I am my mother's child escrita por Martell


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Hello meus amores, sejam bem vindos a mais uma loucura feita exclusivamente para o November Hinny.

Essa fic é bem mais leve do que parece, eu juro, nenhuma lágrima foi derramada na construção dessa história.
Dessa vez NÃO foi betada, qualquer erro de ortografia ou continuidade foi meu, podem comentar a vontade se quiserem kkk

Dessa vez não temos uma playlist própria, mas eu escutei muito essa enquanto escrevia:
https://open.spotify.com/playlist/37i9dQZF1DX2pSTOxoPbx9?si=ZOHnc-yAS1ytkY-h8aVXTQ


Sem mais delongas, boa leitura.



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Harry estava acostumado a ouvir o quanto se parecia com o seu pai – desconhecidos que lembravam de James dos corredores de Hogwarts ou como um herói de guerra comentando distraidamente, amigos com um misto de tristeza e saudade, tocando com pesar os seus cabelos bagunçados, apontando a cor escura de sua pele. Às vezes, em seus dias ruins, pegava-se encarando a sua imagem no espelho, traçando com os olhos as linhas de expressão que marcavam o seu rosto, mais velho do que seu pai chegara a ser.

Nos seus piores dias, ignorava o seu reflexo completamente. 

Ginny entendia, de certa maneira, como costumava entender quase tudo o que dizia respeito a Harry. Mas não completamente. Por todas as similaridades que compartilhavam, ela havia crescido com dois pais amorosos e as comparações que recebia sempre vinham um ar bem humorado, um revirar de olhos divertido, comentários leves sobre como tinha o temperamento de sua mãe.

Isso não o incomodava, pois nem mesmo ele compreendia os seus sentimentos conflituosos em relação a ser uma cópia do próprio pai – um que nunca conhecera além de histórias e fotografias, que morrera antes mesmo de ter rugas em sua testa ou ao redor dos olhos como Harry.

Não que fosse muito mais velho. Tinha apenas 29 anos, insignificante quando pensava sobre quanto um bruxo costumava viver, mesmo que sentisse ter o dobro da idade a maior parte do tempo. A sociedade mágica havia sugado a sua juventude antes mesmo de entrar na puberdade, firme em seu trabalho de destruir qualquer resquício de sanidade que havia conseguido sobreviver à Voldemort ao longo dos anos, e até mesmo antes disso, crescer com os Dursley o fizera ter que amadurecer muito antes do que seria normal.

Com seus quase 30 anos, em breve teria vivido uma década a mais que os seus pais. Em mais alguns anos, ultrapassaria Sirius e Remus e basicamente todas as figuras parentais que tivera. Em alguns momentos, sentia que nunca chegaria aos 40 – alguma espécie de maldição de família que havia sido ativada na última guerra ou apenas uma própria a Harry. Ginny costumava o chamar de paranoico e provavelmente estava certa, como de costume, mas algo o fazia hesitar. Algo que sua esposa, mesmo recusando-se a acreditar, também parecia sentir.

Esperava conseguir chegar aos 30.

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Apaixonar-se por Ginny fora uma das melhores coisas que havia acontecido à Harry. 

Após uma infância sendo negligenciado por seus tios, a única forma de amor que compreendia era uma coisa retorcida e estranha, abstrata – nenhuma afeição era direcionada ao garoto de baixo das escadas, tudo o que havia aprendido fora vendo Petúnia e Vernon, constantemente alimentando as piores partes um do outro, e a relação deles com Dudley e, se isso era amor, Harry não o queria. Passaram-se anos antes de perceber que, de certa forma, aquilo também era abuso.

Até mesmo ao entrar no mundo mágico e conhecer seus melhores amigos, sua família em tudo menos sangue, o que sabia sobre amor era algo distante e grandioso demais para alguém como ele sentir – o sacrifício de sua mãe, por exemplo, que havia o salvado durante tanto tempo, ao mesmo tempo que o condenara à 16 anos em uma casa em que era odiado. O que sentia por Dumbledore, algo que o sufocava, um misto de devoção e dor e perda, lealdade e traição – isso parecia com o amor que conhecia.

Passaram-se anos até começar a questionar se também havia sido uma forma de abuso.

Com o tempo, começou a relacionar amor com as reclamações constantes de Hermione quando não fazia o dever de poções, o olhar de desafio de Ron quando o chamava para jogar uma partida de xadrez, o conforto de um suéter feito pela Sra. Weasley, a risada alta e escandalosa de Sirius, o sorriso melancólico de Remus, as pegadinhas dos gêmeos, o carinho distraído do Sr. Weasley bagunçando ainda mais o seu cabelo.

E no meio disso havia Ginny, com seu perfume floral, longos cabelos macios em um tom entre laranja e vermelho que refletia o fogo em seus olhos, com seu humor levemente ácido e sua incapacidade de recuar diante de desafios. Ginny, com sua bondade e coragem e delicadeza que coexistiam com a sua determinação de lutar pelo que era certo, sem baixar a cabeça, sem pensar duas vezes. Ginny, que não ensinou a Harry o que era amor, mas o afogava no sentimento todos os dias. 

Ginny o havia acolhido em seus momentos mais sombrios e apoiado suas decisões mesmo que não concordasse com elas. Porque isso era amor – respeito, confiança, buscar a felicidade do outro sem sacrificar a sua independência, escolher todos os dias ficar ao seu lado mesmo com todas as dificuldades. Harry tentava retribuir o melhor que conseguia, sabendo que tudo o que tocava virava pó, sabendo que fora forjado por sacrifício e luto, e sentimentos gentis não possuíam espaço em sua vida, mas com ela poderia fingir, por alguns segundos ou pelo resto da sua vida, que merecia ser amado como Ginny o amava.

Sabia que não era o melhor namorado – e depois noivo e marido, numa sucessão de eventos maravilhosos que mal conseguia acreditar que eram reais – principalmente para uma mulher como ela, que irradiava luz e calor, tão brilhante que parecia um evento astronômico em si mesmo. Mas Ginny havia o escolhido, de novo e de novo, e Harry decidira, pela primeira vez em sua vida, ser egoísta. 

Se Ginny era o sol, Harry era um cometa, algo interessante em um primeiro momento, mas passageiro. Eventualmente todos se cansariam dele, mas talvez não a ruiva – talvez Harry fosse, na verdade, um buraco negro, pronto para absorver tudo o que ela tinha a oferecer, em sua ânsia por ser amado.

Em um ponto de sua vida, achara que havia encontrado significado sobre quem era na sua esposa, mais especificamente no momento em que ela disse sim no altar, ambos tão jovens e tão, tão cansados. Mas por uma noite não existiam traumas e noites em claro e guerras ganhas só em nome. Harry e Ginny eram as únicas entidades do universo, tão apaixonados que parecia quase doloroso. Isso, havia pensado, isso é amor – Ginny, com seus grandes olhos castanhos e sorriso caloroso, Ginny, com seus cachos ruivos bagunçados de tanto dançar, Ginny, jogada na cama da casa que haviam escolhido juntos, renda branca na pele macia e repleta de sardas.

Passara anos pensando que em Ginny havia encontrado o significado de amor. Não acreditava ter capacidade de sentir algo ainda mais intenso, parecia absurdo sequer considerar a ideia. O mais próximo era a devoção completa que tinha por Teddy, mesmo sabendo que sua conexão com o afilhado havia sido prejudicada pelo pós-guerra, quando segurá-lo no lugar de Remus era o mesmo que aceitar que estava verdadeiramente sozinho – que ele era tudo o que aquela criança teria como pai, porque Remus havia partido, assim como Sirius; e Harry não estava pronto, emocionalmente, para assumir esse lugar na vida de alguém.

James fora uma surpresa – um acidente, se estivesse sendo sincero. Ginny estava em um ponto alto de sua carreira no quadribol e, mesmo que ambos já tivessem discutido a ideia de ter filhos, era algo que viria no futuro, após a ruiva resolver assumir uma posição com menos riscos. Harry não via problema nenhum em esperar, afinal, ainda eram jovens e tinham todo o tempo do mundo pela frente. Desejava uma família, ansiava por crianças hipotéticas que em sua cabeça eram a sua mistura perfeita com Ginny, mas não imediatamente. 

Harry estava ocupado demais trabalhando para eliminar os grupos supremacistas que haviam voltado a se infiltrar na política do mundo mágico como se nada houvesse acontecido há menos de uma década – parecia que nada havia mudado, além de tudo. As leis contra magia negra e criaturas consideradas das trevas ficaram tão rígidas no ano após a queda de Voldemort que os simpatizantes da causa derrotada começaram a reagir com pequenos ataques terroristas. Como um auror e pivô da guerra, sentia que a única coisa o ancorando era a sua esposa e mal tinham tempo juntos. Uma criança nesse momento era absurdo.

Mas James Sirius Potter, como provaria muitas vezes ao longo de sua vida, não estava disposto a esperar, nem mesmo para o conforto de seus pais. E Harry, que havia pensado saber o que era amor, descobriu que estava errado.

Nada poderia se comparar ao que sentira ao segurar o seu filho pela primeira vez, uma emoção que não conseguia colocar em palavras. Nem mesmo o medo de perder Ginny conseguia eclipsar o que a visão de James representava – uma nova forma de amor, completamente incondicional, consumindo o seu corpo com uma determinação que só havia sentido ao caminhar para a sua própria morte, anos atrás.

E segurando o seu filho na sala de espera do hospital, enquanto a sua esposa potencialmente sangrava até a morte cercada de curandeiros, sabia  que não trocaria a vida do seu filho pela da sua esposa. Era dia 31 de outubro de 2004 e Harry, pela primeira vez na vida, entendeu a escolha de seus pais. Essa não seria a última vez.

Ginny, fraca, mas bem, saiu do hospital em alguns dias, pronta para assumir um cargo como repórter esportiva até Jay crescer mais um pouco e poder voltar ao campo de quadribol como a jogadora estrela que sempre seria. Harry, em sua preocupação com os ataques cada vez mais constantes contra os que haviam se oposto ao lorde das trevas e suas ideias megalomaníacas, escolhera se afastar temporariamente do trabalho, dedicando-se completamente à sua pequena família.

Harry, Ginny e James mudaram-se para Hogsmeade, para um pequeno chalé um pouco afastado do resto da vila, mas perto o suficiente para que o filho crescesse numa comunidade inteiramente mágica, onde poderiam colocar constantes feitiços de proteção em sua residência e andar com as suas varinhas abertamente nas ruas.

Estava feliz o suficiente sendo um marido e pai, deixando Ginny seguir sua carreira enquanto dedicava-se exclusivamente à James. Não pretendia acrescentar mais ninguém durante um bom tempo à rotina que havia criado – sua família já era perfeita, o seu filho vivia rodeado de outras crianças, Teddy praticamente morava com o casal e Ginny precisava se recuperar propriamente para retomar sua posição como artilheira.

A chegada de Albus havia estragado alguns planos previamente estabelecidos, pegando todos os Potter de surpresa. Não que estivessem infelizes com o pequeno milagre que haviam criado, mas Harry via no olhar de Ginny que ela estava assustada – era cedo demais, eles eram muito jovens e o mundo mágico tornava-se mais hostil a cada dia. Ginny temia ressentir a criança por roubar seu tempo de recuperação após o parto complicado de James e Harry temia ressentir a sua esposa caso ela o fizesse.

Albus Severus Potter nasceu em meio a lágrimas – James não havia parado de chorar desde que a mãe havia entrado em trabalho de parto, dois meses antes da data prevista e Harry havia tentando reprimir o máximo as suas, de preocupação e horror, mas as lentes embaçadas entregavam o seu fracasso. Ginny, num misto de dor e desespero, deixara as suas escorrer livremente por seu rosto até as poções começarem a fazer efeito.

A gravidez havia sido relativamente complicada, Ginny passando por mudanças de humor constantes, sentindo dores e cólicas e enjoos, exausta de ir ao hospital, odiando seu corpo frágil. Harry, por sua vez, passara meses sem saber o que fazer para aplacar o seu filho que mal havia completado um ano e não entendia porque a mãe havia parado de pegá-lo no colo e Teddy, que sentia-se ameaçado com a chegada de mais uma criança.

Dessa vez não pôde segurar o seu filho imediatamente, pequeno e frágil demais para sair da ala pediátrica de cuidado intensivo. Ginny estava desacordada, as medibruxas fazendo o que podiam não mais para salvar a sua vida, pois já se encontrava fora de risco, mas para não a deixar com nenhuma sequela permanente. Harry agradeceu, não pela primeira vez, a existência de magia – teria perdido o amor de sua vida e o seu filho mais novo sem a sua ajuda.

Mesmo observando o bebê a uma distância segura, sentiu a mesma coisa indescritível que experimentara com James – uma certeza de que não haveria nada no universo que poderia ser mais potente do que o amor que sentia por seus filhos. Albus, que era minúsculo e de uma cor azulada preocupante, que poderia nunca se recuperar do parto prematuro, que havia nascido no verão, como Harry, e que acabaria por herdar a maldição de ser uma cópia do pai – não que soubesse no momento, mas ficaria óbvio com o passar dos meses.

Com o nascimento de Albus veio o fim da carreira de Ginny, seu corpo incapaz de se recuperar do choque que havia sofrido, assim como veio o pedido para que não tentassem ter mais filhos durante muitos anos. O ideal, segundo a curandeira responsável pela recuperação de Ginny, seria que não tivessem mais nenhum, porém ainda seria possível, eventualmente, caso desejassem – mas pode custar a vida da sua esposa, Senhor Potter, e os genes Weasley não a salvarão na sala de parto novamente.

Ginny voltara-se para o seu trabalho no jornal com uma dedicação maníaca, tentando afogar a mágoa de ter seu sonho arruinado antes mesmo de completar 25 anos. Mas os Potter, em regra, não eram do tipo que conseguiam conquistar o que desejavam sem um custo pessoal alto demais e tudo o que Harry sempre quis fora uma família – o que não significava que estava feliz em sacrificar a sua esposa no meio do caminho.

Fora mais difícil encaixar Albus na sua rotina do que James, o que parecia ridículo quando pensava por algum tempo sobre, mas culpava o clima político instável e a tristeza que emanava de Ginny em onda. Al era fraco e propenso a doenças, delicado de uma forma que seu irmão mais velho nunca havia sido. Harry passara meses incapaz de deixá-lo sair de seus braços, apreensivo até mesmo de permitir que o resto da família o tocasse.

Não que isso fosse um grande problema, já que boa parte dos bruxos voltara a se esconder em suas casas, receosos com o aumento dos ataques. Não havia rumores de um lorde ou algum líder definitivo para o grupo de agitadores, o que só deixava a população ainda mais assustada – nada era tão amedrontador quanto o desconhecido.

Harry havia parado de ler suas cartas e ignorava todas as sessões do jornal que não fossem escritas por Ginny. O mundo mágico clamava por seu salvador, por mais um milagre que não estava disposto a oferecer. Havia saído dos aurores por esse motivo – todos esperavam que em segundos ele fosse acabar pessoalmente com todos os males que assombravam a Grã-Bretanha, como um ser místico, mais lenda do que homem.

Mas Harry tinha uma família que amava mais do que tudo e o tempo dos sacrifícios havia passado – e talvez ele não fosse tão parecido com o seu pai quanto insistiam, porque James Potter havia escolhido continuar lutando mesmo com uma criança a caminho e Harry simplesmente não podia fazer o mesmo. Porque Teddy só tinha a ele e a avó, porque Jay havia começado a falar e Albus estava dando os seus primeiros passos.

Porque Ginny, por algum milagre ou maldição, estava grávida novamente, mesmo que tivessem feito tudo para impedir que acontecesse – menos o óbvio.

Com mais um filho a caminho, passaram a ser obrigados a socializar os meninos com maior frequência, para o desagrado de Harry – sentia que estava fazendo um ótimo papel como um pai dono de casa, atendendo às necessidades dos seus filhos e da sua esposa, cozinhando, limpando, tudo o que achara que iria desprezar fazer quando lembrava do seu passado. Mas a família Weasley era grande e repleta de crianças, assim como de adultos poderosos o suficiente para defendê-las caso necessário.

A gravidez fora um pesadelo do início ao fim, o risco para a saúde de Ginny grande demais para deixá-los dormir a noite, o estresse dos pais agravando os seus filhos, que não sabiam o que estava acontecendo, pequenos demais para entender a magnitude da situação – até mesmo Teddy, com seus quase 10 anos, estava frustrado e com ciúmes, assim como temeroso de perder a única mãe que havia conhecido fora Andrômeda.

Nesse meio tempo, o pequeno James havia ficado próximo do pequeno Fred II, inseparáveis da forma que apenas duas crianças de três anos poderiam ser, para a alegria de Molly, que passava boa parte dos jantares de família reclamando que mal via os seus netinhos do lado Potter da família – nos poucos jantares que compareciam, pois, querendo ou não, Harry havia isolado o seu canto da família sem perceber.

Hermione, por sua vez, havia tentado forçar uma amizade entre Rose e Albus, mas a menina parecia mais interessada em puxar os cabelos bagunçados do primo do que em cochilos ao som de cantigas de ninar e o menino a detestava – Al gostava de dormir junto a Dominique, que com quatro anos sentia-se especial por poder segurar o bebê em seu colo no tapete da Toca, contando histórias que havia ouvido de sua mãe, acrescentando detalhes que apenas a imaginação de uma criança poderia criar.

Com Ginny precisando de atenção redobrada e os garotos se dando tão bem com os primos, Harry cedeu, insatisfeito, e começou a permitir que passassem algumas horas longe de sua vista. Sabia que estava sendo super protetor e paranoico, mas o medo que sentia não era racional – após passar anos sem se achar merecedor de ter amigo, quanto mais uma família, entrava em pânico só de pensar em perdê-los.

E, como sempre, a sua esposa era a única pessoa que o compreendia, ambos cientes de que precisavam passar o máximo de tempo possível com seus filhos mesmo sem saber o porquê. Era apenas algo que compartilhavam, o temor, a certeza de que os momentos que passavam com eles não seria o suficiente – mas que nunca haviam contado para ninguém.

Talvez por isso Harry tenha começado a tirar fotos, registrar desde coisas importantes, como os primeiros passos de James, até cenas comuns, como Ginny, sua barriga enorme, deitada com o pequeno Albus encolhido como um gato ao seu lado, como faziam quase toda tarde. Teddy com os meninos no colo, Teddy imitando o cabelo de Harry, Teddy com Ginny e Harry e Andrômeda – porque suspeitava, às vezes, que o seu afilhado não sentia que fazia parte da família.

Lily Luna Potter nasceu no solstício de verão, uma data carregada de magia. Saudável e com fortes pulmões, em nada lembrava a fragilidade do filho do meio. Havia uma vivacidade em Lily que desde o primeiro momento intrigou Harry, diferente do que sentira antes. A amou desde o primeiro momento, assim como o fizera antes, mas algo na sua pequena princesa era diferente. Lily, com seus tufos de cabelo ruivo herdados da mãe, que compartilhava os mesmos olhos esmeralda que Harry – parecia algum tipo de piada cósmica, que sua filha seria descrita como uma cópia de sua mãe, com os olhos do pai.

Lily seria a última Potter durante muito tempo, já que o seu nascimento havia forçado Ginny a pedir intervenção médica e, após um pequeno procedimento, havia sido declarada incapaz de ter novos filhos, para a sua felicidade. Harry, por sua vez, estava contente o suficiente com a família que tinha e caso mudassem de ideia anos no futuro, adoção era o caminho preferível – os seus três filhos não haviam sido planejados, na verdade foram ativamente indesejados em teoria, mas Harry agradecia todas as noites antes de dormir a entidade que gostava de brincar com seu destino e contrariara a sua decisão de esperar mais um pouco.

Harry Potter sabia que não havia sido feito para coisas como felicidade, mas de alguma forma havia encontrado mesmo assim – nos braços de Ginny, deitados a noite na cama enorme que haviam escolhido juntos quando eram mais jovens, com espaço suficiente para cada um ficar em seu lado, mas que sempre acabavam juntos no meio abraçados, os pés frios dela o assustando levemente ao acordar.

Porque Ginny poderia não ter ensinado a Harry o que era amor, mas sem ela nunca teria aprendido a aceitar o sentimento tão livremente, como se merecesse – como se fosse digno do olhar irritado de sono pela manhã, cabelos cor de fogo em uma confusão adorável no topo de sua cabeça no coque que usava para dormir, a blusa do Harpias de Holyhead que Harry havia comprado na sua época como artilheira caindo de seus ombros, grande demais para o corpo deliciado de Ginny.

E porque, mais importante, ela o havia permitido amá-la do seu jeito torto, em sua própria linguagem, sem questionar um segundo o que estava fazendo – porque Harry só conhecia amor em duas formas, nenhuma exatamente saudável, mas Ginny o havia ajudado a descobrir que poderia sentir algo por ela sem a destruir ou se destruir no processo. 

Entretanto, havia algo que Ginny proporcionara que o deixara ainda mais grato por sua decisão de ficar com Harry: os seus filhos.

James Sirius, Albus Severus e Lily Luna eram, sem sombra de dúvidas, as melhores coisas que aconteceram na vida de Harry e não havia nada no universo que não estivesse disposto a fazer por eles. Viveria por eles, lutaria por eles, morreria por eles. Estava disposto a fazer o que fosse preciso para mantê-los felizes, saudáveis e seguros – absolutamente qualquer coisa.

Amor poderia não ser sinônimo de sacrifício, mas não significava que as duas coisas não pudessem se interligar. Harry havia herdado muito mais do que apenas os seus olhos de sua mãe.

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— Eu ainda acho que isso é uma péssima ideia, – resmungou Harry, enquanto ajustava novamente o casaco de James, que se mexia impaciente sob o olhar do pai.

— Ai meu Merlin, nós já conversamos sobre isso um milhão de vezes, cara, deixa as crianças se divertirem em paz, – respondeu George, revirando os olhos para o cunhado. 

Ainda contrariado, permitiu que o filho corresse até o tio, abraçando animadamente as suas pernas e falando sem parar de todos os brinquedos que havia ganhado e queria mostrar a Fred, como se o seu melhor amigo não tivesse o ajudado a abrir a maior parte de seus presentes.

Era dia 31 de Outubro e James estava completando 5 anos. Teddy, pela primeira vez, não participou da festa do seu irmãozinho, preso em Hogwarts para a sua tristeza – ninguém comentava sobre, mas Teddy gostava de se proclamar o “melhor irmão mais velho do mundo” e faltar a festa ameaçava o seu posto, que Victoire afirmava ser dela de toda forma, – mas outros haviam invadido a casa dos Potter em sua ausência, para o desconforto de Ginny.

Harry não achava seguro ter uma festa com o tamanho e quantidade de ataques que vinham acontecendo com cada vez mais frequência, mas o seu filho havia insistido e Ginny havia concordado relutantemente, mesmo que colocando inúmeras restrições. E não havia muita coisa que conseguisse negar a eles, então apenas aceitou a contragosto.

Os Potter estavam acostumados a serem considerados paranoicos com a segurança de sua família, porque, se fossem sinceros, era a verdade: qualquer risco, real ou imaginário, os tornava ainda mais engajados em manter a distância de tudo o que considerassem um perigo e, nesses dias, isso incluía a maior parte das coisas.

No fim, apenas Ron, Hermione, George e Angelina haviam sido convidados, os dois primeiros porque eram padrinhos de James e os dois últimos porque não teria festa sem o pequeno Fred. As outras crianças – Rose, Hugo e Roxane – não tinham o mesmo nível de energia que a dupla, por serem ou mais novas ou mais calmas, então haviam passado a noite fazendo companhia para Albus e Lily.

Albus, com seus três anos, continuava detestando Rose, o que os adultos achavam engraçado já que a prima o adorava, mas havia ficado satisfeito o suficiente em cochilar ao lado de Lily e Hugo enquanto as duas outras garotas brincavam entre si.

E estaria tudo bem se fosse apenas isso, uma festinha para aplacar o seu filho que odiava ficar preso em casa – porque os Potter, após o ataque a Luna Lovegood, haviam se tornado reclusos em seu chalé altamente protegido, Ginny trabalhando por correio coruja como colunista em um jornal e ambos mantendo contato com a família por espelhos de duas vias, cartas e visitas esporádicas a Toca.

A casa dos Weasley, com os anos, tornara-se um dos lugares mais seguros da Grã-Bretanha, com Bill reforçando as barreiras que havia colocado durante a segunda grande guerra bruxa todos os anos, Hermione colocando os seus próprios feitiços para reforçá-las e Harry, com todo o seu conhecimento obscuro sobre rituais protetivos que havia adquirido nos últimos anos, acrescentando com poções e runas e feitiços que beiravam a legalidade – e que Molly e Arthur nem sonhavam que fazia parte do arsenal de proteções de sua casa. 

Por isso, pela aparente segurança da Toca, George havia sugerido que as crianças mais velhas fizessem uma festa do pijama para comemorar de verdade o aniversário de Jay, citando que a paranoia de Ginny e Harry estava sufocando os seus filhos e afastando permanentemente o resto da família. Era um medo que tinham, inclusive, de que seus filhos os odiariam pela forma que haviam sido criados – longe de tudo e de todos, mas seguros em suas camas.

Famílias inteiras haviam sido destroçadas nos últimos dois anos e, caso James o odiasse por não o deixar visitar Fred toda semana, pelo menos estaria vivo para tal. Esse não era um risco que Harry estava disposto a correr.

Mas Ginny havia concordado em mandar James e Albus para a Toca por uma noite, contando que a presença de Bill e Fleur, dois quebradores de maldições poderosos, junto com George e Angelina, cada um magicamente competente a sua maneira, seria suficiente para barrar qualquer ameaça externa. Se sua esposa estava satisfeita com a ideia, então a festa do pijama aconteceria, mas Harry não precisava estar feliz com isso.

— Certo, George, você lembra das regras? – Ginny perguntou, Albus em seus braços, já sonolento da agitação do dia. As vezes Harry se perguntava se havia algo de errado com o seu segundo filho e sua apatia ao mundo.

— Sim, Ginevra, você me fez repetir dez vezes na última hora, – George apenas pegou o sobrinho das mãos dela, fazendo uma careta para receber algum tipo de reação, sem sucesso, – parece até que vocês não confiam em mim.

— Não é isso, é só-

— É só que vocês “temem pela segurança dos meninos”, eu sei Harry, eu entendo, eu tenho filhos também, tá? Mas isso, – gesticulou vagamente com o braço que não estava apoiando Albus, – não é normal.

— Não importa se é normal ou não, são nossos filhos e você vai recitar pela décima primeira vez as regras que eu dei se quiser que eles saiam desta casa, – respondeu Ginny, irritada, as mãos cruzadas sobre o peito demonstrando a sua insatisfação com a ideia de deixar os filhos com o irmão.

— Vocês são absolutamente insanos, sabia? – resmungou, balançando Albus e sussurrando para ele: – papai e mamãe não batem bem da cabecinha, mas titio George vai salvar você por uma noite.

— George…

Ginny estava impaciente e Harry compartilhava do sentimento. Era inquietante saber que dois de seus filhos não dormiriam em casa, mesmo que por tempo extremamente limitado, que só os veriam novamente na noite do dia seguinte – porque isso era uma espécie de intervenção, sabiam, provavelmente orquestrada por Hermione, o que era óbvio quando considerava que a amiga pegaria Lily pela manhã para passar o dia com Hugo.

— Certo, não precisa fazer essa cara, nossa, você tá se tornando igualzinha a mamãe, sabia? 

— George…

Dessa vez foi Harry quem falou, a um passo de pegar James do canto em que estava, segurando a camisa do tio ansiosamente e a sua pequena mochila com a outra, e levá-lo para cima, esquecer toda essa ideia e suportar os olhares decepcionados da família quando resolvessem aparecer para um jantar. Apenas a certeza de que o filho odiaria ter seus planos destruídos estava o segurando.

— Okay, calma, primeiro se algo acontecer mandar um patrono imediatamente, depois ativar os colares protetivos dos meninos e levar eles para o quarto de Ginny, que tem um baú expandido que serve como um forte que tem comida e água para uma semana, protegido com feitiços que vocês não querem dizer quais são e, por último, erguer uma barreira mágica o mais rápido possível, – recitou, deixando de lado metade das recomendações que ambos haviam dado, – eu já disse que vocês são doidos? Um bunker em um baú, Ginevra, por Merlin.

— Sua opinião não foi solicitada, nós estamos apenas protegendo os nossos filhos.

— Você quer nos ensinar a como cuidar das crianças, George? – Harry interrompeu, colocando-se ao lado da esposa e passando um braço por cima de seus ombros, a sentindo relaxar contra o seu corpo.

— Cara, para com isso, eu não sou seu inimigo, eu me preocupo com vocês, tá? Isso não é saudável, – respondeu, a mão que não segurava Al colocada no cabelo bagunçado de James.

— Certo, bem, não precisamos da sua preocupação, – Ginny murmurou, mal humorada.

Mas era provável que precisassem. Os dois estavam cientes que as atitudes que vinham tomando desde o ataque contra Luna não eram as mais sãs, mas ver a amiga aparatar em seu quintal segurando os seus filhos gêmeos, com cinzas cobrindo seu longo cabelo loiro e sangue manchando as roupinhas combinadas fora demais – principalmente sabendo que Rolf não havia escapado do incêndio.

Luna havia buscado refúgio com os Potter porque sabia que eles estavam preparados para uma situação desse tipo, com barreiras protetivas fortes e bem equipadas para sustentar uma emboscada. O único motivo que não haviam sumido sob um fidelius era que ambos desconfiavam do feitiço e da ideia de colocarem a própria segurança na mão de um terceiro, independente de quanto doesse insinuar que desconfiavam dos seus melhores amigos.

Porém, nos últimos meses, com uma possível guerra civil se aproximando pela segunda vez na vida de Harry, as decisões do casal baseavam-se, em sua maioria, no sentimento de que não escapariam intocados dessa loucura. Os instintos de Ginny clamavam que ela passasse o maior tempo possível com os filhos e assim ela o fazia. Os instintos de Harry gritavam para que registrasse cada pedaço de felicidade e, em consequência, tinham álbuns e álbuns de fotos espalhados pela casa.

E a prioridade era manter as crianças seguras, por isso cada uma andava com um colar que Harry vinha elaborando desde o nascimento de James, aperfeiçoado durante a gravidez de Albus e finalizado um pouco antes de Lily fazer seis meses. Sem uma carreira ou trabalho para se dedicar, Harry havia se voltado ao estudo, para o orgulho de Hermione, mais especificamente estudando como garantir a segurança da sua família.

O chalé dos Potter em Hogsmeade tinha um espaço no porão em que passava algumas horas do dia experimentando com feitiços protetivos, runas que tivera que aprender do zero, rituais que exigiam conhecimento de latim que nunca havia adquirido. Mas para seus filhos, ter que aprender um alfabeto inteiramente novo ou uma língua morta eram esforços insignificantes.

Mas George, que havia perdido tanto, não sentia o mesmo instinto que nublava o julgamento de Harry e Ginny constantemente. Claro que ele não entendia a necessidade de um baú com água e comida, já que seu coração não martelava com o medo de que, um dia, seria Ginny aparatando no quintal da Toca e que os seus filhos perderiam mais do que apenas um pai.

— Okay, Ginny, tudo bem, não importa, – respondeu sem jeito, antes de lançar um sorriso para Jay, que estava puxando a sua camisa impaciente, – o garotinho está certo, a gente precisa ir. 

— Certo. Okay, – Ginny se abaixou, abrindo os braços para Jay, que correu até a mãe e se jogou em um aperto firme, – eu te amo, seu tampinha, pode irritar o seu tio George a noite toda, a mamãe vai estar te esperando amanhã com a sua torta preferida, então não demore.

— Eu também te amo, mamãe, e eu amo a sua torta, – respondeu entusiasmado, fazendo um sorriso sincero tomar de conta dos três adultos.

— E você ama o papai também? – Perguntou Harry, pegando o filho do colo da sua esposa e o segurando em seus braços, mesmo que James fosse grande demais para ser carregado.

— Sim, pai, – deu um beijo demorado na bochecha de Harry, porque Jay gostava de demonstrar afeto e os pais haviam o encorajado a ser tão carinhoso quanto desejasse.

— Eu te amo muito, mais que o universo inteirinho, Jamie, nunca se esqueça disso, certo? – Continuou, sem se preocupar com o olhar que estava recebendo de George, – eu e a mamãe te amaremos sempre e para sempre.

Deixou o filho no chão e estendeu os braços para o cunhado, que apenas depositou o seu segundo filho neles sem dizer uma palavra, ainda os encarando como se estivessem no meio de um surto psicótico. Ginny juntou-se a ele numa apreciação silenciosa de Albus, com seus cabelos pretos bagunçados, sua pele escura e olhos esmeralda que piscavam de maneira sonolenta para os dois, tudo herdado de Harry, menos o nariz delicado e os traços de sua boca que eram iguais ao da mãe.

— Papai e mamãe te amam, meu pequeno príncipe, e nós vamos sentir muito a sua falta, – Ginny sussurrou, traçando o rostinho delicado como fazia desde que Al era um bebê.

— Se alguma coisa acontecer ou você estiver com saudades, é só segurar o seu colar especial e será como se nós estivéssemos com você, – dessa vez foi Harry, passando a mão pelos cachos do filho, – nós te amamos tanto, Al…

Passou o filho de volta para o tio sem terminar a frase, palavras presas na garganta. Despediram-se de George rapidamente, que apenas brincou que ambos eram dramáticos e que amanhã veriam as crianças novamente, ignorando o clima estranho que havia tomado de conta dos Potter. Qualquer um que os conhecesse sabia que era melhor não apontar a melancolia que caia sobre os dois de tempos em tempos.

Sentaram-se no sofá em frente à lareira, encolhidos um no outro, cansados sem nenhum motivo, como costumavam ficar toda noite de Halloween. Era o aniversário de morte de seus pais, Harry lembrou vagamente, como poderia ter se esquecido por um segundo de algo assim?

— Nós tomamos a decisão certa, – disse Ginny subitamente, sua voz levemente abafada, o seu rosto pressionado contra o peito de Harry.

— Que decisão?

— Deixar George levar os meninos.

Tentou absorver o que ela realmente estava querendo dizer com a frase, ao contrário da primeira impressão superficial de que se tratava de estarem certos em afrouxar suas tendências super protetoras – porque não era apenas George que estava começando a questionar com o comportamento do casal, Harry, se fosse sincero consigo mesmo, também estava, assim como Ginny. Os dois eram inteligentes o suficiente para identificar anomalias na forma como criavam os seus filhos, mas isso não era o suficiente para fazê-los parar.

Porque Ginny nunca havia deixado de seguir a sua intuição e desde o começo havia concordado em mandar os meninos para a casa de seus pais, receosa ou não. Algo dentro dela clamava que lá era o lugar mais seguro para os dois e Harry acreditava, já que sua esposa raramente estava errada.

— Isso não significa que eu tenha que gostar de passar um dia inteiro sem os meninos, – respondeu finalmente, a trazendo para mais perto, quase em cima de seu colo.

— Ah, Harry, eu sei que não, – suspirou, cansada, e levantou do sofá, prendendo seu longo cabelo ruivo com a varinha e deu um sorriso fraco, – mas amanhã a noite os veremos novamente, certo?

Antes que pudesse responder, o monitor que colocaram no quarto de Lily se iluminou, indicando que havia acordado. Enquanto Ginny preparava a filha para o jantar, Harry seguiu em direção a cozinha, aquecendo os restos do almoço para ele e a esposa e preparando algo fresco para a menina, pois não gostava de dar comida requentada para as crianças.

A refeição se passou em um silêncio melancólico, quebrado apenas por Lily, que estava cada dia mais falante, para o orgulho dos seus pais. Desde que haviam se despedido de Albus e James uma energia pesada havia se alocado no peito de Harry, incapaz de o deixar respirar tranquilamente, sem entender exatamente o porquê. Talvez fosse apenas que, sem a presença de Jay, o Halloween virava apenas um lembrete do que havia acontecido com os seus pais.

Voltaram para a sala, Harry com Lily no colo, Ginny com uma xícara de chá, prontos para algumas horas brincando com a filha até dar o seu horário de dormir. O gato de James, Mr. Fluffy, estava deitado no tapete em frente a lareira, provavelmente sentindo falta do seu dono  – Mr. Fluffy costumava ficar exclusivamente no quarto das crianças, no máximo seguindo Harry pela casa quando ele estava sozinho, pois não era fã do resto dos habitantes da casa. Sentaram-se no chão, já que Lily queria brincar com o gato, mas este não parecia muito interessado na garotinha, como de costume.

— Cuidado, Lua, ele morde, – Ginny repreendeu, sendo uma das vítimas frequentes do mal humor do felino.

— Para com isso, amor, o gatinho nunca faria nada com a Lily.

Como se para provar o ponto de Harry, Mr. Fluffy apenas se levantou de sua posição confortável e saiu em direção às escadas, onde iria deitar-se no travesseiro de James e ignorar qualquer humano que não fosse o garoto. A menina imediatamente começou a choramingar, triste com a rejeição do gato. Ginny o olhou indignada.

— Eu não sei como você fez para esse monstrinho gostar de você, mas é melhor ensinar para a Lua assim que possível, antes que a gente tenha um desastre nas mãos.

Rindo, Harry apenas conjurou algumas luzes para distrair a filha, deixando a varinha ao seu lado no chão, e a menina imediatamente esqueceu do Mr. Fluffy, concentrada em tentar pegar as orbes brilhantes que flutuavam ao seu redor. O dia em que esse truque parasse de funcionar seria terrível, já que Lily não era propensa a cair em nenhum dos outros que costumava usar nos seus irmãos.

Ginny depositou a caneca quase vazia na mesa de centro e voltou para o tapete em que estava antes, sentando ao lado de Harry e entrelaçando os seus dedos com o dele, que apenas depositou um beijo distraído nas mãos unidas e a puxou para mais perto, o foco dos dois voltando-se para Lily.

Lily, com seus cachos ruivos tão bagunçados quanto os de James e Albus, a maldição dos Potter não poupando nenhum dos seus filhos. O tom escarlate complementava a pele clara que havia herdado da mãe, assim como as sardas que já eram visíveis mesmo tendo quase nenhuma exposição ao sol. Seus olhos, grandes e expressivos, o mesmo verde que Harry havia herdado e uma das únicas coisas que a diferenciavam das fotos de Ginny quando tinha a mesma idade.

Lily era uma cópia de sua mãe com os olhos do pai. Harry só esperava que as comparações que iria receber no futuro fossem mais parecidas com as que Ginny recebera em relação à Molly do que as que Harry recebera em relação à James. Mas assim que sentiu a onda poderosa de magia passar por seu corpo, sabia que não teria essa sorte.

— Eu te amo, Harry, eu te amo tanto, – disse Ginny, que também estava sentido as tentativas de derrubar as proteções da casa.

— Eu te amo, Ginevra Potter, e vou te amar nessa vida e em todas as outras, – respondeu, dando um beijo rápido na esposa e pegando Lily no colo. Não havia tempo a perder.

Com um feitiço rápido percebeu que estavam cercados e que haviam mandado um grupo para a sua casa. Esse ataque não era como o que havia matado os seus pais – não havia profecia e traição, uma figura singular poderosa que os pegara desprevenidos. Uma dúzia de pessoas estava ao redor do chalé e nenhuma delas estaria disposta a deixá-los em paz.

— O flú está bloqueado e levantaram barreiras anti-aparatação, – Ginny sussurrou, parada ao lado da lareira, – nós teremos que lutar. As nossas proteções vão cair mais cedo ou mais tarde.

A única saída seria chamar por reforços e esperar que chegassem a tempo. Se não conseguissem entrar na casa, fariam o que fizeram com Luna e apenas incendiariam tudo até que a única escolha fosse sair. Preparou a sua memória mais feliz e tentou realizar o feitiço uma, duas, três vezes, sem sucesso.

— Eu tentei enviar um patrono, mas algo está me bloqueando, – respondeu frustrado, Lily chorando baixinho em seus braços, sem entender a agitação dos pais.

— Eles estão ficando mais fortes, Harry, como a gente sempre disse, – o tom de voz da ruiva continuava firme, mesmo com as lágrimas acumulando nos olhos castanhos que tanto amava, – e agora só temos um ao outro.

Ginny caminhou até onde estava com Lily, o cabelo solto e varinha em punho, pronta para lutar por sua vida – porque era pouco provável que conseguisse escapar ilesa, não quando o plano desesperado que haviam feito dependia de que fosse a linha de frente.

— Mamãe te ama muito, Lily, mais do que o sol, a lua e as estrelas, – disse séria, dando um beijo demorado na testa da filha, que apenas chorou mais, – nunca se esqueça disso, tá me entendendo? Nunca.

— Ginny…

— Eu te amo, Harry, – as lágrimas escorriam livremente por seu rosto agora, – você sabe o que precisa fazer.

E virou-se para a porta, pronta para o que fosse acontecer, enquanto Harry subiu as escadas e correu até o quarto de Lily, a depositando no berço com delicadeza, dando um beijo nos cachos ruivos antes de começar o trabalho que precisava fazer. Era um plano absurdo e que possivelmente não funcionaria, mas estava desesperado. Ele e Ginny sempre souberam que um dia como esse chegaria.

Usando um diffindo rápido, cortou a palma de sua mão e começou a ativar as runas que havia desenhado no berço de madeira, enquanto entoava uma melodia repetitiva que daria início ao ritual que descobrira pouco antes de Lily nascer.

A sobrevivência de Harry 28 anos atrás fora um misto de sorte, destino e magia, algo que não podiam contar no momento – havia sido uma combinação de elementos muito específica que seria impossível de replicar. O que estava fazendo por sua filha era potencialmente ilegal e o deixaria com sequelas para o resto da vida, caso conseguisse sobreviver, mas o grande ponto é que provavelmente não iria – o ritual que havia escolhido demandava um sacrifício grande o suficiente para salvar a vida de outra pessoa.

Sentiu a barreira protetiva cair e continuou com o seu feitiço, sabendo que tinha minutos para conseguir finalizá-lo. O cheiro de fumaça entrava pela janela, indicando que já havia começado a incendiar a casa – o que, se fosse sincero, era algo tolo da parte do grupo, já que moravam em Hogsmeade e mais cedo ou mais tarde alguém notaria e chamaria os aurores.

Voltando-se para Lily, que o observava com grandes olhos esmeralda, deu um sorriso trêmulo, traçando em seu rosto runas, para proteção, desenhando algiz em sua bochecha direita, o formato o lembrando ironicamente dos chifres de um cervo, e para coragem, traçando uruz na sua bochecha esquerda, um simples u invertido, e para sorte e iluminação, desenhando sowilo em sua testa, um gosto amargo em sua boca enquanto replicava o formato que lembrava vagamente o raio que carregava.

— Lily, minha princesa, o papai te ama muito, – repetiu de novo e de novo, enquanto dava sete voltas ao redor do berço em sentido horário, a sua magia se acumulando em ondas ao redor da garotinha, – e perdão, perdão por não conseguir te proteger.

Respirou fundo e se preparou para o ponto final do ritual, mas antes que pudesse terminar, ouviu os passos pesados subindo as escadas. E se eles haviam conseguido chegar até onde estavam, significava que Ginny… Mas não poderia pensar em nada além de proteger Lily.

— Isso vai doer um pouco, princesa.

E, segurando o rosto da sua filha nas mãos, depositou toda a sua magia na menina, que gritou de dor, chorando cada vez mais alto. O sangue em suas mãos, no berço, no rosto de Lily, as gotas que haviam caído no chão do quarto, todo ele brilhou em dourado por alguns segundos até sumir, deixando apenas Harry, fraco, exausto e dolorido, suor frio o fazendo tremer dos pés à cabeça. Soltou a filha e virou-se para a porta, mas ninguém havia entrado nos poucos segundos em que ficara caído.

Harry tentou se consolar com o fato de que seus filhos não passariam pelo que ele havia passado – os Weasley cuidariam das crianças e eles cresceriam junto aos seus inúmeros primos, tios e agregados. Andrômeda também se faria presente, estava certo, mesmo com a dor de perder um pouco da família que lhe restava.

Pensou no pequeno James, correndo pela casa e aterrorizando o gato com seus abraços sufocantes, e em Al, com seu rostinho sério e olhos inteligentes demais para a sua idade. Forçou-se a pensar em Ginny, em meio a dor da perda, sabendo que nunca mais veria o seu sorriso radiante. E, virando-se para Lily, começou a chorar. Era um adeus. 

Harry passara a vida inteira ouvindo como era parecido com o seu pai, em seu rosto e cabelo e propensão a se envolver em problemas. Mas ninguém parecia lembrar que ele era filho de Lily, corajosa e destemida Lily Evans-Potter, para além da cor única de seus olhos.

Porque a figura encapuzada que caminhava em sua direção significava que Ginny havia caído. Porque seus filhos estavam na casa dos avós, mas não todos, não a sua pequena princesa que mal havia completado um ano.

Porque Lily Evans-Potter havia dado a sua vida para salvá-lo e Harry estava prestes a fazer o mesmo por sua filha, que herdara o mesmo verde esmeralda que a ligava a avó.

— Eu te amo, Lily, papai sente muito pela dor, calma, – mas com Harry chorando, não havia chance de que a menina parasse, – você vai ficar bem, meu amor, tudo vai ficar bem.

— Eu não contaria com isso, Potter.

Na porta estava apenas uma figura em preto, a máscara que usava rasgada e sangue escorrendo de sua bochecha, mas conseguia ver outra escondida no corredor escuro, apoiando-se na parede, como se estivesse ferida. Ginny havia lutado até o fim e levando uma dezena junto com ela, pelo que parecia.

— O que você quer? Não basta a destruição que já causou aqui? – perguntou, tentando comprar tempo, sem saber o porquê, mas acreditando que alguém teria chamado as autoridades a essa altura. O fogo não havia parado.

— O que eu quero? Você e sua família no lugar em que pertencem, – respondeu, levantando a varinha para o peito de Harry, – no inferno.

Harry, que havia dado toda a sua magia para a chance de proteger a sua filha, apenas se preparou para o inevitável. Não havia escudo que parasse a maldição da morte e usara todas as suas cartas anos antes, então apenas ergueu a sua cabeça e encarou o seu destino, como fizera de novo e de novo, sabendo que serviria para um propósito maior.

Porque apenas a morte pode pagar pela vida – porque não existia nenhum sacrifício mais potente. Lily estaria segura. Verde invadiu sua visão. 

Lily estava segura.


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Notas finais do capítulo

Então gente, é isso o que temos para oferecer hoje, aceito comentários, sugestões, críticas...

Até a próxima!



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