Walking Electra Heart escrita por changelingarachni7


Capítulo 1
Primadonna Attack


Notas iniciais do capítulo

Eu amo este shipp! É uma dinâmica que nem se vê no canon, infelizmente, mas que me parece beem atrativa.



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Muito embora a ciência tenha encontrado padrões de simetria e características com propensão alta a serem consideradas como atraentes pela maioria das pessoas, a beleza física ainda é uma noção especialmente abstrata, um conceito relativo e mutável, que varia de acordo com o contexto e tempo histórico.

Por exemplo: no período Edo do Japão, pintavam-se os dentes com um produto chamado fushiko. A intenção era mantê-los extremamente negros, a contrastar com as peles pálidas por pó de farinha de arroz. E esta é só uma demonstração da imensa inconstância de padrões ao longo da história.

Também é certo que o universo da moda está apresentando-se como cada vez mais diverso, desde que isso beneficia os atuais interesses do mercado. Mas a realidade é que, por detrás de discursos de aceitação, uma hierarquia visual persiste, se mostrando sempre favorável àquele que se encaixa em seus moldes.

Bom: seja em termos científicos ou sociais, Hato é considerada linda. Toda a sua experiência de vida deixava esse fato claro à beça; recebia elogios e propostas inúmeras. Constructo histórico ou não, a prevalência de opiniões era clara: ela tinha o dom da benção de Vênus.

Sim, belíssima. E por detrás da mente de cada um, com o anonimato do pensamento, persistia um batuque... como uma garota tão bonita - possível que, a moça mais bonita da cidade - assim ainda não tem um namorado? Sendo que qualquer homem em sã consciência, da aparência, caráter e situação financeira desejada, chegaria a lamber os seus saltos-altos, se passaria facilmente por cachorro por um tico de atenção.

É óbvio que houve, em um passado distante, um homem chamado Tamaki Damo. Tinha vinte e três anos - ou o dizia -, estatura baixa, era calmo e financeiramente estável. E ele foi um delírio dos mais danosos, ninguém na família nem ousa comentar sobre o incidente.

Mas tem outros pequenos pormenores da vida que não parecem incidentes constrangedores, que não se portam como memórias obscuras e loucas para se escavar num limbo. Ela definiria-os, do contrário, como um frescor que atravessa os dias, transcende as estações do ano, por fazer crescer rosas, violetas e açafrões em sua caixa torácica.

Se os olhos fechassem, se a nostalgia saudosa ofuscasse seu atual instante, Hato as reescreveria.

Era uma tarde de quinta, três semanas após o incidente traumático com o ex-namorado. A mansão dos Higashikata ia vazia de moradores, senão pelas duas. Um som de louças se atritando e de água corrente excisava a sala de estar.

Deméter também não era aliada; fez gear uma geada incessante, e o calefator sem funcionar como suposto. Que alívio que estivessem em casa.

"Você não quer sentar aqui e assistir o novo Piratas do Caribe?"

Hato disse em alto tom, transpassando a pergunta num bocejo; cutucava a unha pelos cantos. Uma última tigela ensaboada bateu no mármore ocre da pia. O resto da residência estando impecavelmente higienizado - estranha raridade.

Demorou um tempo para que Kei entendesse que a moça a convidava, e não à alguma colega de classe, por meio de um de seus recorrentes telefonemas. Algo assim nunca havia ocorrido antes.

O serviço estava completo, ao contrário do turno honorário. Seu avental umedecido descendia de um desastre na lavanderia; dobrou-o então, guardando-o em um plástico adequado, junto de seus restantes pertences. Passeou com acanho ao sofá, sentou-se com costas endireitas e um olhar caído de submissão.

"Ok~ay! Pode tirar os sapatos! Eu vou buscar alguma coisa para a gente comer."

"Mas esse é o meu trabalho, Hato-san."

"Não, fica aí! Deixa comigo."

Hato saqueia sanduíches pré-prontos da geladeira e ceva dois copos com um chá mate gelado. Retornando, começou a transmitir o filme naquela grande tevê que centralizava-se no cômodo. Então, em incrível adsorção química, afundou na maciez das almofadas.

"Como o meu irmãozinho idiota ama essa franquia, ele foi ver no cinema em estreia e ainda comprou o DVD!" Joshu Higashikata, dezoito anos, pós-graduado em alguma formação de anti-intelectuais. Mas ela amava aquele caçula estúpido.

Os créditos terminam, e Kei, que antes não transmitira um sequer som, finalmente diz:

"Eu nunca assisti a nenhum desses filmes."

Não era possível que uma pessoa estivesse tão alheia ao que acontece na mídia ou cultura popular. Que tipo de vida anti-hedonista, de interesse oculto essa misteriosa dama nutria?

O vento, mesmo externo, entrava por paredes e ameaçava trincar ossos.

As mãos juntas de Kei tremiam, embora a postura correta e as expressões prevalecessem indiferentes. Hato se aproximou por um metro e ofereceu parte do cobertor para que ela, relutante e tímida, aceitasse-o.

E o filme prosseguia, mas Hato não conseguiu manter a atenção nele. Uma quietude doía Algum toque nos nervos, bom dentro do seu desconforto incógnito, fazia sua garganta perder a umidade, e chá algum servia de ajuda.

"Quem é essa mulher?Ela é tão bonita..."

Elizabeth Swann enfeitava a tela com suas feições estupidamente angulares e angelicais. Para além de tudo, ela também atuava bem e estava designada à atuar uma personagem interessante. Surpresa nenhuma que chamasse atenção.

"Sim, eu também acho! Mais do que qualquer outro ator do filme. O nome dela é Keira Knightley." Hato constantemente se via refletindo acerca de tópicos similares. Ela encontrou uma brecha propícia para fazer essa pergunta. "É normal achar as mulheres mais atraentes do que os homens, não é?" Nijimura não parecia uma mulher árbitra em relação aos outros.

"Eu acho que sim... em geral, elas se produzem mais e sempre estão em destaque em capas de revista. Também tem uma alimentação boa, fazem exercícios. Você deve entender melhor disso, já que é modelo."

Ouvir essa voz, já calma ao natural, num ritmo constante e ainda mais relaxado, narrando assuntos banais, era uma experiência de beleza inesperada. E sim, nisso, ela via com nitidez a superioridade feminina.

"Mas não só as de revista. Mesmo as que não esperam agradar aos olhos. Mesmo que estejam sempre com o cabelo preso, ou com pedaços de gengibre no avental."

Kei, parecendo envergonhar-se, afastou-se para direita. Seus dedos cheiravam a gengibre com missô, suas pontas deveriam estar duplas e desgrenhadas. Ela tinha de dedicar mais tempo cuidando da sua aparência?

"Não, calma! Não foi o que eu quis dizer.Você é linda!"

"Você acha?..."

E se os olhos abrissem e fechassem mais uma vez, Hato as reescreveria de novo, em um diferente contexto, mas com perfumes e óleos raros similares. Desta vez, uma porção xix de meses desde o incidente; ela não sabia ao exato, nem os contava mais; isso não circulava com decorrência nos seus pensamentos.

Foi-se meia-noite, o mar ainda visível por conta do auxílio das luzes amênicas da cidade. Elas duas caminhavam ao beiral do oceano de Ko Olina em um fim de ciclo. O mormaço formava uma camada extra de pele em si, quase como uma aura veronesca. Aquela espécie de atmosfera típica das praias, que se encoberta em névoa pela rapidez do tempo, alterada pela embriaguez de Kairós.

Cabisbaixas em diálogos vagos, viam suas figuras matizadas no mar como massas metamórficas e abstratas. Haviam tirado muitas fotos daquelas férias, querendo guardar lembrança. Mas os olhos não pintam como uma câmera instantânea, isso não é possível. A água espelhava reflexos, cópias doloridas de um momento sem eternidade. Fotos jamais seriam replicadas em total verossimilhança, ou ângulo, cor e sentimento reais que se viam por aquela interpretação ondulada, líquida e fluída.

De repente, as duas moças se encaravam. (Não era claro o contexto; ao universo, poderia ser compreensível; à elas, não). O braço direito de Kei então se aproximava de seu rosto. Bem quando tocou a cartilagem da orelha, a mão fruiu de um frame rápido para destrinchar uma presilha em corpo de flor, que caiu desgrenhadamente na água rasa, e resultou que o coque alto se desfez. E... tudo foi proposital?

Deixando escapar uma careta, surpresa pela audácia, Hato ajoelhou-se à procurar a bijuteria. A garota amava a leveza em não ser vista como um adorno frágil, uma porcelana estúpida e incapaz de rebelião, como em várias vezes foi. Nenhum estúdio ou postura petrificada na falsidade da luxúria a vetava. Ela estava posta em carne viva, apta à putrificação - embora se sentisse imortal na própria felicidade do instante.

A beleza no seu espelho tinha data de validade. O tempo passa, caem as plêiades. Só que a beleza nas memórias e sentimentos é uma constante tenra que a perseguirá por vias incorpóreas.

Mas então por que, por que a moça mais bonita da cidade não tem um namorado?


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Notas finais do capítulo

Fiz mais uma one lésbica, gostaram?
Eu não!
Amo este rarepair. que não tem quase nenhum conteúdo. Meu coração fica entre elas e WeatherTaro. São muito fofinhas, mas a personalidade da Kei é extremamente complicada para representar.



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