Tolerate It escrita por prongs


Capítulo 1
U: my temple, my mural, my sky


Notas iniciais do capítulo

essa é minha última fic para o pride 2021. e também é a primeira que eu quis escrever. eu tô bem emotiva com o mês chegando ao fim, e nem acredito que tô finalmente postando essa história.

do ano passado pra cá minha vida tem sido uma loucura, principalmente em relação a problemas familiares, e o pride tem me ajudado muito a esquecer um pouco isso, esfriando a cabeça e também colocando o que eu sinto pra fora com a escrita. tolerate it foi o ápice disso.

essa história demorou muito pra ser escrita porque o processo foi bem doloroso, cansativo, levei meses porque não sabia se o que eu tava escrevendo fazia sentido e refletia o que eu queria passar. é extremamente pessoal, mesmo eu me identificando como bi em vez de lésbica, como a dominique é aqui, muitos pensamentos da dominique já foram meus, muitas situações que eu coloquei na fic já aconteceram exatamente daquele jeito comigo, e foi quase como se eu tivesse exorcizando alguns demônios antigos.

eu tô bem nervosa pra compartilhar ela com o mundo, mas também tô muito orgulhosa dela, da dominique, e de mim por estar fazendo isso. espero que gostem ♥

vejo vocês nos comentários finais!



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tolerate it

 

Quando Dominique nasceu, Bill pensou que não podia amar ninguém no mundo mais do que já a amava. Claro que ele também amava Victoire, mas havia algo entre ele e a sua filha do meio, uma conexão que todos percebiam e ninguém conseguia explicar. Quando Fleur estava grávida de Louis, ele teve medo de não conseguir amá-lo tanto quanto amava sua garotinha. 

Ela tinha o mesmo tom de azul-escuro em seus olhos, assim como tinha as mesmas sardas em suas costas e o mesmo nariz, além dos dedos longos. Todos sabiam que Domi era a garotinha do papai, que era para o pai que ela corria quando se machucava, que apenas o pai a entendia quando ela brigava com Fleur. Eles eram confidentes e melhores amigos, e Dominique nunca achou que isso fosse acabar.

Até que ela fez 13 anos e percebeu que gostava de garotas.

Não que ela tivesse brigado com o pai naquela época, não, pelo contrário; escondeu sua sexualidade por muito tempo. Sempre que o assunto “homossexualidade” surgia em casa, suas palmas suavam e ela sentia o peito apertar com os comentários inconvenientes e claramente desgostosos do pai. Sua mãe costumava dar algumas risadas e balançar a cabeça, nada além disso; não concordava nem discordava dele, o que deixava a garota mais desconfortável ainda. 

Tudo piorou quando Victoire apareceu em casa com um namorado perfeito aos 17 anos de idade. Dominique, com 15, começou a ignorar e se esquivar de perguntas sobre quando ela ia trazer um garoto para conhecer os pais, ou como estavam os seus paquerinhas, ou por que ela não se arrumava para agradar mais os meninos. Ela sorria desconfortavelmente e dava de ombros até que o assunto passasse. Até que ela não pôde mais evitar isso.

Quando tinha 16 anos, cometeu o erro de deixar seu notebook aberto em uma das mesas da sala de estudos do chalé de verão de sua família, enquanto foi buscar algo para comer. Quando seu pai passou pelo cômodo para pegar um livro, acabou vendo mensagens que ela estava trocando com uma de suas colegas de sala, que também gostava de garotas. Elas vinham conversando durante o verão inteiro, gostavam-se e tudo estava perfeito, até que Dominique se descuidou por cinco minutos. Ao voltar para a sala, Bill estava parado, encarando a tela e a garota congelou no lugar.

Tudo começou a desandar a partir daquele momento; houve gritos, lágrimas e xingamentos. Bill não segurou suas palavras, palavras que jamais poderiam ser retiradas.

— Isso é imoral, é errado! — Ele gritava, com os olhos vermelhos e cheios de lágrimas. Dominique não sabia se elas eram de raiva, tristeza ou decepção. Ela apenas se encolhia de medo num canto da sala. — É contra absolutamente tudo que nós te ensinamos! Quando você virou essa pessoa que… eu não conheço?

Dominique se perguntava o mesmo.

Ele continuou, dizendo que não havia criado Dominique daquele jeito, que eles deveriam procurar um padre ou um psiquiatra para tirar aquelas ideias de sua cabeça. A garota chorava copiosamente e pedia para ele parar, enquanto o homem tremia em seu lugar, as palavras ainda despejando de seus lábios. 

Fleur ouviu os gritos depois de alguns minutos e entrou no escritório, ficando pálida ao perceber o que estava acontecendo. Ela abraçou a filha ao mesmo tempo em que Bill fechava o computador de Dominique com força e dizia que ela estava de castigo, sem celular ou notebook, e proibida de falar com aquela garota de novo por tempo indeterminado.

Passaram-se dois meses de silêncio absoluto entre os dois, até o fim do verão mais triste e solitário da vida de Dominique. E, mesmo assim, ela não deixou de amar seu melhor amigo. Ela repetia em sua cabeça que Bill apenas não estava preparado para aquilo, que sua educação tinha sido diferente há muitos anos, que ele tinha uma imagem dela em sua mente e não estava pronto para que aquela imagem mudasse agora que Dominique estava crescendo… Ela não conseguia acreditar que aquele homem, que a havia confortado em todos os momentos de dor de sua vida até agora, era o que mais a estava machucando.

O próximo ano foi se arrastando e, aos 17 anos, Dominique era infeliz. Ela se doava ao pai de corpo e alma, tentando recuperar o que já havia sido uma relação cheia de amor, mas que, hoje, eram apenas fragmentos de dois corações partidos por motivos diferentes.

Por um ano Dominique observou Bill, sentado em sua grande poltrona na sala de estar em silêncio com a cabeça baixa, sem nem ter coragem de olhar para ela. Por um ano, ela ficou atenta ao som da porta como uma criancinha, esperando ele voltar do trabalho para poder recebê-lo, porém, ele não a abraçava mais quando chegava, como fazia antes. Por um ano, ela pôs a mesa e lavou a louça nos jantares porque sabia que ele gostava quando seus filhos ajudavam com os deveres de casa, mas, em troca, ela só recebeu comentários inconvenientes sobre a sua sexualidade, e não podia fazer nada além de rir casualmente.

E isso continuou acontecendo por mais dias, semanas, meses e anos.

Até que ela conheceu Jia, aos vinte anos.

Jia, que lhe ensinou que o que ela sentia por garotas não era errado, perverso ou pecaminoso. Que lhe mostrou histórias e mais histórias de mulheres que se amavam e mudaram o mundo sendo quem eram. Que lhe ensinou sobre o tão falado orgulho que ela deveria sentir, que celebrou seu amor com risadas e arco-íris, que beijou suas feridas até que elas não doessem mais e lhe abraçou até que seus pedaços quebrados voltassem para o lugar certo. Jia, que fez Dominique ter a coragem de dizer aos pais que ela tinha uma namorada e que eles teriam que aceitá-la.

Ela contou primeiro a Victoire e Louis. Sabia que seus irmãos eram compreensivos e amáveis e que a apoiariam naquele momento, e foi exatamente o que aconteceu. Victoire lhe desejou boa sorte com o pai e Louis, com apenas treze anos, disse que estava muito animado para conhecer a namorada da irmã mais velha. 

Então havia mamãe e papai. Era complicado, pois mesmo com aquela idade, Dominique ainda morava com os dois, já que estava cursando sua faculdade de moda e não tinha dinheiro para alugar seu próprio lugar sozinha. Era infeliz lá, contudo, sabia que era a única alternativa no momento. Ela decidiu que iria contá-los sobre Jia juntos, para que sua mãe estivesse presente caso seu pai começasse a gritar, então, durante o último jantar deles em casa, antes de irem para o chalé de praia nas férias, ela pigarreou entre suas garfadas de brócolis.

— Eu quero levar uma pessoa comigo pro chalé por uns dias. 

Fleur levantou o olhar, atenta, enquanto Bill continuava olhando para a sua própria comida.

— Quem é a pessoa, ma chérie? — Sua mãe perguntou cuidadosamente. Dominique pigarreou, respirou fundo e levantou o olhar com coragem, mesmo que suas pernas estivessem tremendo debaixo da mesa.

— Minha namorada, Jia.

— Não — Bill disse no mesmo momento, e Fleur suspirou.

— Bill, não comece, por favor…

Namorada, Fleur? No nosso chalé? É uma indecência, você sabe disso. 

— Nós podemos dormir em quartos diferentes — Dominique suplicou automaticamente, sem nem pensar no que estava dizendo. — Não vamos nem ficar de mãos dadas na sua frente, eu, eu prometo. Ela só é muito importante pra mim, e… e eu prometo que ela é muito bacana, educada e tudo o mais — Ela olhou para Bill com os olhos cheios de lágrimas. Ele a encarava de volta, os cabelos ruivos caindo na frente de seus olhos azul-escuros. — Por favor, papai.

Bill suspirou. Em algum lugar, ele ainda amava Dominique, ela conseguia ver em sua hesitação, e também quando ele, finalmente, suspirou e disse que sim, antes de começar a listar todas as condições para que Jia viajasse com eles. Ela só esperava que aquele resto de amor ainda fosse o suficiente.

Aquele verão foi o apocalipse.

Foi o verão de comentários sarcásticos, olhares maldosos, bufos e resmungos sempre que elas estavam por perto. Jia era educada, graças a Deus, e apenas os ignorava, focando toda a sua atenção em Dominique, entretanto, depois dos dez dias que ela tinha passado lá, ela se virou para a namorada, antes de pegar o trem para partir, e sorriu com tristeza.

— Louis é um amor, e sua mãe é muito gentil. Vic e Teddy também são incríveis, amei conhecer todos. Mas, Domi… — Ela segurou a mão da loira, que se sentia emocionalmente exausta após aqueles dias. — Eu já te falei. Nosso amor deveria ser celebrado depois de tanta dor, e seu pai apenas o tolera, Domi. Ele mal consegue ficar no mesmo quarto que eu ou você, e isso só te faz mal. Não foi nada legal presenciar isso. Mas espero que as coisas melhorem. Eu te amo — Ela beijou a loira nos lábios suavemente. — E te espero de volta na faculdade.

Dominique a abraçou mais uma vez, disse que a amava e voltou para o chalé com sua mente repetindo as palavras de Jia várias vezes em seus ouvidos.

Naquela noite, Dominique chorou. Chorou pelo pai que conheceu, que cresceu com ela, que amou durante toda a sua vida. Chorou ao pensar na pessoa que a abraçava quando ela errava e dizia que a amava mesmo com todos os seus defeitos, que sempre a perdoava e dizia que ela era uma pessoa boa acima de tudo, como se estivesse colocando um cobertor por cima de seus espinhos de defesa para que ela não machucasse ninguém. Ela chorou pensando nos quilômetros de muros que hoje se estendiam entre eles. Em que momento ela havia perdido seu herói?

Durante a vida de Dominique, Bill havia sido tudo em todas as suas histórias mais especiais. Ele era seus templos mais lindos nos contos de fantasia, seus murais de arte infinita refletida nos olhos azuis idênticos, seus céus mais azuis nos sonhos mais incríveis. Quando ela começou a implorar por meras notas de rodapé na história dele? Quando ela começou a se sentir desesperada por aquele amor que antes era tão natural?

E um comentário desagradável sobre Jia no meio do jantar foi a gota d’água no copo torrencial de emoções prestes a esborrar no coração de Dominique.

— Da próxima vez que trouxer sua amiga, tentem ser mais… discretas — Bill disse casualmente entre as garfadas de sua torta de carne. Fleur não disse nada. Teddy e Victoire já haviam ido para casa, e Louis estava na casa de um amigo. Eram apenas os três ao redor da mesa, e Dominique não aguentou.

— Ela é minha namorada, pai — Sua voz saiu quebrada. Cansada. — E não tem como sermos mais discretas, eu mal olhei pra Jia enquanto ela tava aqui. E não é como se você sequer tivesse passado algum tempo com a gente.

— O que, você esperava que eu simplesmente ficasse perto de vocês o tempo todo? — Bill resmungou. — Você sabe que eu não gosto dessas coisas, Dominique.

— Que coisas? — Seu pai a olhou, seus olhos perfurantes como sempre, mas, dessa vez, ela estava disposta a não recuar. Não iria mais aceitar que não houvesse espaço em seu próprio lar para ela, nem que seu pai não tivesse tempo para ela. Não mais. — Eu e minha namorada? Você não gosta da gente?

— Dominique, você sabe que eu lhe amo… — Bill colocou as mãos nas têmporas.

— Mas não ama que eu namore uma garota? — Ela continuou pressionando o pai, ignorando Fleur, que tentava chamar sua atenção do outro lado da mesa.

— Dominique — Bill a olhou mais uma vez, e a garota suspirou, derrotada, jogando os talheres em cima do prato.

— Só diz! Diz logo que você odeia que eu seja lésbica, que você não aceita isso, que você odeia a Jia sem nem conhecer ela. Que você me odeia mesmo me conhecendo minha vida toda, mesmo sem eu nunca ter mudado.

— Eu não te odeio, Domi! Você é minha garota, eu te amo! — Ele exclamou, e ela balançou a cabeça.

— Se você não ama tudo em mim, você não me ama, papai. Principalmente se você não ama e aceita quem eu amo. 

Então Dominique se levantou, finalmente exausta e pronta para pôr um fim naquilo, e subiu as escadas de sua casa a passadas fortes, com seus pais atrás de si, chamando seu nome.

— Dominique, o que você está fazendo? — Fleur perguntou, exasperada, enquanto observava a filha abrir as gavetas e portas do armário e jogar suas roupas na cama.

— Eu vou embora — Sua voz saiu embargada e ela olhou para o pai, que estava calado, parado na moldura da porta. — Vou pra casa da Jia, ou ficar com a Rose por um tempo, não sei. Qualquer coisa. 

— Pra que isso, filha? Você não precisa ir pra lugar nenhum — Bill disse. Seu olhar era um misto de tristeza, decepção e confusão. Dominique respirou fundo antes de respondê-lo. 

— E eu também não posso ficar aqui. Não enquanto vocês apenas toleram a minha presença. Eu preciso ir pra um lugar onde eu sou amada e aceita completamente, e a pessoa que eu amo também. — Suas palavras foram firmes pela primeira vez em muito tempo. Ela estava cansada de chorar, de se esconder pelos cantos, de aceitar migalhas de um amor que deveria preenchê-la por completo. — Se você quer que eu fique, papai… você precisa aceitar que eu sou lésbica. Que eu tenho uma namorada. E precisa amar ela também.

Os dois se encararam em silêncio. Quatro olhos azuis do mesmo tom de gelo cheios de lágrimas, dois corações com as batidas suspensas no espaço-tempo enquanto os segundos pareciam se arrastar pelas paredes geladas do Chalé das Conchas. Então Bill fechou os olhos, travou a mandíbula e balançou a cabeça. Ele não estava pronto para fazer aquilo, e foi isso que fez Dominique se sentir pronta para se livrar daquelas amarras.

A garota fechou as malas, tentando não derramar as lágrimas que insistiam em aparecer, e ignorou as súplicas de seus pais ao descer as escadas. Ela os amava; verdadeiramente. Não tinha como negar isso. E sabia que, em algum lugar, seu pai também a amava, mas ele não estava pronto para fazer isso de forma completa e correta, e Dominique não era obrigada a aceitar seu amor pela metade, não quando ele não amava algo que era tão intrínseco a ela, que a fazia ser quem era. 

No trem vazio da madrugada, que ela conseguira pegar para a cidade de Jia, derramou mais lágrimas e deixou escapar soluços. Não sabia o que seria de seu futuro ou de seu relacionamento com seu pai dali para a frente. Talvez, depois de algum tempo, Bill aprendesse a amar ela da maneira que merecia. Talvez ele perceberia que Dominique era uma pessoa a ser celebrada em todos os ambientes e circunstâncias, e não apenas tolerada, mas, enquanto ele não estivesse pronto para fazer aquilo, Dominique também não estaria pronta para implorar por sua atenção e carinho como fizera por tanto tempo. Não mais.

Quando Jia abriu a porta de seu apartamento às três da manhã e a abraçou, dizendo que a amava, que tudo iria ficar bem e que estava orgulhosa de Dominique, ela se sentiu celebrada. Quando Rose as visitou na semana seguinte e lhe trouxe seus muffins favoritos, ela se sentiu cuidada. Quando Albus e seu namorado lhe ligaram e ofereceram ajuda e suporte para o que ela precisasse, ela se sentiu protegida. E sempre que algum amigo lhe dizia palavras de carinho, ela se sentia amada, mais do que jamais se sentira em sua casa nos últimos anos. 

Vez ou outra, Bill lhe mandava mensagens, mas era algo raro. O coração de Dominique ainda doía, porém, não tanto quanto antes, afinal, ela encontrara uma família de laços além do sangue que sempre a fazia sentir especial, importante e válida. Talvez seu pai precisasse de mais tempo para isso, mas até acontecer, ela sabia que ficaria bem sem ele a colocando para baixo o tempo todo, mesmo com todo o amor que havia no coração dele. Dominique aprendera que o amor nem sempre era o suficiente, não quando ele apenas tolera partes essenciais do objeto desse amor.

E Dominique fazia questão que toda parte dela fosse celebrada, principalmente a forma e as pessoas que ela amava. Na dor, ela aprendera que seu amor merecia ser celebrado, e nunca mais abriria mão disso.


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Notas finais do capítulo

gostaria de mandar um beijo pras minhas main girls, violet, red e noora, por mais uma edição do pride realizada com sucesso, alegria e muita cor ♥ mal posso esperar pra enlouquecer com vocês de novo ano que vem!!

quero agradecer a todas as autoras que se inscreveram e escreveram histórias mega lindas e especiais pro nosso projeto esse ano. sem vocês, nada disso existiria, e espero ver vocês de novo em 2022. ♥

à dominique, obrigada por deixar eu colocar um pouco dos meus problemas em você. ♥ as coisas melhoram, eu juro.

e assim se encerra a minha participação no pride 2021! ♥



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