A Sétima Zona escrita por Isa Chaan


Capítulo 7
Coração gélido


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos leitores! Estão todos bem? Torço para que sim!
Trago-lhes mais um novo capítulo, e desta vez, temos novos personagens! Espero que gostem!
Boa leitura! :D



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/803420/chapter/7

07.

Música do capítulo

ZONA 4

Palácio de Gelo, Cordilheira dos Dentes Congelados –

Região noroeste de Iceberg

 

Em meio às nevascas e cordilheiras de montanhas congeladas, ficava o palácio de gelo.

Uma construção esquelética, inteiramente moldada em gelo, que transcendia as próprias leis da física ao manter-se em pé. Suas colunas e paredes translúcidas se alongavam quase ao infinito, terminando em pináculos tão afiados e reluzentes quanto navalhas. O grito dos ventos e a selvageria das tempestades jamais abalavam o interior de suas câmaras, partilhado apenas pelo silêncio e a solitude do povo mais gelado de Earthland – os manipuladores do gelo. Apenas a luz era uma convidada de honra, transpassando, sem dificuldades, as diferentes espessuras e tonalidades do gelo mágico e produzindo um espetáculo de beleza etérea.

Fileiras de estátuas de gelo percorriam todo o perímetro do salão do trono do castelo; homens e mulheres de porte austero e rostos rígidos que pareciam observar de seus postos, o jovem sentado ao trono, sozinho em seus devaneios. Os olhos vítreos e repreensivos de seus antecedentes não mais incomodavam o rapaz como outrora. Agora, sua postura estirada desleixadamente sobre a cadeira ancestral – o único móvel do palácio que não era feito propriamente de gelo, mas puro ferro –, e as pernas cruzadas com calcanhar sobre o joelho, eram quase um deboche proposital aos seus consanguíneos.

O rapaz fitava o salão a sua frente, no qual jazia estagnado como que abandonado pelo próprio tempo, vazio e imponente desde que se lembrava, desprovido de qualquer vida ou movimento. Congelado. Quando criança, antes mesmo de assumir, de forma precoce, o cargo de governante, sempre se perguntara se as pessoas dentro daquelas paredes envelheciam mais devagar do que as do lado de fora; mesmo já adulto, não duvidava da veracidade de tal premissa.

O jovem estava acostumado com a quietude e a frieza de sua terra natal, seu corpo não sentia frio, apesar das roupas leves de linho; seu coração encoberto por uma camada gélida, tampouco. Apoiou a cabeça no espaldar duro do trono, observando os arcos ogivais pontiagudos, dezenas de metros acima, desejando não mais pensar.

Este lugar é como a despensa de gelo que meu povo utilizava para conservar o leite das cabras e os frangos, só que maior.

Está dizendo que eu sou equivalente a um frango?

Claro que não. Frangos são mais encorpados.

A lembrança lhe rendeu um sorriso frágil e deformado. Sorrir lhe era estranho, uma habilidade esquecida. Depois de tanto tempo, suspeitava de que os músculos de seu rosto estivessem quase tão endurecidos quanto as faces das estátuas daquele salão. Fechou os olhos, quase em súplica, à procura de uma mente vazia.

Não durou muito, o som abafado de passos o obrigou a abri-los. Das imensas portas duplas da entrada, aproximava-se a figura de um homem.

Ainda que muito distante para ser capaz de distinguir a classe de suas vestes, o rapaz soube instantaneamente que o visitante não pertencia ao reino de Iceberg. Apenas estrangeiros percorriam o longo tapete cerimonial.

A maioria dos habitantes de Iceberg eram manipuladores do gelo, portanto, caminhavam elegantemente sobre qualquer superfície congelada, sem se intimar. Mesmo os criados do palácio eram capazes de circular pelo gelo com facilidade. Mas isto não se aplicava aos forasteiros, principalmente aos nativos das regiões tropicais, que mal poderiam esconder o pavor caso fossem obrigados a caminhar pelo piso translúcido, frágil e traiçoeiro do palácio.

O rapaz se endireitou sobre o assento ao ter o primeiro vislumbre das cores das vestes do recém-chegado. Cinza e lavanda. Um mensageiro de Pergrande Kingdom cruzava o tapete azul-cobalto do salão do trono até o seu encontro.

— Vossa Alteza Real, Quarto Governante de EarthLand e Senhorio dos Povos Gelados do Norte ­— reverenciou o homem ao finalmente se aproximar. — Venho de Pergrande Kingdom trazer os cumprimentos de meu rei e de sua futura esposa e rainha, a Primeira Governante de EarthLand.

Com as mãos cruzadas a frente do corpo, o jovem observou o mensageiro por breves segundos, mantendo a ira que se assomava dentro de si cuidadosamente abaixo da pele, controlada e imperceptível – a não ser pelo olhar glacial que dirigia ao servo do reino inimigo. Apesar da inimizade entre as zonas, ainda não ser de caráter oficial, era apenas questão de tempo até que a máscara da cordialidade caísse.

— Desconfio que não sejam apenas cumprimentos que veio trazer de suas majestades. A estrada é longa e tortuosa até a cordilheira dos Dentes Congelados, especialmente no início do outono. Diga-me qual o elegante pedido a que os Primeiros esperam que eu satisfaça.

Não parecendo se perturbar com a clara indireta, o mensageiro pigarreou antes de continuar, o nariz adunco empinado em clara arrogância. Uma característica muito recorrente nos residentes e subordinados sob a bandeira de Pergrande Kingdom.

— Em quatro dias, será realizado um grande jantar no Palacete Primaveril de Pergrande Kingdom, reunindo todos os atuais Governantes e suas famílias. A futura rainha anseia pelo comparecimento de Vossa Alteza.

O rapaz estreitou os olhos, pensativo. Algo cheirava mal sobre aquele convite. Por que se incomodariam em convidá-lo a um banquete, quando as cartas em jogo eram mais do que claras? Perfeitos lados opostos de um tabuleiro.

— Que garantia tenho que não encontrarei nada mais afiado do que as facas do banquete em minha recepção?

— A Primeira Governante dá a sua palavra de que o jantar não será nada mais do que diplomático durante toda a estada em nosso reino.

Sua palavra. Sentiu os dentes rangerem. Quanto valia a sua palavra?

— Isso é tudo? – questionou, mal contendo a impaciência.

O mensageiro assentiu, e por fim, pediu licença para se retirar.

O corpo do jovem parecia em brasas por de baixo das roupas, o casaco azul-marinho riscado de cinza pinicava, irritava-o. Tudo o que conseguia cogitar era em arrancar as vestes (e todos os seus pensamentos) o mais rápido possível. Já não bastava o péssimo humor dos últimos dias, os Primeiros trouxeram o seu ultimato mais rápido do que havia previsto. Precisava de um momento de paz antes de planejar os próximos passos.

O governante levantou-se do trono de ferro, exausto, prestes a partir para seus aposentos e mergulhar-se por inteiro em água fria, antes que seus conselheiros bajuladores o procurassem. Mas aquele não era seu dia de sorte. Desta vez, o tinir de sapatos reverberou por todo o salão das estátuas. Não se tratava de outro estrangeiro... Não. A jovem mulher que se aproximava tinha um ritmo decidido, tão familiarizada com a água sólida sob seus pés, quanto qualquer manipulador do gelo – uma controladora das águas e descendente direta das sereias. Ao se esbarrar com o mensageiro pelo caminho, este curvou-se longamente em uma referência a ela – por sua vez, muito mais respeitosa do que a prestada anteriormente ao quarto governante – antes de prosseguir até a saída.

A jovem, enfim, deteve-se próxima ao tablado do trono, fazendo uma pequena mesura com a cabeça. O longo vestido, de um azul tão profundo quanto as ondas do mar em uma tempestade, esvoaçava ao menor sinal de brisa.

 — Senhor Gray. – saudou ela, polidamente.

— Quinta. — devolveu ele, grosso e descortês ao não retribuir a mesura, apesar do título nobiliárquico equivalente.

A moça ignorou a aspereza na voz e no tratamento, tentando não se deixar abalar e prosseguiu com a conversa.

— Hoje à noite, meus pais realizarão um baile para anunciar meu casamento com o Terceiro Governante.

Ah, ele estava farto. Gray Fullbuster não se lembrava se alguma vez já se sentira tão cansado na vida. Passou a mão por seus curtos cabelos negros, recostando-se sobre o apoio de braço do trono.

— Meus parabéns. – respondeu ele, irônico e sem qualquer sutileza. – Ou assim diria se planejasse mesmo se casar.

A moça abaixou os olhos, retraída, os próprios cabelos azuis-celestes derramando-se como água sobre a face.

— Sabe que não posso. – respondeu ela com a voz baixa.

Parada em meio salão, a cabeça baixa e os ombros encolhidos; ali estava o perfeito retrato de Juvia Lockser, pensou o rapaz, amargamente. A Princesa dos Mares e Oceanos; assim era conhecida. Não só pela linhagem real de Governantes que a precedia, mas por ser o exemplar ideal de uma verdadeira princesa dos contos de fadas. Tão bela e delicada quanto a chuva, tão serena e frágil quanto o orvalho da manhã. Era um colírio aos olhos de qualquer homem.

Bem, nem de todos. Aos olhos de Gray, nenhuma daquelas qualidades o atraía. Na verdade, não consideraria tais atributos como qualidades. Depois dos últimos anos, viu a amiga de infância tornar-se uma pessoa frívola e alguém muito próximo do que desprezava. Sua personalidade frágil o irritava, suas conversas fúteis o enojavam. A própria presença, repleta de submissão e autopiedade, lhe era insuportável, e quando ele menos esperava, passara a evitá-la e mais recentemente, a tratá-la com frieza. A garota a quem o rapaz admirava no passado não existia mais. Para ele, Juvia estava tão morta quanto seus antepassados.

O governante desceu do tablado e lhe deu às costas ao dirigir-se à escadaria no final do salão, indicando que o assunto se encerrava ali. Seu tempo era escasso e tinha planos muito sérios para se preocupar. Além disso, não suportaria começar mais uma discussão inútil com a garota.

— Não foi apenas para isto que vim lhe ver. — A jovem ergueu a voz, decidida a continuar o que ensaiara, antes que a própria motivação se esvaísse. — Apesar de não entender bem o motivo, Juvia sabe o que o Senhor Gray fará agora.

Ele parou, metros adiante, voltando-se para a jovem com as sobrancelhas negras franzidas.

— Pretende me impedir?

— Não. – Ela caminhou até ele, quando viu que o rapaz não planejava vencer a própria distância que adicionara entre eles. – Pelo contrário, Juvia o ajudará.

Ele a fitou, confusão pairando em seus olhos cinza-escuros.

— Ah. – Enfim, o momento da compreensão. E então seu rosto apático se deformou em desdém. – Nem mesmo reconhece a minha posição e a de Natsu neste jogo, e ainda assim, não hesitou em escolher derramar o sangue de seus conterrâneos... tudo isso por mero capricho?

A garota sentiu uma angústia indignada se avolumar em seu peito, e temeu ser afogada por ela. Por que ele agia assim, de maneira tão imprevisivelmente contraditória? Não era natural que as pessoas aceitassem auxílio quando confrontadas por tempos difíceis? Então por que Gray não podia simplesmente aceitar a sua ajuda, uma única vez, em vez de achar uma forma de criticá-la por isso (de criticá-la por qualquer coisa)?

— Não é por capricho. – respondeu Juvia, fracamente.

— Não? – questionou Gray, amargo. – Recusar um pedido de casamento que poderia resguardar suas terras de uma iminente guerra apenas para conceder ajuda a outro homem, motivada unicamente pela esperança de cair em suas graças. Qual a melhor denominação para tal ato, senão capricho?

Aquelas palavras a cortaram profundamente. Dia após dia sentia que partes de seu coração eram amputadas, doces memórias apagadas. Antes, uma alma tão cheia de amor e vida, aos poucos tornando-se deficiente, sentindo a ausência... o fantasma de onde essas partes deveriam estar. Como ele podia chegar a uma conclusão tão vil sobre ela? Ele a considerava tão pouco assim?

— Mesmo que assim nomeie o amor que sinto por você, não foi só esta a razão que me induziu a vir até aqui e lhe oferecer ajuda. – respondeu Juvia, num tom de voz neutro, buscando manter os sentimentos represados. – E independentemente de me casar ou não, meus pais cederão de qualquer maneira.

— Está enganada. – ele rebateu, seu semblante grave. – Ainda que seus pais cedam, sua recusa em se casar será vista como uma afronta à proposta de paz. Sua fuga, uma proclamação de guerra. Todos saberão com quem você está: aquele a quem você diz, abertamente, amar e o único dos sete governantes disposto verdadeiramente a confrontá-los.

A garota atreveu-se a segurar a mão de Gray entre as suas. Ansiosa pelo contato, descobrir se ainda havia algum calor em seu corpo, ou se o tempo dentro deste palácio tornara seu governante tão frio quanto suas paredes de gelo.

— Não haverá sangue... nada disso importará, se tivermos êxito no que fizermos. – disse ela com a voz meiga, procurando confortá-lo. Mostrar-lhe que ficaria tudo bem.

Mas foi inútil. O rapaz engoliu em seco, soltando-se do aperto de Juvia e voltou a se distanciar, sem dizer mais nada, em direção as escadas.

Em um ápice de rebeldia e raiva, a jovem o seguiu, alcançando-o em pouco tempo.

— O Senhor Gray julga Juvia por permitir que a guerra chegue nas próprias terras, quando ele mesmo se recusa a ceder aos Primeiros. Não consideraria isto também um ato de mero capricho?

Gray arregala os olhos, parando abruptamente no pé da escada.

— Acredita que ajo por orgulho? – ralhou, inconformado e cerrando os punhos.

— Senão, então, por favor, ajude Juvia a entender. – ela implora quase em um sussurro. Desesperada para compreendê-lo, para conhecer novamente todos os seus desejos e aflições. Para derrubar a parede que os anos criaram entre eles, e voltar ao tempo em que ambos compartilhavam tudo um com o outro. – Por que ajudar o homem que assassinou o seu pai?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí, gostaram do novo capítulo?
Gostei bastante de escrevê-lo e está um tanto diferente de TSZ, concordam? Aqui temos um Gray bem mais frio do que o anterior... Parece que este casal será tão complicado quanto NaLu, não é mesmo? Haha
Antes de me despedir, gostaria de deixar aqui um link de formulário que criei. Ficarei muito feliz caso queira deixar sua resposta e me ajudar no desenvolvimento desta história!
Foi uma forma que achei de interagir e aprender com vocês, leitores, mesmo os fantasminhas que têm vergonha de comentar ou talvez preguiça (como eu bem já tive muitas vezes Haha). É um formulário de feedback com 11 a 12 perguntinhas fáceis sobre o que estão achando da fanfic. A maioria é de múltipla escolha, então é bem rapidinho, e todas as dissertativas são opcionais; além disso, todas respostas serão anônimas, ou seja, ninguém será obrigado a se identificar.
Segue aqui abaixo o link do formulário. Espero que tenham gostado da ideia e resolvam participar!
https://forms.office.com/Pages/ResponsePage.aspx?id=DQSIkWdsW0yxEjajBLZtrQAAAAAAAAAAAAZ__r6oohRUMzEzWFRZMVNSVk9RMk05R0kwMlFFSU42QS4u
O próximo capítulo está previsto para Janeiro/2022. Até lá, queridos leitores!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Sétima Zona" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.