Good Brother escrita por Miss Siozo


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal! Chegando aqui com mais uma fanfic nova, mas de um universo já conhecido por alguns. É meu multiverso se expandindo kkkkkkk. Bom, brincadeiras a parte, eu preciso dar alguns avisos antes da leitura da fanfic:

1 - Ela pertence ao universo da fanfic “The Runner” e “First Changes” que retrata a temática trans. Não precisa lê-las primeiro para entender essa, pois cronologicamente essa fic se passa no passado das duas.
2 - Aqui o narrador será o Ikki, diferente das outras que é narrada por Shun.
3 - É possível que encontre gatilhos aqui. É uma temática sensível, pois retratamos transfobia, rejeição e um princípio de depressão.
4 - A capa foi feita pelo meu amigo Shun09, mas a fanart utilizada pertence a outro artista que infelizmente não consegui achar o perfil para dar os devidos créditos. Então quem encontrar, por favor, me informe para que eu possa editar aqui.

Boa leitura!



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Minha mente estava confusa em um turbilhão de ideias e sentimentos. Quando eu havia deixado a minha cidade natal para alçar voos mais altos longe dos meus pais que queriam ditar uma carreira e modo de vida para mim, eu sabia que estava certo em me afastar e ao mesmo tempo sentia a culpa de não estar por perto do meu irmãozinho caçula. Eu havia prometido que mesmo distante, ele sempre poderia contar comigo e que poderíamos nos ver às vezes, mas assim eu perdi quase três anos de convivência com a pessoa mais doce que conheci. 

 

Estava precisando de tempo para conseguir me estabilizar minimamente, mas aí veio o primeiro susto, há um mês eu soube que meu irmão havia parado em um hospital e sequer me permitiram vê-lo. Minha mãe disse por telefone que ele estava bem, que eles estavam controlando a situação e que seria melhor que eu continuasse afastado. Estranhei que ela não deu grandes detalhes, apenas disse que Shun fez uma besteira enorme e estava sendo castigado. Isso era outra coisa esquisita, pois Shun sempre foi um menino tranquilo e não se metia em problemas. Então eu decidi acatar esse pedido e esperar restabelecerem contato. Um erro terrível!

 

Não há como esquecer o que foi dito naquela ligação…

 

“Nii-san…” — ouvia o choro do outro lado da linha — “Por favor, me escute com atenção, pois eu não tenho muito tempo”.

 

“O que houve, Shun?” — estava muito preocupado — “Esse celular é da nossa mãe”.

 

“Eu preciso te ver, conversar com você pessoalmente. Acho que só você pode tentar me entender…” — sua voz estava trêmula e conseguia ouvir a respiração pesada — “Estou completamente sozinha nessa e se eu não tiver pelo menos a sua compreensão, sinto que não vale mais a pena lutar contra o mundo”.

 

“Se acalme, por favor. Eu posso falar com a mamãe e podemos conversar sobre essa situação que pouco sei a respeito” — propus a solução — “Tente aguentar até o sábado e…”

 

“Ikki, isso não vai dar certo. Eles não entendem e nunca entenderão” — sua voz saía como um sussurro, enquanto isso ouvia uma voz ficar mais alta no fundo — “Não posso suportar mais um dia sequer dessa tortura. Eu sinto muito, preciso desligar”.

 

“Ei, Shun! Explique isso direito, Shun!” — A chamada havia sido encerrada e eu estava em choque.

 

Não demorou duas horas e recebi outra ligação vinda do telefone de minha mãe. Tinha esperança de ser Shun novamente, mas dessa vez era ela que ligava.

 

“Ikki, meu filho” — a voz de minha mãe estava tensa — “Eu sei que seu irmão te ligou do meu celular e…”

 

— Mãe, me diga a verdade. Eu acho que nunca vi meu irmão naquele estado que me ligou, nem no dia que nos despedimos foi assim.

 

“Eu queria poupá-lo dessa loucura toda. Sei que tem sua vida aí longe de nós, mas eu preciso concordar que as coisas estão tomando proporções perigosas” — as palavras dela me deixaram mais tenso — “Seu irmão tomou remédios que são perigosos sem supervisão médica e o motivo foi absurdo! Ele diz que é uma menina e não quer crescer como um garoto!”

 

— O quê?! Não estou entendendo.

 

“Nem nós, meu querido” — disse com pesar — “Eu creio que seu pai esteja passando dos limites com seu irmão. Ele já não é mais a sombra do que era antes e foi por isso que eu deixei meu celular largado. Shun precisa de você”.

 

— Você quer que eu venha falar com o meu pai?

 

“Não adianta conversar com ele, pois ele quer internar o seu irmão como louco” — aquilo sim que era absurdo — “Eu não acho que meu filho vá suportar isso, acho que ele ouviu nossa conversa ontem e não quero que acabe fazendo outra besteira”.

 

— Eu estarei a caminho. Até logo, mãe.

 

Eu encerrei a chamada sem saber ao certo o que fazer. Eu não sabia o que dizer ao meu pequeno, nem aos meus pais. Só sabia que precisava chegar até lá. Só joguei uma água no rosto antes de pegar minha carteira e as chaves de casa. Aluguei um carro por um aplicativo que usava algumas vezes e peguei a estrada. 

 

Enquanto dirigia, eu só conseguia pensar nas palavras do meu irmãozinho e da minha mãe. Aquilo era tão confuso para digerir, mesmo já tendo ouvido falar sobre pessoas que disseram que “nasceram no corpo errado”. Já cruzei o caminho com uma ou outra por causa do meu trabalho como músico, tocando em bares e boates, mas nunca cheguei a ter uma conversa além do básico, quando se trata de educação e negócios. Será que Shun é esse tipo de pessoa ou apenas está confuso? A adolescência é uma fase conturbada e qualquer coisa significa “o fim do mundo”, mas para minha mãe falar daquele jeito, principalmente sobre meu pai, é porque o “mundo do Shun” está colapsando.

 

Será que ele já apresentava algum sinal e eu não percebi? Será que essa ideia surgiu quando estive fora? Não… Apesar da nossa diferença de idade, nós dois quase sempre brincávamos juntos, mas até seu olhar para as brincadeiras era peculiar. Nossos bonequinhos de ação após as aventuras, também tinham seus momentos de piquenique, se uniam como uma família e tinha até a hora das historinhas antes de serem embalados no sono. Houve uma vez que você abriu o armário de sapatos na entrada de casa e seus olhos brilhavam com a “arte” de calçar os saltos da mamãe e por pouco não caiu feio, pois eu que te segurei e arrumamos a bagunça juntos. Você sempre quis ficar por perto das meninas e brincar com elas, mas ficava difícil de fazer isso, pois depois de certa idade é comum separar os meninos e meninas, ainda mais na adolescência quando os tais interesses românticos aparecem. Parando para pensar, acho que você sempre deve ter sido essa garota que imaginava, não é mesmo Shun?

 

 

Estava muito ansioso e com medo do que iria encontrar quando abrissem a porta do lugar que por muitos anos foi o meu lar. Estacionei o carro da melhor forma que pude para não atrapalhar o trânsito na rua, mas o temor de levar uma multa era menor naquele momento. Quando cheguei até a porta e toquei a campainha, eu dei um suspiro profundo e tentava me acalmar, pois eu sabia que se todos estivéssemos com os ânimos exaltados a coisa não iria prestar. Quem abriu a porta foi o meu pai e ele quase a fechou na minha cara se não fosse pela minha mãe ter colocado o pé na frente.

 

— O que ele veio fazer aqui, Azami? — seu semblante estava fechado — Se veio trazer o mínimo de juízo que possui para colocar na cabeça do seu irmão está tudo bem. Agora se você veio colocar mais minhocas na cabeça dele, eu acho melhor você ir embora.

 

— Eu quero entender o que está acontecendo aqui e o motivo de me esconderem a verdade por tanto tempo — a ansiedade me consumia novamente — Onde Shun está?

 

— No quarto — respondeu minha mãe — Meu filho, essa é uma situação delicada e…

 

— Desculpe, okaa-san, mas eu preciso ir até lá — passei pelos dois — Abra a porta, por favor — e assim ela fez.

 

— Não tivemos mesmo sorte com nossos filhos, um é um rebelde desaforado e o outro é um louco que pensa que é mulher!

 

— Koji, não piore mais as coisas! 

 

— Se ele veio aqui tirar essa aberração da nossa casa é muito bem vindo. Shun não ficará aqui por mais um dia sequer!

 

Eu ouvia as barbaridades proferidas por meu pai em contraste de como via o estado de quem eu deveria proteger por ser o irmão mais velho. Shun estava encolhido próximo ao armário com medo, usando apenas uma cueca e os seus hematomas eram visíveis pela extensão de seu corpo. Eu finalmente entendi o motivo de tamanha urgência e mal conseguia acreditar que meus pais foram responsáveis por aquilo.

 

— Nós vamos embora daqui, Shun — me agachei para ficar em seu campo de visão — Ei, olhe para mim, por favor — seus olhos encontraram os meus —  Isso! Vou pegar suas coisas e depois no caminho você me explica tudo direitinho, está bem?

 

— ‘Tá — sua voz saiu como um sussurro.

 

Não tive muito tempo para arrumar as malas, mas parecia que meu irmão não tinha mais muita coisa para levar. Eu também o ajudei a vestir devido ao estado de choque em que estava. Nossa saída foi silenciosa, mas via o olhar de desprezo de meu pai, já o de minha mãe era algo confuso pra mim. Coloquei as malas nos bancos de trás e Shun ficou no banco do carona. 

 

— Shun, ei. Tá conseguindo falar agora, estou preocupado — já estávamos longe daquela casa — Não compreendo como as coisas chegaram nesse ponto.

 

— Não é uma conversa fácil, Ikki. Eu não conseguia aceitar que meu corpo começaria a mudar e que não era para o feminino… e eu cometi um erro sério que poderia ter comprometido a minha saúde por isso — havia voltado a chorar — Mas, com quem eu poderia contar? Você estava longe e eu pude ter a certeza de que nossos pais não compreendem, não tenho amigos nessa escola, nem os vizinhos me queriam por perto.

 

— Então quer dizer que você é uma daquelas pessoas transgênero?

 

— Sim, eu sou — desviou o olhar para suas mãos. Nós estávamos parados em um farol vermelho — Acredito que seja mais bem entendido do assunto já que me fez essa pergunta.

 

— Eu sei um pouco. É mais comum vê-los na capital — toquei sua mão — Entendo que não é confortável falar sobre essa situação agora. Então vamos até nosso apartamento, eu devolverei o carro rapidinho enquanto você toma um banho e me espera que eu vou comprar o nosso jantar. Ok?

 

— Então eu poderei mesmo ficar contigo, nii-san? — Sua voz estava alegre pela primeira vez em muito tempo.

 

— Claro que sim! Que tipo de irmão eu seria se não fizesse isso? — resolvi parar no acostamento próximo — Eu te amo do jeito que for, Shun! Jamais poderia te abandonar. Nós sempre fomos tão ligados.

 

— Desculpe por não ter contado nada antes. Eu também te amo muito, Ikki! — tirou o cinto de segurança rapidamente para me abraçar forte — Nem sei o que seria de mim se você também me rejeitasse, eu...eu não aguentaria… — aquilo foi bem fundo em mim, não suportaria perdê-la.

 

O restante da viagem ocorreu de forma tranquila, minha irmã havia parado de chorar e eu também. Eu a deixei em casa junto com as malas e apresentei rapidamente os cômodos, que não eram muitos, para que pudesse se sentir mais à vontade e tomasse um banho para descansar, enquanto eu terminava de fazer as coisas. Devolvi o carro e comprei algo que sei que nós dois gostamos muito, uma pizza para o jantar. Quando cheguei logo percebi que Shun usava uma das minhas camisas velhas e largas que costumo colocar para dormir em dias frios.

 

— Trouxe pizza para nós. Eu sei que você ainda adora — sorri com a esperança de que ela se animasse também — Essa é uma das melhores do bairro.

 

— Sabe que pizza é o meu ponto fraco — abriu um sorriso tímido — Muito obrigada por tudo, nii-san! Eu sei que tenho tanta coisa para te contar e agora eu não consigo porque dói muito.

 

— Eu irei respeitar o seu tempo. Algumas coisas não mudam mesmo, sei que é um costume seu desde pequeno, desculpe, pequena — corrigi.

 

— Não precisa se desculpar, Ikki. Eu sei que isso tudo é novo para você se acostumar tão rápido — me abraçou forte — Você foi me buscar, me acolheu na sua casa e ainda me ama e respeita. Os pronomes vão se ajustando aos poucos. Suas atitudes valem bem mais.

 

— Ai, Shun! Falando assim, sou eu quem irei chorar aqui — correspondi a abraçando não tão forte, para não machucar — Eu te amo e quero ser um bom irmão para você. Sei que temos muita coisa para resolver e ainda nem sei por onde começar, mas eu confio que dará tudo certo.

 

— Podemos começar pela pizza que está esfriando — falou em tom zombeteiro — Amanhã será um novo dia.

 

— Você venceu, tampinha — baguncei seus cabelos — Vamos comer e amanhã a gente pensa.


Aquela noite seguiu tranquila. Nós dividimos a cama, mas não foi um incômodo, pois estávamos tão cansados que dormimos profundamente com ela aninhada ao meu lado, igual fazíamos às vezes quando éramos crianças e Shun ficava com medo dos trovões. Eu sabia que esse novo capítulo de nossas vidas estava apenas começando e seria repleto de desafios, mas estou aqui para ajudar na felicidade de minha irmãzinha, pois sei que ainda compartilharemos muitas alegrias juntos.


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Notas finais do capítulo

Espero que vocês tenham gostado desta história. Ainda estamos no mês do aniversário do Ikki e apesar de estar um pouco atrasada, eu quis fazer a minha homenagem a ele sendo um ótimo irmão mais velho.
É de conhecimento popular que infelizmente as pessoas trans geralmente não costumam ser bem aceitas na família e a realidade de Shun não é uma exceção. Ela teve sorte de ter sido acolhida pelo irmão mais velho, pois o amor dele é maior do que um rótulo.
Deixarei os links das fanfics citadas nas notas iniciais. Abraços e até a próxima história!

The Runner - https://fanfiction.com.br/historia/795301/The_Runner/
First Changes - https://fanfiction.com.br/historia/801508/First_Changes/



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