Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 4
Capítulo 3




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Por duas vezes Petruchio teve seu coração partido, não sabia sequer que poderia sofrer outra decepção da parte de Catarina, mas lá estava ele com seus olhos fechados se recusando ver ela e sua felicidade enquanto abraçava a irmã emocionada. Petruchio partiu sem ver que o homem que achou que seria o marido de Catarina na verdade era só um cavalheiro carregando suas malas. Também não reparou na menina, foi embora antes de ouvir ela falar "mãe".

Correu em direção a rua que havia deixado sua carroça, ficou repetindo em sua cabeça que estava tudo bem e que não precisava se abalar com aquilo, mas seu sentimento era outro e em seu coração a dor de outra decepção o fazia chorar.

— E então? Viu dona Catarina? - Calixto não era bobo, sabia que o patrão tinha ido vê-la, tinha perguntado propositalmente para Mimosa o dia de sua chegada e sabia que Petruchio ouvira.

— Que vi Catarina o que? Tá é ficando doido? - tentou disfarçar seus olhos vermelhos, mas a tristeza estava se transformando em raiva e isso ele não conseguia esconder.

— Sei que ocê foi vê ela sim! Ela chegava hoje cedo! Sei que o senhor saiu daqui com a intenção de vê ela. - Calixto apontou o dedo na cara de Petruchio.

O patrão organizava as caixas de queijo restantes depois da manhã de Calixto entregando as mercadorias para os comerciantes.

— As caveira de seu pai e de sua mãe deve de tá se contorcendo de desgosto no cemitério de ver o senhor tratando um cristão de bem como eu dessa maneira! Nem conta as novidade o senhor conta.

— Para de zurrar Calixto! Para de zurrar na minha orelha! - Petruchio explodiu com o amigo de longa data. - Se ocê quer saber fui ver ela memo.

— Sabia! - Calixto deu um tapa no ombro dele satisfeito com sua confissão. - E como ela tá?

— Casada Calixto! Casada! - despejou suas conclusões a ele.

— Impossível! Que doido, além do senhor, ia consegui domar dona Catarina ao ponto de casa de novo? - ele riu.

Petruchio bufou nervoso, seu cérebro trabalhando em conclusões precipitadas errôneas.

— Só confirma que ela nunca gosto de eu Calixto, nunca nem penso no filho dela que largo aqui Calixto, ela casada com um almofadinha das Europa, só prova a egoísta que ela sempre foi.

Calixto via a raiva nos olhos de Petruchio, mas também via tristeza. Ele colocou sua mão no ombro dele e apertou em solidariedade.

— Sinto pelo senhor seu Petruchio.

— Ocê não precisa de sentir nada porque eu já não sinto mais nada por ela. Só ódio, só ódio! - ele subiu na carroça bravo. - Vamo bora Calixto que hoje preciso ter uma conversa séria com meu filho.

Calixto obedeceu pensando que a decepção do patrão só servia para ele ainda pensar em Catarina, ainda sentir tudo o que jamais esqueceu.

xx

Catarina estava feliz reencontrando todos seus parentes, além de apresentar oficialmente Clara, já que só conheciam ela por fotos ou telefonemas, a filha era esperta, nada vergonhosa, adorava contar suas aventuras em Portugal.

— ...Claro que eu era a melhor aluna da sala, madrinha e padrinho. - contava a Edmundo e Bianca com brilho nos olhos.

— M-mas ia bas-t-tan-t-te a direto-r-ri-a por-q-que respondia a pro-f-f-esso-r-ra. - Miguel completou.

— Respondia mesmo! Cada coisa absurda que ouvia e tinha que concordar. Era um colégio muito católico, eu recebia muitos olhares cruzados só por ser filha de mãe separada.

— Viúva Clara! - Catarina consertou a fala da filha ao longe enquanto abraçava seu irmão Jorginho que estava tão grande que achou que não podia mais chamá-lo de Jorginho.

— Já viram ela ser viúva de marido vivo? - Clara disse brava.

— Minha neta está certa Catarina! - Batista concordou com Clara.

A casa estava abarrotada de gente, Joana num canto abraçada com as filhas de Bianca, Laura de oito anos e Cecília de quatro, Edmundo e Bianca estavam sentados com Clara, Miguel e Filomena no grande sofá da sala de estar. Batista estava na poltrona feliz com a casa cheia e barulhenta. Catarina estava no outro extremo com Jorginho ao lado.

— Ah, o senhor lógico que concorda com ela. Clara fez sua cabeça e faz sua cabeça com tanta facilidade. Imagino se com suas outras netas tem esse feito também.

— Laura e Cecília não têm essa habilidade na língua como sua filha Catarina. - Joana ponderou.

— Ah mas pode deixar vó Joana que ensino elas rapidinho.

— Onde está Fátima Joana? Saudades dela. - Catarina perguntou antes de que Clara a irritasse novamente.

— Está chegando com uma surpresa para você.

Fátima chegou com Buscapé, ela quase não acreditou quando viu os dois de mãos dadas com anéis de noivado na mão direita.

— É o que estou pensando? - perguntou abraçando os dois ao mesmo tempo. Fátima era mais baixa que ela, mas Buscapé se mostrava um homem feito e alto.

— … Sou cozinheiro de um restaurante no centro de São Paulo madrinha.

— E eu professora de educação física na escola de Edmundo.

— E como eu não fiquei sabendo disso? Vocês estão noivos? Fico tão feliz por vocês. Principalmente por você Buscapé, homem feito com profissão, mesmo sendo negro nessa sociedade preconceituosa.

Ela apertou as bochechas dele como se visualizasse uma criança em sua frente.

— Buscapé não madrinha, Orozimbo de Sousa, chefe de cozinha. - ele ergueu o dedo indicador no ar tentando parecer sério.

— Está metido heim moleque!

Passaram o resto da tarde entre conversas e risos, Catarina aproveitou o momento certo para ficar a sós com Bianca, precisava desesperadamente conversar com ela. Ficou atenta se Clara não estava em seu encalço, quando viu que a filha estava entretida com Joana lhe apresentando a casa, pegou sua irmã pelo braço a arrastando para o escritório do pai.

— Me diga sobre ele, quero ver você me contar olhando em seus olhos Bianca. - segurou a mão da irmã implorando respostas.

— Só se me prometer que vai parar com essa história de fingir que Clara não tem um irmão e dizer a Petruchio a verdade.

— Que verdade Bianca? Está ficando louca? Ele nunca saberá que tem uma filha. - disse raivosa soltando suas mãos dela. - Você não tem o direito de me ameaçar!

— Não é ameaça Catarina, é preocupação com você minha irmã… eu vejo você sofrendo como mãe longe de seu filho, e eu como mãe, sei o quanto é importante esse contato, esse amor que sente por ele ser recíproco. Além disso, Petruchio não casou e talvez vocês possam reatar.

— Vejo que não mudou nada, continua romântica e sem cérebro. - bufou nervosa cruzando os braços na frente do corpo. - Me diga sobre meu filho! Tenho esse direito, ou quebro um vaso na sua cabeça!

Bianca entortou os olhos para cima pensando que era na verdade sua irmã que não havia mudado nada.

— Ele é alto para um garoto de quinze anos, os cabelos castanhos e enrolados como o de Petruchio, tem a pele queimada do sol por trabalhar na fazenda… - Catarina concordou com a cabeça com os olhos atentos em todas as palavras que sua irmã dizia a ela  - Os olhos deles são seus, Mimosa diz que ele vive brigando com o pai e que o jeito de falar parece muito o seu.

— Mimosa mora na fazenda ainda? - Catarina perguntou calma, mas sua voz estava preocupada.

— Claro né Catarina, ela é casada com seu Calixto.

— E Mimosa trabalha na sua casa? Lembro de me dizer que ela começou a te ajudar quando Laura nasceu. - o cérebro de Catarina juntava os fatos.

— Mimosa me ajuda em casa sim, considera Laura e Cecília como netas.

— Ah Bianca! Ela vai saber de Clara! - concluiu desesperada. - Não contou nada a ela, não é? Se contou eu nunca mais falo com você!

— Claro que não Catarina! E Mimosa fica muito chateada comigo se quer saber, pois nunca digo nada sobre você para ela.

— Fez bem, fofoqueira do jeito que é, contaria tudo pro seu Calixto que mais fofoqueiro que ela diria tudo a Petr… - Bianca olhou com estranheza a ela quando percebeu que não conseguiu falar o nome do ex-marido. - Enfim! Preciso falar com Mimosa, de uma forma ou de outra ela saberá de Clara e será melhor se for por minha boca.

— Ela irá em casa amanhã, pode vê-la se quiser…

Catarina concordou com a cabeça lembrando-se de um fato que Bianca tinha narrado a ela em carta.

— Ele trabalha na loja de Petr… da fazenda?

— Ele é um ótimo administrador Catarina, atende os clientes bem, controla o dinheiro que entra e sai. É muito responsável. - Bianca respondeu a irmã, sentia que ela precisava saber mais do filho. - Não quer saber seu nome?

— Nome? - perguntou ao mesmo tempo que fez sim com a cabeça.

— Julião Petruchio Júnior.

Quando descobriu o nome de seu filho, Catarina quase pode o ver se materializar em sua frente, podia imaginar seu rosto, seu corpo e sua voz. Ficou pensando alguns segundos como seria seu sorriso, se parecia com o do pai, imaginou ele atendendo os clientes e já conseguindo seu dinheiro. Teve orgulho. Foram apenas alguns segundos de distração, até que se deu conta de um fato.

— Que nome machista Petr… aquele grosseirão escolheu pro meu filho!

Bianca sorriu observando novamente que ela não conseguia dizer o nome dele.

— Por que não consegue dizer o nome de Petruchio heim Catarina? - Bianca cruzou os braços na frente do corpo.

— Hã? - se fez de desentendida para a irmã. - Não entendi o que está falando.

— Entendeu sim! Se não consegue falar seu nome é porque ainda lembra dele e se ainda lembra dele ainda o ama. - concluiu seus pensamentos a irmã.

— Definitivamente seu cérebro foi substituído por melaço. - Catarina entortou seus olhos para cima. - Como poderia amá-lo ainda? Pior! Como poderia sequer pensar em voltar o casamento com ele?

— Porque eu acredito que ele ainda te ama, ele mantém as aparências e o casamento de vocês. - Catarina enrugou sua testa a irmã, Bianca entendeu que poderia prosseguir no assunto. - Petruchio finge que está casado com você ainda.

— E por que aquele grosseirão faz isso? - tentou soar brava, mas sentiu sua voz falhar levemente.

— Porque ele pensa em você, em te ajudar contra os preconceitos de uma mulher separada na nossa sociedade e no filho de vocês também.

Catarina cruzou os braços virando as costas a irmã não a encarando mais, sentiu um nó em sua garganta.

— O que ele fala? Que fui pra fora do país estudar? As pessoas acreditam nisso? - perguntou curiosa e surpreendentemente calma.

— Diz que você ficou doente depois que ganhou bebê, por isso não sai da fazenda.

Ela negou com a cabeça sentindo seus olhos se encherem de lágrimas. Suspirou profundamente.

— Ele não precisava ter feito isso.

Bianca aproveitou que ela disse tudo tão calmamente e resolveu continuar.

— Ele usa aliança, nunca mais saiu com mulher nenhuma, Mimosa diz que ele é triste pelos cantos, porque seu Calixto vive dizendo a ela que a felicidade da fazenda era quando você estava presente e que ele nunca mais sorriu como sorria quando estava a seu lado.

Catarina sentiu uma lágrima escorrer de seus olhos, mas mordeu seus lábios tentando não chorar mais.

— … Ele tem uma galinha de estimação, chama ela de Carijó, não deixa ela dormir fora de casa. - Bianca sorriu ao ver a irmã passar os dedos em seu rosto o limpando.

— E o que me importa você dizer tudo isso? - Catarina virou de frente a irmã brava.

— Importa porque está usando uma aliança também! Importa porque ele ainda é importante para você!

Catarina rosnou brava pela verdade que Bianca dizia, tirou a aliança de seu dedo drasticamente.

— Saiba que só usei essa aliança no navio e no trem para não ser apontada pelas outras pessoas durante a viagem.

— Sei. - Bianca concordou com a cabeça com vontade de rir.

— Agora te farei uma pergunta e você não ouse. Não ouse! Não me responder! - ergueu o dedo no ar recuperando sua voz imperativa. - Vai me dizer o endereço da loja, pois irei ver meu filho!

Bianca acabou dizendo a Catarina, ela descobriria de qualquer jeito. Talvez fosse bom ela o ver e sentir que devia sim voltar para o marido.

xx

Petruchio estava com o coração partido, decidiu tirar para sempre Catarina de dentro de seu coração, para isso, pegou a galinha que mantinha em seu quarto e colocou ela no galinheiro, o que espantou principalmente Neca, que estava acostumada a vê-lo conversar com a Carijó versão número dois por todos os lados.

— Seu Petruchio, o senhor vai deixa a Carijó dormir lá fora hoje? - Neca perguntou.

— Não quero essa galinha mais dentro de casa e tá acabado! - retrucou nervoso voltando a seu quarto.

Abriu a parte de seu móvel trancado com chave e recuperou a carta que Catarina havia deixado no nascimento de Julião Júnior. Precisava falar com seu filho.

Esperou que todos jantassem e fossem ou para a cozinha ou para seus respectivos cômodos. Quando se viu sozinho com Júnior perguntou:

— Ainda tá ignorando eu meu filho?

— Tô cansado pai, não quero briga. - pediu enquanto tomava uma caneca de café com o pai.

— Durante muito tempo, anos na verdade, ocê sempre me pedia pra fala de sua mãe. Hoje vou fala de sua mãe.

Olhou o pai curioso, esperou que ele prosseguisse.

— Sua mãe era muito bonita… é muito bonita. - Corrigiu lembrando-se da imagem dela que viu na manhã daquele dia. - ...inteligente e teimosa, uma onça na verdade, demorei muito pra consegui conquista ela. Era ardida e sempre fugia dos sentimento dela, dos sentimento que ela tinha por mim. 

— Verdade que o senhor só insistiu de se casa com ela, por causa do dote? - perguntou curioso, mas completou. - Meu vô me disse uma vez que tinha feito um acordo com ocê pai.

— Fiz um acordo com seu vô sim, ele tava é doido pra se livra de sua mãe, porque ela não era fácil e queria casa as duas filha.

Petruchio sorriu contando do começo de tudo ao filho. Contou das inúmeras ideias que Catarina tinha para se livrar do compromisso com ele, da festa de noivado com o anel que tinha desaparecido e ambos achando que ela havia engolido com um doce, do término do noivado pós uma festa de carnaval e outra armação de sua mãe, do casamento e do padre os fazendo dizer sim sem querer, de como demorou para convencê-la a dormir no mesmo quarto que ele, como quase não acreditou quando ela correspondeu seu amor …

— ...Quando eu senti ela nos meus braço e correspondendo meus carinho, eu nem acreditei, a fazenda sorriu aquele dia filho, as vaca produziram tanto leite, tanto leite, que nem cabia nos balde, as galinha botaram tanto ovo, tanto ovo, que não tinha nem mais mão pra catar e as leitoa tudo tendo os leitãozinho… todo mundo cantava a nossa felicidade…

Contou também das armações de uma antiga namorada dele os separando temporariamente e depois drasticamente.

— ...Vi que sua mãe me amava quando ficamo muito feliz de sabe que ela tava grávida d'ocê. Mas ao mesmo tempo, alguns acontecimento fez ela acredita que eu não amava ela, e a gente acabo se separando.

— Tem a ver com essa antiga namorada sua pai?

— Tem a ver sim. - Petruchio confirmou com a cabeça lembrando do dia que encontrou as apólices e da despedida com o último beijo trocado. - Errei tentando o melhor pra ela e ela nunca me perdoo.

— O senhor ainda a ama. - não era uma pergunta. Petruchio resolveu ser sincero com o filho até o último minuto.

— Amo… amava, porque hoje tirei ela do meu coração pra sempre.

— Parece até que o senhor soube notícia dela. - Júnior estranhou o modo triste como seu pai falava.

Petruchio suspirou cansado e tirou o papel que pretendia entregar a ele do bolso.

— Essa carta é sua… ocê pode fica com ela pr'ocê, eu tô tirando sua mãe de meu coração. Hoje foi a última vez que me ouviu fala dela.

Viu seu pai levantar da cadeira e se encaminhar para seu quarto sem dar mais explicações a ele. Segurou o papel em mãos, o papel que sempre quis ler e que nunca tivera acesso, decidiu conhecer um pouco sua mãe e depois tentaria conversar mais profundamente com o pai. Desconfiava que algo estava diferente e de que alguma coisa estivesse acontecendo.

xx

— Tia Bianca me conte sobre meu pai? - Clara sondou sua tia durante o jantar quando viu que sua mãe estava distraída conversando com sua outra irmã, Fátima.

Bianca escapou da conversa, sabia que a sobrinha podia ser tão incisiva quanto a irmã, chamou Edmundo para irem embora.

— Vó Joana, me conte sobre meu pai?

Joana engoliu em seco e arregalou os olhos, podia sentir Catarina a observar pelas costas e sabia bem que a enteada queria que a filha não soubesse de nada.

— Não conheci direito seu pai, casei com seu avô depois que…

— Ah! Pra cima de mim? Está mentindo para mim? - Clara colocou os braços na cintura indignada que ninguém respondia suas perguntas.

Clara sabia que sua mãe tinha instruído a todos para não lhe contar nada a respeito de seu pai, mas ela era teimosa e tinha certeza que conseguiria algo de seu avô.

Esperou até todos se recolherem em seus quartos, disse a mãe que ia tomar uma água quando decidiu sair do quarto que dormiria com ela (o antigo quarto dela, da época que era solteira). Foi até o quarto de seu avô e o chamou. Batista estranhou seu chamado, mas a atendeu.

— Vovô preciso muito conversar com o senhor.

— Tem que ser agora à noite?

— Sim, estou preocupada com o senhor… estou preocupada com o senhor e sua reputação a respeito de ter uma filha separada com uma filha a tiracolo. - O olhou com cara inocente e preocupada o que o fez sair do quarto e se encaminhar com ela até seu escritório.

— Vovô seja sincero, está preocupado com minha mãe não está? - Clara era direta e não era boba, Batista quase podia ouvir o cérebro da neta trabalhar. - Acha que mereço viver numa sociedade sem pai?

Batista engoliu em seco.

— Não acho, mas sua mãe é adulta e independente, não posso obrigá-la a casar.

— Como não vovô? Como não? O senhor é pai dela! É o homem da família. - Clara cruzou os braços brava.

— É, sou o homem da família, mas digamos que são as mulheres que mandam por aqui. - ele confessou. - Não posso controlar a vida de sua mãe, acredite, já tentei antes.

— Mas pode fazer sua neta feliz falando quem é meu pai. - Clara piscou e lhe entregou um sorriso mostrando todos os dentes.

— Posso, mas sua mãe não irá gostar muito. - ele respondeu mostrando um sorriso amarelo.

— Vovô! O senhor é um homem ou um rato? - perguntou irritada e sem paciência com ele.

— Tendo que enfrentar sua mãe? Eu posso me transformar literalmente em um rato.

Clara bufou nervosa diante do avô medroso que tinha.

— Sabe que puxei bastante a ela e posso ser também bastante incisiva! - ela bateu os punhos na mesa de Batista nervosa. - Eu só quero conhecer meu pai! Isso é tão injusto com uma pobre garota como eu! Tão trágico! Eu posso sentir minha mãe sofrendo ao longe sem um marido e eu sei que ela ainda o ama. Não suporta olhar minhas sobrancelhas, segundo ela iguaizinhas de meu pai! Ela tem um passado e uma história inacabada com ele! Ela precisa voltar...

Batista não ouvia direito o que a neta dizia, seus olhos piscavam cansados, estava sonolento.

—  VOVÔ! - Clara pegou um vaso na mesa e tacou no chão ao lado de seu avô o fazendo despertar assustado.

— Clara, que péssima educação lhe deram.

Ela cruzou os braços brava, não tinha conseguido nada no seu primeiro dia de volta ao Brasil.

— … O senhor devia ter vergonha de irritar sua neta e não ser um avô que conta a verdade a ela.

Batista pensou um pouco, talvez pudesse ser em partes sincero com ela. Quem sabe Clara ficasse mais calma.

— Sabe que estou doente, não sabe minha neta?

— Não, não sabia, mamãe não me conta nada… - ela falou mais calma prestando atenção no avô, em cada palavra que ele proferia.

— É uma doença irreversível, meus rins estão parando. Quando me ligou eu percebi que precisava de vocês aqui no Brasil comigo, ter minha família por perto antes de meu fadado dia chegar.

— É muito grave? - Clara estava de fato preocupada.

— Meus rins estão parando de funcionar, e não há muitos estudos sobre esse tipo de doença. De qualquer forma não tem problema, sinto que vivi bem e feliz esse resto de vida. Amo minha vida, minha esposa, meus filhos e netos.

— Ah vovô eu sinto muito, de verdade.

— Não sinta, só aproveite o resto de meus dias presente aqui comigo. É o que peço.

— É claro vovô, voltei definitivamente para o Brasil. - ela se encaminhou até Batista e lhe deu um beijo na bochecha. - Por isso é tão importante para mim saber o nome do meu pai. - tentou parecer displicente em seu comentário.

Batista começou a rir da neta incisiva e decidida.

— Clara, preste atenção, não posso dizer o nome de seu pai em respeito a decisão de sua mãe, mas posso te garantir que pretendo te ajudar em sua empreitada de fazer ela voltar para seu pai.

— Como assim vovô?

— Em meu testamento, digo que só entregarei minha herança a meus filhos casados.

— O que? Pretende deixar minha mãe na rua da amargura quando o senhor partir? - a neta disse espantada.

— Não, Catarina é teimosa, nunca admitiria que ainda gosta de seu pai, e eu sei que ela ainda gosta dele, o único que ela amou um dia. Ela era feliz com ele nos tempos que moravam juntos. Ela mesma me contou. Mas acontece que o orgulho a afasta da felicidade.

— Sei bem, pessoas orgulhosas como minha mãe são difíceis de lidar. - ela concordou com a cabeça. - Agradeço sua ajuda e sua ideia, mas não quero que o senhor morra para obrigar minha mãe a casar.

— Ah, vou anunciar em breve minha decisão, reunirei meus quatro filhos, afinal Fátima está noiva e ainda não casou e Jorginho namora e sequer noivou, fará bem a todos, quero garantir que nenhum deles fique sozinho no mundo quando eu não estiver mais aqui para cuidar deles.

Clara entendia a decisão do avô, mas mesmo assim não achava que seria suficiente para convencer sua mãe, achava que aconteceria justamente o contrário. Ela ficaria irritada e diria que não precisaria de herança nenhuma e diria que começaria a trabalhar para não depender mais do pai.

Esse pensamento a assustou, imaginou viver sem o luxo do qual estava acostumada.

— Agradeço sua ajuda vovô, infelizmente ainda acredito que encontrar meu pai, um rico fazendeiro, seja a melhor solução.

Batista arregalou os olhos quando escutou na frase o substantivo pai, junto do adjetivo rico. Mas ficou calado, estava com sono e evitaria dor de cabeça.

Clara teria que descobrir sozinha quem ele era, ninguém a ajudaria, conversaria com Miguel no dia seguinte, o melhor amigo teria que ajudá-la com ideias.

xx

Julião Júnior tinha passado a noite em claro lendo e relendo a carta da mãe, seus dedos tocaram diversas vezes a caligrafia dela, sua imaginação inventou sua voz e passou a noite inteira olhando o pequeno retrato de Catarina e imaginando sua boca se mexendo lendo a carta a ele. Sabia o quanto era difícil para seu pai lhe contar o que havia contado de sua mãe e o quanto era difícil para ele se libertar de tudo o que era relacionado a ela fisicamente. O ato de lhe devolver a carta foi um símbolo triste para o pai, mas reconstrutor para o filho. Apesar de chorar, estava feliz de finalmente saber que sua mãe não havia o abandonado porque quis.

— Juninho, seu Petruchio disse pra te ajudá nas venda hoje para não te deixa sozinho aqui. - Neca se justificou quando desceu da carroça para acompanhar o garoto na loja.

— Não precisava Neca, eu tô bem. Meu pai deve é de tá preocupado com minha reação depois de lê a carta de minha mãe.

— Pelo sim pelo não, vou ficar.

Julião Júnior a abraçou pelas costas sorridente.

— Pode fica, vou adorar a companhia d'ocê hoje.

Era cedo, a loja tinha acabado de abrir, Catarina, havia colocado um lenço vermelho enorme que cobria todo seu cabelo, o enrolou na frente de seu queixo, colocou um óculos de sol e passou um batom vermelho berrante. Sabia que o filho tinha uma foto sua, acreditava que Petruchio teria de alguma forma mostrado em algum momento como ela era para ele. Desta forma, estava parada diante do estabelecimento comercial de uma porta só no centro de São Paulo. A placa dizia: "Sabores da fazenda Santa Clara - produtos com gosto de fazenda ao alcance de suas mãos".

Respirou fundo, criou coragem e entrou para falar com o filho, esperava não chorar e não se desestabilizar diante dele, estava preparada para o conhecer.

 


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