Driver's License escrita por Maga Clari


Capítulo 1
you said forever now I drive lone past your street


Notas iniciais do capítulo

Perdão eu tive que colocar "lone" ao invés de "alone" porque o nyah não permitiu todos os caracteres (na verdade só faltou 1)



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O cheiro da madrugada nunca pareceu tão intenso quanto parecia dessa vez. Era o cheiro de eucalipto, de éter, de água, de terra molhada, cheiro de morte. 

Mesmo depois de meses, ninguém se acostuma com a guerra, ela simplesmente caminha, poderosa, como se os que seguem ao seu lado recebessem uma anestesia temporária. 

Sirius montava guarda do lado de fora da casa dos Potter e seu olhar vazio adentrava as transmissões e chiados vindos do radinho de pilha, enquanto deixava que a ventania noturna bagunçasse seus cachos ondulados numa dança fúnebre. 

A lista desta vez somava dezoito. Dezoito vítimas de uma guerra maldita. Dezoito também era a idade do seu irmão mais novo, quando deixou o mundo. Parar de associá-lo por coisas ridículas seria tarefa quase impossível. Sirius não conseguia acreditar que aquilo acontecia. Que vidas eram perdidas todos os dias e ele ainda esperava ouvir o nome Regulus no noticiário de rádio. 

Como num ímpeto, um surto decorrente de horas sem sono, muito café e uísque, Sirius pegou o radinho e guardou em seu bolso extensível. Ligou a motocicleta e com muito esforço vestiu o capacete; era até engraçado se preocupar com segurança no trânsito diante de riscos infinitamente maiores em sua nova rotina. Mas, não. Não haveria dois Blacks sepultados naquela noite. Sirius só precisava ir até lá mais uma vez. Sem preconceitos, sem rebeldia. Apenas ele, em sua versão mais original. A versão que somente uma pessoa conhecia. 

― Sirius?! ― a expressão da matriarca da família alternava entre surpresa e incredulidade. Seus dedos ainda repousavam na maçaneta que a separava do corredor do último andar.

― Oi, Walburga. Estava de passagem e pensei em fazer uma visita.

― Poderia ter esperado o amanhecer ― disse cheia de ácido, tentando descobrir qualquer traço de mentira ou armação. Qualquer um acharia alarmante receber visitas numa madrugada, principalmente de um filho deserdado. Por isso teria imaginado que Sirius poderia ter esperado o amanhecer. ― Como uma pessoa normal. ― chegara a acrescentar.

― Há muito tempo nós dois sabemos que eu sou o oposto disso.

Um pequeno sorriso tentou desenhar-se no rosto da mulher. As marcas da idade já estavam aparecendo, apesar do excesso de maquiagem que ela, mesmo em hora de sono, insistia em colocar. Em caso de baterem na porta, dizia, e foi justamente isso o que aconteceu. Quase vinte anos depois, pela primeira vez.

― Obrigado ― disse Sirius, quando a passagem foi aberta totalmente, conduzindo-o para o melhor quarto da Mansão. 

Seus olhos foram direto para a cama, esperançosos por encontrar Órion, mas ele não estava ali. 

― Escritório ― Walburga respondeu, compreendendo na hora. ― Ele está no escritório há meses. Desde…

― … a morte de Régulus.

― É.

O silêncio nunca pareceu tão incômodo. Quando criança, Sirius até preferia que as vozes calassem. Era quando sentia-se em quase paz. Entretanto, a angústia da noite não o deixava de nenhum jeito, só piorava mais e mais.

― Sirius, são quatro horas da madrugada. Sei que não estava de passagem. Se você veio me dizer algo, por favor, adiante-se. 

― É só que…

―  O quê.

― Que tal um chá?

Walburga, que já estava devidamente anestesiada com toda aquela situação, desistiu de questionar a visita do filho deserdado. Aceitou o convite e foram os dois para a varanda externa, longe dos outros, longe de ouvidos perigosos. Sirius recostava em sua moto, cuja existência já era suficiente para a mulher o olhar com nojo impregnado em suas feições.

Sirius não disse, mas o chá que trazia em seu quente-frio continha poção revigorante, e talvez por isso Walburga tenha subitamente sentido-se melhor. Entretanto, precisou de mais alguns minutos em silêncio para que tivesse coragem de confessar algumas verdades. Doía-lhe muito ver o seu menino naquele estado tão deplorável. O seu primogênito, seu menininho de cachos escuros como a noite, olhos reluzentes como as estrelas. A sua criança preciosa que tanto dedicara atenção e expectativas.

― Eu não sou esse monstro todo ― disse de repente. ― Infelizmente, o mundo em que vivemos pede algumas atitudes complicadas. 

― Como rasgar o meu nome da tapeçaria.

― Sirius…

― Tudo bem. Eu só precisei vir aqui para tentarmos nos reconciliar. Tentar uma última vez.

Um sorriso genuíno abriu no rosto da matriarca. Estava emocionada.

― Pessoas inocentes estão indo embora, Walburga. Consegue ver agora que está do lado errado?

O sorriso murchou.

― Já falamos sobre isso.

― É tão difícil assim perceber? Walburga, escute ― Sirius virou-se para olhá-la de frente ― Não fomos capazes de salvar Régulus, mas podemos salvar outros que também amamos.

A expressão de Walburga vacilou um pouco. Ela não queria admitir, mas só em tocar no nome de seu falecido filho seu coração parecia apertar. Alternou entre o chá e o cigarro e então uma longa tosse serviu para distrair Sirius de seu desconserto.

― Ainda dá tempo, Walburga. Nós-

― Deixe de falar o que não deve, Sirius. Você fez a sua escolha e eu fiz a minha. Seu irmão mudou de ideia porque foi burro e agiu por impulso. Ou, o que me parece bem mais provável, por influência sua. ― Walburga devolveu o copo para Sirius, mantendo-se impassível ― Se era isso, infelizmente, não posso ajudar. Agora, saia da minha casa antes que assuste a vizinhança com esse… Com esse veículo trouxa ridículo.

Sirius pensou em deixá-la ir. Em esperar que batesse a porta atrás de si antes que deixasse a rua pela última vez. Mas não resistiu. Era como se estivesse mais tolo naquela noite. Com a respiração pulsante, chamou-a outra vez:

― Ele estaria tirando a licença hoje. ― o pensamento escapou, sem querer. ―  Fizemos uma contagem regressiva. Havíamos combinado que iríamos nós dois correr pela orla da praia, que iriamos nos divertir muito.

― Concentre-se nos vivos, Sirius. 

― É isso que está tentando fazer?

A mulher havia se virado apenas pela metade, para perscrutá-lo como numa operação de raio-x. Como se consultasse toda a alma dele. Estreitou os olhos, já impaciente com tanta petulância desde o simples fato daquela visita até aquele exato instante.

Nesse meio-tempo, o barulho já havia acordado os residentes da Mansão. Uma cena assustadora, que nem em seus piores pesadelos Sirius teria imaginado. Walburga em primeiro plano; Do alto, as luzes dos quartos superiores se acenderam, revelando Druella e Cygnus. E entrando em quadro, vinha Bellatrix, Rodolfo, Narcisa e Órion, todos deixando a porta de acesso à varanda. Mas a cereja do bolo nem foi reencontrar todos aqueles que um dia já o torturaram, pelo menos uma vez durante seus vinte anos de vida. O que realmente abalou-o, que destruiu suas estruturas, foi o fantasma de seu irmão mais novo, caminhando a passos lentos até ele.

― Me desculpa, Sirius ― não, não era a voz de Régulus. Era a voz de Órion, ligeiramente semelhante. ― Mas você não é bem-vindo aqui.

― Olha só, parece que alguém saiu do casulo ― ele respondeu, o mais sarcástico que conseguira.

― O que você quer? ― o homem aproximou-se, desconfiado.

― Uma trégua.

O riso de Bellatrix ecoou na avenida deserta.

― Andou misturando bebidas de novo, idiota? 

― Algumas pessoas são capazes de conviver pacificamente, priminha.

― Deixa ele, querido ― Walburga revirou os olhos, puxando a mão do homem, para que voltasse à Mansão com ela ― A loucura sempre foi o seu destino. Estava escrito nas estrelas. Certo, Sirius?

Alternando o olhar entre os seus progenitores e seu irmão falecido, Sirius chegou a concordar. Talvez estivesse louco, realmente. Em estado de choque, viu Régulus chegar até seu tronco, abraçando-o com o rosto em seus ombros. Antes que racionalizasse o momento, abraçou-o de volta. 

― Você disse que nunca me abandonaria. ― o garoto sussurrou-o, como uma brisa de orvalho. ― Você prometeu.

― E você disse que tiraria a carta de motorista hoje. Que andaria de moto comigo. Acho que estamos quites agora.

― Não, Sirius.

― Não o quê?

― Eu estou aqui, não estou?

Um sorriso contaminou os dois. Atrás do garoto, Sirius viu os integrantes daquela família de mentira se distanciarem mais e mais dele. Narcisa era a única que olhava para trás a cada segundo, apenas para se certificar se ele ainda estava lá. Como se para tranquilizá-la, Sirius subiu novamente na moto, ligando a ignição. 

― Para onde nós vamos? ― ele quis saber.

― Para os Potter. Quero ver o bebezinho de James. 

― Você nunca gostou muito do James ― retrucou Sirius.

― Só quero ver se ele puxou ao tio. 

― Tio? Que tio? Você quis dizer a irmã da Lily?

― Não, bocó, estou falando de você. Ou melhor, de nós dois. Ganhamos um sobrinho, Sirius, isso não é o máximo?

É, Régulus. Esse bebê ainda vai te dar muito orgulho.


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