Inventei Você? escrita por Camélia Bardon


Capítulo 21
Planos, mudanças e luzes


Notas iniciais do capítulo

Olha eu esquecendo de postar o capítulo de novo xD juro que os próximos eu programo.
Bem-vindos, novos leitores ♥ o capítulo de hoje é enorme e bem especial, espero que vocês gostem ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/805110/chapter/21

Matt me ofereceu o bolo com a postura tão impecável que ele parecia até mesmo uma vendedora de maquiagem. Tive de resistir à vontade de rir, porque era um assunto sério. Há alguns minutos ele escutou minha confissão com uma expressão de incredulidade – algo que me surpreendeu, visto que ele sempre parecia levar tudo na brincadeira.

— Acho que era só isso? — tentei afirmar, mas saiu mais como uma indagação. — Quer dizer, o que mais eu poderia dizer?

— Vejamos. Que tal começar do começo?

— Que engraçadinho...

— Mas é verdade! Faça uma narrativa linear — ele sorriu, mordendo um pedaço de bolo. A continuação veio com as bochechas cheias: — Se você começar do meio ou do final eu não vou entender...

Franzi a testa, acompanhando-o nas bochechas cheias de doce.

— É que você já sabe o começo, Matt.

— Nesse caso, permissão concedida para começar pelo meio.

— Não estamos falando nada com nada, não acha?

— Acho — ele gargalhou, engasgando com o bolo. Após uma tosse nada elegante, Matt emendou com a voz rouca: — Desculpe. Pode continuar. O que... O que te fez tomar essa decisão?

Respirei fundo, me esforçando para organizar as ideias. Eu não podia dizer todos os motivos que me levaram a ligar para a minha mãe, porque ele fazia parte deles. Pior: fazia parte dos motivos que eu lutava tanto para esconder. O que eu poderia expor sem me expor?

— Eu preciso saber... Por que ela me deixou? Ela não foi bem clara, mas... Deixou-me seu telefone e um bilhete dizendo que eu podia ligar a qualquer momento, Esse aqui — estendi-o a ele, que o analisou com atenção. Após anos, a folhinha já estava até amarelada. — Como estávamos revivendo esse assunto e já passaram quase dez anos desde então... Achei que fosse a hora. Confesso que guardei bastante mágoa... E precisava deixar minhas mágoas para trás. Você me entende...?

Ele assentiu com a cabeça, me surpreendendo com a gentileza no gesto. A maioria das pessoas teceria algum comentário sarcástico diante da minha confissão imatura, mas Matthew era o retrato da amabilidade em quase tudo que se propunha a fazer comigo. Era bem verdade que eu brincava dizendo que ele não prestava e só pensava em indecências, mas constatar o óbvio – que ele era extremamente amável – fez meu coração contrair-se no peito. Eu precisava voltar para a realidade.

— O único problema é que eu não posso dividir isso com a Nona — mordi o lábio, pensativa. — Então não sei muito bem como vou fazer para arrumar essa situação. Melhor dizendo, como vou conciliar essa situação. Porque não quero abrir mão de nada.

— Por que não pode? Achei que a senhorita Mendez te apoiasse em tudo...

Quase tudo. Ela odeia minha mãe. A gente nem menciona o nome dela lá em casa. Nunca reparou que não temos quadros e nem fotos de família?

Matt assoviou, impressionado num sentido negativo. Aproveitei o momento para resgatar outro pedaço de bolo do pote. Eu era completamente rendida por bolo de cenoura, não dava para resistir.

Da série de coisas que minha mãe fazia e que até aquele dia ficou marcado no meu coração, por mais que eu tentasse afastar o sentimento da minha cabeça.

— Caramba... Depois você é quem é a rancorosa, Ceci?

— Ah, eu não a culpo. Entendo o que a levou a isso. É o jeito dela de reagir aos problemas... Ela os conta da vida ou finge que eles não existem. Nona acha que não falar sobre um problema faz com que ele eventualmente se resolva sozinho.

— Isso está completamente equivocado — ele negou com a cabeça, franzindo a testa no meio do caminho. — Veja o senhor Bell. Ela foi embora sem se resolver e continua traumatizado por isso. Não é nada amoroso da parte dela, na verdade. Até mesmo porque a sua mãe diz mais respeito a você do que ela, Ceci. Perdoe-me por ser tão direto, mas é o que penso.

Foi com certa surpresa que respondi:

— Você tem razão... Ainda assim, eu... Respeito o posicionamento dela nessa história. Se ela não quer envolvimento, então não será envolvida.

— E se sua mãe quiser restabelecer contato? — ele ergueu uma sobrancelha. — Vai recusar para agradar a Noelle? Não deveria ser algo que precisa escolher entre um e outro...

Permaneci o observando com cautela. Ele tinha razão, mas não significava que era fácil de ouvir. Até mesmo porque eu já tinha pensado em tudo aquilo enquanto falava com a minha mãe ao telefone. Como não pensaria?

— Desculpe — Matt pediu num tom doce. Não havia mais bolo para nenhum de nós recorrermos como válvula de escape. E ele pareceu chegar à mesma conclusão que eu, porquanto que segurou o refratário como se fosse uma preciosidade. E fechou a tampa. — Não quis pesar o clima...

— Relaxe — sorri de lado, apesar de eu sentir o maxilar tensionado. Talvez eu devesse aplicar o meu próprio conselho. — Quer entrar um pouco...?

Ele assentiu com a cabeça, levantando-se primeiro. Como um bom cavalheiro, Matt me ofereceu a mão para me ajudar a levantar também. A proximidade fez com que um arrepio percorresse toda minha espinha. Ignorei todo o turbilhão de sentimentos que me arrebatou com um sorriso tranquilo. Afinal, quanto mais cedo eu me convencesse a ignorar aquilo, mais cedo se tornaria uma realidade e eu não precisaria fingir.

— Então, quais os planos para hoje? — ele indagou, me guiando para dentro de casa com uma mão na base da minha coluna. O gesto é estranhamente reconfortante. Tive de resistir a vontade de me virar para ele e o abraçar. — Quer dizer, não estou atrapalhando nada, estou...?

Tão doce... Tão altruísta. Eu veria essas qualidades mesmo se o cupido não tivesse dilacerado meu coração com a fechada mal calculada, mas notá-las com o coração vulnerável fazia com que elas adquirissem um aspecto melancólico.

— Não, não está. Eu te convidei a entrar, seu bobo.

— Mas é que aí que eu também invadi seu terreno...

— ... que eu também te convidei a entrar.

— Mesmo assim...

Desvencilhei-me de seu braço para ficar de frente para ele. Olhos castanhos nos olhos azuis brilhantes. Olhos de luz estelar. Inventados do meu eu mais romântico e esperançoso. Do meu coração para o meu coração.

— Matt — o interrompi tentando aplicar o mesmo tom doce com que ele havia falado comigo não tão antes. Seus olhos pareceram ter sido atingidos por uma descarga elétrica. — Você é sempre bem-vindo na minha casa. Sempre. Não falo para agradar. É verdade. Pode ir e vir quantas vezes quiser e será bem-vindo em todas elas. Não precisa hesitar.

Ele assentiu com a cabeça, abrindo um sorriso de gratidão que fez meu coração se curar um pouco do dilaceramento. Seus sorrisos abriam e cauterizavam minhas feridas, se é que isso era possível.

— Não vou, prometo. Eu... Obrigado, Ceci.

Sorri para ele, voltando minha atenção para o café que precisava ser servido. Eu tinha dito café, mas era bem mais um cappuccino gelado, apesar de que Matt não pareceu ter apreciado a bebida menos por isso. Observei pela visão periférica enquanto ele se sentava para sorver o leite.

— Uma última coisa — ele começou, deixando metade da bebida a salvo na mesa do balcão. — Onde sua mãe mora, mesmo?

Droga. Duas das informações que eu pretendia omitir seriam entregues de bandeja para ele. A quem eu estava tentando enganar? Eu simplesmente não era boa nesses joguinhos. Era mais fácil cancelar a femme fatale.

— Em San Francisco... O mesmo lugar que vou fazer aquele casamento, sabe? Pensei em... Hã... Levar o pedido e na volta passar lá e... Ver isso.

Pude ver chegando, na comoção dos meus olhos.

— Ei! Tive uma ideia!

— Hum? — abri um sorriso inocente. Merda.

— Você não disse que era mês que vem? Se... Se você quiser, eu posso te acompanhar pra não ir sozinha... Aí eu já fico por lá e você volta com o seu coração partido conforme o combinado. O que acha da ideia?

Abri um sorriso ladino, fingindo avaliar a sua grande proposta. Como se eu não tivesse a cogitado.

— Mas... Se não quiser eu vou entender também — ele acrescentou num tom mais cauteloso. — Porque é a sua mãe, eu não quero me convidar a fazer parte disso se não for te deixar confortável...

Deixei que ele tomasse o resto do seu cappuccino antes de responder. Agora eu já podia dizer que tinha experiência com pausas dramáticas.

— Fala sério, você só está se oferecendo para ir comigo porque quer uma carona pra San Francisco na Petúnia! Seu safado, eu leio as suas intenções por trás dos seus olhos.

Matthew gargalhou de nervoso, erguendo as mãos em defensiva. Cheguei até a ficar com um pouco de dó de seu desespero.

— Garanto que não foi nisso em que pensei.

— Ah, garante? Em que é que estava pensando então, Carpenter?

Ele umedeceu os lábios, voltando o olhar para mim. Era inevitável sustentá-lo, ainda mais quando ele detinha tanto magnetismo no gesto.

— Em... Em nada, na verdade...

— Como nada?

— É, eu só... Quero te ajudar num momento difícil... Não é um favor a ser retribuído...

Prendi um tanto o fôlego. Matthew não tinha dito aquilo para me magoar ou me constranger, me chamar de ingrata ou semelhante. Ele só tinha dito. Parecia até surpreso depois que as palavras saíram de sua boca. Foi todo um conjunto da obra de expressões faciais que me mantiveram hipnotizada.

Meu Deus, eu tinha ficado louca de vez.

— Você disse que se importava comigo — ele murmurou, ligando um ponto ao outro. Eu quase podia ver as engrenagens girando em sua cabeça. — Bem, eu faço o mesmo... A gente brinca, com os potes e com... Enfim. Mas isso é um assunto sério. Você me ajudou muito. É natural que eu também me importe com você, certo?

Assenti com a cabeça, sentindo um afeto crescer mais e mais dentro de mim. Meu coração retumbou dentro do peito, como uma tempestade de verão trovejando pelas veias. Matthew provavelmente interpretou meu silêncio de uma forma negativa, porquanto que se levantou com a xícara ainda pela metade e caminhou até mim.

Soltei o fôlego que estava prendendo inicialmente.

— É natural — me apressei em acrescentar.

— Naturalmente — ele riu entredentes. — Então... Gostaria que eu fosse? Ou não?

Novamente: eu pude ver aquilo chegando.

— Depende. Vai quebrar meu coração, Matthew?

Ele riu baixo, fazendo cócegas no meu rosto. Seu polegar arrastou-se pela minha bochecha, e me peguei perguntando como é que ele tinha chegado ali perto tão rápido. Não estava reclamando nem um pouco.

— Só um pouco. Prometo que não vai ser uma rachadura profunda. Nem vai ver que ela está ali.

— Sei... — simulei meu melhor tom cético. — E que garantia você me dá das suas palavras?

Matthew sorriu, segurando meu rosto com as mãos firmes nas minhas bochechas. Apesar de o arrepio iminente ainda estar ali, a sensação já não era mais invasiva. Parecia...

Parecia certo.

Eu podia estar parecendo um tanto pretensiosa em minhas afirmações, mas era assim que eu me sentia. Quanto a ele, eu não podia palpitar em nada.

— Garanto que, mesmo se eu quebrar o seu coração, eu me voluntario para ajuntar seus caquinhos. E, se achar pouco, eu também dou um beijo em cada um dos seus machucadinhos.

Olhei bem no fundo dos seus olhos, cativada.

— Porque eu jamais vou machucá-la de propósito, Ceci... O mínimo que poderia fazer é tentar reparar se... Se for o caso...

Deitei minha bochecha em sua mão, beijando seus dedos. Pude ver seus cílios tremularem, me arrancando um sorriso bobo no canto do rosto. Eu não podia evitar — ele era maravilhoso em tudo. Se ele me permitisse, eu o faria se sentir maravilhoso também.

— Não se preocupe com o meu coração — sussurrei. — Garanto também que ele está batendo e inteiro.

Era o que ele precisava ouvir para se tranquilizar. Ao menos, foi o que interpretei, uma vez que ele retribuiu meu comentário com um sorriso.

E com um beijo, já que já estava ali.

Aquela vez foi tão diferente... Tão íntimo. Não foi um beijo afoito, urgente. Tratava-se de um reconhecimento da parte dele, e de pertencimento da minha. Sim, porque parecia natural que minhas mãos soubessem o caminho exato que deviam percorrer por suas costas até que elas se arqueassem; assim como ele parecia já saber por onde deveria ir para que eu me transformasse numa pilha de murmúrios e calafrios.

Tropeçamos um no outro no caminho até o sofá, em meio a risadas nervosas e beijos desconexos. Não foi uma boa escolha, já que Matthew ficou nitidamente mais tenso. Sua mão permaneceu presa ao meu quadril, apertando-me até demais. Engoli em seco, encarando-o ao parar para tomar fôlego.

— Está tudo bem...? — perguntei com uma pontada de medo da resposta. — Está me olhando com uma carinha estranha...

Ele negou com a cabeça, mas também captei com o olhar enquanto ele umedecia os lábios novamente. Minha cabeça rodopiou com o gesto.

— Está, eu só... Hum... Não quero que se sinta pressionada. Ou decepcionada.

— Ah, Matt — sorri com gentileza. — Não seja bobo.

— Não estou sendo — ele franziu a testa. — Isso é uma coisa importante. Não é para ser feito de qualquer jeito. Não é isso?

— Matt. Eu sou uma virgem, não quer dizer que eu seja uma beata e veja magia, pôneis e unicórnios o dia inteiro. Fique tranquilo, querido.

Matthew gargalhou – uma risada rouca e contida –, me estudando com o olhar. Geralmente suas pupilas ficavam escondidas pelas íris, porém agora o azul estava nublado pelo preto. Meu coração falhou uma batida, ainda que eu não entendesse bem o porquê.

— Você, Cecilia, é uma mulher surpreendente.

— Ah, querido, você não faz a menor ideia — sorri, esboçando minha melhor cara convencida. — Mas, hum... Realmente não acho que o sofá seja a opção mais confortável... Quer dizer, é a opção mais próxima e é confortável num geral, mas é que está bem perto da porta, você me entende...? Não quero dar um show para os vizinhos.

Ele ergueu uma sobrancelha, me ajeitando em seu colo. Eu tinha certeza de que eu era muito pesada para ser carregada escada acima, mas mantive a opção em aberto na minha cabeça apenas pela graça do ato hipotético.

— Está me convidando para o seu quarto, Cecilia?

— Nem morta que eu digo isso em voz alta.

Matthew gargalhou uma vez, enchendo o ar de alegria. Então, conduzi-o escada acima, pelo corredor sem fotos e quadros, até o meu quarto. Por alguma razão, eu me mantive tímida enquanto ele vasculhava o cômodo com os olhos azuis brilhantes. Meus poucos livros na prateleira, incluindo A Mulher de Trinta Anos, a coleção de CD’s e DVD’s perfeitamente alinhados e as roupas espalhadas pelas cadeiras e encostos da cama. Fingi-me de idiota ao pegar uma camiseta pendurada na cabeceira e jogá-la embaixo da cama como se nunca tivesse estado ali. Por sorte, ou ele não viu nada ou fingiu junto comigo.

— Tinha razão, é mesmo mais confortável — ele sorriu exibindo duas covinhas discretas em suas bochechas. — Combina com você.

— Confortável ou com uma decoração caótica?

— Com a decoração caótica, é claro.

Foi minha vez de gargalhar com seu comentário. Era para eu estar nervosa com aquilo? Bem, aparentemente éramos esquisitos até com isso.

— Pode fechar a cortina? — ele indagou com uma expressão que me deixou intrigada. — Hum... É... Para correr o risco de ninguém ver...?

— Claro — fiz conforme o pedido e puxei-a com cuidado. Não sem antes de dar uma olhadinha. Matt, que não era bobo nem nada, veio atrás de mim para aproveitar do momento de vulnerabilidade. Antes que eu me virasse, lá estava eu recebendo beijos na nuca. — O que está fazendo aí?

— Jogo de sedução. Colabore comigo, sim?

Ri com maldade, me voltando para ele com os nervos à flor da pele. Meu coração saltou para todos os lados dentro do peito. Mais ainda quando ele me enlaçou pela cintura e me puxou mais para perto para me roubar um beijo. Dessa vez sim foi algo mais urgente. Seu toque na base da minha coluna já não era mais sutil, mas agora todo meu corpo formigava pela expectativa de simplesmente ser amada.

Aventurei-me a explorar seu corpo com minhas mãos, me surpreendendo em ver que ele também expressava suas reações física e verbalmente. Entretanto, ao invés de amolecer sob o meu toque, eu o senti...

Enrijecer.

Não nos lugares certos, eu quero dizer.

A tensão encontrava-se em todo o seu corpo.

Eu tinha a impressão de que isso não era algo bom.

— Matt — chamei, olhando-o bem no fundo dos olhos. O tom brilhante oscilou. — Me diz... Qual é o problema...? Acho que estou ficando cansada de perguntar e sentir que estou o pressionando.

— N-nenhum problema. Por que acha que há algum problema?

— Você acabou de gaguejar. E só faz isso nervoso.

Ele gargalhou, sentando-se na ponta da cama. Permaneci de pé em frente a ele, e suas mãos continuaram fixadas na minha cintura. A diferença é que agora sua cabeça encontrava-se na altura da minha barriga, o que me deixava com a sensação de estômago embrulhado. Esse, sim, num bom sentido.

Num ótimo sentido, eu esperava.

— Ora, Cecilia, é muito pretensioso da sua parte supor que você sabe como estou me sentindo só pelo modo como estou falando.

Era nítido que ele estava brincando, mas algo naquela frase fez com que eu ficasse um pouco acuada. Dessa vez não precisei supor nada, pois com a mesma nitidez Matthew reparou a mudança de expressão. Com um suspiro exasperado, ele acrescentou:

— Desculpe... Eu não quis ser grosseiro. É só que pode ser anticlimático. Como eu disse, eu... Não quero te decepcionar.

Segurei seu rosto com o máximo de afeto que consegui acumular no gesto. As pupilas dele dilataram pela segunda vez no dia, mas aquela vez não ia pela vertente do desejo. Parecia mais...

Angústia.

Ah, meu Deus.

Eu estava fazendo tudo errado.

— Ache brega o quanto quiser, mas você só me decepciona em não ter nada que seja decepcionante, Matthew Carpenter. Parece até que eu inventei você.

E então ele riu fraco. O que veio em seguida me pegou completamente desprevenido.

— Justamente por isso que tenho tanto receio de você não achar tudo isso, Ceci. Eu não sou perfeito.

— Nunca quis que você fosse perfeito — repliquei com gentileza. — Isso é irreal, Matt...

— E-eu... Não estou me referindo ao interior, Ceci...

Permaneci observando-o, tentando conectar um ponto ao outro. Assim que minha ficha caiu, sentei-me em seu colo e passei as pernas ao redor da sua cintura. Matthew limpou a garganta, me auxiliando no conforto. Mesmo com tanta tensão, ele ainda se preocupou em me demonstrar afeto. Como eu poderia não o amar?

— Está me dizendo que não se acha atraente...?

— Estou dizendo que eu não sou atraente.

— E por isso pediu para eu fechar as cortinas — associei, sentindo o coração apertar dentro do peito. — Ah, Matt, eu sinto muito... Sempre se sentiu assim?

Ele assentiu com a cabeça, apoiando-o em meu ombro. Aproveitei o momento para acariciar seus cabelos, julgando necessário. Eu podia não ser a femme fatale que eu gostaria, mas podia usar o meu eu doce para alguma coisa útil.

— Você acha que... Alguém disse ou fez algo que agravou o modo como você se vê? — perguntei recostando meu queixo no amontoado de cabelos rebeldes. — Ou é algo que vai estar pra sempre irreparável?

— Eu não sei — ele murmurou, abafado. — Só... Está lá. Eu... Espero que isso vá embora. Mas... Se não for, ao mesmo tempo, não vou ficar surpreso.

Aquiesci, respirando fundo. Não podia dizer que o entendia, porque não era o caso – certo, eu não me achava uma beldade, mas também não achava que tinha algo de tão horrível no meu corpo ao ponto de não querer que outra pessoa o visse por inteiro. Isso estava totalmente fora da minha zona de conhecimento. O que eu podia fazer era mostrá-lo outro ponto de vista do assunto.

— Quando você ficou com aquelas mulheres, que você me falou no Shed... — comecei, mas senti a garganta se fechar no meio da frase. — Como...?

— Vestido. E bebendo. Só bebendo eu me esquecia de levar isso em conta. Tanto que daquela vez que fui roubado grande parte da culpa foi minha por estar tão alterado ao ponto de não ter força suficiente para levantar e fazer algo a respeito para impedir.

Respirei fundo uma vez mais e pronunciei as palavras que jamais que diria em voz alta:

— Preciso que tire suas roupas, Matthew Carpenter. E vou deixar as luzes acesas.

Antes que ele pudesse protestar, levantei-me de seu colo e caminhei feito uma felina até o interruptor, acendendo uma luz e iluminando o cômodo todo com um tom amarelado. Matt me olhou como se eu estivesse louca, mas quando me viu fechar a porta do quarto e me sentar na ponta oposta da cama, eu acredito que tenha me levado a sério.

— Isso é um pouco constrangedor — ele riu de nervoso, mas passou a camiseta pela cabeça e pendurou-a no mesmo lugar que a que eu tinha atirado para debaixo da cama. — Eu vou ser avaliado, senhorita Lewis?

Fui obrigada a parar alguns segundos. Impossível me manter composta com todas aquelas emoções conflitantes.

— N-não vai não, mas... É que eu também tenho minhas questões com... Relações.

— Ah, tem? — ele estava prestes a desafivelar o cinto, mas parou para me inspecionar. — Digo... Quais...?

Assenti com a cabeça, jogando meu cabelo para trás. Já estava começando a suar. Estávamos nervosos por motivos extremamente distintos, porém me confortava um pouco saber que a vulnerabilidade não era unilateral.

— Você se lembra de quando me perguntou por que é que eu nunca tinha me relacionado com ninguém...? — esperei ele responder, e veio com um aceno positivo. — Bem... Eu sinto... Aliás, eu sentia... Que tinha algo de errado comigo. Hoje em dia é muito natural pessoas se relacionarem sem amarras, cada um age de acordo com o seu coração. Mas... De verdade, essa sempre foi uma questão que me deixava em pânico só de cogitar a ideia.

O cinto já havia sido desafivelado. Pendurado junto à camiseta. E ele continuava ouvindo.

— Eu... Simplesmente não consigo me imaginar dormindo com alguém com quem não tenha uma intimidade prévia. Não parece certo.

— Não há nada de errado em pensar assim — Matt sentou-se na cama para desamarrar os tênis. — É só o seu jeito de pensar. Não é porque é o que vai de encontro à maioria que está errado. É o seu jeito certo.

Meneei a cabeça bastante concentrada em não perder o fio da meada. Era difícil fazer isso com ele tirando uma meia por vez; fiquei me perguntando se a lentidão era para me provocar. Se sim, estava dando muitíssimo certo...

— Cecilia — Matthew chamou a minha atenção. Mais um pouco e eu babaria. — Continue.

— Uhum... Bem, então, ao menos para mim, a atração não vem apenas da beleza física da pessoa. Eu preciso conhecê-la o suficiente. Estimá-la o suficiente. Senão, não funciona. E, você sabe... Não foi por falta de vontade ou de tentativa. Eu sou bastante introspectiva e... B-bem...

— Fica difícil estimar alguém que você não conhece e ao mesmo tempo você se sentiria incomodada por só dormir com alguém com quem já tem certa intimidade e depois só fingir que nada aconteceu — ele completou me pegando completamente desprevenida. Não pude fazer outra coisa além de olhá-la e confirmar seu comentário. Geralmente eu era a mais desenvolta de nós dois, mas naquele dia Matthew estava ganhando de lavada. — Na verdade, eu acho compreensível.

— M-mesmo...?

Matthew assentiu com a cabeça, presenteando-me com mais um de seus sorrisos gentis. Senti o coração ameaçando sair pela boca, mas me mantive firme enquanto ele deslizava as calças para fora das pernas. Bem... De outro lugar, seria suspeito. Enfim. Ele tinha mesmo que ter feito tudo sem quebrar o contato visual? Mais um pouco e eu o deixaria me ter de qualquer jeito...

— Então, a... Atração... Comigo funciona bem antes do físico. Eu me atraio primeiro pelas qualidades da pessoa. O físico c-chama sim a atenção m-mas realmente não é o principal. Só de pensar em saber pouco ou nada sobre alguém antes de ter uma relação com uma pessoa... Me apavora muito mais do que um físico fora de forma.

— Entendi — ele engoliu em seco, se arrumando na cama. — E agora, o que gostaria que eu fizesse?

— Quero que fique bem aí onde está. De preferência em pé. Por favor.

Foi com muita surpresa que consegui pronunciar tudo sem gaguejar. Avanços de todos os lados.

— É um pouco injusto que eu esteja aqui quase como vim ao mundo e você continue vestida — seu tom era zombeteiro, porém consegui sentir sua voz vacilar quando engatinhei até onde ele estava. — N-não acha?

— Um pouco, mas a vida não é justa, de qualquer maneira.

Ele pigarreou enquanto eu lhe dava uma bela olhada. Era bem verdade que seu corpo não se encontrava no padrão “magro e com tanquinho”. Ele era grande e corpulento, e quando se sentava sua barriga formava algumas dobrinhas. Grande em todos os lugares visíveis – seus ombros, seu tórax, suas coxas e glúteos, os músculos sobressalentes. Se ele dissesse que era apenas um artista, eu teria suposto que ele era um escultor, não um pintor.

Matt era simplesmente maravilhoso. Um homem imponente e belíssimo de admirar. Mesmo seu leve sobrepeso não tirava seu encanto – apesar de suspeitar que algumas mulheres pudessem torcer o nariz por isso. Eu estava apaixonada, é claro, isso alterava minha percepção das coisas. Mas saber que ele não tinha noção alguma do quanto era perfeito me cortava o coração.

Seus olhos desviaram-se para o chão, então tive de alcançar seu rosto para redirecionar sua atenção. Com minhas mãos em suas bochechas, sussurrei:

— Eu não vejo nada de horrível em você, Matthew Carpenter.

Seus olhos brilharam, porém eu não soube identificar qual era sua emoção predominante.

Fiquei torcendo para que não estivesse estragando tudo. Jamais me perdoaria se eu fizesse o contrário do que pretendia ou o coagisse a fazer algo que não se sentisse confortável.

— Só diz isso porque eu falei sobre.

— Bem, sim, acredito que talvez eu não fosse dizer isso assim ao acaso. Sou cuidadosa com as minhas palavras. Menos agindo sob pressão. Mas eu tenho cara de quem fala alguma coisa só pra agradar? — sorri me sentindo um tanto ousada. — Com você, especificamente?

Ele estreitou os olhos, sentando-se ao pé da cama. Logo ao meu lado. Quase me desestabilizei quando Matt repousou sua mão em meu joelho, inclinando-se para frente para me dar um beijo sutil no pescoço.

— E que tal se eu disser propositalmente algo que vai te agradar? Não vai projetar uma cara suspeita?

— Gosto dessa ideia — ele sorriu contra minha pele. Como alguém poderia achá-lo pouco atraente quando todas as suas nuances me deixavam de joelhos bambos? — O que é que tem a me dizer?

Minha voz saiu estranhamente rouca quando pronunciei o desejo do meu corpo e do meu coração.

— E que tal um beijo, Matt?

Ele afastou os cabelos do meu pescoço. Seus dedos estavam em chamas. E eu suspeitava que a minha própria pele não estivesse muito melhor.

— Onde gostaria de receber seu beijo, Cecilia?

Abri um sorriso, passeando meus dedos por suas costas. Seus pelos se eriçaram, e eu tenho de confessar que esse foi o momento em que me senti a verdadeira musa inspiradora. Pisando na linha tênue da doçura e da ousadia que jamais ousei aproximar. Sussurrei próximo ao seu ouvido:

— E que tal em todos os lugares?

E, apesar de ele ter rido, posso afirmar que ele fez exatamente conforme o pedido.

Eu podia muito bem postergar o coração quebrado por mais alguns dias. Por ora, meu coração estava mais empenhado em fazer o dele sentir-se valorizado e amado. Eu era assim, o que podia fazer?

Se fosse para deixá-lo ir, eu o faria se lembrar de mim do melhor modo possível.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Inventei Você?" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.