foi Shaggy, que fechou a cara e nos enfrentou.

Shaggy: Ah, qual é, Velma! Você é o gênio da equipe, você sabe que a minha teoria tem lógica!

Velma: Ela tem lógica, Shaggy, mas há muitas inconsistências e…

Shaggy: Você quer falar de inconsistências na minha teoria? Pois então eu vou falar de uma inconsistência na sua teoria! Aquelas amostras de sangue… o Alan sabia delas e divulgou tudo para a mídia, mas Scoob não farejou Alan em nenhum lugar ali e…

Fred: Claro que não, ele é bilionário e é um dos VIPs, certamente contratou alguém para fazer o trabalho sujo…

Shaggy: DEIXA EU EXPLICAR ESSA PORRA ANTES DE CRITICAR!

Nós nos assustamos de ver Shaggy elevando a voz e interrompendo Fred tão rispidamente. Geralmente ele só se irrita quando o assunto é comida.

Shaggy: Tipo, só me escuta tá, Fred?  O Alan sabia que as vítimas estavam endividadas, o que prova que ele conhecia um pouco sobre a vida daquelas pessoas… mas ele não sabia onde as amostras estavam, porque a Velma mentiu para ele falando que achou sangue no Hall, ele acreditou e repassou para a mídia… isso prova que ele sabia que aquelas pessoas foram mortas… mas não sabia exatamente o lugar onde elas foram assassinadas, o que comprova o que o Scooby e os K9s farejaram: Alan não esteve lá nem conhece exatamente aquele lugar…

Flim Flam: …porque provavelmente ele viu tudo através de uma câmera, então não sabe diferenciar o Hall de uma sala de tortura, por exemplo…

O argumento lógico fez a expressão de Fred mudar e demonstrar um pouco de admiração.

Fred: Ok… prossiga…

Shaggy: Tipo, outra evidência de que existe um lugar secreto: aquelas caixas de presente enormes. O Fred mal conseguiu passar pela porta do frigobar, como eles colocaram aquelas caixas lá? É claro que tem outra entrada secreta e ela certamente está naqueles andares que o elevador não passou… e por último, Scooby farejou as amostras em uma trilha que sai da porta da frente e vai até o frigobar… tipo, e se o lugar onde achamos as amostras não for realmente o lugar onde os crimes aconteceram?

Flim Flam: Shaggy está tentando dizer que o verdadeiro lugar onde ocorreu tudo pode estar ao redor do lugar onde vocês colheram o sangue…

Shaggy: Tipo, era isso, agora pode criticar à vontade, Fred…

Fred: Não vou criticar… confesso que o raciocínio sobre o Alan foi interessante, mas infelizmente ainda não me convenci sobre essa teoria… simplesmente não bate, Rogers… 400 pessoas sumiram em Seul, como foram trazidas para cá para participar de um reality show? Não dá para simplesmente colocar centenas de pessoas em um avião e não ser notado… a não ser que…

Fred novamente olhou para mim e esperou que eu usasse minha autoridade de perita para lhe dar apoio, mas, de repente, aquela sensação ruim me deu arrepios e me fez chegar a uma conclusão.

Velma: … a não ser que Scooby não estivesse farejando exatamente o sangue…

Fred franziu a testa e me olhou com reprovação, pois não esperava que eu defendesse a teoria de Norville.

 Velma: Ao se aproximar da Liberty, Scooby escapou da coleira e entrou correndo no Hall. Quando Shaggy e eu chegamos, sentimos um cheiro muito forte de alvejante, logo em seguida Scooby desapareceu no elevador, e tempo depois o reencontramos naquele frigobar…

Fred: Então agora as amostras não têm valor nenhum e Scooby farejou alvejante? É essa posição negacionista que a perícia irá defender?

Velma: É claro que elas têm valor, elas revelaram o crime. O que estou querendo dizer é que talvez o caminho da entrada até aquele frigobar tenha sido feito com alvejante propositalmente para conduzir Scooby Doo até o sangue… o elevador levou Scooby ao subsolo, Fred, parece que queriam que a gente achasse aquilo… assim como você, eu tenho muitas dúvidas em relação à teoria de Norville, mas confesso que ele tem razão em muitos pontos…

Shaggy: Scooby se comportou assim no restaurante e em Applegate Bank quando as garotas acharam aquele cartão debaixo da cadeira, às vezes ele sentiu o mesmo cheiro…

Antes que Fred pudesse contra-argumentar, eu peguei o cartão encontrado em Applegate Bank e o cheirei… e mesmo fraco, o cheiro era muito similar ao cheiro sintético que senti no Hall da Liberty.  A expressão facial que eu fiz foi o suficiente para evidenciar que Shaggy tinha razão. Fred ficou irritado e suspirou.

Velma: Fred, eu também duvido do reality show, mas por que raios uma mídia sensacionalista que está fritando George Blake e Steven Applegate neste momento esconderia a informação de que existe um frigobar sinistro com amostras de sangue de 35 pessoas? Não seria um prato cheio para o escândalo que estão armando? Por que eles não divulgaram isso?

Shaggy: Por que eles também não devem saber… porque como eu disse, Alan deve ter assistido tudo através de uma câmera…

Flim Flam: Bem… se o escândalo foi armado, por que a cena do crime não seria armada?

Fred relutantemente concordou com a cabeça, mas fez aquela expressão facial arrogante que demonstrava que ele ainda estava arranjando um bom argumento quebrar a nossa suposição. Não demorou nem um minuto para ele nos interromper.

Fred: E quem faria isso? Um dos VIPs? Por que entregaria tudo tão fácil assim? E por que faria isso? Apenas para nos confundir? Afinal, sequer divulgaram para a mídia… não faz o menor sentido…

Shaggy: Qualquer vítima faria, Fred… por que? Óbvio, para denunciar a porra toda…

            Contrariado e com o ego ferido, Fred fechou a cara e olhou para mim com um olhar severo, aguardando que a minha opinião fosse o veredicto de tudo aquilo.

            Velma: Das trinta e cinco amostras, achamos quinze registros de transplantes, Fred… é como você disse, se não acharmos os corpos dos demais, isso só quer dizer que eles sangraram no local… e podem estar vivos…

            Fred suspirou em alto e bom som para demonstrar a frustração que sentiu por ser pego no próprio argumento. Flim Flam, por sua vez, bocejou da mesma maneira escandalosa, evidenciando que precisava encerrar a chamada. Pouco depois de nos despedirmos de Flim Flam, meu celular vibrou com várias mensagens de Daphne, todas elas fotos de roupas, sapatos e jóias que ela estava escolhendo para o jantar (e compulsivamente postando).

Velma: Jinkies, eu me esqueci completamente do jantar! Precisamos ir, garoto, irá começar em uma hora.

Shaggy: Tipo, tá tranqüilo, Vel, eu já estou pronto.

Não consegui esconder a indignação que senti ao ver que Shaggy considerava o estado lamentável em que se encontrava como “estou pronto”.

Shaggy: Tipo, qual é, nem vem pegar no meu pé, essa camiseta é nova.

A primeira vez que vi aquela camiseta do Metallica foi há dez anos, no último ano do colégio, e aparentemente ela já era usada. Eu revirei os olhos e encerrei a chamada, pois precisava me arrumar e não podia perder tempo com quem não queria se arrumar. Eu me despedi de Fred rapidamente e ele disse que me buscaria em meia hora. No caminho para a minha casa eu mandei meia dúzia de mensagens para Crystal suplicando para que ela fizesse Shaggy tomar um banho e vestir algo decente.

***

            Eu estava decidindo se deveria ir de óculos ou de lentes de contato quando Fred tocou a minha campainha de um jeito que eu conheço bem. Eu abri a porta, e ao invés de me apressar – faltavam quinze minutos para o início do jantar-, ele se jogou no sofá violentamente e me olhou um olhar perdido e um pouco chateado.

            Velma: Tá vendo, é assim que reles mortais se sentem quando um capitão idiota invalida o trabalho deles… mas relaxa, vocês semideuses conseguem lidar com isso…

            Meu sarcasmo não causou nenhum efeito cômico em Fred, então eu suspirei impacientemente. Antes que eu tivesse que exigir explicações, ele começou a falar.

            Fred: Acho que eu não vou… não sei… se… eu devo ir…

            Velma: Olha, a sua presença é insuportável e ninguém liga…

Dessa vez ele riu.

Velma: …mas a Daphne liga. Ela está te esperando, Fred. Todas essas malditas fotos, na verdade, são para você… o mínimo que você deve fazer é ir até lá e tentar não ser o babaca de sempre…

Fred parou de rir quando percebeu que sua missão seria difícil. Ele se levantou rapidamente e partimos. No elevador, Fred iniciou uma luta impaciente contra a sua gravata, compulsivamente ele fez o nó e logo em seguida desfez, demonstrando irritação.

Fred: Tá vendo? É isso o que eu estava tentando te dizer… eu não nasci para essa merda… gravatas, ternos, em qualquer porra de jantar eu tenho que me vestir como se fosse à cerimônia do Oscar… eu não quero isso pra porra da minha vida… consegue entender?

Velma: Eu consigo, Fred. Eu entendo perfeitamente. Mas eu acho que quem não entende exatamente é você… porque a sua mente está tentando te convencer de algo que o seu coração visivelmente não quer… ela fica arrumando desculpas para seu coração não querer… não seria mais fácil achar um motivo racional para querer?

            Fred desistiu da gravata e, aparentemente, desistiu de uma resposta. Não consegui perceber se ele desistiu de inventar desculpas para fugir de seus sentimentos, mas meu coração torceu para que ele nunca desistisse daquele amor.


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