Cursed escrita por Daroon


Capítulo 8
Capítulo VII: Aceitação




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Ao abrir os olhos, desviou-os para o relógio de parede do outro lado da sala, ficando surpreso ao ver que estava tão tarde. Não parecia que tinha passado tanto tempo, mas pelo visto o tempo se passava diferente lá. Não tinha muito o que fazer além de ficar sentado e refletir sobre as coisas que o seu lobo falou, que não foram praticamente nada, apenas lhe deixou com mais dúvidas. 

Tudo o que lhe restava era esperar por Shinso. Algumas dúvidas o cercavam, mas nada superava sua curiosidade em saber sobre o imprinting. Por mais que o seu lobo tenha dito que não era o momento para ele saber, que o foco estava neles se unirem e Bakugou entender seus sentimentos, aquela pulguinha atrás de sua orelha lhe dizia o contrário.

Fechou os olhos e deixou sua cabeça cair no estofado do sofá, não tinha muito o que fazer além de ouvir o barulho do relógio, deixar sua mente afundar no som do ponteiro dos segundos, que por incrível que parecesse conseguia fazer um som alto. Tudo seria ampliado. Foi o que ele tinha dito, e isso o fez questionar até onde. Escutou os passos de Shinso se aproximando da porta — reconhecia os seus passos —, ponderou se ele conseguiria ouvir de uma distância ainda maior do que já ouvia.

— Cheguei — anunciou o vampiro, numa casualidade que Bakugou não esperava.

Shinso o observou sentado na sala, confortavelmente no chão, enquanto o encarava igualmente. Alguma coisa tinha acontecido para que o lobo ficasse dessa maneira. E pela forma que seu olhar transmitia, ele queria conversar. Era algo importante, sabia disso. Sentia.

Por isso, apenas se redirecionou até a cozinha onde estava o bloco de notas e a caneta, pois não vislumbrou nada próximo do outro. Retornou para a sala, e apenas sentou-se do lado de Bakugou antes de entregar o bloco e a caneta, os quais ele prontamente pegou e escreveu rapidamente.

“Você me ajudaria?”

Shinsou olhou bem para o papel e a caligrafia impecável para em seguida olhar profundamente nos carmesins do lobo. Por mais que ele não tenha dito nada, o que tinha acontecido em sua ausência ou até mesmo proclamado o que o seu lobo interior dissera, Bakugou fez algo diferente naquele momento. Ele não exigiu. O Bakugou de antes teria exigido a sua ajuda, mas desta vez, ele pediu. E o seu olhar implorava por aceitação.

Não evitou de sorrir, deixando Katsuki agitado devido ao ronronar que escutou do lobo. A pulga atrás de sua orelha, queimando, exigindo que buscasse por respostas em vez de esperá-las. Era horrível ter seu estômago revirando-se em indecisão.

— É claro. — Poderia ter dito que estava ali justamente para ajudá-lo; mas não pareceu ser apropriado. Sentiu que seria falso, porque ele não era obrigado a ajudá-lo, o Conselho não mandava em si, mas aquilo, era diferente. Definitivamente.

Observou cuidadosamente o lobo ficar escrevendo no bloco, rápido, mas preciso, não deixando que afetasse sua caligrafia. Quando terminava o papel, deixava de canto, acumulando as informações. E Shinso não pressionou, algo que Katsuki percebeu; deixando-o aliviado, confortável.

Deixou em ordem os papéis e entregou-os para o vampiro, que leu calmamente, não deixando de frisar as sobrancelhas em uma parte específica: “Ele disse que você precisava ficar perto de mim para que a dor fosse mínima". Era deveras curioso essa parte, mas, por enquanto, deixaria de lado. Por isso, tornou a olhá-lo.

— Quando quer começar? 

Algo se agitou dentro de si quando Shinso lhe fez essa pergunta. 

Estava com medo.

“Podemos conversar antes?”

Se Hitoshi percebeu sua apreensão, não disse nada, apenas concordou. 

Ajeitaram-se no chão para ficarem mais confortáveis. Apesar de terem o sofá, o conforto não seria o mesmo, àquela distância entre eles ao mesmo tempo aquela aproximação que se consegue apenas quando no chão, sem invadir o espaço pessoal.

Outro papel foi empurrado para si.

“O que planeja fazer depois… de tudo?”

O vampiro piscou uma, duas, três vezes antes de ponderar e dar de ombros.

— O de sempre: ficar em casa, ler relatórios, livros.

“Não fica entediado?”

Sorriu ladino, passando a olhar nos olhos vermelhos e curiosos do lobo.

— Quando se passa a eternidade perto demais da ação, você apenas quer a corriqueira de um dia comum. — E isso atiçou ainda mais Katsuki, que espontaneamente aproximou-se do outro; completamente alheio disso, menos Shinso. Não faria mal contar um pouco, pensou o vampiro. — Antes da criação do Conselho, vivíamos em constantes guerras para o domínio de terras, inclusive os humanos.

A simples menção da raça deixou Katsuki em alerta. Nunca tinha visto eles, nem mesmo eram mencionados na Instituição, como se não fizessem parte da história do sobrenatural.

— Diante de tantas guerras, existiam aqueles que queriam viver em harmonia, paz. Mas eram tempos complicados. E quando tentaram, laços de confiança foram quebrados. Minha família foi massacrada. Então um grupo de seres se uniu, pois se era para criar um mundo diferente, sem guerra, precisaria fazer de outro jeito.

E a pergunta foi escrita rápida, quase ilegível.

“Vocês mataram… de dentro?”

— Sim — respondeu, sem emoção, lembrando-se nitidamente do massacre que ocorreu; tudo pela paz. — Mas foi inútil — continuou —, pois éramos em menor número — suspirou. — Por isso foi feito um acordo; uma separação. De um lado, aqueles que queriam a paz e do outro… bom, eles.

“Então, ainda vivem lá?”

Shinso sorriu.

— Não. Com o passar dos anos, eles se levaram à ruína e, com o Conselho ganhando força, foi fácil.

“E os humanos?”

— Muitos morreram. Outros viveram conosco, mas a sua linhagem parou. Digamos que nem tudo era perfeito do nosso lado, e uma bruxa amaldiçoou-os. Descobrimos isso tarde demais, mas ela foi punida.

“Igual a Margaret?”

Analisou bem a pergunta antes de responder: 

— Sim, igual a ela.

E seus olhares se encontraram, sendo quebrado rapidamente por Katsuki, com outra pergunta, uma que atiçou Shinso ao ponto de ele se questionar sobre o que o lobo mencionou para Bakugou.

“O que é um imprinting?”

Katsuki poderia jurar que ouviu seu lobo rugir “tolo” para si. Sabia que tinha ido contra o que ele tinha lhe dito; mas se o lobo pensava que mandava nele, estava redondamente enganado. Sua teimosia era algo difícil de ser mudado. A demora de uma resposta, o deixou ansioso, ainda mais quando o vampiro o analisava, como se quisesse entrar em sua mente. Por isso, tratou de escrever outra nota.

“Eu li isso numa capa de um dos seus livros. Na biblioteca de sua família. Fiquei curioso.”

Era mentira. Shinso sabia disso; por mais que tivesse realmente um livro deste em sua biblioteca. No entanto, o vampiro preferiu ignorar e tentar entender o motivo da pergunta, então respondeu:

— Falando de maneira simples: é algo dos lobos. Na verdade, era deveras comum antigamente e muito lindo; porém, devastador em vários sentidos. — Aquilo deixou Bakugou em alerta, tenso. O que não passou despercebido pelo olhar avaliativo de Hitoshi, que continuou: — Antes, quando os lobos viviam em sintonia, como você quer fazer… bom, era comum eles saberem realmente o que era um imprinting e já ficarem preparados para quando acontecessem. Esse fenômeno é quando conhecem a sua alma gêmea.

Katsuki arregalou os olhos, prendendo a respiração. O lobo dentro de si, estava silencioso. Hitoshi desviou o olhar para o coração disparado do outro. 

— Por mais que seja algo lindo ter uma alma gêmea, digamos que naquela época, com tantas intrigas por diferenças, acontecia de lobos encontrarem suas metades em outras raças. Não aceitando isso, muitos mataram, levando-os à loucura. E depois disso, e de outras coisas, foi decidido de jamais se unirem — falou o vampiro.

Um breve intervalo de silêncio se estabeleceu no ambiente, o que fez Hitoshi ter tempo o suficiente para pensar que existia a possibilidade do lobo ter achado a sua alma gêmea. Outro papel surgiu.

“Sendo alguém que já viveu antes do Conselho existir... Qual a sua opinião sobre isso?”

E então, veio outro, como se precisasse explicar sua pergunta antes que o vampiro tirasse qualquer conclusão precipitada; mas até mesmo com essa desculpa, chegaria na mesma opinião.

“Apenas curiosidade…”

Shinso chegou na conclusão de que Katsuki achou sua alma gêmea. E certamente era alguém de outra espécie.

— Como alguém que viveu bastante, você percebe que essas coisas, temer a sua metade por ela ser diferente de sua raça, é tolice. Até porque quando se fica com alguém olhamos o  seu interior. A sua essência. É claro que ainda existem sobrenaturais que não gostam disso; mas esse tipo de processo demora. É quase como procurar a resposta para o sentido da vida. Cada um terá uma, e cada um irá procurar a sua no seu tempo. Outros nem tentam. É assim que funciona quando um sobrenatural mantém sua mente fechada para certas ideias. Até ele abrir sua mente para novas possibilidades, ele se manterá dentro de uma caixinha. Então, Katsuki, você não deve me perguntar se eu me importo com isso, você deve se questionar se você se importa. Eu não me importo de ficar com alguém de outra raça; mas… e você?

Hitoshi permaneceu encarando os olhos de Katsuki, até ele desviar para qualquer ponto da sala que prendesse sua atenção. Era estranho pensar nisso, na verdade. Pela forma que foi criado, era errado se misturar com outras espécies; mas, agora, com tudo o que estava acontecendo com ele, até onde ele chegou por causa de sua criação, perguntava-se constantemente o que era correto? 

Muitas coisas poderiam ser corretas para os outros; mas era totalmente errado. E muitos questionaram sobre isso, mas também esquecemos de nos questionar o que vale para as nossas vidas? Seguir as ideias dos outros? Seguir sua própria opinião? Ou analisar ambas as questões e seguir aquilo que te fazia feliz e completo?

Não era difícil de saber qual era a resposta, basta querer aceitá-la.

Com um aceno, Katsuki apenas perguntou:

“Vamos começar?”

Então ambos se prepararam. Bakugou deitou no sofá, enquanto Shinso permaneceu sentado no chão; perto como o outro pediu. Com um longo suspiro, o lobo se concentrou. O vampiro não sabia como funcionava esse tipo de conexão, o que tinha ouvido era uma coisa simples de ambos se encostarem dentro da mente, como se estivessem fazendo uma fusão. Para falar a verdade, o que falaram ser simples parecia ser muito complexo na sua opinião. 

Mas ele não esperava aquele tipo de cenário. Já tinham falado que o processo poderia ser doloroso, mas Katsuki falou que seria menor caso ele estivesse por perto; o que claramente não parecia ser o caso. Levantou-se assustado do chão quando escutou o coração do lobo bater fortemente, assim como seus dentes rangendo. A forma que ele se debatia em seu sofá e gemia de dor, o deixou preocupado e o pior daquilo era que não podia interromper. Quando faziam isso, o lobo entrava em estado vegetativo.

Crispou os lábios diante do sofrimento do outro, mas não distraiu-se para não perceber o desespero de Katsuki ao movimentar o braço em busca de apoio e seu rosto passando a transbordar em lágrimas devido a dor. Sem hesitar, deu a sua mão, percebendo instantaneamente a calmaria que atingiu Bakugou. Franziu o cenho antes de sorrir ladino. As peças tinham enfim se juntado.

Bakugou, alheio aos acontecimentos ao seu redor, afundava-se cada vez mais em memórias e sensações. De maneiras tão aleatórias. Em um momento, ele se lembrou de um ocorrido quando criança; a forma como sua mãe o tratava, mas mesmo assim, naquela época, ele não tinha sentido nada, era como se não tivesse sido afetado pelas palavras. 

Sentimentos que deveriam ter sentido com a morte de seus pais. Mas nada. Tudo vinha como um borrão, mas tão nítido. E pensar que naqueles momentos de sua vida deveria ter sentido aquelas sensações. Tudo porque o seu lobo interior sugou a dor para si, impedindo de Katsuki sentir. Ele achava que estava ajudando, pois ele era apenas uma criança. Com os anos, percebeu como suas escolhas o afetaram drasticamente. 

Estava se sentindo desesperado, sufocado em meio a tanta dor; mas então… passou. Encolhido em meio ao vazio, chorando e implorando, algo quente o acolheu, como se sussurrasse que estava tudo bem, abafando tudo que estava machucando-o. Apenas a dor suportável passou sobre si. E Katsuki deixou ser levado por aquele sentimento reconfortante em meio a aflição.


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