Scooby Doo: Wicked Game escrita por KendraKelnick


Capítulo 1
Capítulo 1




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Há luzes por toda parte, flashs de câmeras e celulares, lâmpadas das equipes de filmagens de grandes emissoras, helicópteros, faróis de viaturas da NYPD, lasers de armas da SWAT… Como sempre, o final de um grande caso resolvido pelo capitão Frederick Jones é algo cinematográfico. Porém, para mim, a única luz que interessa neste momento é a luz dos dígitos do meu relógio, que mostra que, em breve, tudo irá acabar e eu terei minhas merecidas férias. Eu estou tão cansada que sequer me importo com Fred (mais uma vez) monopolizando os microfones e levando todo o mérito por ter descoberto que um ex-fuzileiro naval estava se vestindo de mergulhador para roubar iates dos ricaços de Upper East Side. Meses atrás, eu juro que eu me importaria. Afinal, eu sou a garota do DNA, a ciência por trás de qualquer caso que Frederick Jones soluciona. Eu sou a garota da tomografia elétrica de terrenos, a garota da análise de Carbono-14 de qualquer porcaria encontrada em cenas de crimes, a garota que cruza os três dígitos de telefone de um bloco de notas velho com um banco de dados de mais de 420 milhões de números telefônicos e ainda acha o filho da puta no final. Eu sou todo o trabalho sujo da NYPD, então, eu tenho todo o direito de exigir minha cota de aplausos e minhas linhas de elogios no New York Times. Mas, hoje, eu só consigo me importar com a cena reconfortante de chegar em minha casa, tirar os meus óculos e esquecer que crimes existem. Hoje, o mérito é todo do capitão Jones.

Daphne: Hey Vel, bom trabalho! Não conseguiríamos se você não tivesse encontrado aquelas algas microscópicas!

A moça ruiva me abraçou com força antes que eu pudesse responder qualquer coisa. Não tive opção além de abraçá-la de volta, para que ela pudesse me soltar mais depressa. Na verdade, se não fossem as minhas algas, Fred e eu não conseguiríamos. Ela, coitada, não tinha nada a ver com o nosso caso, ela sequer trabalha para o NYPD, mas está sempre por perto acompanhando o nosso trabalho, oferecendo ajuda jurídica e se intrometendo muito. Daphne sempre faz de tudo para ter alguns segundos de atenção de Fred Jones, sua paixão adolescente desde os tempos de colégio. Ultimamente, ela está fazendo ainda mais coisas para se aproximar dele, pois Fred terminou recentemente o seu segundo noivado e está novamente disponível. Eu sinto muita pena de Daphne porque, mentalmente, Fred ainda está no colégio e nunca amadureceu o suficiente para desenvolver qualquer tipo de envolvimento (exceto, obviamente, sexual) com uma mulher. Então, para Fred, a doce e bondosa Daphne é apenas uma advogada bonita que pode enfeitar a sua cama e lhe render créditos de virilidade com seus amigos (igualmente) imaturos.

Daphne: Veja, papai até mandou os parabéns para a nossa equipe! Ele está muito satisfeito de saber que os roubos nas marinas foram solucionados.

Sem que eu pudesse evitar, a tela de um iPhone 13 foi colocada em minha cara e Daphne apontava euforicamente para os “Parabéns” que George Blake enviou pelo Whatsapp, acompanhados de um emoji de aplausos. Eu já recebi emails automáticos da Amazon bem mais elaborados e emotivos no dia do meu aniversário, mas para Daphne, receber um simples “parabéns” (que provavelmente foi escrito somente “para” e o resto foi preenchido pelo corretor automático) e um emoji do próprio pai era como uma noite de Natal em família ao redor da lareira. Sua mãe, Nan Blake, é ainda menos carinhosa, e Daphne se contenta quando ela visualiza (sem responder) alguma de suas mensagens.

Daphne: Mamãe até visualizou o link da reportagem que eu enviei! Oh, ela está online! Oh, ela está digitando algo!

Entre gritos de alegria, Daphne olhava para a tela de maneira pueril, aguardando migalhas de um amor que ela nunca recebeu. Eu sentia pena, porque sabia que a resposta nunca viria (Nan provavelmente estava sem seus óculos de leitura apertando impacientemente qualquer parte da tela do celular para fechar o aplicativo, e o Whatsapp entendeu essa atitude como “digitando uma mensagem”), por isso, eu comemorei rapidamente e mudei logo de assunto, para ela não se decepcionar com a ausência de resposta.

Daphne: A Marcie também viu o link da reportagem que eu enviei, veja! Eu acabei de mandar e ela já respondeu, veja! Ela até me mandou umas piadas sobre…

Ela visualizou em três segundos porque você é incrivelmente bonita, se fosse qualquer outra mulher no universo - incluindo nesse grupo a chefe e a própria mãe dela – ela demoraria, no mínimo, duas semanas. E responderia somente se fosse urgente. Essa é a minha noiva, Marcie Fleach. E essa é Daphne Blake, minha melhor amiga, que além de ser dependente emocional da atenção alheia, é extremamente ingênua. Obviamente, eu não pude verbalizar a resposta real, ao invés disso, fui direta:

Velma: Marcie Fleach está sendo Marcie Fleach. Você sabe como ela é.

A minha resposta causou um sorriso lindo no rosto dela. É, parece que não é apenas a minha noiva que é inexplicavelmente gentil com mulheres bonitas. Deve ser por isso que Marcie e eu nos damos tão bem desde o Ensino Médio. Temos muito em comum.

Daphne: E vocês têm planos para as férias?

Velma: Eu pensei em ir para a Califórnia por uns dez dias. Chomsky vai dar uma palestra na UCLA que eu estou doida para ver. Depois, pensei em irmos para a Europa. Marcie disse que um grupo de cientistas está desenvolvendo um estudo sobre radiação Hawking na Universidade de Berlim que será…

Daphne: Shhhhhh!

Sem que eu pudesse concluir a frase, Daphne tampou minha boca com uma das mãos. Ela faz isso desde os cinco anos de idade, mas desta vez eu fiquei ofendida.

Daphne: Shhh! Ele vai falar! – disse ela, colocando a câmera do celular para gravar e apontando para Fred, que começava a sua “grande” entrevista – Depois falamos sobre as nossas férias, sim? Eu preciso conversar com vocês sobre uma coisa muito importante!

Eu não disse mais nenhuma palavra, respondi apenas revirando os olhos e fazendo uma careta, que ela copiou e no final nós duas rimos uma da outra.

Velma: Fala sério, vai mesmo filmar mais uma entrevista idiota? Quantos gigabytes inúteis de Fred Jones você tem no seu HD?

Desta vez, ela respondeu com um gesto, um mal-educado dedo do meio mostrado disfarçadamente enquanto os outros dedos seguram o celular.

Velma: Você deveria parar de dar espaço para esse idiota no seu HD e deveria dar espaço para ele em outras coisas suas…

A ênfase que eu dei na expressão “em outras coisas suas” fez as bochechas de Daphne corarem violentamente. Logo eu senti o bico do scarpin Louboutin me atingindo com raiva na canela, e ela – agora brava - começou a manobra rápida de apagar o vídeo que eu estraguei e iniciar a câmera para continuar a filmar o resto da entrevista. Eu gargalhei ao perceber o transtorno que causei. Mais um vídeo estragado com sucesso.

Shaggy: Tipo, hey meninas! Vamos comer alguma coisa depois? Eu estou morrendo de fome!

Daphne se contorceu de raiva e apontou para a câmera ligada, indicando que ela estava gravando e não queria que nenhum som estragasse a entrevista. Ela não mandou Norville calar a boca, ela só fazia isso comigo. A encarregada de mandar o detetive Rogers (que nós carinhosamente apelidamos de Shaggy) calar a boca desde os tempos de colégio era sempre eu, e eu cumpri minha função mais uma vez.

Shaggy: Tipo, desculpa, Daph! Hey, aonde vocês querem ir? Tipo, que tal aquele restaurante mexicano que está fazendo propaganda no youtube?

Daphne revirou os olhos e desistiu de pedir silêncio. Norville não era bom com linguagem não-verbal. E também não era bom com linguagem verbal. Mas, por algum milagre, Shaggy se formou com honrarias na faculdade e entrou para a polícia. Ok, o único grande feito de sua carreira foi conseguir trabalhar cinco anos no DEA fumando maconha no banheiro sem ser pego, mas, mesmo assim, ver Norville bem-sucedido em uma carreira era algo impressionante, principalmente depois de tantos professores do Ensino Médio enfatizarem que ele seria um completo fracasso. Eu, particularmente, nunca o achei burro. Na verdade, Norville é o típico exemplo daquela frase “se você julgar um peixe por sua capacidade de subir em uma árvore, ele vai passar toda a sua vida acreditando que ele é estúpido”. Ele é um gênio, à sua maneira. Se você julgá-lo por sua capacidade de saber o que é uma mitocôndria, vai achá-lo estúpido; agora, se você julgá-lo por sua capacidade de jogar vídeo games e mexer em computadores, você vai achá-lo o novo Steve Jobs.

Shaggy: Tipo, Daph, eu já te mostrei o aplicativo que eu fiz para o Scoob?

A pobre e doce Daphne fez um gesto negativo com a cabeça, sua expressão facial estava dividida entre a frustração de ter sua filmagem estragada e a compaixão pelo amigo que lhe pedia atenção. Por fim, a compaixão venceu, e ela encerrou a filmagem para ouvir o que Norville tinha a dizer. Como eu disse anteriormente, Norville é um gênio à sua maneira. No NYPD, ele é o cara do canil, o responsável pelas dúzias de K9s farejadores que fazem um trabalho científico mais sujo (porém, muito similar, inclusive nos benefícios trabalhistas) que o meu. Entre tantos cães, o seu favorito é um flat-coated retriever marrom que ele nomeou Scooby-Doo por causa de uma música velha estúpida que fica repetindo “dooby dooby doo”. Para facilitar o seu trabalho, ele desenvolveu um aplicativo que traduz latidos em linguagem humana. Obviamente, a tradução não tem embasamento científico algum, mas isso não impediu de ser um sucesso absoluto de downloads no mundo inteiro.

Shaggy: Scooby-doo, dá um latidinho aqui, meu filho!

Obedecendo ao seu tutor, o K9 latiu o suficiente para estragar as filmagens de várias emissoras (e para irritar os jornalistas e chefes da NYPD) e para formar palavras no aplicativo que fizeram Daphne e Norville gargalharem.

Fred: E aí, turma? Mais um caso resolvido com sucesso!

Daphne recebeu o capitão Jones de braços abertos e lhe deu os parabéns com um generoso beijo na bochecha. Shaggy, por sua vez, cumprimentou Fred com cumprimentos de mão sincronizados incompreensíveis que os meninos do colégio faziam. Eu o cumprimentei com a minha expressão habitual de mau-humor, por ele ter levado todo o mérito do caso mais uma vez.

Fred: Ah, qual é, Vel, eu mencionei as suas algas!

Daphne: Ele mencionou mesmo, Vel, eu filmei!

Nem o argumento de Fred, nem a bajulação de Daphne me convenceram do contrário, então eu não me esforcei para mudar minha expressão facial. Como todo egocêntrico, Fred Jones não tolerava garotas que não sorrissem diante de seus encantos, então o meu mau humor era uma arma proposital para feri-lo em sua maior fraqueza.

Velma: Da próxima vez, você vai me deixar falar ao vivo sobre as minhas próprias algas! Ou terá que encontrar suas próprias algas! Tem sorte de eu estar feliz com as minhas merecidas férias, senão acabaria com você, Jones!

O tom da minha voz, misturado com meu indicador apontando para o nariz pontudo dele toda vez que eu terminava uma frase contribuiu para aumentar a insegurança narcisista de Fred Jones. Cheque-mate.

Fred: É verdade, bem lembrado, Vel! Estamos de férias agora! Você é incrível, sempre pensa em tudo!

Ele me elogiou esperando que eu retribuísse o elogio, o que obviamente não rolou e o clima ficou mais tenso. Aprendi isso no livro “Como lidar com narcisistas, página 23”.

Fred: Falando em férias, olha a hora! Preciso ir, turma. Boas férias a todos!

E é assim que um narcisista se comporta quando contrariado.

Daphne: Espera! Fred! Nós… nós estávamos… combinando de comer alguma coisa depois da entrevista! Não é, turma? Você não quer vir conosco?

A minha expressão de mau humor fez Fred hesitar em responder – provavelmente, porque ele ficou em dúvida se deveria estender sua noite com uma das dezenas de jornalistas que lhe rodeavam ou se deveria aceitar o convite e tentar estender a sua noite com Daphne Blake. Ao invés de formular uma resposta, ele simplesmente olhou para mim e para Shaggy esperando a confirmação do convite. Obviamente, da minha parte, não houve nenhuma confirmação, mas Shaggy não foi tão firme:

Shaggy: Tipo, claro, Fredster, junte-se a nós!

Eu suspirei e revirei os olhos enquanto Daphne comemorou mais uma vitória de seu narcisista de estimação. Resolvi, então, praticar outro precioso ensinamento de “Como lidar com narcisistas”: Capítulo 1 – Afaste-se sempre que possível.

Velma: Eu não vou poder ir. Preciso ir para casa, turma. Combinei com a Marcie de arrumar as malas ainda hoje…

Daphne: A Marcie poderia se juntar a nós, Vel! Não poderia?

A família Blake tem o costume de usar verbos no modo condicional como uma forma sutil de indicar imperativo. “Jenkins, já são quatro horas, você poderia me trazer o chá?” é sinônimo de “Jenkins traga meu chá imediatamente porque minha paciência está se esgotando”. Ou seja, “Marcie poderia” significa “Chame a porra da Marcie agora mesmo”. Antes de responder, eu consultei meu celular e percebi 15 chamadas perdidas da minha noiva em meio a mensagens de “ligue-me assim que puder”. Sorri discretamente com a possibilidade de Marcie não poder ir.

Velma: Eu preciso ligar para ela, pela quantidade de ligações, creio que algo aconteceu.

Fred: E vocês estão pensando em ir aonde? Tem um Sports bar ótimo na 35th St. …

 Antes de retornar as chamadas da Fleachy, eu coloquei toda a minha energia em fuzilar Fred Jones mais uma vez com meu olhar de reprovação. Afinal, ele sequer foi convidado inicialmente, e agora que foi incluído, ele já queria determinar o local do jantar. Maldito senso de liderança. Felizmente, ele percebeu as minhas intenções e se calou imediatamente. O telefone nem bem chamou e Marcie respondeu.

Marcie: Oi querida, eu preciso falar com você urgente sobre as nossas férias…

Velma: O que houve, Marce?

Marcie: Bem… é que… bem, venha para casa, sim?

Ao contrário dos Blakes, Marcie Fleach usa o modo imperativo para indicar o modo condicional. Herança dos tempos em que ela foi presidente do conselho de alunos, quando precisava parecer autoritária e simpática ao mesmo tempo. Ou seja, venha para casa significa você poderia vir gentilmente para casa, por favor, para eu lhe dizer pessoalmente algo que você não vai gostar de ouvir?.  Por um lapso de estupidez, eu deixei o meu celular no modo viva-voz enquanto perguntei a Marcie sobre ir jantar com a turma, então não pude mentir para Daph quando ela concordou.

Daphne: Ótimo. Eu pensei em um lugar mais simples, informal, que tal no Benihana?

Todos concordaram com certo ressentimento. Eu adoro quando Daphne Blake tenta ser financeiramente acessível em suas escolhas, ela sempre falha miseravelmente. Agora, eu estava condenada não apenas a fazer algo que eu não queria com uma pessoa que eu não queria por perto, eu também teria que gastar bem mais do que eu gostaria de gastar em um sushi. Por fim, combinamos um horário e eu os deixei no momento em que o vaidoso capitão Jones começava a explicar pela milésima vez como “ele” conseguiu solucionar o crime. No meio de minha caminhada de cinco quarteirões, fui atropelada por Scooby-Doo em alta velocidade, que fugia com as chaves do carro de Norville.

Shaggy: Tipo, foi mal, Vel! O Scooby adora essa brincadeira de roubar as minhas coisas!

Norville me ajudou a levantar e continuou caminhando em silêncio ao meu lado por alguns metros. Era o modo dele de falar sobre a minha desavença com Fred sem ter que falar nada, nem ter que escolher um de nós dois para defender.

Velma: Mais um caso nosso roubado com sucesso, uh?

Shaggy: Tipo, deixa isso para lá, Vel.

Velma: Deixa isso para lá? Está na cara que você também está chateado! Ele roubou a porra do caso para ele, Norville! Nós trabalhamos quantos meses nisso? 6? 8? Perdi as contas de quantos testes eu fiz, quantos livros de botânica eu que tive que ler para achar sobre aquelas malditas algas e o mérito ficou todo para ele!

Shaggy: Eu não ligo, sério.

Velma: Você não liga? É claro que liga! Se não fosse Scooby e os outros K9´s, nunca acharíamos a trilha do bandido, e sem a trilha nunca acharíamos as algas…

Shaggy: Tipo, esqueça isso, Vel. O bandido foi preso, é isso que importa. O resto é uma briga inútil de egos e vaidades…

Como eu disse: Norville é um gênio à sua maneira. Conseguiu calar minha revolta com uma frase simples e catártica. Eu não consegui responder nada, afinal, ele tinha razão. Colocar a minha vaidade em um ringue com a vaidade de Fred Jones seria um interminável duelo de titãs. Sem ter o que dizer, gargalhei de ver o alegre Scooby correndo de seu tutor e parando de tempos em tempos para olhar para trás e se certificar que estava sendo seguido.

Velma: Você também está deprimido por ser obrigado a gastar a quantia de cinco refeições em um único jantar? Ou sou só eu?

Apesar de ser apenas o cara dos cães, Norville ganha quinhentos dólares por ano a mais do que eu, a garota-DNA-com pós-doutorado. Grande mérito do machismo. Além disso, ele vem de uma família financeiramente confortável, filho de um pai generoso e compreensivo que lhe dá dinheiro com a mesma freqüência com que os meus pais me dão conselhos ruins sobre como eu devo viver a minha vida. Os grandes problemas de Norville com o dinheiro, na verdade, são causados por um metabolismo inexplicável (que lhe causa fome a todo momento) e pela existência de jogos de tiro em primeira pessoa que exigem pagamento para liberação de acessórios. Sendo assim, os quinhentos dólares que ele ganha mais do que eu sempre são gastos em pilhas de hambúrgueres e armas do CS:Go.

Shaggy: Tá tranqüilo, Vel, eu pego um pouco do dinheiro da reserva que eu fiz para o passe de batalha do Valorant…

Quando eu ia começar a falar sobre outro assunto aleatório, Scooby-Doo se cansou de correr e se deitou no chão para mastigar as chaves. Shaggy se desesperou, despediu-se rapidamente e disparou em direção ao cachorro, que voltou a fugir de seu tutor com alegria. Não precisei andar muito para chegar até o meu prédio, nem precisei chegar até minha casa para falar com a minha noiva. Ao passar pelo portão, Marcie me aguardava no Hall com a cara de “eu fiz algum tipo de merda e estou aqui para me desculpar” que eu conheço muito bem.

Marcie: Querida, que bom que você chegou! Eu precisava tanto falar com você…

Marcie me abraçou superficialmente e rapidamente. Eu retribuí o gesto da mesma maneira, aguardando que ela explicasse logo o que estava ocorrendo. Porém, como em todas as vezes que ela quer se justificar por ter feito algo que ela sabe que não irá me agradar, ela não foi objetiva. Enquanto subíamos as escadas, ela iniciou uma conversa confusa falando sobre cartões magnéticos, comentou sobre sua experiência como publicitária, retomou a questão dos cartões revelando que montou um projeto de fazer cartões ecologicamente inofensivos… mas eu só entendi o sentido da conversa quando abri a porta do apartamento e encontrei centenas de cartões magnéticos (feitos de papel reciclado) com o logo do parque de diversões que a família Fleach mantém em Orlando, FL.

Velma: Marce, o que significa isso? Por que você ainda não arrumou suas malas? Partimos amanhã de manhã!

Marcie: Vel, me desculpe, eu comecei um projeto publicitário para o parque dos meus pais e terei que desistir de nossas férias… papai ligou pedindo ajuda e eu não pude recusar! Eles podem falir, Velma!

A família Fleach tenta não falir há anos. Obviamente, devido ao fato de que manter um parque de diversões itinerante (com brinquedos da década de 70 com funcionamento duvidoso) em uma cidade como Orlando, FL não é uma ideia muito inteligente. E, também, devido aos delírios de sucesso do Sr. Fleach (motivados por livros ruins de coaches financeiros), que gasta o dobro do que arrecada acreditando que um dia será o novo Walt Disney. Eu juro que procurei palavras para enfrentar Marcie, mas não as encontrei. Algumas perguntas surgiram em minha mente (eles irão te pagar para você trabalhar para eles? Seu trabalho será um sucesso? Seu pai pode pagar por centenas de cartões magnéticos recicláveis? Cartões coloridos convencem clientes a pagar para correr risco de vida em brinquedos que usam gordura de porco como lubrificante?), mas eu não perdi tempo em verbalizá-las. Afinal, eu já sabia a resposta de todas elas.

Velma: Marcie Michelle Fleach, eu me recuso a acreditar no que você acabou de me dizer…

Marcie: Velma… escute…

Velma: Eu me recuso a escutar, Marcie! Tem ideia de quão egoísta é essa decisão? E por que eu sou a última a saber, no último minuto?

Marcie: Você não é a última a saber!

Velma: Não importa! Você deveria ter me consultado antes, não acha? Sequer passou na sua cabeça que eu deveria ter sido consultada sobre como eu deveria passar as minhas merecidas férias? Eu trabalho como uma louca, Marce, sequer levo crédito pelo meu trabalho, no dia-a-dia nós quase não nos vemos, estamos sempre nos dedicando às nossas carreiras, e o único momento em que poderíamos ficar juntas você…você…combina de passar as férias nos trailers imundos dos seus pais? Como que você espera que eu reaja a tudo isso?

Marcie: Eu espero que a mulher que me ama me entenda! Apenas isso! Quão egoísta é exigir que eu me divirta enquanto meus pais estão à beira da falência, sem conseguir comprar seus próprios remédios?

Velma: Tão egoísta quanto usar o amor que eu sinto por você como uma forma de me manipular a favor de suas decisões!

E assim nos arrastamos por horas. Entre acusações e desgaste emocional, a discussão durou até vinte minutos antes do horário combinado com a turma no tal restaurante. Eu me arrumei rapidamente – bem longe dela, porque não suportava sequer olhar na cara dela – e pretendia ir sozinha, mas fui surpreendida ao perceber que ela também havia se arrumado e estava me esperando na porta.


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