Entre Mentiras e Amor escrita por The Deathly Mockingjay


Capítulo 1
Capítulo I




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/801672/chapter/1

Cá estou eu. Vestida de branco, buquê em mãos. Cabelos presos em tranças delicadas e complicadas. Meu rosto está meticulosamente pintado a fim de explorar minha beleza in natura, como disse a maquiadora. Mas dos meus olhos escorrem lágrimas como as cachoeiras de minha infância, deformando a linda pintura antes presente em minha face.

Ainda pode-se ver o branco quase inexistente do meu vestido se forçar só um pouco. O resto é lama, grama, um pouco de tinta, terra, café e qualquer outra coisa que eu tenha me esbarrado em minha fuga e não percebi ainda. Hoje seria o dia do meu casamento, o dia mais feliz da minha vida.

E realmente seria o dia mais feliz, por que, a partir dali, eu nunca mais esboçaria um sorriso sincero.

Papai sabia disso. Todos sabiam disso. Mas, mesmo assim, inventaram uma viagem de última hora para o país que sempre sonhei em visitar com a desculpa de ser meu presente de aniversário. No fundo eu sabia que tinha algo de errado acontecendo. Mas, também, eu sabia que se me opusesse, eu estaria aqui de qualquer forma.

Como eu escapei dos seguranças que Papai tinha contratado, eu não sei. Mas o fiz e cá estou eu, vestida de noiva (mais parecendo a Noiva Cadáver, para ser sincera), meu lindo e delicado vestido mais sujo que o Tâmisa e meus cabelos parecendo um ninho de pássaros dentro de uma scoona à caminho de um país mais desconhecido que a verdadeira identidade de Jack, O Estripador.

Panem.

Não estava nos meus planos ir para esse país, mas ao ler a placa dos destinos disponíveis para viajem naquela hora, eu tinha certeza de que era ali que deveria ir. Era um sentimento estranho, mas poderoso e só o segui porque precisava escapar na Grécia e das garras do meu pai o mais rápido possível.

Olhares de toda a embarcação me encaram como se fosse a coisa mais assustadora que já viram na vida. Tento ignorar, mas não posso dizer que estou a minha melhor versão hoje. Não durmo há quase 24 horas e tenho quase certeza que devo cheirar a algo um pouco menos pior que lixo orgânico há dias se decompondo sob o sol escaldante do verão.

Minha sorte foi ter feito aquela minha primeira conta bancária pessoal que nunca falei para ninguém de sua existência. Se tivesse utilizado qualquer outra conta, Papai já teria me achado e trancafiado em algum quarto de hotel até que eu pudesse sair para ser forçada a assinar papeis de casamento com o cafajeste do Gale Hawthorne.

Mamãe se casou bem nova com o meu pai e me teve não muito tempo depois. Papai era o herdeiro da Snow's Enterprises e a vida deles mudou de água para o vinho quando meu avô morreu subitamente quando eu tinha 4 anos de idade. Papai já era muito rico antes de tomar poder total da empresa de moda mais poderosa em ascensão dos EUA e depois disso foram anos de luxo. Até que as ações caíram e se voltaram para a Hawthorne's. Papai nunca foi de ir para guerra quando poderia haver um diálogo e essa sempre foi uma das coisas que mais admirava nele.

Corioalnus Snow não perdeu tempo e arrumou uma bateria de reuniões com os diretores da Hawthorne's e resolveram o que seriam anos de briga de empresas em um simples casamento entre eu e o filho de um dos diretores. O problema era que o filho em questão era Gale Hawthorne, meu antigo melhor amigo agora cafajeste-nojento-que-desprezo. O acordo foi assinado quando eu tinha 10 anos e Gale tinha 13. Nenhum de nós sabia da existência do mesmo, mas sempre houve tentativas e mais tentativas de ambas as famílias em nos tornar um casal.

Por muito tempo da minha vida, eu pensava que era assim que seria. Que me casaria com Gale e nossos futuros filhos herdariam duas enormes empresas. Entretanto, quando Gale fez 18, eu comecei a enxerga-lo de outra forma quando o peguei na cama com a minha melhor amiga não mais que duas semanas depois dele ter me pedido em namoro. Nossa relação nunca mais foi a mesma desde então.

Quando falei para Mamãe e Papai o que Gale tinha feito e que nunca mais queria ver a cara dele na minha frente, eu vi o sangue se esvair da face de Papai e por uma fração de segundo pensei que desmaiaria. Foram longos dias de conversa de tipo "Vocês dois foram feitos um para o outro!" e "Para amar devemos sempre perdoar", mas nunca foi do meu fetio perdoar o imperdoável. Mamãe vivia dizendo que eu deveria aceitar e acabar logo com esse drama e voltar a ser namorados o que resultava em gritos e choros no meu quarto.

O tempo passou. Gale ainda achava que estávamos juntos e tentava de todas as formas me reconquistar até perder a paciência e falar sobre o acordo que nossos pais tinham feito. Aquela foi a primeira vez que enxerguei meu pai como o mal caráter que ele sempre foi.

Não poderia culpar Gale por querer ter duas grandes empresas em suas mãos, mas nunca poderia imaginar que todos eles pagariam o preço da minha liberdade para tê-lo. Pelo visto nunca vali nem uma empresa.

Eu tinha 15 anos.

Lembro chutar as bolas de Gale antes de correr para a segurança do meu quarto e chorar durante dias. No dia seguinte eu prometi a mim mesma que não deixaria que três homens decidirem a merda da minha vida. Terminei a escola e escolhi Botânica como minha graduação, por mais que meus pais quisessem que eu fizesse ou Moda ou Administração. Fiz mestrado em Oxford e segui a minha vida como se não fosse a filha do CEO mais poderoso do mundo da moda. Até uma semana atrás.

Mamãe me ligou dizendo o quanto estava sofrendo depois me mudei para a Europa e que não aguentava mais não falar comigo. Meu coração doeu ao ouvir a sua delicada voz embargada pelo telefone e não pensei duas vezes em dizer sim quando ela perguntou se queria ir para a Grécia comigo.

A primeira semana foi fantástica: de uma forma ou outra, eu realmente sentia falta de minha mãe e sentia que estava pronta para perdoa-la por nunca ter me contado sobre o maldito acordo. Foram ótimos momentos de reconexão entre mãe e filha até anteontem, quando ela basicamente me arrastou até o Spa do Grande Bretagne, dizendo que nós duas precisávamos de um belo dia somente para relaxar e cuidar de nossos corpos. Mas os procedimentos que estavam sendo feitos em mim eram muito diferentes daqueles que já tinha feito antes. Eram perfumes demais, loções hidratantes demais, massagens e mais produtos que jamais vi em contato com os meus cabelos em todos os meus 25 anos de vida e comecei a desconfiar do que viria depois daquilo. No dia seguinte, acordei com minha mãe em meu quarto de hotel, segurando um lindo vestido branco com rendas e pequenos detalhes.

— Foi feito sob medida especialmente para você, minha flor! – disse ela segurando a peça de roupa como se fosse o objeto mais delicado do mundo.

— Mamãe, o que é isso? – disse um tanto assustada com a cena em minha frente.

— O vestido de seu casamento, é claro!

Depois disso, um grupo de seis pessoas surgiram do corredor que levava ao hall do último andar do Bretagne carregando malas e mais malas de equipamento para fazer Deus sabe o quê em minha face. Mamãe deus um simples "Tchau e boa sorte!" antes de sair do quarto. Mas não antes de sussurrar o que me pareceu um "Não a deixe sozinha" antes de definitivamente sair do quarto.

Aquela foi a primeira vez na minha vida que me senti fraca e impotente.

Os maquiadores e cabelereiros eram profissionais excelentes e maravilhosos em seu trabalho de me deixar apresentável. Durou quase metade do dia, mas ao mesmo tempo foi tão rápido que não tive tempo para pensar direito. Senti meu cabelo sendo puxado para todas as direções possíveis com tamanha força que me surpreendi quando vi que era a mais baixa e magra do grupo a responsável pelos puxões desagradáveis.

Quando terminaram e pude finalmente ver o resultado no grande espelho do quarto de hotel que percebi que aquela pessoa no reflexo não era eu. Era linda, graciosa, delicada e chique, mas não era eu. Nunca seria eu. Aquela, pensei, era a filha de um CEO prestes a se casar para juntar duas empresas enormes como se fosse um pedaço de carne. Ou melhor, um pedaço de papel. E não um ser humano com seus próprios pensamentos, vontades e sentimentos.

Eu queria chorar. Eu queria gritar. Eu queria sair correndo e me jogar pela janela do quarto.

Seria uma morte linda. Capaz de superar Evelyn McHale. Mas eu não faria isso. Eu faria de tudo para escapar do que parecia o inescapável.

Eu iria. E como.

Esbocei um sorriso lindo e dei gritinhos de alegria, elogiando imensamente o trabalho do grupo, mas que precisava muito ir ao toilette.

Todos os seis se encararam como se estivessem fazendo uma grande aposta com ações de empresas.

— É claro que vocês não vão querer que a noiva se sinta mal no seu próprio casamento, certo? – disse num tom tão delicado e doce que quase pensei que fui possuída pelo espírito de uma princesa, ou até mesmo a própria Afrodite!

Eles acenaram e fui ao toilette. Fingi ao máximo que estava fazendo minhas necessidades enquanto procurava minha necessaire em que sempre guardava o que chamava de "cartão de emergências" e o enfiava entre os meus seios. Saí do toilette com a expressão de mais pura felicidade dizendo: "Estou pronta!".

O grupo me acompanhou até a porta, onde me deparei com mais quatro seguranças que iriam me escoltar Deus sabe para onde. O mais alto dos seguranças tomou um passo à frente e disse para o grupo de maquiadores e cabelereiros que o trabalho deles já estava feito e que já podiam ir para suas respectivas casas. Nenhum deles se opuseram e saíram em direção ao elevador mais próximo.

— Para onde estamos indo? – Tomei a liberdade de perguntar para o mesmo segurança enquanto saiamos do hotel só para receber um silêncio constrangedor enquanto ele abria a porta da limosine que me levaria ao lugar qualquer que iria me casar.

Eu sabia que se não fizesse nada a partir dali, talvez não teria outra chance. Então, por impulso gritei em direção da porta do hotel:

— Mamãe! Mamãe! Estamos aqui!

Todos os seguranças se viraram para a direção na qual eu havia gritado e simplesmente corri. Corri como se estivesse numa maratona. Corri como fosse um leopardo em busca de sua presa. Eu corri e corri e corri.

Eu caí algumas vezes, quebrei um de meus saltos, esbarrei em dezenas de pessoas segurando cafés em suas mãos, derrubei um ou dois vasos de plantas de vendedores ambulantes, me bati em árvores e caí mais uma vez em um balde de tinta que dois pintores utilizavam para pintar uma parede.

Eu não sabia para onde estava indo, só tomei voltas e virei esquinas e corri até me deparar que estava em frente a uma estação de metrô. Não pensei duas vezes e desci as escadas, comprei um ticket de uma máquina e entrei no trem pensando que sairia no Aeroporto Internacional de Atenas, mas acabei no outro lado da cidade: no porto de Piraeus.

Bom, eu nunca havia estudado grego...

Tomei aquela uma boa oportunidade e foi ali mesmo que desembarquei, entrei no porto e paguei por uma passagem para um país chamado Panem.

Cá estou eu. Num barco indo para Panem. Adrenalina ainda corre em minhas veias e só percebo agora que ainda seguro o buquê de rosas brancas. Ou o que antes era um buquê de rosas...

Atiro o que restou do buquê para o mar como se fosse a coisa mais nojenta e pegajosa que existe no mundo. Com aquele buquê vai-se o meu casamento forçado, vai-se a Hawthorne's e a Snow's Enterprises, vai-se Gale, vai-se mamãe e papai. Todos afogados no Mar Mediterrâneo com o buquê.

Que todos vão à merda.

Então, desvio o olhar do buquê afundando com todo o meu passado e encaro para o horizonte em que daqui a pouco se tornará meu futuro: Panem.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Entre Mentiras e Amor" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.