Cinderella Phenomenon: A máscara sobre meus olhos escrita por Helen


Capítulo 1
Capítulo Único.




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Eu acordei de mais um sonho estranho. Respirava com pressa, assustado. A visão familiar do meu quarto foi me acalmando aos poucos. Mas algo dentro de mim dizia que meus pesadelos tinham algum senso de verdade.

Tomei café e vesti uma armadura leve. Pus minha espada na bainha. O dia espreguiçava sua luz no céu, e eu precisava estar no castelo o quanto antes. Como filho de Alcaster, o capitão da guarda, meu dever e obrigação eram ser, no mínimo, o dobro daquilo que meu pai era para o reino. Suspirei sentindo o peso da responsabilidade novamente sobre meus ombros. Era maior do que o peso da espada, maior que o peso da mais completa armadura.

Chegando perto dos portões grandiosos do palácio, pude ver a princesa. Ela vestia-se de maneira simples, plebeia, pois graças à sua maldição ninguém do reino lembrava-se dela. Ninguém além de mim, dos bruxos, das fadas e dos outros que também estavam amaldiçoados. Eu apenas conseguia me perguntar o motivo de eu ser a única pessoa normal a lembrar dela...

Aproximei-me correndo, aliviado de vê-la novamente, mas quando seus olhos me fitaram, senti algo estranho. Como se... ela olhasse para um traidor.

— O que há de errado? — perguntei. — Foi alguma coisa que eu disse?

— Não... você não fez nada. — ela respondeu, olhando para o chão. — Foi... ele.

— Ele quem? — franzi a testa, confuso.

Vindo de dentro do castelo, veio sir Mythros. Seus olhos sombrios e sua postura elegante continuavam impassíveis, e ele carregava um sorrisinho malicioso no rosto. O conselheiro do rei me olhou com um certo orgulho, apesar de eu não entender o motivo. Era dele que ela estava falando? Mas então por que ela me olhou daquele jeito?

— Bem-vinda novamente, princesa. — ele a cumprimentou com uma reverência. — As preparações foram terminadas. Você está livre para novamente voltar para casa.

Sem olhar para mim novamente, a princesa caminhou para dentro, seguindo sir Mythros, que também entrara. Algo estava me incomodando. Eu corri até ela e segurei seu pulso: — O que está acontecendo?

Ela me olhou com frieza: — Eu estou voltando pra casa, Fritz. — e soltou-se da minha mão com facilidade.

Apenas podia me perguntar o que havia acontecido. Dias atrás, eu era o único que podia protegê-la. Era o seu cavaleiro particular, aquele que sempre estaria ao seu lado. E de repente... eu não era mais nada.

...

A noite é a minha mãe.

Sob uma máscara negra, eu me ergo da inconsciência para habitar entre o mundo consciente.

Enquanto aquela minha tola parte frágil sucumbe ao meu despertar...

...

Sir Mythros e Alcaster conversavam em um dos corredores do castelo, sussurrando suas conspirações. Mythros era ponderado, contido em seu plano de tomar o reino por meio de suas magias sutis. Alcaster, no entanto, debatia seus métodos e desconfiava da sua tranquilidade. Era impaciente em pôr as mãos sobre os braços do trono. Ele mal notara minha presença até que o bruxo percebe minha silhueta na escuridão: — Alcaster, você deveria aprender um pouco de paciência com seu filho.

Os dois se viraram para mim enquanto eu saía da sombra de uma coluna, caminhando para próximo deles.

— Varg. — disse Alcaster, quase agressivo.

— Sir Alcaster. — o fitei, contendo meu desgosto com sua existência.

— Que surpresa agradável. — sorriu Mythros. — Acredito que já tenha domado Fritz.

Antes que eu pudesse responder, aquele tolo de armadura me corta: — Do que você está falando?

O bruxo continuava sorrindo, debochando da estupidez do meu pai: — Ora, Alcaster. Não percebe nem ao menos que seu filho está sumido? Varg está tomando o controle. Lenta mas certamente.

O capitão olhou para mim, não muito surpreso. Eu também não ficaria, se fosse ele. Fritzgerald não tinha dos espíritos mais fortes. Mythros continuou: — Ele não precisa mais esperar que Fritz durma para assumir o controle. Daqui a algumas semanas, não, talvez em até alguns dias, ele vai ser capaz de nos ajudar durante o dia.

Alcaster cruzou os braços, ainda me encarando: — Espero que sua presença aqui não seja por causa daquela garota.

Eu o encarei em silêncio. Quem ele pensava que eu era? Alguma cópia mascarada de seu filho? Eu não dependia dele, assim como ele não dependia de mim. Podíamos ter o mesmo corpo, mas éramos completamente diferentes. Eu não tinha nenhuma "síndrome de cavaleiro em armadura brilhante", e minhas ações deixavam isso bem claro.

Meu silêncio, entretanto, foi interpretado de forma jocosa por Mythros: — Hum, interessante. Parece que a influência de Fritz é mais forte do que pensava.

Não pude conter um sorriso de desdém: — Aquele frouxo? Não me faça rir. — dei de ombros — Eu só acho isso tudo muito entediante.

Cansado daquela conversa, novamente eu me escondi nas sombras. Podia ouvir suas vozes distanciando, principalmente a de Alcaster, decepcionado: -... Ele amoleceu...

Ouvir aquilo me deu nos nervos. Por que diabos ainda me comparavam com aquele garoto? Eu já não tinha provado tantas vezes que eu era superior? Ter que ouvir o nome daquele Fritzgerald o tempo todo sendo comparado a mim me fazia agarrar com força o cabo da minha bengala mágica, a arma que tinha sido dada a mim no dia de meu primeiro despertar.

Eu era melhor do que ele. Toda a fraqueza de Fritzgerald vinha de me ignorar. Toda a vez que ele fingia que tudo estava bem, eu me alimentava da sua frustração. Do seu ódio contido. Da sua incapacidade de revidar. E era por isso que era EU que me lembrava dele, e não ele de mim. E era por isso que na nossa maldição, eu que detinha o controle. Eu que o obrigava a sentar na inconsciência, dando o lugar para mim. Eu era o mais forte. Eu era o mais poderoso. Como ninguém era capaz de enxergar isso?

Não tive muito tempo para continuar pensando. Olhei para o corredor vazio do castelo, reconhecendo as portas dos quartos dos filhos da outra rainha. Dei um breve sorriso. Minha missão de assassinato estava prestes a começar.

...

Adiuva!

...

Minha cabeça doía. Eu olhei ao meu redor. Estava dentro de um dos túneis secretos do castelo. Como... como eu havia chegado lá?

Novamente, eu tinha tido um sonho estranho. Perseguia os filhos da outra rainha, e vi a princesa os defendendo. Eu... eu não entendia o porquê, mas parecia disposto a ameaçá-la. Mesmo sendo um sonho, tentei conter todas as minhas forças. Lembrei de ter paralisado. De encará-la por longos minutos até uma força aterrorizante me arrastar para frente. Eu ia... eu estava prestes a avançar contra ela, quando ouvi ela gritar: — Adiuva!

Eu que tinha ensinado aquela palavra a ela. Era a palavra latina para pedir socorro. Depois daquilo, me vi obrigado a acordar. Eu não podia deixar aquele sonho prosseguir, mesmo que fosse apenas um sonho. Eu jamais machucaria a princesa. Jamais.

Corri de volta ao castelo, perdido. Mesmo sendo apenas um sonho, eu só iria me acalmar quando visse os príncipes bem e vivos. Mas quando cheguei aos seus quartos, eles haviam desaparecido. Por um momento quis entrar em pânico, até que decidi procurar a princesa. Talvez ela estivesse com eles, apesar de que eu duvidar muito... Eles nunca se deram muito bem.

Entrei no quarto sem bater: — Princesa?

Ela não me olhou imediatamente. Parecia estar mais preocupada com o pingente de seu colar.

— Estou procurando o príncipe Rod e a princesa Emelaigne. Você os viu?

Ela não respondeu. De súbito, lágrimas começaram a encher seus olhos, me assustando. Eu dei um passo a frente: — O que houve?

A princesa continuava sentada em sua cama, envolvida em uma aura de tristeza e dor, da qual eu não sabia nem origem nem solução. Meu coração doeu ao ver aquela cena, e eu estendi a mão para tocá-la, ao que ela de súbito recuou, como se visse um fantasma.

Eu a olhei, franzindo a testa com preocupação: — Princesa...? — Havia algo errado. Eu sabia que havia, mas ninguém era capaz de me dizer o que era. Aquilo estava começando a me incomodar mais do que o normal. — O que aconteceu? Tem algo de estranho desde que voltamos ao palácio. Por favor, me diga... — eu fechei os punhos. — Me diga como eu posso te ajudar.

Ela hesitou por um momento, e me encarou com frieza: — Eu duvido que você possa. Você nunca ia acreditar em mim.

Tomei aquilo como um desafio: — Tente.

— Você foi amaldiçoado.

Eu cocei a nuca, desconfortável: — Princesa, eu sei que você já disse algo assim antes, mas... por que você acha isso?

— Você foi amaldiçoado com uma personalidade alternativa. Uma cruel. O nome dele é Varg, e ele tentou matar príncipe Rod e Princesa Emelaigne. Você tentou matá-los na noite passada.

Eu... eu não podia acreditar. Era... aquilo tinha sido apenas um sonho, não? Minha cabeça estava confusa, meus pensamentos giravam numa velocidade absurda. E dentro de mim, eu ouvia uma voz que debochava do meu sofrimento. Alguém perguntava: "Como você vai proteger alguém de si mesmo?"

Baixei os olhos, emoções me empurrando como se fossem me sufocar. Tentei dizer com toda a sinceridade que podia: — Perdão. — e me retirei dali antes que qualquer coisa de mau acontecesse.

...

Como proteger alguém de mim mesmo?

...

Apesar dos príncipes escaparem, os planos de Sir Mythros continuaram inabaláveis graças a presença da princesa. Sua repentina honra em defendê-los a tinha mantido ali, para a sorte dele e para meu alívio. Ele já não estava muito contente comigo. Teria sido pior se ela tivesse escapado por um erro meu. Mas eu já tinha deixado pra trás essas coisas.

Depois do ritual feito naquela noite, tive que levar a princesa de volta ao seu quarto. Fiquei de guarda lá dentro, caso alguém aparecesse. Mas quem iria aparecer depois de tudo ter dado certo?...

Ela estava fraca. O cristal havia consumido bastante de sua energia. Parecia tão frágil. Como uma das suas bonecas de porcelana.

Tirei a máscara do rosto. Não precisava dela ali dentro. De repente, senti que não precisava me esconder. Mas... do que eu estava me escondendo? Do que eu possivelmente precisaria me esconder?

Deixei minha bengala mágica num canto, e encarei o corpo dormente da princesa. Algo dentro de mim ecoava como tristeza, uma melancolia que eu sabia de quem era.

Era dele. Do Fritz.

Ele com sua fixação em protegê-la, novamente havia partido seu próprio coração. Eu podia sentir toda a frustração e a tristeza que me alimentavam. Alimentavam aquela minha forma, aquela minha consciência. Mas, para além disso, me contagiavam. Eu não podia carregar tristeza sem ter um pouco dela também, e aquilo estava me incomodando.

Ele não estava ali. Mas eu sentia o que ele sentia. Sempre aquela presença irritante. Como se fosse o mais forte de nós dois. Como se fosse mais importante do que eu.

Fechei os punhos com força. Ele não ia ser melhor do que eu. Eu iria destruí-lo. Eu iria colocá-lo sob os meus pés.

Me aproximei da princesa. Um pensamento cruzou na minha cabeça e me fez sorrir com malícia. Ninguém iria notar. Ela nem se lembraria disso. Era o momento perfeito para destruir por completo a força do meu alter ego.

Sentei na cama dela e aproximei o rosto, encarando suas fisionomias delicadas. Ela parecia em tamanha paz. A juventude desabrochando pureza. Era o oposto de mim, pensei. Assim como Fritzgerald era.

Por um momento, me senti deslocado. Como se... eu fosse o único que não pertencesse ali. Tentei afastar de mim esse pensamento, avançando sem pensar, mas minha testa apenas se apoiou na testa dela. Eu estava paralisado. E não era somente o meu alter ego que tentava me conter... era eu mesmo.

Eu não conseguia sair, mas também não conseguia continuar. Era o meio termo entre a coragem e a covardia, a vitória e a derrota. Tudo o que eu precisava era tudo o que eu temia, e tudo o que eu temia, eu odiava.

Por quê?

Eu era mais forte, não era?

Então por que eu não conseguia?

Não era isso que nós dois desejávamos?

Ouvir a palavra "nós" de mim mesmo me fez recuar num instante. "Nós"? Desde quando existe "nós"?

Ver a princesa estava começando a me deixar tonto. Pus a máscara de volta, peguei a bengala. Eu não podia continuar ali. Não quando eu e Fritzgerald queríamos a mesma coisa. Não quando nós éramos... a mesma pessoa.


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