Sozinha, atravesso a madrugada. Sou eu comigo.
Ao meu redor, um silêncio sem interrupção, característico da periferia das cidades muito pequenas que, em tempo algum, aprenderam os ruídos constantes das metrópoles.
Seria uma benção, se quisesse ouvir música bem baixinha, ler poemas, sondar os mistérios que excedem o limite do que posso intuir.

Talvez sobreviesse um insight que me resolvesse os problemas. Talvez, uma epifania, a revelação inesperada que me mostraria a maneira de reorganizar a vida, indicaria uma saída para as atribulações que me afligem, acalmaria o meu coração.

É, porém, somente o silêncio natural da cidadezinha, da noite a deslizar pelas horas vazias, das estrelas pregadas no firmamento.

Sou eu comigo, mais as minhas lembranças.
Conforme o estado de espírito, há madrugadas em que me lembro dos muitos privilégios e das muitas alegrias; em outras, recordo as perdas tantas e as tantas vezes em que saltei sobre abismos; em outras ainda, recupero a história das pessoas que amei (com ou sem reciprocidade), das que me acolheram (porque tenho olhos mansos de rês), das que, por uma questão de afinidade e parceria, caminharam longamente ao meu lado (e a elas dediquei o título de Grandes Amigas).

Impávida, atravesso a madrugada. Sou eu comigo.
Sou eu e a minha inseparável solidão. Sou eu e os meus sonhos e projetos interrompidos. Sou eu e a minha perplexidade. Sou eu e uma única, última esperança.