Os Retalhadores de Taurus escrita por Haru


Capítulo 6
— Uma briga interplanetária




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— Uma briga interplanetária

Shiino e Daichi estavam em estado de choque, ainda não acreditaram no que viram acontecer. Se perguntavam se foi um sonho. Ele... está morto mesmo?, tentavam entender. Embora tivessem personalidades muito díspares, as mesmas indagações rondavam suas mentes. Podiam dizer que cresceram com Mitsu, riram juntos, treinaram lado a lado, escaparam de poucas e boas ajudando um ao outro. Agora ele era só um cadáver dentro de um saco preto fechado com zíper.

Os arianos chegaram na arena poucos minutos depois da morte do guarda do rei. Eles recolheram o corpo de Mitsu, levaram Lila, Aname, Shiino e Daichi para dentro da nave com a qual aterrissaram na Terra e levantaram voo rumo ao endereço que Hirihito pedia. Únicos sobreviventes da batalha que ocorreu no vale, os quatro foram levados inconscientes.

Os dois rapazes foram os primeiros a acordar. Ambos saíram de suas camas, foram até a sala e, ao darem de cara com Hirihito olhando calado a sacola onde puseram Mitsu, sentaram-se no banco a frente do qual o deitaram. Daichi abaixou a cabeça e balançou o rosto com incredulidade. Contra a sua vontade, um par de lágrimas carregadas de raiva escapou de seus olhos. Encarou o piso.

Queria dizer alguma coisa, só não sabia o quê. À sua direita, Shiino mantinha as costas apoiadas na parede e olhava para o teto. Estava vazio de pensamentos. E de sentimentos. Nunca se sentiu tão fracassado antes. No dia que aquele ditador executou todos os seus conhecidos, jurou que conseguiria poder, que nunca mais ficaria inerte em semelhante cena. Falhou consigo mesmo. Isso não era o pior de tudo. O pior de tudo ainda estava por vir, porque as duas pessoas mais importantes da vida do herói ainda iriam acordar e descobrir que o que viveram minutos atrás não foi só um pesadelo.

Fitou a capa dentro da qual colocaram seu amigo. Antes que pudesse começar a ensaiar na cabeça as palavras de conforto que diria às duas, ouviu passos a esquerda. Lila havia despertado.

— Meu irmão... Não, não pode ser... — Disse a menina, fraca demais para conter o choro que veio a seguir. Ela caminhou lentamente até ele, como se mil quilômetros os separassem, e quando o alcançou, Hirihito se afastou para que os dois tivessem aquele momento. Lila puxou temerosa o zíper que fechava a sacola e desmoronou no instante que viu a face pálida e sem vida de Mitsu. Ajoelhou-se e chorou histericamente com a testa apoiada no banco. Voltou a ser uma criancinha indefesa. — Meu irmão, meu irmãozinho! Sai daí, por favor... É a sua irmãzinha pedindo! Você jurou que me protegeria sempre, jurou! Agora eu preciso mais de você do que nunca! Da sua proteção!

Aname não ousava se aproximar, chorava de longe. Infantilmente abraçava a parede. As últimas palavras dele explodiram na sua memória. "Eu te amo", sussurrou, olhando-a nos olhos. Por quê?, pensou, socando de leve a parede na qual se apoiou. Por que você fez isso? Seu idiota, você não precisava ser o herói, murmurava mentalmente, chorando em silêncio.

Sabia que amá-lo era um risco, amar qualquer retalhador era se expor a aquele risco, mas com Mitsu aquele perigo dobrava. Nunca conheceu outro guerreiro tão descuidado com a própria vida. Queria saber aonde estava com a cabeça quando se apaixonou por ele. Como pôde ser tão estúpida. Sentia mais raiva de si mesma e dele do que do homem que o tirou dela.

Com os olhos embaçados de lágrimas, ela avistou Arashi de Áries, atualmente o primeiro ministro do Reino de Órion. Ouviu muito sobre ele mas aquela era a primeira vez que o via pessoalmente. O garoto apoiou-se na porta fechada da cabine de comando para de lá prestar atenção neles, seu olhar transbordava de compaixão.

— Por que vocês estão aqui?! Não precisamos mais de vocês! — Gritou para o jovem ministro, que em resposta apenas parou os olhos sobre ela. Sob a força de uma fúria que nunca sentiu, continuou falando: — Perdemos uma parte nossa que nunca recuperaremos, a mais preciosa... nem acabar com essa ditadura vai repará-la! Podem voltar pra Terra de vocês! Não queremos mais vocês aqui, saiam!

Arashi cruzou os braços sobre a jaqueta preta de couro que vestia, afastou as costas da porta e desviou o olhar para Lila. Ela, bem baixinho, repetia transtornada as súplicas que fez ao irmão instantes atrás. O guerreiro glacial suspirou com pesar. Desejou ter chegado mais cedo.

— Aname, por favor se acalme. — Hirihito foi até ela e pediu. Em desespero, a moça o abraçou e escondeu o rosto no ombro dele para chorar. Ele retribuiu o abraço. Por pouco, por muito pouco, não desabou e caiu em prantos junto com ela.

Shiino se pôs de pé e foi falar com o líder dos arianos.

— Sou Shiino Sukui. — Primeiramente se apresentou, estendendo a mão para ele apertar.

— Arashi Suzume. — O governante de Órion retrucou e apertou a mão dele. — Eu... queria perguntar algumas coisas mas sei que não é uma boa hora, depois nos falamos melhor.

O rapaz deu de ombros, resolveu se fingir de forte. Arashi conhecia aquela feição. Ele é parecido comigo, disse a si mesmo de Shiino.

— Não, pode dizer. — Falou o guerreiro da Resistência.

Contou ao retalhador de Órion tudo o que aconteceu nas semanas anteriores, naquela manhã, relatou as vantagens obtidas pela Resistência, as maiores baixas e explicou, um por um, seus poderes, os de Aname, Lila e Daichi. Em seguida, ouviu as estratégias traçadas pelo primeiro ministro, os dons dos arianos que o acompanhavam. Não deixou de se impressionar com as coisas que escutou.

Ninguém no mundo o fascinava como os retalhadores de Áries, tinha plena confiança de que venceriam quem quer que se opusesse a eles. Lamentava apenas eles não terem vindo enquanto Mitsu estava vivo, ele, mais do que todos, merecia estar presente na ocasião da derrocada daquela ditadura. Noriko abriu a porta da cabine de comando.

— Naruhito pediu pra avisar que estamos chegando. — Anunciou.

— Obrigado, Noriko. — Arashi agradeceu. Olhou Daichi de cabeça abaixada, Aname chorando sozinha, Hirihito quieto com as mãos nos bolsos, Lila com a testa no banco e voltou-se para Shiino. — Quando descermos, vamos ajudá-los no que precisarem. Não se preocupe com nada.

Shiino observou o rosto ameno de Mitsu. Descansa em paz, amigo. Respirou fundo. Agora a responsabilidade é minha.

— Vamos enterrar o nosso herói e depois caçar aquele tirano desgraçado. — Decretou.

O funeral do Herói da Resistência aconteceu naquela mesma tarde, absolutamente todos os retalhadores que integravam a organização de oposição ao governo tirânico fizeram questão de estar lá. Velaram-no numa floresta a poucas quadras de distância do pólo onde ele cresceu. Tudo foi feito antes de anoitecer, sob a guarda dos arianos. Todo mundo esperava um ataque surpresa dos soldados do rei, muitos foram preparados, armados, mas, iniciados os ritos fúnebres, os guerreiros mais inteligentes e perceptivos tiveram para si que não havia o que temer. Nada de suspeito foi avistado por ninguém.

Próximo ao caixão, Hirihito discursou. A seriedade de seu rosto e de sua postura enganou praticamente a todos, até os que podiam se dizer mais próximos dele, menos o primeiro ministro do Reino de Órion. Arashi sabia que o fundador da resistência estava sofrendo porque se comportou como ele no velório do último amigo que perdeu. Também foi o encarregado pelo discurso. Aparentemente, era aquele em melhores condições.

O tempo todo diligente, sem expressões faciais, não deixou escapar uma só palavra do orador e, simultaneamente, reparou em cada um dos que formavam a linha de frente da multidão que acompanhava o enterro. Lila permanecia inconsolável, derramava suas lágrimas no ombro de uma amiga. Aname nada dizia, a ninguém respondia ou olhava. Nem a Hirihito parecia ouvir. Seu semblante guardava uma grande raiva disfarçada de frieza. Daichi optou por ficar um pouco mais afastado, recostou-se numa árvore com os braços cruzados e a tez abaixada. Não saberia dizer o que sentia. Só sabia pensar na quantidade de vezes que ajudou Mitsu a escapar da morte, nas que Mitsu o salvou, concluindo com tristeza que uma hora ou outra a morte iria se revelar uma corredora mais rápida e alcançar um dos dois ainda jovem. No entanto, nunca duvidou que o fim de Mitsu seria glorioso. Essa aposta ganhou.

Ao término da cerimônia, todos se foram rapidamente. Só sobraram os quatro companheiros do finado e três dos retalhadores de Áries, incluindo Arashi. Aname não ficou por muito tempo, passou pelo líder dos arianos com tanta rapidez e desprezo que chamou a atenção dele. Nem dos amigos se despediu. Lila continuou lá, sentada junto a sepultura do irmão. Prenderam a camiseta dele em um fino mastro de ferro. A garota olhava para ela e lembrava do imenso número de vezes que disse ao dono dela para tomar mais cuidado e não se arriscar tanto. "Eu vou ficar bem", ele ria e respondia todas as vezes. "Preocupe-se com meus inimigos". Queria, como Aname, conseguir sentir raiva dele, mas não dava. Só sentia a dor excruciante de perdê-lo.

Uma leve chuva caiu sobre a floresta. Shiino estranhou e olhou o céu, estava nublado. Ninguém previu aquilo.

— O Naruhito está triangulando a posição do rei. — Acompanhado de Noriko e Toyotomi, Arashi se aproximou e avisou. — Hoje mesmo o encontrará. Não vai ser muito difícil achá-lo, pelo que sei ele não está nem tentando se esconder.

— Está confiante porque perdemos nosso retalhador mais poderoso. — Assumiu Shiino. — Mas também deve estar uma fera porque Mitsu matou o guarda mais poderoso dele... Ele mesmo virá atrás de nós, cedo ou tarde.

— Está isolado, essa confiança será a ruína dele. — Noriko decidiu falar.

Arashi pretendia dizer mais, levar a conversa além, mas um terrível mal-estar seguido de uma série de dejavús estranhos o deixaram pálido e fizeram-no perder a linha de raciocínio. Seu rosto declinou vagamente para baixo e as pupilas de seus olhos tomaram a nítida forma de um floco de neve por um breve segundo. Sentiu como se não tivesse mais o controle sobre si mesmo ao longo desse tempo, uma alucinante sensação de poder que veio de mãos dadas com um vazio mental inegavelmente atípico para ele.

Olhava a si mesmo com espanto. Tentava identificar a origem de toda aquela energia, a daquele sentimento. Se fosse só o mal-estar não teria achado estranho, afinal há pouco tempo sobreviveu a uma explosão que devastou um reino inteiro, passou meses numa cama de hospital, a energia que fluía por seu corpo, porém, lhe soava inexplicável. Por um minuto teve a impressão de que não existia nada que ele não pudesse fazer. O que é que está acontecendo comigo?, pasmo, ele se questionava. Teria relação com o espantoso poder que seus companheiros de viagem captaram enquanto voavam para Taurus? Com os pesadelos que o perturbavam? Eram suas teorias, mas mal via a hora de voltar para a Terra de Áries. Algo lhe dizia que lá obteria a resposta que desejava. 

Em sua espaçosa e luxuosa sala, o temível déspota que comandava com mãos de ferro a Cidade de Sirius recebia a má notícia: seu mais forte guerreiro morreu em combate. Ele se enfureceu e atirou contra a parede a mesa dourada atrás da qual trabalhava, assustando o corajoso funcionário que contou-lhe isso. Respirou fundo. Precisava se acalmar para determinar seu próximo movimento. O desgraçado do Hirihito tem peças muito mais perigosas do que eu imaginava, reconheceu. Passou a mão pelo uniforme verde musgo militar que trajava, amaciou para trás os espetados cabelos grisalhos e decidiu que chegara a hora de fazer o que vinha evitando aqueles anos todos. 

— Reúna todas as nossas tropas no pátio até as seis da noite. — Ordenou, olhando fixamente o soldado. — Vamos pessoalmente acabar com a "Resistência de Sirius"... Quando terminarmos, faremos um espetáculo de execuções tão aterrorizante que ninguém, nunca mais, pensará em se opor a nós! 

O ouvinte foi correndo cumprir a ordem. Nunca o viu daquele jeito antes. 

A culpa é toda minha, admitiu para si mesmo. Devia tê-los destruído antes. Um erro que repararia. 


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