Carol of The Bells escrita por Sternenritter


Capítulo 1
Best Wishes




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04:22 am. Segunda, Zona rural de Red Deer  Red Deer, Alberta (Canadá)

Quando meu pai disse que tinha um trabalho pra mim, sendo sincero, não imaginei que seria isso. Há quase uma semana minha rotina se resume a dirigir e acompanhar uma ruiva — lindíssima, diga-se de passagem — por alguns dos lugares mais remotos do condado de Clearwater. Ela se chama Orihime Inoue e é bióloga. Desde sua chegada — na quarta passada — ela tem me feito levá-la frequentemente ao lago mais peculiar do país, onde costuma passar várias horas pesquisando atentamente.

O Lago Abraham é um lago artificial em pleno rio Saskatchewan do Norte. É uma das paisagens mais bonitas do Canadá, mas é famoso mesmo por sua característica explosiva: as bolhas de gás metano formadas sob o gelo, deixando o lago com reflexos esbranquiçados incomuns.

Entre a primavera e o início do verão o lago vai descongelando aos poucos, e o metano sobe até a sua superfície. Nesse momento, caso algum curioso decida romper algumas camadas de gelo ainda existentes pela extensão do lago, poderá notar como o gás escapa visivelmente pela fenda aberta. Isso permite constatar a presença do gás e, até mesmo, produzir fogo, que se alastra vigorosamente por vários metros acima.

O incrível fenômeno das “bolhas de metano” faz do Abraham o lago mais original do Canadá e desperta muito interesse, tanto que a ruiva fez questão de visitá-lo em pleno inverno canadense — que tem início no dia 21 de dezembro.

De acordo com ela, o lago tem em seu interior uma vegetação capaz de liberar o gás dependendo das condições. Ela disse que ao atingir regiões próximas à superfície do lago, o metano congela, produzindo as famosas “bolhas de gás”, que podem ser vistas facilmente na superfície das águas, especialmente agora, quando é possível caminhar sobre o lago. Porém, a ruiva não está interessada no gás, mas sim nas flora e fauna bastante exóticas, típicas dessas regiões rochosas proeminentes no Canadá.

— Estou pronta, Ichigo — disse a ruiva que tinha acabado de colocar suas coisas no carro — Vamos, são umas boas horas de estrada e gostaria de chegar cedo.

— Você quem manda.

O percurso de Red Deer até o lago Abraham dura duas horas, variando de acordo com as condições climáticas. E como a senhorita Inoue gosta de chegar cedo ao lago, precisamos sair de casa ainda mais cedo e felizmente nunca tivemos problemas e nem fomos surpreendidos por nada no percurso.

Até hoje…

— Papai, papai!! Eu quero ir, me deixa ir!

Kazui, meu filho, desceu a escada correndo e se jogou nos meus braços. Ele já tinha manifestado seu desejo de ir ao lago Abraham, já que nunca o viu, e Orihime — de quem ele ficou incrivelmente amigo bem rápido — sempre disse que ele poderia ir se eu permitisse. Nunca o proibi de vir conosco, contudo ele nunca acordaria no horário e — caso acordasse — reclamaria o tempo todo, como todas as crianças de seis anos que dormem pouco.

— Filho, já conversamos sobre isso...

— Orihime disse que eu posso ir. Eu até acordei sozinho. Por favor.

Kazui me encarava fixamente com seus olhos brilhando em esperança, testa franzida e a boca formando um bico — o mais fofo e pidão possível. O jeito como ele erguia impaciente o corpo com a ponta dos pés, segurava forte na barra do agasalho e murmurava deixavam bem claro como ele ansiava por isso. 

— Claro que pode ir… — manifestou-se a ruiva que abaixou-se bem ao lado de Kazui e afagou delicadamente seus cabelos. — Mas tem que seguir as regras que seu pai pediu. Certo, Ichigo?

— E tem que pegar um gorro e mais um casaco… — falei e imediatamente um sorriso largo brotou no rosto de Kazui, que saiu correndo pra dentro de casa. — E UM PAR DE LUVAS!

Encarei a porta da casa por um tempo e não pude deixar de respirar fundo, agora mais ansioso que uma criança de seis anos em sua primeira ida a um lugar novo.

— Você é muito protetor com ele… — comentou a ruiva que agora estava ao meu lado.

— Vai dizer que sou um pai careta?

— Não, na verdade é bem bonito. 

— Todos os pais são assim…

— Você sabe que não — ela rebateu com um riso debochado. — Esse é o seu jeito de perguntar sobre o meu pai?

— Pode ser… — Ri enquanto me recostava no carro. — Você nunca disse nada e meu velho não me deu muitas explicações quando disse que você viria, só disse que era boa pessoa. E que você é a prova de balas, não entendi bem essa parte.

A ruiva me encarou por alguns segundos, como se ponderasse as palavras, e justamente quando ela ia falar Kazui aparece. O garoto correu até nós e se jogou nos meus braços, como sempre fazia, mas dessa vez ofegava mais que o de costume.

— Pronto, peguei tudo!

— Parece que sim, Kazui. — a ruiva disse com um sorriso engraçado na face, quase me fazendo jurar que ela estava aliviada por não ter que me falar sobre sua vida. 

— Vamos, vamos!!

Kazui pulou rapidamente no banco de trás do carro, ao lado da mochila de Orihime, e começou a fazer as mais diversas perguntas sobre o lago e tudo que passava pela janela. A ruiva que ocupava o banco do passageiro, muito bem recostada e admirando a paisagem como sempre costumava fazer, respondia prontamente a todos os questionamentos do mais novo. 

Me alegrava ver meu filho tão empolgado com algo e conversando abertamente com alguém, mesmo que isso significasse que ele ficaria levemente rabugento e irritadiço pelo meio-dia e que eu teria que aturar isso por algumas horas. Um preço baixo a se pagar.

 

10:15 am. Segunda, Lago Abraham  Condado de Clearwater (Alberta)

Pensei que Kazui nos encheria de perguntas a viagem inteira, mas depois de quinze minutos ele preferiu observar a paisagem que acompanhava a estrada, quilômetros de montanhas com picos nevados e cobertas pela tundra gelada, perguntando algumas coisas de vez em quando. O garoto estava tão encantado que nem reclamou de ter que caminhar conosco, quase um quilômetro, até chegar nas margens do famigerado lago Abraham. 

Chegando lá, Orihime partiu para sua pesquisa, fazendo as mesmas coisas que a vi fazer nos últimos dias, e eu fiquei com Kazui. Nós demos uma volta pelo lago, mas logo ele se cansou — como imaginei que faria — e pediu para que parássemos em algum lugar. Acatei seu pedido e me sentei em uma pedra com Kazui em meu colo e uma cesta com comida próxima — já prevendo que ele me pediria algo para comer ou beber.

Algumas horas depois, como previsto, ele começou a reclamar de sono e felizmente Orihime tinha terminado com sua pesquisa. Depois do começo de manhã eufórico, e me arrisco a dizer da noite mal dormida, Kazui sequer ousou questionar a nossa partida e rapidamente adormeceu no banco de trás do carro. A volta estava sendo infinitamente mais silenciosa que a vinda.

Kazui dormia profundamente no banco de trás e Orihime, como sempre, mantinha toda a sua atenção no caderno em suas mãos. Vários minutos depois ela guardou as anotações e fixou sua atenção na paisagem, só vindo a falar depois de respirar profundamente algumas vezes.

— Seu pai costuma dizer que sou “a prova de balas” porque sou alguém sem nada a perder.

Ri baixo sem tirar os olhos da estrada antes de questioná-la:

— Como assim? Todo mundo tem algo a perder.

— É uma história longa e triste. 

— Temos duas horas de estrada e, sinceramente? Estou curioso. 

Orihime ajeitou-se em seu banco após direcionar-me um sorriso amarelo e falou:

— Minha mãe morreu no meu parto e eu fiquei com meu pai que, infelizmente, era um empresário bem sucedido do ramo imobiliário. Ele raramente parava em casa, sempre ficava com os criados...

— Criados? 

Ela assentiu sem tirar os olhos da paisagem e continuou a falar.

— Um mordomo, uma cozinheira e uma faxineira. Não era uma casa enorme, mas parecia… pelo menos para uma criança. Enfim, um dia meu pai saiu pra uma de suas viagens e não voltou, o avião dele pegou fogo e todos os tripulantes morreram.

— Que triste… — lamentei olhando-a de relance com um olhar ameno. — Sinto muito.

— Tudo bem! Já superei. 

Desde a primeira vez que coloquei os olhos em Orihime notei seu espírito forte, porém — por mais que ela tentasse manter a pose de durona — era perceptível que esse assunto a afetava.

— Sumarizando o resto… — Ela respirou fundo e virou o rosto para me encarar. — Me casei aos dezoito, tive um filho e uma vida feliz pelos seis anos que se seguiram… Porém, poucos dias antes do meu aniversário de vinte e quatro anos, meu marido e meu filho foram vítimas em um atentado no centro de New York. Perdi os dois e depois disso me tornei parecida com o meu pai, sempre viajando pelo mundo, nunca parando em um lugar só. Se a vida é tão frágil, se pode acabar tão rápido, é melhor que eu aproveite e conheça o mundo o máximo que posso.

— Eu… — comecei a falar alternando o olhar entre ela e a pista. — Entendo o seu apelido agora, mas confesso precisar de mais tempo para digerir tudo. A sua vida foi bem intensa até agora.

— Sabe o que isso tudo tem em comum?

— Nem imagino…

— Tudo aconteceu no dia vinte e quatro de dezembro.

— Por isso que você trabalha no Natal?

— Costumo dizer que não, mas reconheço que estou apenas mentindo pra mim mesma. Poucas foram as vezes que aproveitei o Natal como uma pessoa normal, em família...

— Vai ter mais uma chance este ano. — Pisquei para ela enquanto mantinha um sorriso divertido na face. — Você não tem data pra ir embora, ou seja: vai estar aqui dia vinte e quatro.

— E daí?

— E daí que eu estou te convidando pra jantar conosco e depois ir até a festa comunitária. É uma tradição aqui. Natal e Ano Novo são comemorados no salão da cidade, sempre é animado. Sei que você planeja passar a noite trancada com suas coisas chatas, mas me dê, se dê, uma chance.

Ela me encarou por alguns segundos — que pareceram intermináveis, diga-se de passagem — e logo abriu um sorriso radiante. Orihime era linda e tinha o dom de ficar ainda mais quando sorria, principalmente quando as covinhas em suas bochechas se tornam notáveis. 

— Se você cozinhar tão bem quanto o Kazui alega… — Ela riu me encarando. — Tudo bem. É melhor do que ficar sozinha no hotel e a festa parece divertida. Considere o convite aceito.

— Ótimo, senhorita Inoue. Espero você no dia vinte e quatro, às oito da noite.

 

02:33 pm. Quinta, Casa dos Kurosaki  Red Deer (Alberta)

O sol do dia vinte e quatro se ergueu mais brilhante do que nos dias anteriores, tanto que trouxe um ar de vida nova a tundra congelante de Alberta. Kazui, diferente daquela segunda, não acordou cedo, e eu contava que continuasse assim, para que eu pudesse me aproveitar da paz matutina e pôr em prática — ou pelo menos começar — as preparações para a noite.

Orihime não escondia seu receio quanto às minhas habilidades culinárias, mas eu — como pai solteiro — a deixarei surpreendida. Mesmo com as várias alegações de Kazui sobre como minha comida era saborosa, e com meu pai que já devia lhe ter advertido, ela continuava a duvidar. 

Meu pai…

Meu velho sempre foi muito mulherengo, mas nunca me empurrou pelo mesmo caminho. Ficou muito feliz quando ganhou um neto, e muito triste quando descobriu sobre a partida da mãe dele. Desde este dia ele tenta — sutilmente — me arrumar alguém. Sempre me apresentando as amigas dele, ou filhas das amigas dele. Nunca deu certo, me irritava um pouco, e com o passar do tempo ele pareceu perceber isso e interrompeu suas tentativas de casamenteiro.

Sempre me considerei um pai exemplar, sempre considerei que Kazui e eu estamos muito bem e que não precisamos de ninguém. Mesmo assim, às vezes, me vem um sentimento de vazio, como se me faltasse algo imaterial. Por mais que eu não queira admitir, por orgulho de ter que assumir que meu velho estava certo, o Kazui precisa de uma figura materna. E, nesses poucos dias, ver como ele interagiu tão bem com Orihime me faz imaginar se isso não foi coisa do meu pai. Mandá-la para este fim de mundo gelado.

Se foi… preciso agradecê-lo depois!

Essa mera possibilidade encheu meu peito com uma alegria fulminante, que mantenho muito bem escondida. Ver como o sorriso de Kazui se ilumina com a mera presença dela me dá esperanças de que, desta vez, eu consiga algo. Porém, preciso convencê-la a permanecer aqui e, creio eu, que não será tarefa fácil — principalmente depois de saber sobre a série de acontecimentos traumáticos em sua vida. O jantar de Natal? Uma forma genial, pelo menos na minha cabeça, de tentar convencê-la a me dar uma chance. A festa da cidade? Um meio de me aproximar mais dela, em todos os sentidos.

Só espero não estar bancando o idiota romântico...

 

08:00 pm. Quinta, Casa dos Kurosaki  Red Deer (Alberta)

Pouco antes das oito Kazui já estava pronto e eu, à medida que se aproximava a hora de Orihime chegar, ficava cada vez mais nervoso e ansioso. Kazui também estava um pouco ansioso, porém não pela mesma exata razão que eu e quando Orihime chegou pontualmente, como sempre costumava fazer, foi imediatamente atacada pelo garotinho.

Orihime passou a maior parte do tempo dividindo sua atenção entre Kazui e eu, sendo atenciosa o máximo que podia. Enquanto ela se distraía com Kazui, algo bem frequente, eu a admirava discreta e imperceptivelmente. Estava linda com seu vestido verde e cabelos presos. Era estarrecedor como ela conseguia manter-se assim, linda, apesar do grosso casaco que acompanhava sua vestimenta para aguentar o frio do inverno.

Jantamos poucos minutos após a chegada dela, já que a festa estava começando e Kazui alegou estar com fome. Durante o jantar, que correu muito bem, Orihime convenceu Kazui a comer algumas leguminosas que não gostava — o que me deixou surpreso — e, ao fim dele, acabou por reconhecer minhas habilidades culinárias como superiores às dela, mesmo que a contragosto.

— E agora? — perguntou-me a ruiva que sorria amplamente, mais que de costume.

— E agora nós vamos para o salão… — respondi olhando o relógio. — Começa cedo e termina cedo. É muito frio para ir até muito tarde.

— E o Kazui? — indagou preocupada.

Fixei meu olhar nas escadas que levavam ao primeiro andar da casa, na expectativa que o garotinho surgisse de lá com os casacos que havia ido buscar, antes de respondê-la:

— Está ansioso para ver uma amiga, você nem vai perceber que ele estará lá. E depois ele dorme cedo, como sempre.

— Se você diz.

 

08:58 pm. Quinta, Salão de Baile da Cidade  Red Deer (Alberta)

O salão estava exuberante. Completamente adornado com luzes natalinas ao longo da parede, cortinas vermelhas e brancas esvoaçantes delimitaram as janelas, canhões de luzes voltados ao globo espelhado que coroava o centro da pista — preenchendo o ambiente com reflexos coloridos em todas as direções. A música de fundo tocava em volume suficiente, porém pouco abafaram os murmúrios daqueles que preenchiam a pista de dança.

O percurso até aqui foi breve e, assim que chegamos, Orihime acabou chamando mais atenção do que imaginei que faria, fazendo com que a música que tomava o ambiente não fosse suficiente para abafar os cochichos curiosos. Não demorou muito para meus amigos começarem com as piadinhas, e também para Kazui se perder pelo salão com a filha de Renji.

Ciente de que meus amigos tentariam, a todo custo, me envergonhar de alguma forma, me retirei com Orihime para o outro lado do salão. A apresentei a muitas pessoas e todas reagiram da mesma forma, com os mesmos elogios e cumprimentos para a ruiva. Após algumas rodadas de bebidas, aperitivos insípidos e muito papo furado eu, finalmente, a tirei para dançar.

A música era lenta, não mais lenta que algumas anteriores. Felizmente, ao contrário do que imaginei, ela aceitou prontamente meu pedido e logo tratou de nos guiar pelo salão — talvez tivesse bebido demais, mas não parecia. Os primeiros passos foram em silêncio de ambas as partes, entretanto minha mente estava barulhenta enquanto maquinava como começar a conversa.

— Você tem razão… Todo mundo aqui é bem acolhedor, apesar do clima.

— Como é? — indaguei mais aliviado que desconfiado por ela ter iniciado a conversa.

— Não sabia? Cientificamente pessoas que vivem em lugares frios são mais reservadas. 

— Não inventa!

— É verdade! — Ela riu de forma sutil, sempre me encarando de forma penetrante, como se a pouca distância já não bastasse. — Escuta…

— Hm?

— Eu queria lhe perguntar antes...

— Sobre a mãe do Kazui?

— Sim, mas tudo bem se não quiser falar sobre isso.

— Não, tudo bem. É justo depois de você ter me contado sobre você.

Nos encaramos por alguns segundos enquanto seguíamos o ritmo lento da música que preenchia o salão. Orihime me observava fixamente e era notável a expectativa em seu olhar, tão hipnotizante que me desconcertou por um momento.

— Eu não sei bem o que meu pai te contou, ou mesmo SE contou, algo sobre ele. Mas o senhor Kurosaki era, em toda a sua juventude, um “romântico incorrigível”.

— Ah, sei… — Ela riu novamente. — Do tipo que namorava todo mundo?

— Namorar é uma palavra muito forte, mas você entendeu. — Foi a minha vez de rir, principalmente quando Orihime perdeu seu equilíbrio por falta de atenção e tive de segurá-la mais próximo a mim. — Continuando… Ele nunca me incentivou a fazer o mesmo, sempre foi a favor que eu entrasse em um relacionamento sério. Acabou que isso aconteceu, mas com a pessoa errada. A mãe do Kazui nasceu aqui, cresceu aqui. Nos conhecíamos desde crianças.

— Mas ela te trocou por outro?

— Ela me trocou por uma oportunidade. Certamente imagino que também havia outro metido nisso. E compreendo que ela não queria se prender a cidade pra sempre, diferente de mim que não vejo problemas em ficar aqui. O que eu não compreendo e, sinceramente nem quero, foi a facilidade com a qual ela tomou a decisão de nos deixar. Foi tão… simples.

— Muito se fala sobre pais ausentes, porém as pessoas às vezes esquecem que mães também podem ser ausentes — a ruiva disse em um tom seco. — Eu não a compreendo. Meu filho era a minha vida e perdê-lo, de uma forma tão trágica, foi muito doloroso. Como o Kazui lida com isso?

Mordi o lábio sutilmente e desviei meu olhar do dela por alguns segundos, o suficiente para que ela sentisse que deveria intervir antes que eu me calasse. A ruiva tocou meu rosto de forma gentil com a mão que, enquanto dançávamos, estava repousada em meu ombro. O calor de seus dedos contra a minha bochecha foi o bastante para me fazer encará-la, mergulhando naquele olhar piedoso.

— Ele não sabe a verdade. Falei que ela viajou e que não voltaria… — Respirei fundo antes de retomar a fala. — Eu era jovem e estava perdido. Meu pai me apoiou, ele teve que me criar sem a minha mãe, ele foi muito importante pra mim nessa parte da minha vida.

— Tenho certeza que sim. Também sei que você encontrará o momento certo para dizer a verdade ao Kazui, mas por hora acho melhor evitar. Ele é muito novo pra receber, ou mesmo para compreender, uma notícia como essa.

— É, meu pai disse o mesmo.

— Aparentemente ele é bem sensato dando conselhos.

— Nem tanto… — Me permiti rir aliviado. — Depois disso ele começou a implicar que o Kazui precisava de uma mãe. Nem te conto quantas vezes ele tentou me empurrar pra alguém.

— Jura? — Ela riu alto — Isso eu imagino o seu pai fazendo. 

— Felizmente ele cansou e desistiu, eu acho.

— Acha?

Justo quando estava para falar minha teoria sobre a vinda de Orihime para a cidade, os sinos da igreja — seguidos de vários fogos coloridos — se fizeram ouvir de forma estridente. Atraindo toda a atenção do salão para a parte externa, onde o show de cores reinava soberano contra a pintura escura do céu gelado de Red Deer. 

A oportunidade perfeita…

— Eu não acho que tenha sido coincidência ele ter te mandado pra cá.

Subitamente a ruiva que se atinha ao espetáculo colorido voltou sua atenção a mim, encarando-me fixamente com um brilho incomum em seus olhos e um rubor tímido em suas bochechas.

— Baseado em...?

— Baseado nos traumas que temos, de proporções diferentes e que afetam a família; na sua necessidade, embora não queira admitir, de se prender a algum lugar; na minha necessidade de ter alguém, pra mim e pro meu filho. Orgulhosos demais pra admitir.

Não disse nada mais que a verdade e, talvez por isso, Orihime tenha permanecido me encarando em silêncio por vários momentos. Estava prestes a cogitar que exagerei quando ela, do modo maravilhoso que sempre fazia, alagou seus lábios em um sorriso amplo, caloroso e permitiu que um riso discreto e convidativo fosse ouvido.

— Parabéns, não é todo mundo que me deixa sem palavras.

— Só estou dizendo que…

— Sh… — Ela pressionou o dedo indicador sobre meus lábios e sussurrou sem quebrar o contato visual. — Eu sei exatamente o que quer dizer, Ichigo… 

A pressão que os dedos dela exerciam em meus lábios cedia, gradativamente, à medida que nossos rostos se aproximavam. Quando nossos hálitos colidiram, meu coração acelerou como o de um adolescente prestes a dar seu primeiro beijo; quando nossos lábios se tocaram, dando início ao mais prazeroso beijo da minha existência, ondas de choque — provenientes da adrenalina, eu acho — percorreram todo o meu corpo.

Os lábios eram macios e doces como pêssegos. Agarrei-a possessivamente, removendo a distância entre nossos troncos, apenas porque ela permitiu que assim fosse feito. O beijo durou segundos, que pareceram minutos, que eu gostaria que fossem intermináveis só por não saber o que dizer a ela quando nos separássemos.

— Eu acho que a véspera de natal não tem que ser desagravel para sempre… — ela começou assim que nossos rostos se separaram, logo depois de depositar um beijo molhado em minha bochecha. — Talvez você esteja certo.

— Não seria a primeira vez que você diz isso hoje… — provoquei para disfarçar o nervosismo.

— Talvez o seu pai estivesse certo e, me arrisco a dizer, pela primeira vez com razão.

— Isso quer dizer que você vai me dar uma chance? 

— Acho que meu subconsciente já te deu essa chance, antes mesmo disso tudo.

— Eu não vou te desapontar… — sussurrei quando peguei a mão dela e levei aos lábios, depositando um beijo casto em seu dorso. — Eu prometo.

— Também não vou te decepcionar. 

Estava tão feliz que esqueci-me completamente de onde estávamos, de todas as pessoas que viram o que aconteceu e, principalmente, de Kazui. Foi questão de tempo até que meu filho viesse até nós e se jogasse em meus braços, separando a mim e Orihime apenas o suficiente para que ele pudesse se encaixar em um abraço entre nós.

— Vocês não estão esquecendo de me contar nada?

— Acho que o seu pai esqueceu.

— Filho... — Pigarrei enquanto organizava mentalmente o que dizer a ele. — É que...

— Que a Orihime é sua namorada! Eu vi, pai. Não sou bobo.

Kazui falou tão casualmente, quase como um adulto, que quase me esqueci que ele só tem seis anos. Orihime o encarava com um semblante engraçado, um pouco perplexo pela audácia do menor em se posicionar tão abertamente.

— Estou feliz com isso! Sempre tive medo que o papai tivesse uma namorada que não gostasse de mim... — O garotinho depositou um beijo na bochecha da ruiva e em seguida na minha. — Mas eu gosto da Orihime! Ela é uma ótima amiga, muito inteligente e é muito bonita.

— Obrigada, Kazui.

— Quando foi que se tornou tão maduro? — indaguei afagando e bagunçando os cabelos do menor no processo. — Ficou feliz que você esteja feliz. Que vocês estejam felizes.

— Seremos ainda mais felizes, Ichigo — disse Orihime apertando a Kazui e eu em seu abraço, rapidamente correspondido.

Definitivamente, dentre todos os natais da minha vida, este será o mais memorável. O começo, ou recomeço, de vidas que precisavam desesperadamente disso. Deste pequeno momento de felicidade.


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