Conte as Estrelas escrita por Matheus Braga


Capítulo 8
Capítulo 6




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Passava pouco da meia-noite. O enorme jato Airbus A330neo cortava os céus mansamente a quase 900 quilômetros por hora. Suas poderosas turbinas Rolls-Royce roncavam com relativa quietude, e os pilotos preparavam-se para iniciar a descida para o pouso no aeroporto de Confins após uma viagem de mais de nove horas saindo de Orlando.

Originalmente o avião deveria pousar em Campinas, mas fora desviado para Confins devido a uma aeronave enguiçada numa taxiway do aeroporto paulista. Apesar disso, o clima era tranquilo na cabine de comando.

— Já sabe onde vai passar as férias? – O copiloto perguntou, afivelando o cinto sobre os ombros para iniciar o briefing de aproximação.

— Qualquer lugar que não seja Orlando. – O piloto respondeu, ao que seu colega riu – Não aguento mais ouvir falar em Disney.

— Mas você e sua esposa já têm algo em mente?

— Santiago do Chile, talvez. Ouvi dizer que lá é muito bonito nesta época do ano.

O copiloto assentiu enquanto dava uma conferida rápida nos instrumentos à sua frente. Na poltrona da esquerda, o piloto alcançava o microfone da cabine e anunciava de forma simpática:

— Senhores passageiros, aqui é o comandante mais uma vez. Estamos iniciando nossa descida para Confins. Chegada estimada: meia-noite e 37 minutos, hora local. Temperatura: 19 graus.

Finalizando o anúncio, virou-se para o copiloto.

— Vamos começar o...

Azul 8707, torre Confins. Confirme. – O rádio chamou, interrompendo a fala do piloto.

Os tripulantes olharam para o painel e trocaram um olhar rápido. O vôo estava sendo tranquilo, não havia o menor motivo para preocupação com uma chamada da torre de controle. Provavelmente iriam apenas informá-los de alguma novidade sobre a situação no aeroporto de Campinas. O comandante alcançou o fone e respondeu:

— Torre Confins, Azul 8707 na escuta. Prossiga.

Houve um chiado de estática nos fones do avião.

8707, reporte tráfego desconhecido às 2 horas, 7 milhas, cruzando da direita para esquerda, movendo-se rápido.

O copiloto baixou os olhos para as telas de radar, no que foi imitado pelo piloto. A única outra aeronave que conseguiam ver era um vôo da LATAM que vinha logo atrás, também para pousar em Confins. O piloto ainda arriscou um olhar através dos para-brisas do avião, mas não viu nada além do céu noturno.

— Negativo, torre. Não temos contato de radar e nem visual.

Mais estática no rádio. O piloto franziu a testa, estranhando a situação. Esperou por alguns instantes que a torre fizesse mais algum pedido, como é comum em casos de tráfego desconhecido, mas o controlador de vôo não se manifestou novamente. O que quer fosse, já devia ter saído do caminho.

Suspirando, o comandante prosseguiu:

— Torre Confins, Azul 8707 solicitando aproximação ILS para pista 16 esquerda.

A resposta da torre explodiu nos fones quase imediatamente.

8707, negativo. Procedimento de arremetida para 9000 pés na proa 105. Ao atingir, reporte e aguarde novas instruções. Coteje. – Havia uma estranha inquietação na voz do controlador.

Os tripulantes do Airbus trocaram outro olhar entre si.

— O que será que está acontecendo? – O copiloto sussurrou, ajeitando-se em sua poltrona.

O piloto fechou os olhos e acenou negativamente com a cabeça enquanto respondia:

— Azul 8707, arremetendo para 9000 pés, proa 105. Reportaremos em 9000 e aguardaremos novas instruções.

O copiloto rapidamente inseriu os novos dados nos sistemas de vôo enquanto o comandante avançava levemente os manetes dos motores. Houve um quase imperceptível aumento no rugido das turbinas, e o avião começou a subir.

Quase imediatamente, eles o viram.

A princípio pensaram que se tratasse de um relâmpago. Foi uma explosão de luz azul fosforescente, como uma enorme fagulha elétrica detonada diretamente à frente do Airbus. No entanto, o brilho azulado não se apagou após alguns instantes, como era de se esperar. Pelo contrário, se manteve intenso e parecia se aproximar cada vez mais do avião.

Um suor gelado correu pela fronte do piloto quando ele se deu conta de que estava olhando diretamente para – o que ele julgava – os faróis de outra aeronave.

Merda! — Ele berrou, ligando o aviso luminoso de apertar os cintos e empurrando os manetes dos motores até o fim.

Ato contínuo, alcançou o pequeno manche à sua esquerda e empurrou-o para o mesmo lado. O imenso jato inclinou-se no ar, iniciando uma curva à esquerda enquanto os tripulantes agarravam-se em suas poltronas e observavam com horror a luz azul que se aproximava.

Vai! Vira! Vira! — O comandante berrava, sentindo a adrenalina latejar em suas têmporas.

Ao lado, o copiloto ergueu as mãos à frente do rosto e gritou.

A luz azulada estava cada vez mais próxima, e mais próxima, e mais próxima, até que finalmente cruzou pela direita do Airbus em total silêncio. Não houve nenhum impacto, ou estrondo sônico, nem deslocamento de ar, nem turbulência de esteira. Além dos gritos dos pilotos, o único outro som ouvido era o ronco agudo das turbinas do A330 em potência máxima.

Os tripulantes ainda levaram alguns segundos para entender o que havia acontecido. O piloto ainda sentiu aquele suor gelado escorrendo por sua testa enquanto seus pulmões ansiavam por ar. Ao lado, o copiloto permanecia estático, arfando e com os olhos arregalados, como se tivesse congelado. Nivelando o avião e reduzindo o empuxo dos motores, o comandante suspirou e tentou se recompor. Estava apenas esticando a mão para alcançar o microfone quando a chamada da torre de controle ecoou pela cabine:

Azul 8707, reporte! — O controlador estava quase gritando — Reporte, 8707!

O piloto suspirou fundo algumas vezes, dividido entre tentar se acalmar para responder à chamada da torre e tentar entender o que havia acabado de acontecer. Virou-se para o copiloto:

— Peça a alguém para nos trazer uma água, por favor. – Ele pediu, ajeitando-se na poltrona – Azul 8707 na escuta. – Respondeu à torre, ainda muito nervoso e sentindo as mãos tremendo – O que foi isso que passou por nós?

— 8707, temos tráfego desconhecido...

O que diabos foi isso que passou por nós? — O comandante berrou, interrompendo o controlador e finalmente sentindo os efeitos da adrenalina correndo em suas veias – Aquilo quase nos acertou de frente! Que merda foi aquela?

A estática no rádio pareceu durar uma eternidade antes que o controlador finalmente respondesse.

Ainda não sabemos. Estamos aguardando uma resposta da Força Aérea. – O piloto ouviu claramente o controlador engolindo em seco antes de prosseguir – 8707, mantenha velocidade, altitude e curso atuais e aguarde novas instruções. Assim que possível vamos trazê-lo para a cabeceira 16.

O copiloto emitiu um som fanho que podia ser tanto de desespero quanto de escárnio, mas não falou nada. O comandante apenas olhou-o de soslaio e respondeu:

— Ok, Torre. Mantendo velocidade, altitude e curso. Aguardamos novas instruções. – E finalizou a chamada.

Na poltrona da direita, o copiloto se virou para o colega.

— Na real, o que você acha que foi aquilo?

O piloto balançou a cabeça sem desviar os olhos da tela de radar.

— Não faço idéia. – Ele expirou vagarosamente – Visualmente parecia muito uma aeronave, mas... Não sei, acho que o que vimos pode ter sido um raio globular.

O outro franziu a testa.

— O que é isso?

— É um fenômeno atmosférico muito raro. – O comandante explicou, passando a manga da camisa pela testa – É uma descarga elétrica em forma de globo, que dura muito mais do que uma descarga elétrica comum.

O copiloto não se convenceu.

— Aquilo estava se movendo na nossa direção quase à mesma velocidade que nós. – Ele devolveu, com um semblante inquisitivo.

— É a única possibilidade em que consigo pensar. Não vejo nenhuma outra...

A fala do piloto foi abruptamente interrompida pelo brilho azul novamente. A luz se acendeu como um poderoso farol à esquerda do avião, iluminando a cabine como se fosse dia. Os dois tripulantes se viraram imediatamente para olhar, já temendo o pior.

E lá estava ele.

A uns 100 metros do avião, talvez menos. Era ele quem emitia aquela luz chamejante. Os pilotos não conseguiram nem mesmo entender muito bem o que estavam vendo. Era como se a luz azul simplesmente estivesse ali, mas ao mesmo tempo parecia emanar de algo mais opaco dentro dela. Ela parecia pulsar como faíscas elétricas saindo de um transformador, mas também parecia tremular como a chama de uma fogueira.

Era hipnotizante. Era... lindo.

— Sangue de Jesus... – O copiloto soltou sem sequer perceber – O que é isso?

O piloto não conseguiu sequer raciocinar para responder. Sem nem desviar os olhos da luz azul, esticou a mão e alcançou o microfone do rádio.

— Torre? – Ele chamou, com um tom de voz indolente.

Alguns segundos de silêncio.

— Prossiga, 8707. – O controlador respondeu.

— Ainda há tráfego desconhecido no radar?

Mais alguns segundos de silêncio. Apesar disso, estranhamente ele não parecia temer a resposta que receberia.

— Negativo, 8707. Nada em nossas telas.

Mas ele estava bem ali, voando mansamente ao lado do enorme A330. Não era uma ilusão. Nem um fenômeno atmosférico.

O que quer que fosse, ele estava ali.

O copiloto pigarreou antes de perguntar:

— Devemos avisar a tripulação?

— Não. – O piloto devolveu de imediato – A maioria dos passageiros deve estar dormindo. Não quero alarmá-los.

— Depois daquela curva fechada que fizemos é bem provável que a maioria tenha acordado. – O colega emendou sem hesitar – Temos que fazer alguma coisa.

— Como o quê? – O comandante se virou para encarar o outro – Avisar os passageiros? Ou a torre? Já passou pela sua cabeça o que vai acontecer às nossas carreiras se começarmos a reportar OVNIs às pessoas?

O copiloto empertigou-se. Não havia gostado do tom que o colega havia utilizado, mas não ousou retrucar. A cabine de comando de um avião não é lugar para desavenças.

— E o que você sugere que façamos? – Ele indagou, erguendo uma sobrancelha.

O piloto balançou a cabeça outra vez e voltou a fitar o halo azul que os acompanhava. Agora ele parecia variar entre o brilhante e o opaco, revelando por trás de toda aquela luz uma forma laminar esguia, escura e vagamente semelhante ao famoso e temível bombardeiro B-2 Spirit.

O piloto inspirou, completamente fascinado pelo que estava vendo. Virou-se para o colega e questionou:

— Você se lembra do VASP 169?

O voo 169 da extinta companhia VASP era uma rota que ligava Fortaleza a São Paulo. Em Fevereiro de 1982, um Boeing 727 que cobria essa rota foi acompanhado por um objeto voador luminoso por algumas horas antes que o jato finalmente pousasse para uma escala no Rio de Janeiro, tendo o misterioso artefato sido avistado por todos os 150 passageiros.

— Sim. – O copiloto concordou – E daí?

O piloto apenas assentiu de leve.

— Vamos tentar uma coisa.

Corrigindo sua postura na poltrona e dando uma conferida na tela de radar, alcançou o painel principal e apagou as luzes externas do avião. Esperou alguns segundos e as acendeu novamente. Olhou rapidamente para ver se ele havia esboçado alguma reação, mas não. Ele continuava lá, pleno e silencioso.

O piloto grunhiu. Percebendo o que o colega estava tentando fazer, o copiloto tentou intervir.

— Você está tentando se comunicar com aquilo? – Soltou num tom exaltado – Como o piloto do voo 169 fez?

— Sim. – O comandante admitiu, apagando as luzes externas do avião novamente.

Surpreendentemente, ele também diminuiu seu brilho. Os pilotos puderam finalmente ver com clareza que sim, havia algo ali emitindo aquela luz, mas que não se parecia com nada que eles conhecessem. Lembrava vagamente uma aeronave stealth, mas, ao mesmo tempo, não se parecia com uma aeronave. Era quase tão comprido quanto o Airbus em que estavam e tinha formas pontiagudas, porém estranhamente suaves.

Sentindo um êxtase inexplicável correndo por suas veias, o piloto alcançou o painel outra vez e acendeu, além das luzes de posição, também as potentes luzes de pouso e taxiamento.

E ele reagiu também. Seu brilho aumentou instantaneamente, voltando à intensidade inicial. Em seguida ele se inclinou em 45º para a esquerda, curvando veloz e silenciosamente para longe do jato. E a última coisa que os pilotos perceberam a respeito dele, que não haviam conseguido notar até então, foi o seu formato: um triângulo equilátero perfeito.

E ele sumiu, deixando os pilotos com uma magnânima sensação de leveza em seus peitos. Foram necessários alguns segundos até que os tripulantes colocassem suas mentes no devido lugar. O que haviam acabado de testemunhar era algo simplesmente fenomenal. O copiloto foi o primeiro a se recompor.

— De novo, o que você sugere que façamos a respeito? – Inquiriu.

O comandante ajeitou sua gravata de forma relaxada enquanto um discreto sorriso estranhamente satisfatório surgia em seus lábios. Sentia que seus maiores devaneios de infância haviam acabado de se materializar bem diante dos seus olhos. Ele se virou para o colega e finalizou o assunto:

— Eu não conto se você não contar.


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