Glass Humans escrita por Douglastks52


Capítulo 13
O Céu e Eu


Notas iniciais do capítulo

Voltamos ao dia a dia dos nossos protagonistas depois da festa, mas lentamente o foco da história muda! Boa leitura!



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Charlote apoiou o seu rosto contra o balcão: 

—Ah... -Suspirou ela. -Eu não acredito que o verão está quase a acabar... 

—Esse foi o verão mais agitado da minha vida. -Acrescentou Andrew enquanto limpava algumas mesas. 

—Foi muito rápido...Eu quero mais férias! Eu quero mais festas! 

—Fomos a uma festa algumas semanas atrás, isso já não está bom? -Perguntou Andrew. 

—Claro que não! Teve um verão onde fomos a sete festas! Duas dessas foram em dias consecutivos de agosto! Foi... -Hesitou Charlote enquanto lembrava-se dessas noites. -Para ser sincero foi demais. Meu corpo não estava preparado para a quantidade de bebidas que eu consumi. 

—Você ama festas, quão ruim pode ter sido? 

—Muito ruim... 

Wanda saiu da cozinha e se aproximou de onde Charlote estava: 

—Não me parece que vamos ter mais clientes por hoje, terminem de limpar as mesas e o balcão e depois podem ir embora. 

—Tudo bem! -Sorriu Charlote. 

Alguns minutos mais tarde, os dois caminham para fora do restaurante tendo concluído mais um dia de trabalho: 

—Sobre aquilo que estávamos falando antes... -Continuou Andrew. -O que aconteceu nessas festas? 

—Muito vergonhoso, não quero contar. -Respondeu Charlote desviando o seu olhar. 

—Eu estou curioso! Não pode ter sido tão vergonhoso assim. 

—Tudo bem, eu posso te contar, mas você vai ter que me contar uma situação muito vergonhosa da tua vida também. 

—Sem problemas! 

—Tudo bem... -Cedeu Charlote. -A primeira festa foi na sexta, eu fiquei acordada até umas sete da manhã, dormi mais ou menos três horas e depois fui a um centro comercial com os meus amigos. Lá nós almoçámos, depois fomos à praia e quando voltamos para casa já era quase oito da noite então eu só tive tempo de tomar banho, trocar de roupa e ir para a outra festa. Eu estava o dia inteiro de ressaca e a minha cabeça doía então eu comecei a fazer decisões bastante questionáveis. Eu não lembro nem de metade do que aconteceu para ser sincera. Lembro de chegarmos na festa e começarmos a beber. Eu me separei do meu grupo, fiz novos amigos, bebi com eles, comecei a arranjar briga com pessoas aleatórias e flertei com várias pessoas que não conhecia. De alguma forma, Claire me achou desmaiada num banheiro e depois Diego me levou à casa. Eu também vomitei várias vezes durante a noite...inclusive no carro de Diego... 

—Não sei bem do que estava à espera, mas a visão que eu tenho de você me fez pensar que nada disso seria vergonhoso. -Respondeu Andrew. -Eu achei que você ia aparecer junto dos teus amigos sorrindo no próximo dia como se nada tivesse acontecido.  

—Sim, foi isso o que eu fiz... Mas continua sendo muito vergonhoso... grande parte das coisas que eu sei foram outras pessoas que me contaram... Eu sou uma pessoa excêntrica, mas até mesmo eu tenho limites! Bem, essa é a história... 

Os olhos de Charlote rapidamente preencheram-se com malícia: 

—E qual é a tua história, Andrew? 

—Uma vez uma professora me emprestou a chave da sala dos professores, ela disse que confiava em mim! E eu perdi a chave! E depois tive que ir dizer! Na sala dos professores! Que tinha perdido a chave!  

Charlote observava-o com desprezo: 

—Que história esfarrapada de introvertido é essa? Como isso é vergonhoso? 

—Eu sou introvertido! A pressão...a responsabilidade...tudo aquilo foi muito vergonhoso. 

Andrew e Charlote perceberam que um carro se aproximava. Ele começou a se afastar dela: 

—Ei, Andrew, volte aqui! Você não pode fugir assim! Conte uma história constrangedora de verdade! 

—Minha mãe está aqui, infelizmente tenho que ir embora... -Sorria ele. 

Enquanto observava aquele carro sumir no horizonte, Charlote refletia: 

—Uau, não consigo acreditar que acabei de ser enganada...pelo Andrew! Eu realmente atingi o fundo do poço... 

Ela pegou a sua bicicleta e começou a pedalar na direção da sua casa. Cerca de vinte minutos depois, Charlote abriu o seu portão, guardou a sua bicicleta, retirou uma chave do seu bolso e entrou em casa. A sua mãe ainda não tinha chegado do trabalho então não havia nada além da sua presença ali. A casa era pequena e apertada, com dois quartos, um banheiro, uma sala e uma cozinha. O piso era madeira laminada e as paredes estavam pintadas com uma cor creme. Cada cómodo tinha o essencial e somente isso, talvez o quarto de Charlote fosse a única exceção. Ela gostava de o decorar quando tinha tempo livre. 

Em breve ela teria que preocupar-se em estudar e ir à escola, mas hoje ainda não, então Charlote focou-se em arrumar a casa e preparar o jantar. Ela abriu a geladeira e viu somente alguns bifes de peito de frango: 

—Não dá para fazer nada só com isso... -Suspirou ela caminhando em direção ao seu quarto e conferindo quanto de dinheiro tinha. -Isso deve ser o suficiente para comprar alguns vegetais. 

Charlote dirige-se até uma loja próxima da sua casa e compra tomates, cebolas, alhos e batatas. Ela regressa à casa e decide tomar um banho primeiro. Charlote tira os vários acessórios cobrem os seus pulsos, em seguida tira as suas roupas, prende o seu cabelo e lava o seu corpo. Às vezes, o seu olhar foca-se na banheira próxima aos seus pés e memórias desagradáveis surgem na sua mente: 

—Pare de pensar nisso. -Diz ela a si mesma. -Não tenho tempo para isso agora, tenho coisas para fazer. 

Ela desliga o chuveiro, seca o seu corpo, veste algo semelhante a um pijama e volta à cozinha. Charlote consegue terminar o jantar em cerca de trinta minutos e fica à espera da sua mãe. Enquanto assiste televisão sentada no sofá da sala, ela ouve o portão da sua casa abrir. Uma mulher com longos cabelos negros, olhos castanhos e pele clara entra pela porta da casa. Ela tinha o seu cabelo preso num rabo de cavalo e usava roupas um pouco sujas com um avental azul simples por cima: 

—Como foi o teu dia, filha? -Pergunta Nora visivelmente cansada. 

—Normal, fiquei a conversar com Andrew quando o trabalho acabou, depois vim para casa e fiz o jantar. 

—Andrew é o filho de Laura, não é? -Pergunta ela. -Como ele está indo no trabalho? 

—Ele é bastante desajeitado. -Ri Charlote. -Mas ele tem se esforçado para melhorar.  

Nora tosse com alguma intensidade, o que tinha vindo a ser mais frequente nos últimos meses, mas logo em seguida recupera a sua compostura: 

—Vamos jantar então. Você deve estar com fome também. 

—Sim. -Responde Charlote. 

As duas sentam-se à mesa enquanto saboreiam a comida: 

—Você está ficando cada dia melhor! -Comenta Nora. 

—Sim, eu sou incrível! 

Após terminarem de comer, cada uma delas coloca o seu prato na pia. Charlote vê a sua mãe retrair as suas mangas e interfere: 

—Pode deixar que eu lavo isso, você tem que trabalhar cedo amanhã.  

Nora mostra um sorriso gentil no seu rosto: 

—Muito obrigada, mas você também tem trabalho amanhã então tente não ficar acordada até muito tarde. 

—Sim, não se preocupe. 

—Boa noite, filha. -Diz Nora caminha na direção do seu quarto. 

—Boa noite, mãe! -Sorri Charlote. 

Expressões faciais e escolha de palavras era um jogo que Charlote jogava há muitos anos. Ela sentia que se encarasse os seus problemas e mostrasse os seus verdadeiros sentimentos, o mundo à sua volta desmoronaria. Então ao invés de fazer isso, Charlote criava uma realidade mais amigável para si mesmo e para as outras pessoas. Mas sozinha de novo, ela não tinha porque tentar levantar uma fachada. Charlote sentou-se novamente à frente da televisão e começou a mudar de canal sem interesse pelo o que via. 

Ela devia ir dormir, mas não tinha sono o suficiente para deitar na cama e instantaneamente adormecer. Então era melhor manter a sua mente ocupada, talvez assim ela não teria nenhum pensamento estúpido. Ela repetiu aquele processo por tanto tempo que acabou por dormir no sofá. Uma coberta estava por cima do seu corpo quando ela abriu os olhos pela manhã. Mesmo ainda meio sonolenta, ela entendia que havia sido a sua mãe. 

O seu corpo cansado não tinha vontade de sair daquela posição. Era quente e confortável. Ela não tinha dormido muito e sabia que seria um longo dia, todos os dias eram. Porquê? Porque ela tinha que levantar? Porque ela tinha que sair da casa? Porque ela tinha que trabalhar? A sua exaustão era mais psicológica do que física. Comer, dormir, acordar e repetir. Todos os dias. Se esforçando o máximo que podia apenas para não recuar, porque fazer progressos parecia impossível: 

—Porque eu? 

Mas a resposta era óbvia: 

—Porque sim. 

O mundo era irracional e ilógico. Não existiam motivos para a grande maioria das coisas que aconteciam. O universo era baseado puramente em sorte e acaso. Não tinha porque procurar mais profundidade numa coisa tão simples. Ela levantou-se e caminhou até o banheiro. Lavou o seu rosto e fez a sua maquiagem. Em seguida, preparou o seu café da manhã, guardou a coberta que estava na sala, escovou os seus dentes, pegou a sua bicicleta e foi até o seu trabalho. 

Era outro dia de semana sem nenhuma característica especial. As ruas não estavam tão movimentadas por de ser de manhã e o sol brilhava reservadamente. Ela prendeu a sua bicicleta com um cadeado no estacionamento do restaurante e olhou para o céu. Como o mundo podia ser tão inconstante? Coisas lindas como o suspiro do vento e o calor do sol existiam ao mesmo tempo que toda a desgraça que destruía a vida humana. Mas ela percebe que o erro não está no mundo, mas sim nos olhos do observador: 

—O sol é só uma bola de fogo que eu decidi admirar assim como todos os meus problemas são apenas acontecimentos nos quais eu decidi sofrer. 

Mas era estranho. Se isso era algo que ela enxergava tão nitidamente então também deveria ser óbvio para outras pessoas. Independente disso a humanidade continuava viva, continuava tentando. Como se o mundo fizesse sentido ou como se existisse algum propósito. Pensar não parecia a solução, pensar era abrir os olhos e encarar uma verdade desconfortante. Então talvez a resposta fosse fechar os olhos e não ver mais nada: 

—Bom dia, Charlote! -Sorri Andrew se aproximando. 

Ela sorri também retornando à realidade diante dos seus olhos: 

—Bom dia, Andrew! Não pense que você vai conseguir fugir de novo hoje! 


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Notas finais do capítulo

Um pouco mais da visão do mundo que Charlote vê, o que acharam?



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