Scream escrita por Mayara Silva


Capítulo 1
Vênus e Mercúrio




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/803272/chapter/1

 

O único lugar onde a luz e as trevas coabitam é o Universo. Um espaço infinito de cores e escuridão, onde os corpos celestes cintilam poderosamente e, apesar disso, não conseguem iluminar o véu negro que abraça toda a imensidão misteriosa e solitária daquele espaço ermo e silencioso.

Ali, há vida? Há alguma coisa além do que conhecemos? Outros lugares são habitados? Ninguém liga… São perguntas que não mudam em nada o curso da nossa vida na Terra… Mas, para a sobrevivência de dois viajantes espaciais, uma resposta para essas dúvidas seria de bom grado.

 

Fora da órbita terrestre, uma viagem intensa e cansativa de incontáveis dias estava acontecendo. A bordo de uma O.V. nº 777, branca, com capacidade para  7 mil aeronaves comerciais, Vênus e Mercúrio viviam uma excursão forçada em torno da Via Láctea.

 

Seus codinomes não foram escolhidos em vão. Representados pelos corpos mais próximos do astro rei, Vênus e Mercúrio eram tão instáveis quanto os planetas. Mercúrio era veloz, extrema como o calor escaldante e o frio intenso, discreta como o seu homônimo. Vênus era descontrolado, quente como o inferno, não segue padrões, destrói qualquer tipo de vida. Ambos se entendiam, porque ambos foram sentenciados com o mesmo castigo: suas expulsões permanentes da Galáxia Olho Negro. Sabiam que era questão de tempo até que os mantimentos cessassem e a nave cedesse, precisavam buscar outro lugar para pousar até que pudessem pensar em um plano B.

 

— Mapa idiota… Que coisa mais ultrapassada!

 

A garota amassou o papel e tentou jogá-lo na cesta mais próxima, porém, quando viu seu irmão adentrar à sala, não pensou duas vezes e o acertou, ela tinha boa mira.

 

— Você tá com o olho aonde, hein??

 

Ela gargalhou.

 

— Se a mamãe te ouvisse falando assim, ela iria te bater até você virar um marciano.

 

O rapaz virou o rosto e ignorou o resto daquela conversa.

 

— Nós estamos perto. Aquele ali é Anedonte, não é?

 

Vênus apontou para o que conhecemos como Saturno. Mercúrio prontamente se aproximou do enorme telão para deslumbrar a beleza daquele belo planeta.

 

— Você tem certeza que estamos indo para um lugar habitável, não é?

 

— Claro que tenho, confia! Você não é o cérebro da família, então fica quieto.

 

Vênus suspirou.

 

— Vamos mudar nossos nomes quando chegarmos lá?

 

— Não precisa. Pra onde vamos, eles também conhecem Vênus e Mercúrio por esses nomes, é muito mais fácil do que tentar apresentar para eles os nossos nomes de batismo.

 

— É, mas…

 

Vênus lentamente cruzou os braços.

 

— Não são os nossos nomes. Nos chamaram assim para caçoar da gente.

 

— Isso é só um detalhe. Vou colocar uma fita na sua boca se você continuar chorando por qualquer coisa.

 

Disse, logo em seguida se afastou para averiguar a localização deles em outro monitor. Vênus começou a ponderar.

 

— Você acha que foi justo?

 

A temida pergunta.

Mercúrio balançou um pouco a cabeça pros lados, sem saber muito o que dizer.

 

— Er… Bom, digamos que você exagerou um pouquinho.

 

— A culpa também foi sua.

 

— É por isso que eu não escapei. Acontece que papai e mamãe já perderam a paciência com a gente, e eu meio que sou a única que consegue te ajudar a controlar isso.

 

Ele suspirou.

 

— Eu não queria ter nascido com essa droga…

 

— Ei, para! Vamos recomeçar e vai dar tudo certo, você vai ver!

 

A garota se aproximou e ficou na ponta dos pés para bagunçar os cabelos negros e compridos do seu irmão. Ele não pôde deixar de sorrir, eram uma dupla imbatível, e o rapaz definitivamente não sabia o que faria se estivesse sozinho.

 

— Você é tão baixinha, que eu finalmente entendi por que te chamaram de Mercúrio.

 

— Cala a boca, idiota!

 

A garota o empurrou de leve e riu do comentário. Vênus fez o mesmo, mas estava concentrado em outra coisa.

 

— Bom… Essa lata-velha não vai mais rápido, não?

 

— Bem que você podia dar uma força, né? Se já estiver recuperado. Eu sei que a metamorfose exige muito de você...

 

— Hunf… Não me subestime, só estava esperando você me pedir.

 

Vênus se afastou e seguiu em direção ao painel de controle da nave. Ele conseguia entrar em sistemas complexos apenas utilizando de sua metamorfose, um dom raro entre sua raça e que sua irmãzinha não possuía. Isso foi suficiente para que ele tomasse todo o controle do O.V. e conseguisse impulsioná-lo, que, por sua vez, tomou velocidade e seguiu em frente.

 

x ---- x

 

E.U.A, Terra - 09:15 hrs

 

Vênus não conhecia aquele planeta. Nada, ali, lhe era familiar, mas Mercúrio veio preparada. A grande, branca e majestosa nave chamaria muita atenção, e, por esse motivo, a garota instalou um sistema de camuflagem para que passassem despercebidos. Assim que pousaram, com apenas um toque na terra macia, o O.V. encheu o monitor de informações relevantes sobre aquele lugar.

 

— Onde estamos? Er… Que lugar é esse?

 

— Estamos na Terra, ué! A gente acabou de fritar lá no céu e você não se ligou?

 

— Fala direito. Não é Terra, é Albacore. Eu já ouvi falar sobre esse lugar, mas nas gravuras parecia um pouco diferente...

 

— Terra é como a galera daqui chama o planeta, tá? Se eles moram aqui, eles têm mais propriedade que nós. E, cá entre nós, o nosso conhecimento é bem mais avançado do que aquele que passa nas escolas. Nossos jovens vão crescer burros…

 

— Falou a tiazinha.

 

O rapaz desceu da nave e deu uma boa olhada na terra antes de pisar no chão. Quando o fez, sentiu-se afundar um pouco e isso o assustou. Ele deu um salto para trás, até perceber como aquele planeta parecia mais leve que o seu de origem. Logo em seguida, caiu.

 

— HAHAHAHA, QUE OTÁRIO!!

 

— Cala a boca! Vai me dizer que você já se acostumou com a atmosfera??

 

— Ainda não, mas a ciência não erra, meu caro. Eu li que esse é um planeta telúrico, feito, sobretudo, de densos rochedos, então tá com medo de quê? De cair? Não estamos em Anedonte, falou??

 

Ele suspirou e se levantou com um pouco de dificuldade.

 

— Quanto tempo a nave consegue ficar coberta desse jeito?

 

— Acho que uns 10 dias. O pior é que eu não sei quanto são 10 dias na Terra.

 

— Que ótimo… Pensei que você soubesse de tudo.

 

— Também não exagera, né? E você, se transforma em qualquer coisa?

 

Ele revirou os olhos.

 

— Vamos dar uma volta por aí… Esse lugar tá chato.

 

A garota concordou. Haviam parado no meio do nada, ela havia lido que era o lugar perfeito para visitantes extraterrestres estacionarem sossegadamente. Bom ou não, eles eram hiperativos e lugares ermos os deixavam extremamente entediados.

 

— Vamos fazer uma visitinha nas colônias deles.

 

x ---- x

 

Main Street, Califórnia - 10:21 hrs

 

As manhãs californianas costumavam ser bem quentes e agitadas, sobretudo nas férias de verão. Os carros emergindo no horizonte, o vento refrescante atingindo as altas copas, os pássaros sobrevoando em direção ao mar e os turistas fotografando cada quarteirão, aquela era definitivamente uma manhã comum. Os moradores já estavam acostumados com aquela rotina, mas, especificamente naquele dia, as coisas pareciam um pouco diferentes. Alguns carros de cor escura passaram em alta velocidade para o oeste, o que era estranho, mas nada muito questionável. Em direção contrária, Vênus e Mercúrio seguiam tranquilamente pela calçada. Ao ouvir as buzinas dos veículos, ele levou as mãos aos ouvidos, odiava ruídos. Sua irmã massageou o seu braço.

 

— Ei… fica calmo. Eles são assim mesmo.

 

Ela sussurrou.

 

— Usa o seu protetor! Aquele bem bonito…

 

— Droga… Eu deixei na nave.

 

— Aah, meu…

 

Ela suspirou, olhou para os cantos e, em um pensamento rápido, puxou o irmão para uma das lojas.

 

— Vem!

 

Entraram em uma loja de conveniências. Havia de tudo lá: bugigangas, comida enlatada, artigos para festas, roupas e até armas brancas. Era o lugar perfeito para se abrigarem do barulho, pois naquele dia a loja estava com um menor fluxo de clientes. A cidade estava muito quente naquela época e dentro da loja haviam ares-condicionados em diversos pontos do estabelecimento, por isso os irmãos ficaram espantados quando sentiram a mudança brusca de temperatura.

 

— Arh! Esse planeta é pior que Ureon!

 

— Urano? Ah, deixa disso...

 

— É sério, pelo menos só um lado de Ureon é quente e o outro é frio, não essa mistureba toda…

 

— É, mas Urano não tem... isso!

 

A garota apontou para um pacote de amendoins descascados que estavam perfeitamente empacotados em uma embalagem dourada e expostos em uma prateleira. Vênus olhou para o objeto com a maior expressão de tédio que conseguiu fazer e, logo em seguida, cruzou os braços. 

 

— O que é isso aí? Lixo espacial?

 

— Isso é uma delícia! Pelo menos foi o que eu ouvi falar…

 

— Quem te contou? Os marcianos? Sabe que eles mentem pra cacete, não sabe?

 

— Ah, fica xiu aí…

 

A garota pegou um pacote, abriu e comeu.

 

— Hmmmmmmm...

 

Murmurou de forma dengosa. Jogou outro pacote para o irmão provar, e este o fez, engolindo o produto de uma só vez, incluindo a embalagem.

 

— Hum… dá pro gasto.

 

Murmurou. Mercúrio ia pegar outro produto, quando sentiu uma presença extra próxima demais deles. Vênus teve a mesma impressão, mas bastou apenas se virarem para perceberem que estavam sendo observados por duas meninas. Pareciam ter entre 13 e 15 anos.

 

— São terráqueos… Fica… bem quietinho… que eles vão embora...

 

Ela sussurrou.

 

— Deixa eu adivinhar, você leu isso em algum manual de sobrevivência.

 

— Isso… fica… bem… quiet…

 

— MICHAEL!! JANET!! Por favor, dá um autógrafo pra gente! Um só! Por favoor!

 

— Michael, eu te amo! Posso te dar um abraço??

 

Os irmãos se entreolharam, temendo que aquilo fosse algum grito de guerra ou coisa do tipo, até que uma das meninas avançou para abraçar o rapaz. Assim que o agarrou, Vênus já estava pronto para arrancar um braço dela, quando Mercúrio segurou o seu e fez um sinal com a cabeça para que ele não prosseguisse.

 

— Isso quer dizer "saudações"! Vai por mim, quase certeza!

 

Sussurrou. A outra menina tirou um bloquinho rosa de anotações e entregou ao rapaz, junto com uma canetinha verde água. Vênus olhou para aquelas coisas e deu ombros, em seu planeta a escrita com lápis e papel havia sido abolida há milênios atrás, era uma cultura extremamente arcaica. Mercúrio, um pouco mais antenada, ajudou o seu irmão a desenhar um coração e devolveu o bloco à garota.

 

— A gente precisa mesmo ir, mini terráqueos. Não conta pra os seus líderes, hein?

 

Disse, sequer esperou a resposta, puxou o seu irmão e partiu em busca da saída. Infelizmente o burburinho das meninas chamou atenção dos guardas da loja. Mercúrio logo os identificou pela vestimenta.

 

— Deu ruim.

 

—  Você não disse que eles nos saudaram?

 

— É, mas aqueles ali são diferentes. Eu li…

 

— Tá,  já entendi! Pra onde vamos?

 

— Vamos correr!

 

Ela puxou o irmão para o interior da loja. Os guardas perceberam a tentativa de fuga e seguiram o casal, enquanto alguns ficaram na frente da entrada para impedir a passagem deles. Vênus e Mercúrio já estavam ficando sem opções, pois não havia nenhuma saída visível por perto, e o número de seguranças somente aumentava.

 

— Fica parado aí!

 

Um dos seguranças gritou. Os funcionários da loja tentavam ignorar o ocorrido e manter os clientes calmos e focados em outras questões, mas uma das garotinhas que havia abordado os irmãos resolveu se manifestar.

 

— É O MICHAEL JACKSON!!

 

Mesmo os pedestres ouviram do que se tratava. Não demorou muito para uma multidão se interessar em adentrar à loja, alguns já preparados com suas super câmeras com flash potente. Para um turista, poderia ser estranho a forma como as pessoas compraram a ideia da garotinha, mas ali era Califórnia, lugar de super celebridades.

Mais um dia na Califórnia.

 

— Mas que merda…

 

— O que a gente faz agora??

 

— Calma, calma! Tô pensando!

 

Mercúrio lentamente levantou as mãos, sabia que deveria fazer isso se entrasse em apuros, e percebeu que tinha funcionado, pois os guardas já não pareciam tão enfurecidos. Infelizmente Vênus não foi tão pacífico. O brilho forte dos flashes, a ovação da multidão e o barulho irritante de toda aquela confusão estavam o perturbando compulsivamente. Ele levou as mãos aos ouvidos, lentamente caindo ao chão, e foi aí que sua irmã percebeu o quanto precisava agir rápido.

 

— Droga, agora?! Agora não...!

 

Ela murmurou, mas já era tarde. Vênus apertou as mãos nos ouvidos e gritou. Era um grito ensurdecedor, forte e potente. Qualquer material feito de vidro, por mais resistente que fosse, explodiu e estraçalhou-se. Seus estilhaços avançaram em todos os quatro cantos da loja, ferindo alguns guardas, funcionários e curiosos. Na maioria dos casos, foram apenas ferimentos leves, mas as pessoas que utilizavam óculos, canudos de vidro, celulares, câmeras e similares tiveram alguma parte do corpo desfigurada de alguma forma, pois a potência daquela explosão foi tamanha, que alguns pedaços de vidro simplesmente viraram balas.

Mercúrio tentou manter a pacificidade em um planeta novo, mas percebeu que já não era mais possível. Desistiu da ideia, puxou seu irmão pelo braço e fugiu.

 

— Vamos emb…

 

O primeiro tiro. Um dos seguranças estava armado e reagiu assim que notou a periculosidade deles. A bala atingiu o braço direito de Mercúrio, que caiu com o impacto. Não foi nada grave, mas ela definitivamente não estava esperando por aquilo.

Vênus correu para socorrer a irmã, que estava sentada no chão, tentando conter o sangue que ligeiramente escorria do seu ferimento. A bala havia feito um corte grotesco, mas não chegou a perfurar o músculo ou até mesmo quebrar algum osso. Ainda sim, foi suficiente para despertar a ira da garota, que encarou o irmão nos olhos enquanto lacrimejava de dor.

 

— Mata ele! Mata esse porra, agora!!

 

Exclamou. Vênus desviou os olhos para os homens, que se armaram e estavam prontos para atirar novamente. Furioso, porém mantendo a postura, encarou suas armas por alguns segundos e transformou uma de suas mãos em uma cópia da mesma.

Sem esperar, atirou.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu não tenho muito o que comentar, só espero que gostem de ler tanto quanto eu amei escrever essa história ♡ ♡ ♡

Comentários sempre serão muito bem-vindos!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Scream" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.