Tempo Assassino escrita por Carlos Abraham Duarte


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo ainda está sendo escrito; brevemente será concluído. Agradeço aos eventuais leitores pela compreensão.



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Doh Kiongu encarou o capitão humano e a chefe da segurança irathient da Enterprise com seus olhos de íris cinza prata em formato hexagonal. (Ah, essas raças emocionais e intempestivas!)

— Capitão Kirk, comandante Rishta - disse o indogene, tolerante - , como opositor-chefe de Tau Aleph IV, não preciso lembrá-los de que a responsabilidade pelo Dr. Vakkat é minha tanto quanto de vocês. Trata-se de um cidadão da colônia. De mais a mais, coisas estranhas estão acontecendo desde que a singularidade nua apareceu neste sistema estelar. Singularidade essa criada pelos experimentos inconsequentes do Dr. Vakkat com o continuum espaço-tempo. Por conseguinte, o mais lógico seria colocar-me a par do que for discutido acerca do esquema de segurança em torno dele. Não fazê-lo seria não apenas ilógico, mas também potencialmente perigoso.

Kirk suspirou. Lá vinha outra vez o senso de superioridade notório dos indogenes (só igualado ou superado pelo senso de superioridade notório dos vulcanos, complementou mentalmente).

Sr. Kiongu - disse -, posso entender perfeitamente sua preocupação, mas...

— Será que pode mesmo? - questionou Kiongu, um tanto agressivamente. - Os três cidadãos de Tau Aleph IV que arrancaram os olhos com as mãos são pessoas ligadas a mim e ao Dr. Vakkat. Protetor cívico Galuku, Juíza Brittes e chefe da Divisão de Segurança Grumman. Vakkat pode ter apoiadores desconhecidos, que não mediriam esforços para resgatá-lo, podendo inclusive lançar mão de hipnossugestão ou poder de ilusão talosiano. Eu particularmente não creio em coincidências.

"E nem eu", pensou Rishta, que preferia se manter em silêncio. "Irzu, o homem criou uma singularidade exposta que pode destruir o tecido da realidade! Não me admira se ele tiver seguidores fanáticos, capazes das maiores atrocidades em nome do que chamam de ciência, ou de um suposto bem maior."

— Mas garanto-lhe, como capitão da Enterprise, que o senhor está absolutamente seguro a bordo da minha nave - completou Kirk, em um tom um pouco mais alto e enfático. - A comandante Rishta tem o pleno controle da segurança do Dr. Vakkat, de modo a impedir qualquer tentativa de alguém para libertá-lo. Certo, comandante?

Seus olhos castanhos ambarinos encontraram o olhar verde esmeralda da jovem irathient, que mordeu sutilmente os lábios. - Capitão, desde que foi trazido a bordo o Dr. Vakkat está confinado em sua cela, digo, cabine, sob o efeito de drogas potentes o bastante para manter um vulcano sedado. Além disso, qualquer eventual grupo de ataque organizado precisaria passar pelos sensores da nave, se infiltrar por sistemas de alarme computadorizados com vários níveis de redundância, tudo feito com um timing perfeito para não acionar qualquer alarme. E, capitão, - ela acrescentou, e seus olhos verdes pareciam chispar um fogo incontido. - Mais do que em sistemas computadorizados, eu confio no meu pessoal.

— Muito bem - replicou Kirk, dando-se por satisfeito. - Eu também confio. - Virou-se para o opositor-chefe de Tau Aleph IV, e disse: - Quanto à singularidade e seus efeitos deletérios, os laboratórios de astrofísica da Enterprise estão trabalhando para...

Foi então que um grito quase abafado pela raiva contida invadiu a ponte de comando da Enterprise, fazendo com que todos se voltassem na direção do mesmo, perplexos e chocados.

— Kiongu! Chegou na hora de enfrentar seu destino!

Falando em esperanto interestelar, o Dr. Vakkat estava postado na entrada da ponte de comando. Empunhava na mão direita uma pequena pistola de aparência perigosa, que não era um phaser (mas que Rishta identificou prontamente como uma pistola-jiínju, uma arma de terroristas).

E que estava posicionada em uma linha que a conectava ao coração de Doh Kiongu.

— Você me destruiu, mísero autômato da burocracia acadêmica e escolástica. - O vulcano alto e imponente tinha o rosto transformado em uma máscara de ódio frio. Era um homem que perdera a contenção proporcionada pela disciplina da lógica aos seus irmãos de raça. - Sempre soube que você não era um verdadeiro cientista. Seu destino é o esquecimento na vala comum da mediocridade institucionalizada. - Fez um gesto com a outra mão para Kirk e Rishta. - Vocês dois, fiquem fora do caminho. Não são meus inimigos.

— Como ele apareceu aqui? - exclamou Uhura em voz baixa. A oficial de comunicações não cabia em si de espanto em face do vulcano ensandecido que do nada materializara-se no nível inferior da ponte de comando (tal qual tivesse sido teletransportado do interior da "cela VIP" onde se achava contido entre campos de força teoricamente impenetráveis).

— E nem pense em me deter, Sr. Spock - disse Vakkat em tom frio, relanceando o olhar para o oficial de ciências que fez menção de se afastar do monitor da sua estação de trabalho (no nível superior da ponte).

Kirk deu um passo à frente. — Doutor Vakkat - disse em tom apaziguador - , não piore ainda mais as coisas para o senhor. Abaixe essa arma e se renda, caso contrário...

— Capitão Kirk... - Ulikenanya Rishta interveio em tom de reprovação, amaldiçoando intimamente a insensata coragem (a seu ver) do capitão por se expor desnecessariamente ao perigo. Moveu ligeiramente a cabeça ruiva para desta maneira ativar o intercomunicador implantado no crânio (um dispositivo desenvolvido recentemente pela Frota Estelar e ainda em fase experimental, a ser usado pelas equipes de segurança das naves e as unidades militares para se manter em contato), e, subvocalizando, falou sem mexer os lábios: - Hrak! Você, Qhet'id, Tristano e Jonas à ponte, imediatamente! - E após uma breve hesitação acrescentou: - Teletransporte ponto a ponto.

— Sim, comandante - respondeu laconicamente o segundo em comando dos oficiais de segurança, cuja voz gutural soou pelo ciberáudio diretamente dentro do ouvido interno da irathient que viu, chocada, Jim Kirk lançar-se para a frente, jogar Kiongu no chão do convés, dessa forma tirando o indogene da linha de fogo. Uma fração de segundo depois, a pistola-jiínju disparou com um estampido.

A bala diminuta atingiu Kirk em cheio no ombro esquerdo - como o impacto de um asteroide na superfície de um planeta -, perto de sua omoplata, varando seu pulmão com uma dor atroz e prostrando-o no piso do convés, ofegante e sangrando copiosamente a cada batimento cardíaco.

No mesmo instante uma cacofonia de gritos pânicos encheu a ponte de comando da Enterprise.

O segundo durante o qual Vakkat foi dominado pela estupefação diante do ato despreendido e corajoso de Kirk bastou para Rishta - com todos os sentidos superexcitados pelo excesso de adrenalina no sangue - saltar sobre o lunático com a pistola-jiínju com a velocidade de um felino para intentar agarrar-lhe o pulso (sua arma phaser não estava preparada e pronta para a ação), confiando em sua agilidade e reflexos aprimorados de irathient que o duro treinamento da Frota Estelar levara ao máximo de seus limites.

Mas Vakkat era vulcano, dotado de reflexos várias vezes mais rápidos do que os de qualquer irathient ou humano inalterado geneticamente. Não levou mais do que uma fração de segundo para fazer pontaria e disparar uma segunda vez. Por um breve momento Ulikenanya Rishta viu o projétil com brilho de cromo cintilante em sua direção e sentiu o impacto no tórax. Rishta estremeceu e caiu de joelhos - sem se permitir gritar - quando a agonia da dor engoliu tudo num raio ofuscante que pareceu destruir o universo ao seu redor como uma explosão de supernova.

— Irzu... Idanyu... Gyaamashaa...! - ela tartamudeou, invocando as deidades mais importantes do panteão de Irath (que protegiam o corpo, o coração e o cérebro, respectivamente).

Em meio ao caos que se formou, Kiongu se pôs de pé e encarou seu antagonista, que calmamente apontou-lhe a pistola-jiínju.

— Mesmo que me mate agora, não ficará livre de mim tão facilmente - disse o indogene, cujos olhos cor de prata desprovidos de medo encontraram os frios olhos negros de Vakkat. - Tenho cópias cerebrais escondidas, e um novo corpo pode ser clonado de minha matriz genética.

Sem responder, com a ponta de um sorriso superior nos lábios, Vakkat disparou pela terceira vez. O indogene tombou, regando o chão do convés com seu sangue prateado.

Nesse ínterim, Spock - que usara o intercomunicador de seu console para convocar o Dr. McCoy juntamente com uma equipe de trauma - desceu de um pulo os degraus e ajoelhou-se ao lado de Kirk, que procurava erguer-se, o sangue escorrendo por entre os dedos que apertavam o ferimento no ombro esquerdo para respingar de vermelho o piso cinza azulado metálico.

— Jim... - disse o vulcano em voz baixa, a garganta apertada, os escudos mentais e emocionais solicitados até o limite de sua capacidade.

— Tudo bem, Spock - Kirk sussurrou; levantou-se, devagar, apoiado no amigo vulcano, sentindo uma forte pontada de dor no ombro, onde podia ser visto um buraco de projétil através do qual o sangue vazara e encharcara a blusa cor de mostarda de seu uniforme e sujara suas mãos, seus cabelos e seu rosto. - Vou ficar bem. Alguém mais ferido? Rishta, Kiongu?... - Seu semblante assumiu uma expressão de angústia. - Oh, não!...

Foi nesse instante que, em meio ao zumbido crescente do efeito do teletransportador, o ar tremeluziu e quatro seres - três humanoides e um não-humanoide - materializaram-se na ponte de comando.

Todos os olhares se voltaram para ver a forma maciça do Tenente-Comandante Hrakthraiyi narlr Ckaxkij Srahkag narlr Ckaxkij N'Shuurr narlr T'Agghii (Hrak, para os íntimos), um jukharano felinoide com dois metros e meio de altura, pelagem fulva e leonina juba dourada, acompanhado de outros três oficiais de segurança: Eksu Tsuroz Qhet'id, uma jovem mulher omec de cabelo branco platinado e pele púrpura, que, quando estendia sua boca aberta, projetava um par extra de presas longas que não ficavam a dever nada às de um tigre-dentes-de-sabre; e a dupla de parceiros do planeta colonial Imphaster, Geoberto Tristano - um colono geneticamente adaptado à alta gravidade, que media um metro e sessenta de altura por um metro e sessenta de largura, e tinha pele verde, colar de barba ruiva e crânio admiravelmente calvo - e Jonas - um outrincon nativo que se assemelhava a um cruzamento entre um baobá em miniatura e um abajur, tinha 2,20 metros de altura, pigmento de tonalidade verde azulada e dominava a telecinesia. Enquanto Hrakthraiyi, Qhet'id e Tristano portavam rifles phasers, Jonas, o imp, contava unicamente com suas habilidades psiônicas como telecineta.

— Prendam este homem! - Ulikenanya Rishta gritou o mais alto que permitiu sua voz debilitada, erguendo o torso ensanguentado com um esforço sobre-humano e apontando uma mão acusadora para Vakkat de arma em punho.

O primeiro a entrar em ação foi o imp Jonas. Focalizou e concentrou os invisíveis fluxos psi-energéticos do setor telecinético de seu cérebro multilobado sobre o vulcano grisalho que recuou até as portas do turboelevador (que se abriram eletronicamente), fazendo um giro com o braço estendido que empunhava a pistola-jiínju para ameaçar quem se atrevesse a ir contra ele. Uma força irresistível imobilizou Vakkat, impedindo-o de mover sequer um músculo. Apenas os escuros olhos amendoados girando para todas as direções davam mostras da insanidade raivosa que lhe dominava a mente.

Logo em seguida seus dedos se abriram e a pistola letal voou como que arremessada por mãos invisíveis, indo cair bem perto do console de navegação de Chekov - e desapareceu antes de tocar o piso metálico do convés.

Subitamente, Vakkat sumiu no nada, desapareceu, em pleno ar, na frente das portas do elevador, sem que houvesse sido desmaterializado por um feixe de teletransporte (que se faria anunciar pelo ar tremeluzente acompanhado do zunido tênue e crescente, enquanto a pessoa ou coisa a ser teleportada iria se desvanecendo em miríades de partículas de luz).

— Ts'uhel t'ep as, vaik'ar! Dats'ik! - Qhet'id rosnou em voz alta, em sua língua natal, pela perspectiva perdida de poder rasgar uma garganta tenra com os dentes.

— Tenente Uhura, chame novamente o Dr. McCoy e a equipe de trauma! - Jim Kirk ordenou peremptoriamente, enquanto bamboleava sobre os calcanhares. Do canto de seus lábios escorria uma saliva espumosa e avermelhada.

— Sim senhor - respondeu laconicamente a afroterrana, lutando para manter o autocontrole em face da situação caótica que imperava na ponte.

— Jim, sente-se e relaxe - pediu Spock em voz baixa. - Não preciso lembrá-lo de que foi baleado no ombro esquerdo, perdeu sangue, tem um projétil alojado no pulmão esquerdo e está longe de ser um super-humano geneticamente aumentado.

— Spock, não vou me sentar porque não sei se conseguirei ficar em pé de novo... - replicou Kirk, ainda apertando o ferimento no ombro com a mão direita na tentativa de estancar o sangramento. - Veja como está Kiongu. Uhura, ajude a Rishta.

— Sem querer parecer ingrato, capitão Kirk e comandante Rishta, a atitude de vocês foi tão tola quanto desnecessária - disse Doh Kiongu, retomando a habitual voz macia. - Mesmo se o Dr. Vakkat conseguisse me matar, não me condenaria ao olvido. Cérebros indogenes podem ser baixados copiando-se o código genético, e nossas memórias podem ser armazenadas e replicadas. Não é muito diferente em essência da transferência do katra que os vulcanos adotam.

Foi quando as portas do elevador se abriram com um assobio, e McCoy adentrou apressado a ponte, junto com a equipe de trauma (que trazia macas antigravitacionais e todo o equipamento de apoio).

— Spock, Jim! - exclamou o médico estarrecido ao ver as feias nódoas de sangue vermelho e branco prateado respingadas nos cintilantes painéis de instrumentos, nas telas de computadores, nas paredes e no convés da seção disco, Kirk ferido no ombro pelejando para se manter de pé, Rishta e Kiongu caídos e ensanguentados, amparados respectivamente por Uhura e Spock. - Em nome dos céus, o que aconteceu?

— Os céus não têm nada a ver com isso, Magro - retrucou Jim Kirk, se apoiando contra a balaustrada laranja e preta que separava o nível superior da ponte (com as estações de ciências e de comunicações) do inferior. - É tudo obra de um cientista vulcano enlouquecido, com uma tosca arma de fogo manual. E que por sinal deveria estar sedado e confinado em uma cela de segurança máxima.

— Com todo respeito, capitão - interveio o gigantesco Hrakthraiyi, a sua voz parecendo um rugido trovejante -, até o momento em que fomos chamados pela comandante Rishta o Dr. Vakkat permanecia trancado em sua cela por campos de força, sob a influência de um coquetel de drogas que lhe foi administrado antes mesmo de ser trazido a bordo. E é onde se encontra até o presente momento. Bentosa, que estava de guarda, confirmou isso. - O jukharano bateu com a ponta do dedo peludo (com uma garra retrátil) na cabeça felina emoldurada pela enorme juba de cabelos dourados, numa alusão ao implante de comunicação debaixo de sua orelha esquerda, com o qual podia se comunicar com os guardas.

— Tem certeza disso, Sr. Hrakthraiyi? Não houve falha na segurança?

— Sim senhor, certeza absoluta. Não senhor, nenhuma falha.

— Era o turno de Bentosa?

— Não, capitão, era o turno da alferes Ziva Hadany, mas ela foi encontrada com as órbitas oculares vazias e ensanguentadas, como se seus olhos tivessem sido arrancados, e balbuciando palavras desconexas. Está sedada na enfermaria.

Entrementes, McCoy, tendo concluído - após um ligeiro exame visual - que Kirk não se ferira gravemente, correu para o lado de Ulikenanya Rishta (já amparada por Uhura), que exibia uma feia lesão por projétil de arma de fogo no peito esquerdo. A mulher irathient estendeu a mão.

— Minha visão está turva, doutor - disse ela, sentindo a garganta apertada e o peito trespassado por uma dor lancinante. - Parece que tem uma nuvem nos meus olhos... Não consigo enxergar!...

— Vá com calma, garota - McCoy falou com suavidade, enquanto escaneava seu corpo com o tricorder. - Você teve o pulmão esquerdo perfurado, uma costela fraturada, uma artéria coronária lesionada mas nenhum dano ao coração, felizmente. O maior perigo neste momento é hipóxia, ou seja, falta de oxigênio por hemorragia externa arterial, daí que o mais urgente é lhe dar oxigênio; e depois, sangue sintético para irathients. ("Mas que diabo é esse sinal de toxina não identificada no biossensor? Nunca vi nada igual antes.")

— Sei que estou para morrer, doutor... A bala...

— Calada! Deixe de bestagem, garota!

— Não me chame de garota! A bala da pistola-jiínju libera uma teia avançada de fibras moleculares que vai se ramificando, se enroscando em torno da medula espinhal, impossível de ser detida, destruindo todos os nervos, até alcançar o cérebro e esmagar a consciência. Doutor, eu já estou morrendo... Assim como o Sr. Kiongu... como o capitão Kirk.

Rishta calou-se. Seus olhos, outrora de um quente verde brilhante, tornaram-se cinza fosco, como que cobertos por uma película metálica de aço. O tom bronzeado alaranjado de sua pele tornara-se esmaecido.

— Tem toda razão, comandante Rishta - soou a voz de Doh Kiongu. - Infelizmente.

Dois maqueiros colocaram a irathient sobre uma maca antigravitacional. Na mesma hora o concentrador de oxigênio portátil entrou em ação.

Uma sombra toldou o semblante de James T. Kirk. Disse, no tom mais imperioso que conseguiu: - Senhor Hrakthraiyi, o senhor está agora no comando da divisão de segurança da nave. Chame todos os seus homens, todos eles, e façam uma busca completa pelo Dr. Vakkat ou seja quem for que tenha usado a imagem dele... Clone, duplicata androide, metamorfo indogene ou vendoriano... Não sabemos com quem ou o que estamos lidando. Mande dobrar a guarda na frente da cabine de Vakkat, e também vigiar as comportas de ar, o hangar das naves auxiliares e a sala de teletransporte. - Com um movimento de cabeça indicou Rishta que jazia na maca flutuante, e sua voz assumiu um tom mais baixo, quase íntimo: - Façam isso por ela.

— Sim, capitão - trovejou Hrakthraiyi. Virou-se para os companheiros e disse peremptório: - Vocês ouviram o capitão. Ao trabalho!

Os quatro oficiais de segurança deixaram a ponte (após um último e agoniado adeus silencioso à sua oficial superior e amiga).

McCoy encaminhou-se para Kiongu e ajoelhou-se ao lado do indogene lesionado. A ferida no tórax era muito grande e muito funda, e havia pequenos pedaços ensanguentados de protoforma queimada espalhados pelo chão.

— Dr. McCoy, o que a comandante Rishta falou é a pura verdade - disse Kiongu. Seus olhos de íris hexagonais estavam ficando baços. - Pistolas-jiínju não poupam ninguém. Foram inventadas pelo meu povo e amplamente usadas durante as Guerras Pálidas do início do século XXI na Terra, e reapareceram há cerca de vinte anos nas mãos de separatistas votans e humanos das colônias de TRAPPIST-1. Não são nada além de armas cruéis para terroristas e outros criminosos.

— Por favor, fique quieto - McCoy admoestou; o médico passou o sensor manual do tricorder de um lado para o outro sobre o corpo do alienígena de pele reticulada branca. Franziu o cenho. - Você vai ficar bem, Sr. Kiongu. Seus implantes biomecânicos salvaram sua vida. ("De novo, o mesmo sinal de toxina não identificada... Maldita arma!")

— Doutor McCoy! A rede de fibras moleculares metalorgânicas gerada pela bala-jiínju se propaga exponencialmente por toda a extensão dos dendritos e axônios dos neurônios, sobe pela medula espinhal e se infiltra no cérebro; e não cessa de crescer até infestar o cérebro - e especialmente o nervo óptico -, destruindo-o completamente. Uma morte lenta e nada agradável. O senhor viu os olhos da  comandante Rishta, não viu? Um sólido cinza metálico. Aquilo foi ação das moléculas programadas metalorgânicas que infiltraram e destruíram as retinas, cobrindo as escleras e as íris, paralisando os músculos orbiculares e impedindo as pálpebras de se fecharem. Veja, a mesma coisa está acontecendo comigo.

Era verdade. Os olhos de íris cinza em forma de hexágono estavam ficando cada vez mais prateados e foscos, como que forjados em sólido metal. Os lábios cinza escuros começaram a tremer na angústia inconsciente da morte.

— Bom Deus! - McCoy murmurou. Dois técnicos médicos - um humano e um castithan - colocaram Kiongu na maca antigravitacional, fazendo com que levitasse até a altura de meio metro, conectaram-no ao trocador de fluídos e ao compressor de oxigênio portátil. - Ah, bom Deus...!

— Caríssimo doutor - Kiongu replicou suavemente -, os indogenes não acreditamos em  deuses.

— Levem-nos para as unidades de estase - ordenou McCoy.

A Dr.ª López e sua equipe de traumatologistas tangeram as macas com os feridos e todo o restante do equipamento de emergência flutuante antigravidade para o turboelevador. McCoy e duas paramédicas tibetanas ficaram para trás, e o oficial médico-chefe voltou sua atenção para o capitão, que respirando pesadamente pelejava para se manter em uma orgulhosa postura ereta, sendo sufocado pelo sangue. Parado ao lado de Kirk, qual fiel escudeiro, Spock por duas vezes colocara sua mão direita sobre o ombro esquerdo do capitão - assim conectando seus biocampos -, e em cada uma dessas vezes um fluxo de invisível energia vital ou katra fluiu para o interior do corpo eletromagnético de Jim Kirk.

— Hmmmm... - fez o médico com um ar preocupado, escaneando o capitão com o sensor do tricorder. - Jim, os danos são mais sérios do que eu supusera à primeira vista. O projétil de teia trespassou a clavícula na diagonal, através das costas, indo alojar-se entre os dois pares de costelas flutuantes ou costelas falsas. A pressão sanguínea está baixa, e você perdeu sangue demais. E o pior de tudo é que, se Rishta e Kiongu estiverem certos, a sua vida corre perigo extremo. Maldita teia molecular!

— Magro, Spock - Kirk sussurrou. - Não consigo enxergar.

O castanho ambarino de seus olhos agora se achava cada vez mais invadido por miríades de partículas cintilantes de um cinza metálico. Os joelhos fletiram-se, e Kirk tombou para a frente e para o lado sem sequer sentir o impacto (Uhura, Sulu e Chekov se levantaram chocados). Spock e McCoy o ampararam. Uma película de nanofibras em crescimento ultrarrápido se retorcia como uma teia de fios prateados virtualmente invisíveis se enroscando ao redor de sua medula espinhal. Os letais fios nanoscópicos continuariam se expandindo até atingir o cérebro - a parte mais desenvolvida do encéfalo - e esmagá-lo.

— Vocês duas - ordenou McCoy às paramédicas -, levem o capitão já para a enfermaria!

Pema e Tenzin obedeceram de pronto.

Os ombros de McCoy caíram. O médico encarou Spock e por um instante uma espécie de raiva impotente pareceu faiscar nos ardentes olhos azuis. - Agora tudo vai depender dos meus chocalhos e rosários, não é mesmo Sr. Spock? - resmungou com um traço de amarga ironia.

— Sim, doutor. - O vulcano tinha o rosto transformado em máscara impassível, mas somente Kirk, graças ao elo psíquico que compartilhava com Spock, tinha consciência do violento vulcão que borbulhava no âmago de seu imediato e amigo de orelhas afiadas.

 

                                            *   *   *

Assim  como Doh Kiongu, assim  como Ulikenanya Rishta, assim também Jim Kirk sabia que estava para morrer. Encontrava-se deitado em uma das biocamas da enfermaria da Enterprise, conectado ao equipamento de suporte de vida. Achava-se prostrado e quase agonizante, mas com a mente lúcida. Sentia os dedos esguios de Spock segurarem sua mão. Estou aqui, Jim. Minha força sua força, minha vontade sua vontade, como uma. Ele podia sentir a pressão suave da mão de Spock na sua têmpora direita, assim fechando o circuito telepático - o toque mental vulcano - que conectava os dois amigos de raças diferentes.


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