A fada que o escreva escrita por Creeper
Notas iniciais do capítulo
Yo! Boa madrugada!
Desculpa por não ter respondido os comentários, essa semana foi corrida, mas logo estarei respondendo ♥
Tenham uma boa leitura.
Amy me levou para a sala de estar, colocou-me sentado no sofá enquanto eu soltava diversos soluços e voltou tempo depois com uma bandeja de chá e alguns biscoitos.
— Isso vai te acalmar. – ela entregou-me uma xícara e passou a mão por minha cabeça.
Funguei, enxuguei as lágrimas e dei um grande gole. Era quente e doce no começo, mas podia senti-lo amargar na garganta.
— O que é isso? – engoli em seco.
— Uma receita especial. – Amy apertou minha bochecha. – Vou servir um pouco também para os outros empregados, é bom para aliviar o estresse.
Pisquei os olhos lentamente, ficando cansado de repente. As formas ao meu redor tornaram-se embaçadas e minha pele formigou.
— Amy, isso não é bom. – balbuciei e estendi a mão, porém, não tive forças para tocar a governanta.
— Fique aqui e descanse, eu irei conversar com o Sr. Vulpecula. – ela afofou as almofadas, recolheu a bandeja e abandonou-me.
Exausto, deixei o peso da cabeça repousar no sofá e encolhi as pernas ao ser tomado por uma sequência de calafrios. Meu último pensamento antes de cair em um sono profundo foi de que Dante estava em perigo.
***
Trovão.
Acordei assustado em um sobressalto que fez minha vista ficar turva. Meu coração estava acelerado como se tivesse acabado de ter um pesadelo e eu suava tanto que as roupas se grudavam ao corpo.
Cobri a boca com a mão, curvei-me e fechei os olhos por um instante, apenas para colocar os pensamentos no lugar. Impossível, minha cabeça continuava a girar.
Havia um som vindo do lado de fora. Encarei a grande janela da sala sem entender o que estava acontecendo e vislumbrei as gotículas de água escorrendo pelo vidro, acompanhadas de um céu negro e alguns relâmpagos.
Encolhi os ombros e engoli em seco. O belo dia havia se esvaído.
A casa se encontrava em um silêncio mortal, não havia sinal de sequer um empregado e muito menos de Amy. Meu estômago revirou-se de pavor, apesar disso, minhas pernas trêmulas moveram-se sozinhas, guiando-me para o jardim, pois eu sabia que tinha de ir para lá.
Os pingos da chuva cortaram minha pele e a escuridão me confundiu quanto a que parte do dia estávamos e por quanto tempo dormi. Afastei os cabelos molhados do rosto, mordi o lábio inferior e corri para a estátua de anjo com a respiração descompassada.
Inspirei e expirei por alguns segundos, encolhendo-me e fechando os olhos a cada trovão.
Olhei para trás uma última vez, sem saber exatamente o que procurava. Talvez esperasse ver a carruagem de papai, os gêmeos, algum empregado ou até mesmo Dante e Amy escondidos debaixo de uma árvore tomando chá.
Mas nada daquilo aconteceria. Eu estava completamente sozinho. Era eu e o túnel onde a água corria monstruosamente pelos degraus.
Respirei fundo e recorri ao meu colar de cristal luminoso, segurando-o com a mão que tanto tremia.
Minha luz misturou-se a outra. A porta misteriosa estava aberta, deixando exposto o corredor iluminado por tochas que guardou por todo aquele tempo. Uma corrente de ar bateu em meu rosto e eu me obriguei a continuar em frente.
O corredor levava a uma enorme sala subterrânea cujo cheiro azedo fazia minhas narinas e olhos arderem. Não era uma entrada interna para a casa e nem se parecia com um porão.
O chão de pedra era irregular, cheio de elevações e riscos que formavam círculos, milhares de círculos com símbolos que tremeluziam debaixo da umidade.
— Suichiro! – alguém bradou em um tom de desespero.
Avistei a figura de Dante preso a uma das paredes da sala por grossas correntes que deixavam suas pernas e braços esticados. Havia cortes por seu rosto e os cabelos soltos caiam embaraçados por suas vestes rasgadas. Arregalei os olhos e assim que pensei em correr ao seu encontro, senti algo pesado e frio envolver um de meus tornozelos.
— Vejo que acordou, pequeno Suichiro.
Virei a cabeça devagar, encontrando Amy ajoelhada ao meu lado e mantendo as mãos em uma corrente ligada à minha perna.
— O que é isso, Amy? – sussurrei abismado.
— Suichiro, olhe para o centro da sala! – Dante gritou.
Tive medo de fazer aquilo, entretanto, sua feição de pura fúria me fez acatar sua ordem. No meio do lugar, desenhado em vermelho sobre as irregularidades, estava o círculo que vimos tantas vezes em Enginóvia.
— Sabe que eu nunca te machucaria, não é mesmo? – Amy levantou-se e demonstrou um semblante carinhoso. – Apenas preciso impedir que se aproxime do nosso hóspede.
— Amy, me solte! – rangi os dentes e tentei agarrar seu braço, todavia, ela recuou um passo e afastou-se.
— Foi você quem criou esse círculo?! – Dante rosnou.
— Foi... Há treze anos? Isso, treze anos. – a governanta estendeu a mão sob uma goteira. – E recentemente o vendi para algumas pessoas de Enginóvia. Mas elas falharam e acabaram criando cadáveres ambulantes. Aqueles que vocês chamam de demônios.
Senti um baque em meu peito e meus membros fraquejaram. Os demônios de Enginóvia... O quê?
“ — Isso é estranho. – semicerrei os olhos, analisando o mapa. – Eu gosto de números pares, mas é esquisito que tenham escolhido justo seis cidades. Por que não sete que são os dias da semana ou das maldições do exorcismo?”
— Por que vendeu uma coisa dessas? – berrei indignado e ajoelhei-me para tentar abrir a corrente.
— Eu precisava de dinheiro para terminar de construir nossa casa. – Amy ergueu seu rosto. – Somente o emprego de governanta não estava pagando a mão-de-obra. – alongou-se.
— Nossa casa? – minha voz saiu feito um fio e as mãos congelaram no metal gélido.
— É quase tão grande quanto essa, você vai amar. Fica em uma ilha distante onde viveremos apenas eu, você e mais uma pessoa. – ela sorriu realizada.
Por um momento, não consegui desviar o olhar da mulher que se mostrava tão amável, contradizendo totalmente as frases doentias que saíam de sua boca. Agitei a cabeça em negação e tateei meus bolsos, procurando por qualquer coisa que pudesse libertar meu tornozelo.
— Ficou maluca? – o exorcista cerrou os dentes. – Não tinha o direito de vender esse círculo e muito menos criá-lo, assim como não tem o direito de brincar com a vida!
— Quando amar muito alguém, vai me entender. – Amy franziu as sobrancelhas.
— Você quer falar de amor?! Quando se ama muito alguém, você deixa essa pessoa descansar em paz depois de partir, não a ressuscita! – Dante bradou furioso e debateu-se.
A informação veio feito um tapa e meu corpo paralisou. Com o ar preso na garganta, levantei a cabeça e fitei os dois presentes, buscando por qualquer sinal de que aquilo fosse uma mentira. Dante semicerrou os olhos em uma expressão dolorosa e virou o rosto para que eu não o visse. Amy tossiu, cobriu a boca e desviou o olhar fingindo inocência.
— V-Você ressuscitou a minha… – balbuciei horrorizado.
— Suichiro, compreende que fiz isso por nossa felicidade, não é? – Amy aproximou-se.
— Não me toque! – gritei em um estado insano e arrastei-me para trás até bater as costas na parede. – Onde ela está?
— Entenda como a vida pode ser melhor sem seu pai e seus irmãos, apenas nós três bem longe daqui. Eles nunca se importaram de verdade contigo. – ela agachou-se em minha frente e esticou sua mão. – Assim que fecharmos o túnel, poderemos ir para a nossa nova casa. Ninguém sentirá nossa falta.
Meu peito subia e descia descontroladamente. Não conseguia sequer piscar, pois imaginava que no instante em que fizesse aquilo, Amy me atacaria. Rangi os dentes com tanta força que me senti capaz de quebrá-los.
— Onde ela está?! – voltei a berrar e protegi meu corpo com o antebraço.
Amy recuou sua mão, suspirou derrotada e ficou de pé. Ela atravessou a sala até chegar a uma outra porta de madeira no canto, abriu-a em um rangido e liberou a passagem para a pessoa que ali estava.
— É um ótimo abrigo de emergência, não? – Amy comentou.
Meu coração falhou uma batida e o ar me faltou. Os longos cabelos em tom salmão perfeitamente penteados, as irises azuis puras e o sorriso sereno compunham a imagem diante de meus olhos. Não existia nenhum defeito em seu corpo. Nem mesmo a cicatriz e a costura em seu pescoço pareciam um defeito em sua pele rosada.
Mamãe era perfeita.
Mas aquela nunca seria minha mãe.
— O que você está fazendo com esses rapazes, querida? – Peach questionou confusa.
— Infelizmente, cadáveres ressuscitados perdem as memórias que tiveram em vida. – Amy observou-me. – Isso porque a alma deles se esvai e precisamos preencher o corpo com outra coisa, vocês devem imaginar. – acariciou os cabelos da mulher.
Meu estômago embrulhou-se e um líquido quente subiu por minha garganta, obrigando-me a tapar a boca. Coloquei a outra mão no chão para sustentar o peso do corpo e ousei encarar a cena mais uma vez.
— Por treze anos… – murmurei fracamente. – Esteve mantendo-a aqui embaixo por treze anos?
— Foi necessário até que nossa casa ficasse pronta e você tivesse consciência para entender o que fiz. – Amy segurou a mão de Peach.
— Eu nunca vou entender. – cuspi as palavras. – Nunca. Nunca. Nunca. – aquela palavra tornava-se ainda mais dolorosa a medida que eu a repetia.
— Por que ele está tão triste? – Peach indagou preocupada.
Soltei um soluço esganiçado e as lágrimas pesadas escorreram por minhas bochechas. Ignorando a visão borrada, voltei a explorar o interior de meu sobretudo e agarrei algo fino e frígido.
— Como foi que escondeu isso do meu pai? – semicerrei os olhos.
— Não fiz nada demais, ele quem fez, sendo o viciado em trabalho que é. – a governanta esboçou desprezo.
— Amy, se você devolver esse corpo ao lugar que ele pertence e deixá-lo ter sua paz eterna, prometo que sua sentença será menor. – Dante remexeu-se fazendo as correntes tilintarem.
— Devolver? – Amy ganhou um semblante sombrio.
— É o ciclo da vida. – o exorcista arfou. – Precisa deixar as pessoas partirem.
— Exorcistas mexem com demônios o tempo inteiro, não pode dizer nada para mim. – a governanta soltou a mão de Peach e caminhou ao meu encontro.
— Afaste-se. – murmurei amedrontado.
Era como se todas as boas lembranças que tive com Amy fossem queimadas. Ensinamentos, cartas e brincadeiras. Tudo foi consumido por chamas dentro de minha cabeça e não restou uma única cinza.
E como doía.
— É por causa dele que você está assim? – Amy olhou para Dante com nojo. – Não tem problema, meu bem, eu posso matá-lo e depois ressuscitá-lo, assim ele esquecerá tudo o que viu e ouviu aqui.
Ela então inclinou-se e tocou meu rosto. Um toque frio e áspero. Um toque que me fez estremecer de medo e agonia. Prendi a respiração e retirei o punho cerrado de dentro do sobretudo, atingindo-o no antebraço de Amy e traçando um risco de sangue por sua pele com uma agulha.
A governanta distanciou-se rosnando de dor, avaliou o machucado e o olhar terno que tinha comigo tornou-se obscuro.
— Você faz parte da minha felicidade querendo ou não. – sibilou.
E moveu o braço ferido na direção de Peach, deixando que os respingos de sangue voassem e manchassem o rosto dela. Peach ficou em choque por um segundo até que seus olhos se transformaram em esferas brancas e sua boca escancarou-se, dando espaço para dentes afiados e uma espuma que escorreu por seu queixo.
— O demônio dentro dela se alimenta do meu sangue. – Amy limpou o braço em seu vestido. – E também faz tudo o que eu ordenar. Está preso a minha coleira.
Peach curvou-se aparentando não ser capaz de sustentar o peso do próprio corpo e emitiu grunhidos estranhos. Amy estalou os dedos e anunciou:
— Karma de câncer, liberte-se.
Um caranguejo de silhueta preta surgiu atrás de Peach, tão colossal que foi capaz de alcançar o teto da sala e fazer aquele lugar torna-se ainda mais sufocante. Estático, milhões de pensamentos passaram por minha mente e o primeiro deles foi que todos haviam me contado que o karma de mamãe era branco.
— Mate-o. – Amy apontou para Dante.
— Karmas não podem matar pessoas! – exclamei angustiado. – São magia pura!
— Karmas de pessoas vivas são magia pura. – a governanta desmanchou seu rabo-de-cavalo e ajeitou seus cabelos. – Os de pessoas mortas são magia corrompida.
Um tremor ecoou pela sala subterrânea quando o caranguejo atingiu parte da parede acima da cabeça de Dante com uma de suas pinças, criando um enorme buraco e uma extensão de rachaduras que fez a poeira desgrudar-se do teto.
— Dante! – solucei.
— Não se preocupe, Suichiro. Isso vai acabar logo. – Amy vislumbrou-me com pena.
Dante continuou a se contorcer, mas nenhum movimento seu era capaz de partir as correntes. Ele tentou unir as mãos para invocar seu karma, porém, falhou ao ter os pulsos esticados um longe do outro.
O exorcista respirou fundo, fechou os olhos e franziu as sobrancelhas. Peach deu um passo desequilibrado e o caranguejo fez menção de agarrar Dante em suas garras.
— Apenas observe. – a governanta sussurrou maliciosa.
— Por favor, faça ela parar. – pedi aos prantos.
O caranguejo ergueu sua pinça e desceu-a rapidamente, pretendendo acertar a cabeça do exorcista, entretanto, seu golpe foi barrado por um pequeno escorpião de silhueta roxa. Menor ainda do que o invocado em Dragonean, mas grande o suficiente para proteger seu dono.
Dante deixou sua respiração trêmula escapar e abriu os olhos, aliviando-se ao ver que havia conseguido chamar seu karma sem a união das mãos, já que era algo difícil para os não magos.
Toda a esperança que construí partiu-se ao ver o escorpião desfazer-se em questão de segundos nas pinças do caranguejo. Dante rosnou de frustração e voltou a debater-se, puxando as correntes com cada vez mais força.
Não aguentava mais ver aquilo. Não aguentava mais estar ali. Não aguentava mais não fazer nada.
E era tudo culpa minha.
Apoiei as mãos no chão e levantei-me cambaleante, atraindo o olhar interrogativo de Amy. Expirei, fechei os olhos e tentei manter a concentração.
Não gosta da magia do seu karma. Magia não é para mim. Quer proteger as outras pessoas mesmo sem saber se proteger. Eu também odeio o meu karma.
Alguém vai morrer.
Mas não seria nenhum de nós dois.
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Mai pressentiu o perigo lá em Dragonean e acabou não indo por motivos de que seu karma roubaria a cena, ashuahua, brincadeira.
Me contem o que acharam, ficarei muito feliz ♥
Até semana que vem.
Beijo.
—Creeper.