I ain’t lonely (i’m long lost) escrita por Martell


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Sempre correndo contra o tempo, mas aqui estamos com uma nova fic, uma short bem bonitinha para o November Hinny.

Não foi betado, então qualquer erro podem comentar ai, boa leitura!



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[out in the night all alone]

A primeira vez que o viu, Ginny achou que estava alucinando – não que estivesse em condições de notar o que era real.

Tinha apenas sete anos e os seus irmãos, todos mais velhos, a proibiram de jogar quadribol com eles por “ser uma menina”, o que era estúpido já que isso em nada a impedia de voar em uma vassoura – era muito melhor do que Ron ou Percy, mesmo só podendo praticar a noite, escondida do resto de sua família.

Bem, de quase toda, pois Bill a ensinara a abrir o armário de vassouras quando tinha seis anos com magia acidental e Charlie a supervisionava nos verões enquanto voava clandestinamente. Desconfiava que o seu pai também sabia, mas fora de Arthur Weasley que os gêmeos haviam herdado a propensão a se meter em problemas, então ele jamais a entregaria para a sua mãe – a menos que acontecesse algo muito sério.

E Ginny voava muito bem, sabia disso, e não costumava cometer erros sérios, pois se o fizesse Bill e Charlie se juntariam aos outros e não teria chance de escapar antes dos dois voltarem para Hogwarts – ou de Bill ir para o Egito estudar com os goblins.

Mas dessa vez o seu erro havia beirado ao fatal – estava sangrando na grama alta dos arredores da Toca, pedaços de madeira jogados ao seu redor e a perfurando dolorosamente. As lágrimas escorriam por seu rosto, mas não tinha energia o suficiente para emitir um som, para chamar por ajuda – e Charlie, que sempre a acompanhava, havia decidido dormir na casa do namorado essa noite, então ninguém a iria socorrer.

Foi então que o viu, uma miragem a luz forte da lua. Um garoto magrelo em roupas largas demais, parecendo não muito mais velho do que Ginny, tão pálido que era quase translúcido. A brisa não movia seus cabelos bagunçados, a grama não se movia sob seus pés que o levavam em sua direção, seus passos não faziam som.

Até mesmo a natureza parecia se calar diante da estranheza de sua presença, a respiração fraca de Ginny quebrando o silêncio ensurdecedor que permeava os seus últimos momentos – era impossível que sobrevivesse um acidente dessa proporção sem ajuda e esse garotinho não fazia nada além de encará-la, como se ela fosse a anomalia.

— Você está morrendo, – disse, voz aguda e infantil, inclinando a cabeça como um gato diante de um objeto curioso.

Ginny apenas respirou fundo, incapaz de falar. O encarou em súplica, sem saber o que uma criança poderia fazer além de correr para chamar os adultos, mesmo que jamais fosse chegar a tempo.

— Você não merece estar sozinha quando ela chegar, – continuou, balançando a cabeça em afirmação e sentando ao lado da figura caída que era a garota, – eu vou ficar aqui com você, não vai demorar muito, okay?

E se deitou na grama junto a Ginny, o sangue que se espalhava não o tocando. Seus olhos se cruzaram e notou que preto dominava a maior parte de sua visão, a impedindo de discernir algo além do fato de que o garoto usava um óculos remendado com fita. Sentiu uma mão pequena tocar a sua e logo estavam de mãos dadas na grama, ambos pacificamente esperando o inevitável.

Mas este nunca veio –  as feridas de Ginny começaram a se fechar uma a uma, a madeira que a atravessava dissolvendo-se em nada, o sangue que a cobria evaporando como se nunca tivesse existido. Eu devo estar sonhando, pensou, eu devo ter caído no sono antes de sair e sonhei com esse acidente terrível. Mas a vassoura continuava quebrada ao seu redor, a brisa gélida jogava a grama em sua cara sem parar e Ginny nunca sonharia com esse garotinho transparente que segurava a sua mão e a encarava como se fosse um evento milagroso. 

— Obrigada por não me deixar sozinha, – falou, apertando a mão congelante na sua, –  eu sou Ginny.

— Eu sou Harry, – respondeu com um sorriso, – e algo me diz que você nunca mais ficará sozinha.

No outro dia, Ginny acordou no chão úmido, o sol forte do verão irritando os seus olhos. Ao seu lado, a vassoura velha intacta. E, a observando a alguns metros de distância, Harry, com o mesmo sorriso fraco, sua figura oscilando dentro e fora da existência.

 

[i ain’t lonely, are you?]

Em poucos dias ficou claro que apenas Ginny conseguia enxergar o garoto, que rapidamente virou o seu melhor amigo.

Ignorava os olhares preocupados de sua mãe e os sussurros que vinham do quarto dos pais, que insistiam que ela era velha demais para ter amigos imaginários – que algo poderia estar errado com Ginny e Arthur a estava mimando, como sempre, em vez de fazer algo para controlar a imaginação desregrada da menina.

Mas Harry era real, ou tão real quanto uma figura semi fantasmagórica poderia ser. Desde a noite em que se conheceram, ele continuava surgindo em momentos inesperados, a ajudando em certas situações ou apenas a distraindo quando estava brava com os seus irmãos – enxugando suas lágrimas a noite, quando sabia que pedir um casaco novo aos seus pais seria egoísta, mas cansada de ouvir as risadinhas dos outros por estar usando o velho de Fred ou George.

Boa parte de suas conversas giravam ao redor de Ginny, pois ele não sabia muito sobre si mesmo – o seu nome era Harry, disso tinha certeza, e deveria ter oito anos, mesmo que ninguém nunca celebrasse seu aniversário, não lembrava quem eram os seus pais, só que diziam que eram bêbados e irresponsáveis, e que estava tudo bem ficar com a amiga o dia todo, porque nunca havia tido amigos antes e ninguém sentiria a sua falta.

Apesar de ser algo triste, estava satisfeita em ser a primeira amiga de Harry, jurando para si mesma e para o garoto que seria a melhor amiga no mundo inteirinho e que nada, nunca, iria os separar. E de toda forma, com uma amiga como Ginny, porque ele iria querer ter outros amigos?

Da mesma forma, ela não precisava mais de outras pessoas quando tinha Harry sempre a seu lado. Isso era o que preocupava a sua mãe, sabia, porque havia ignorado Luna as duas vezes que se viram desde que conhecera o seu melhor amigo, mas não tinha culpa se todos haviam se tornado menos interessantes de repente. Não conseguia explicar o porquê, apenas acontecera – um dia, olhou para Harry, que se tornava cada vez mais sólido, e percebeu que nele estava tudo o que queria em uma pessoa, mesmo que suas necessidades como uma criança de sete anos fossem resumidas a ter uma companhia constante que a entendesse, a protegesse e a distraísse.

— Você nunca vai me deixar sozinha, certo? – perguntou, enquanto brincava com a boneca Bill a presenteara em seu aniversário. Havia completado oito anos a alguns dias e, secretamente, achava que a existência de Harry era o seu presente.

— Eu acho que não, – disse de seu canto no chão, tentando pegar uma das outras bonecas mais velhas sem sucesso, – eu nem sei como eu estou aqui, Ginny.

— Mas você me prometeu que nunca iria embora, – insistiu, o encarando firmemente os olhos que se solidificavam mais a cada dia em um verde brilhante.

— E não vou, – Harry respondeu, ainda concentrado em sua tarefa, – não se depender de mim.

— Bom mesmo.

Voltaram a ficar em silêncio, apenas brincando com suas respectivas bonecas sem atrapalhar um ao outro. Ginny não costumava gostar de bonecas, às achando desinteressantes e frágeis, mas Harry dissera que nunca havia brincado antes, então decidira que a única coisa que poderia fazer era se juntar a ele nessa nova descoberta.

— Você já pensou que sua mãe deve estar certa e eu ser só coisa da sua cabeça? – Harry perguntou, a confundindo ligeiramente. Às vezes ele falava como se fosse mais velho, fazendo perguntas complicadas que nenhum dos dois sabiam como responder.

— Não, eu não acho que seja, – deu de ombros, largando o brinquedo e deitando no seu tapete, olhando para o teto. 

— Mas e seu eu for? – Continuou, aparentemente largando a sua própria boneca e deitando-se ao lado de Ginny, – e se você apenas parar de pensar em mim e eu sumir?

— Você não vai sumir, você prometeu, – o lembrou, ficando incomodada com o rumo da conversa e querendo o arrastar para o jardim, longe dos olhares da mãe que o estavam deixando confuso.

— Se eu for uma coisa da sua cabeça e eu sumir, Ginny, não vai ser minha falta, – comentou, a lançando um olhar de canto, – eu não sei de muita coisa, mas sei que eu nunca quebro as minhas promessas.

— Então eu nunca vou parar de pensar em você, simples. Ficaremos juntos para sempre.

Virou a cabeça para olhar o amigo, seus cabelos bagunçados e óculos quebrados, a magreza não natural em seu rosto, os círculos escuros debaixo de seus olhos marcantes. Sabia que Harry era real, porque se fosse o imaginar nunca o teria feito tão frágil.

 

[I've got a place in the world]

— Você fica solitária quando seus irmão não estão aqui, – comentou Harry, enquanto tentava passar as mãos pelas asas da fantasia de Ginny.

Era Halloween e a pequena comunidade mágica de Ottery St Catchpole havia decidido fazer uma comemoração temática, em homenagem a alguma data importante que caia no dia e para dar às crianças uma oportunidade de se fantasiar e comer doces variados. Dos Weasley, apenas Ron e Ginny estavam fora de Hogwarts, assim como Luna Lovegood e Melissa Fawcett – mesmo que a garotinha tivesse apenas quatro anos, pequena demais para participar das brincadeiras das crianças mais velhas.

— Não fico não, – respondeu, enquanto o deixava explorar o trabalho de sua mãe. 

A cada dia os toques de Harry ficavam mais firmes e acreditava que logo poderia senti-lo. Estava ansiosa para o dia em que o ensinaria a voar em uma vassoura, para que finalmente compreendesse o porquê de Ginny continuar insistindo em voar após o seu acidente.

— Você não pode mentir para mim, lembra? – desistindo de seu trabalho, Harry sentou de pernas cruzadas no chão. Ginny havia subido para seu quarto assim que fora possível, cansada de fingir que não via o seu amigo e sem paciência para explicar a Ron com quem estava falando.

— Eu tenho você agora, não tenho? Não me sinto sozinha.

— Bem, mas você se sente sim, – contrariou o garoto, cruzando os braços, – acho que você prefere os seus irmãos.

— Claro que não! Você é meu preferido, Harry, – foi rápida em negar, aplacando o amigo, que apenas lançou um sorriso trêmulo em sua direção.

Era estranho estar tão certa sobre preferir Harry, já que o conhecia apenas por alguns meses – desde junho e agora era final de outubro e Merlin, não lembrava da sua vida antes de conhecê-lo. Sabia que algo não fazia sentido em toda a situação, porém estava determinada a deixar de lado as suspeitas até ter certeza de que o garoto não sumiria de sua vida.

Ignorando a conversa esquisita que haviam tido, começou a contar tudo o que havia feito na festa, todos os doces que comera, sobre o vestido amarelo horrível da Sra. Diggory e o quanto adorava a torta de framboesa da Sra. Lovegood. Harry, por algum motivo, não gostava de ficar muito perto de Pandora e havia sumido da comemoração assim que possível – e quando Ginny perguntara para onde ele ia nesses momentos, respondia simplesmente que não sabia. Harry não sabia de muitas coisas.

— Esse ano foi chato, porque Ron não gosta de Luna e Melissa é tão pequena, mas pelo menos eu tenho você, – concluiu séria, antes de sorrir e mostrar a língua para Harry.

— Então você gosta do Halloween normalmente?

— É, mais ou menos, antes o papai levava a gente para pedir doces, mas os gêmeos sempre atrapalhavam e ele parou, – cruzou os braços e fez biquinho, pensando em todas as oportunidades de doces que perdera por causa dos irmãos, – e a mamãe sempre fica muito quieta no Halloween e quando eu pergunto ela diz que é “em respeito”, mas nunca para quem é esse respeito. Ela me trata como uma criança.

— Você é uma criança, – Harry apontou.

— Você também é, estupido, – respondeu chateada e o amigo apenas riu.

— Eu sou, sim, – sorriu tristemente, – ou eu acho que sou. Não sei. Parece que estou crescendo agora, isso não é estranho?

— Por que seria estranho? – perguntou, sem saber como haviam parado novamente em uma conversa que não entendia completamente o significado.

— Não sei… 

— Você nunca sabe de nada, Harry, – Ginny reclamou, insensivelmente, frustrada demais para ligar se o amigo estava magoado com o que dissera.

— Eu sei que eu não gosto do Halloween, – retrucou, petulante, – e eu sei matemática também.

— Por que você não gosta do Halloween?

— Algo sempre acontece nesse dia, – respondeu, olhando para o nada, talvez tentando entender os próprios pensamentos, – e normalmente nada que acontece é bom.

Ginny ficou em silêncio, encarando o melhor amigo. As vezes Harry parecia distante, como se fosse desaparecer a qualquer momento, muito além da sua possível existência como uma entidade mágica. Era como se ele não pertencesse a esse mundo, mas não conseguia imaginar um universo em que Harry não estivesse ao seu lado.

— Então eu prometo que vou fazer todos os Halloween 's serem felizes! – Exclamou subitamente, fazendo o olhar de Harry cair sobre si.

— Você não pode me prometer isso, Ginny.

— Claro que posso! – Respondeu, levantando o dedo mindinho na frente do rosto dele, que o olhou confuso. Ginny revirou os olhos, – é uma promessa, estupido, vamos, só colocar o seu dedo no meu.

E quando Harry, hesitante, tocou o seu mindinho no de Ginny ambos soltaram um suspiro chocado, porque finalmente conseguiu sentir o toque do garoto pela primeira vez.

Harry estava certo, algo sempre acontecia no Halloween e Ginny estava determinada a provar que conseguiria manter a sua promessa.

 

[lay me in the tall-grown grass in a shallow grave]

Era o equinócio de primavera e algo estava errado com Harry.

Ginny não entendia muito bem sobre os antigos rituais, porque a sua mãe abominava qualquer coisa relacionada, mas Bill havia passado por uma fase em que ficara obcecado por magia ritualística e os Sabbats, mesmo que nenhum bruxo decente os praticasse. Por isso, sabia vagamente que era uma data importante e que afetava a magia, mas não esperava que fosse afetar Harry.

O amigo estava oscilando entre sumir completamente e ficar completamente sólido, podendo tocar em Ginny com facilidade. Pela primeira vez conseguiu observar a aparência exata de Harry, com seus olhos exaustos e suas mãos calejadas – que segundo ele eram de segurar uma vassoura, mas não como as de Ginny eram pelo mesmo motivo e se recusou a elaborar quando havia perguntado mais.

Além disso, estava agitado e isso acabava por afetar os objetos ao seu redor. Era como se o quarto de Ginny estivesse sendo assombrado, com seus brinquedos flutuando de tempos em tempos, a sua escova de cabelo batendo no vidro da penteadeira, a cortina da janela se movimentando mesmo com esta fechada.

Estava cansada de vê-lo caminhar de um lado para outro e segurar a sua respiração por segundos até Harry ficar visível novamente – temia que ele fosse sumir de vez, a deixar como havia prometido que nunca o faria.

— Algo vai acontecer, Gin, – murmurou finalmente, parando em frente a cama de Ginny, onde estava sentada desde que Harry a proibira de pisar no jardim, – e eu provavelmente vou desaparecer por um tempo.

— Como assim desaparecer?! – Exclamou, seus medos se concretizando na sua frente.

— Eu não sei, eu juro que não sei, – respondeu, passando a mão por seus cabelos, – mas algo vai acontecer, Ginny, e eu não posso estar aqui.

— Por quê?

— Por que ninguém merece estar sozinho.

E Harry sumiu diante de seus olhos, como se nunca tivesse estado ali em primeiro lugar.

Tentou acalmar a respiração, pânico a consumindo – Harry havia dito que era temporário e, de toda forma, porque dependia tanto de uma pessoa que mal conhecia? 

Mas isso não era verdade: a essa altura, quase um ano havia se passado e conhecia Harry tanto quanto ele se conhecia, o que não era muito, considerando que o amigo parecia recuperar pequenos pedaços de si a cada dia, como o fato de seus tios não gostarem dele e que lembrava vagamente de sonhar com motocicletas.

Ia completar nove anos e sabia que não era exatamente normal ter um melhor amigo que ninguém conseguia ver ou ouvir, muito menos depender tão firmemente dele que a mera ideia de não o ver por algumas horas levava lágrimas aos seus olhos de imediato. Ginny não era burra, longe disso, mas normal ou não ela jamais desistiria de Harry, com suas roupas largas demais e sua teimosia – eram melhores amigos e melhores amigos não se abandonavam.

Estava inquieta e preocupada, queria correr para o jardim e ir até o canto em que havia conhecido Harry, certa de que ele a estaria a esperando – mas o pedido de que permanecesse em seu quarto a paralisava, com medo de colocar o amigo em risco de alguma maneira, com o medo irracional de sair e não conseguir encontrar o caminho de volta. Poderia chamar Ron e insistir que brincasse com ela, mas sentia que estava a quilômetros de distância da família nos últimos tempos, preocupada com outras coisas.

E então Harry apareceu, trêmulo e pálido e sólido ao toque e Ginny o puxou para os seus braços, necessitando o consolar mesmo sem saber como.

— Você fez o que tinha que fazer? – Perguntou em voz baixa, sem jeito, sem entender o que deveria fazer para apagar o terror dos olhos verdes.

— Eu cometi um erro, Ginny, – respondeu, – não sei como, mas sei que foi algo que eu fiz.

— Como pode ter certeza?

— Você pode me tocar agora, não pode? – perguntou baixinho, – você pode me tocar completamente, não apenas a sensação de toque como antes.

— Eu não estou entendendo, – e era verdade, havia assumido que já o estava tocando antes.

— Ginny, você sabe que dia é hoje?

— 20 de março, – respondeu confusa, – o que isso tem com poder te tocar ou não?

— Hoje é um equinócio, o dia de deixar o inverno para trás, – começou a explicar, a voz ainda trêmula, – eu não sei como eu sei disso, mas hoje é um dia de energia e muita gente tenta canalizar essa energia.

— Certo, – acenou com a cabeça, tentando juntar as peças, – e você fez o quê? Pegou essa energia?

— Não de propósito, – continuou, – você tem que entender que até isso, você, eu achava que magia não era real, sabe? Sempre disseram que era coisa de gente doida, mas aparentemente eu sou um ser mágico e eu acabei de pegar a energia de um ritual que não era meu.

— Mas a mamãe diz que ninguém mais faz rituais, – Ginny interrompeu, ficando ainda mais confusa e levemente irritada, – apenas bruxos das trevas do pior tipo tentam usar esse tipo de magia.

— A mãe da sua amiga tentou, Ginny, eu não sei o que ela pretendia fazer, mas algo deu errado e eu sabia, eu sabia que algo ia acontecer, – respondeu Harry, se desvencilhando dos braços da amiga, – a energia que ela estava canalizando… algo deu errado.

— A Sra. Lovegood? Mas ela está bem?

— Oh, Ginny… Algo deu errado, entende? – Harry sussurrou, segurando as suas mãos, – mas ela não estava sozinha.

— Luna?! 

— Ela está bem, sua amiga está bem, – assegurou, apertando as mãos de Ginny uma, duas vezes, – eu peguei a energia restante e nada aconteceu.

— Ah meu Merlin, a Sra. Lovegood…

— Eu sinto muito, Ginny, eu sinto muito.

Lágrimas começaram a descer por seu rosto sem a sua permissão, pensando no sorriso bondoso da mãe de Luna e de como ela sempre escutava as teorias loucas do marido com paciência, enquanto lançava piscadelas conspiratórias para a filha e para Ginny. Pensou nas coroas de flores que costumava fazer no natal e que sempre levava para os Weasley, mesmo que a maioria dos seus irmãos achassem bobo. 

Pensou em Luna, em como ela amava a mãe, em como ela deve ter se sentido vendo Pandora…

— Mas você estava com ela, certo? – Perguntou, precisando saber da resposta, – com a Sra. Lovegood?

— Sim, eu estava, – Harry respondeu, cansado, o mesmo sorriso fraco e derrotado que usara naquela noite, meses atrás, – ninguém merece estar sozinho, não é verdade?

 

[Let it wash over me like a flood, let it ease my pain]

 

— Eu nunca comemorei o natal, – Harry comentou enquanto a ajudava a pendurar pequenos enfeites em seu quarto, – eu sei que minha família costumava, mas não comigo.

— E o que você fazia no natal? – Ginny, controlando-se para não abraçar o amigo, perguntou fingindo apatia.

— O que eu fazia? – Ele riu sem humor e balançou os braços, como se não soubesse o que fazer com o próprio corpo. – Eu fechava os olhos e desejava com todas as minhas forças que alguém me tirasse daquela casa.

— E alguém te tirou?

— Não sei, mas é provável que não.

Ficou em silêncio, processando o que o amigo dissera. A família dele, pelo que conseguia se lembrar, era terrível e o machucava de inúmeras maneiras – não que Harry explicitamente falasse alguma coisa, mas Ginny não era burra, era claro que o que faziam não era normal e por algum motivo ele achava que merecia esse tipo de tratamento.

Muita coisa havia mudado desde o fatídico equinócio que culminara com a morte de Pandora Lovegood: Ginny aprendeu que Harry não gostava de contato físico e não apenas não conseguia o manter como achava antes, enquanto ela era uma pessoa extremamente tátil, consequência de crescer em uma grande família amorosa. O amigo também parecia ter uma ideia negativa de si mesmo, como se Ginny fosse deixar de brincar com ele por não entender um jogo imediatamente.

Harry havia começado a se lembrar de pequenos detalhes de sua vida, coisas simples como o fato de gostar de jardinagem e ter medo de cachorros pequenos – e apenas dos pequenos, pois adorava cachorros grandes e não sabia exatamente o porquê. Gostava de gatos, mas não de muitos ao mesmo tempo, e não lembrava qual era a sua cor preferida, mas odiava cinza. Segundo ele, a sua nova cor preferida era laranja.

Achava que seu aniversário era no verão, mas não sabia se era antes ou depois do de Ginny, mas estava certo de que era um ano mais velho do que ela, mesmo que fosse mais baixo, magro e delicado. Seu cabelo sempre fora impossível de controlar e ele detestava as roupas folgadas que usava, mesmo que tivesse sido congelado no tempo com elas. Sabia, também, que nunca tivera a chance de ser uma criança antes, não verdadeiramente.

Mas agora estavam criando juntos novas memórias: Ginny ensinando todos os jogos que gostava, o arrastando para os seus lugares favoritos, lendo os livros encostados nas estantes pela casa, brincando de tudo o que ele tinha interesse, explorando todos os locais que nem mesmo conhecia. 

Iam para a vila junto com os seus pais e Ginny discretamente apontava tudo o que achava interessante, Harry a explicando como certas coisas do mundo trouxa funcionavam – porque ele não havia vivido no mundo bruxo antes, nem mesmo sabia que existia para além da tranquilidade da casa dos Weasley. 

Com a energia que havia ganhado, passara a afetar parcialmente o mundo externo, podendo mexer e segurar objetos por tempo limitado, mas usando a maior parte deste para segurar a mão de Ginny. Um ano havia se passado e poderia dizer que estavam mais próximos do que nunca.

Porém, em momentos como esse, em que ele lembrava do que não tivera, Ginny desejava ter o conhecido antes – antes do quê não sabia exatamente, mas era provável que se referisse a um antes dele ter todas essas memórias de momentos infelizes. Odiava pensar em Harry encolhido em uma cama, de olhos fechados e desejando, desejando com tudo o que tinha, que alguém o encontrasse e o levasse de sua casa, para longe de pessoas que o destratavam.

— Mas você está aqui agora, – forçou-se a dizer, tentando não o deixar mal por reagir exageradamente, – e teremos o melhor natal do mundo!

— E por que seria o melhor natal?

— Porque estamos juntos, estúpido, – revirou os olhos da forma que vira Percy fazer quando os gêmeos aprontavam alguma coisa, – e por isso vai ser o melhor.

— Mas e o próximo natal? – Harry perguntou, agora sorrindo, os óculos levemente tortos em seu rosto.

— O que é que tem?

— Nós vamos estar juntos também, certo? Então não seria o próximo o melhor?

— Você é meio lentinho, Harry, – revirou os olhos de novo e colocou as mãos na cintura, – todos os natais vão ser os melhores desde que você esteja aqui.

Harry apenas sorriu, ficando levemente vermelho e passando a mão pela bagunça que chamava de cabelo, voltando a pendurar os enfeites de Ginny. Normalmente não decoraria o seu quarto, era algo bobo de se fazer, mas com o amigo podendo interagir apenas com ela achou justo que ele tivesse um espaço natalino só seu – bem, seu e de Ginny, mas não o vira reclamando.

— Está pronto para o melhor natal de todos? – O cutucou no ombro continuamente, até ele desistir de segurar a solidez de sua figura e simplesmente deixar o dedo de Ginny passar por ele.

— Sim, Ginny, agora vai terminar de decorar a sua penteadeira.

 

[out in the night all alone in the way out there]

Apenas após meses implorando, Harry havia concordado em aprender a voar em uma vassoura com a ajuda de Ginny – uma relutância justificada, mas frustrante de qualquer maneira.

Deu-se conta, enquanto caminhavam para o meio das árvores que cercavam a Toca, de que fazia dois anos que quase morrera em um acidente, sozinha, no frio e desesperada, até Harry chegar. Ele havia a salvado de alguma forma, mesmo que nenhum deles soubesse o que acontecera naquela noite – um milagre, um feito de magia que ambos não tinham conhecimento o suficiente para explicar.

O ver voar era algo que desejara desde o começo – porque voar era a paixão de Ginny, a conectava com uma parte de si que pouco explorava e queria que Harry a conhecesse completamente, por algum motivo. Era apenas justo, racionalizava, já que estavam descobrindo quem ele era juntos.

Estavam parados, Harry sentado na grama a vendo pairar baixinho na vassoura velha, a lua servindo como a única fonte de luz disponível, dando um ar fantasmagórico ao garoto, com sua palidez não natural e olhos brilhantes. Era pacífico, como costumava ser nos momentos em que estava apenas com Harry.

— Hoje é meu aniversário, eu acho, – ele falou subitamente, – ou vai ser. Não tenho certeza.

— Já passou da meia-noite, é dia 31, – Ginny comentou, pousando e indo sentar ao lado dele, – então pode já ter passado.

— Não, não, hoje é meu aniversário, – afirmou, mais tranquilo em sua certeza, – eu acho… que eu ganhei um bolo, muito tempo atrás.

— Há muito tempo?

 – Sim, eu estava fazendo 11 anos, eu acho, e estava frio e tinha um bolo, – deu de ombros, puxando pedaços da grama enquanto pensava.

— Você está fazendo 11 anos agora e está frio, então dá quase no mesmo, – Ginny respondeu, esbarrando seu ombro no dele.

— Mas não temos um bolo.

— Você não poderia comer de qualquer forma.

Com isso ele fez uma careta, decepcionado em sua incapacidade de fazer uma atividade humana simples como comer. Harry não gostava de ser lembrado do seu status como possível criatura ou criação mágica, mas pelo menos ambos estavam convencidos que não era fruto da imaginação de Ginny – já que tinha uma história por trás de quem ele era, algo que ia muito além de uma garotinha desesperada por atenção.

Mas ficava triste por não poder dar ao amigo o que ele necessitava, mesmo sem saber o que era. Como poderia dar vida a um ser que nem mesmo sabia o que era? Harry tinha pensamentos e sentimentos e uma forma, ao mesmo tempo em que flutuava no espaço invisível e intocável. Era claro que ele estava envelhecendo, ao mesmo tempo que parecia ter surgido em reação ao desespero de Ginny, fruto da sua vontade de viver e não estar sozinha.

— Você não vai me fazer outra promessa impossível? – Harry perguntou, encostando o ombro no de Ginny, permitindo-se esse pequeno contato.

— Do que você está falando?

— Mais uma promessa, como fazer de todos os meus natais os melhores ou algo absurdo desse tipo, – continuou sem a olhar, arrancando a grama do chão violentamente.

— Essas promessas não são impossíveis, Harry, – respondeu contrariada, – desde que eu esteja com você, todos os meus natais e Halloweens e equinócios e solstícios, tudo vai ser maravilhoso. Mas um bolo? É isso o que você quer?

— Então o seu limite são aniversários? – E dessa vez sabia que ele estava brincando, mas mesmo assim revirou os olhos, irritada.

— Eu posso fazer muito por você, Harry, mas eu nem sei o quê você é, – era difícil admitir a derrota, mas era a verdade. Como poderia ajudá-lo com algo do tipo? – Eu prometo estar com você para sempre, porque você é o meu melhor amigo, e fazer todas as suas datas especiais as melhores, mas eu não posso te transformar em gente.

— E quem disse que eu não sou gente? – Retrucou, ainda sorrindo, divertindo-se com a confusão que havia causado.

Odiava esses momentos em que Harry inesperadamente parecia muito mais velho do que os 11 anos que clamava ter. Porque ele se tornava uma figura distante, cheia de conhecimentos que Ginny, prestes a completar 10 anos, jamais teria – porque ele parecia já ter vivido uma vida inteira, com experiências e memórias e uma identidade que em nada diziam respeito a ela, enquanto via-se a cada dia mais moldada ao redor dele, crescendo junto a ele.

Não conseguia imaginar que anos atrás existia uma versão de si própria que não habitava a mesma constelação que Harry.

— Então o que você é? – Perguntou, apenas ligeiramente interessada na resposta que daria, porque Harry normalmente não sabia de nada sobre si mesmo, muito menos sobre o que era.

— Eu… Eu sou Harry Potter e eu sou um bruxo, – respondeu em um momento de epifania repentina, – ou pelo menos eu era.

— Harry Potter? 

— Isso… meus pais… bem, não importa, Weasley, – levantou-se abruptamente, um sorriso desconfortável em seu rosto, – você me arrastou até aqui para me ensinar a voar, não para conversinhas. Ou está com medo que eu fique melhor que você?

— Ah, Potter, vamos ver se fica tão engraçadinho em cima da vassoura.

Harry Potter, hum? Por que esse nome era tão familiar?


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Notas finais do capítulo

Aceito críticas, comentários, sugestões, podem ficar a vontade, até a próxima!



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