40 Dias escrita por Saori


Capítulo 6
Solidão.


Notas iniciais do capítulo

OOOOOOI! O Junho Scorose está em sua reta final e eu venho trazer para vocês mais um capítulo de "40 Dias". Espero que estejam gostando dessa fic tão bobinha. Boa leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/801641/chapter/6

Já fazia cerca de três semanas que eu estava na casa de Scorpius. Aproximadamente vinte e um dias presa em outro país, longe de casa e, consequentemente, da minha família. No fundo, eu sabia que não estava literalmente sozinha, éramos dois morando sob aquele teto, mas, mesmo assim, o sentimento de solidão me preenchia de um modo quase inexplicável. A cada dia, a dorzinha no peito aumentava, sempre que eu me lembrava dos meus pais; primos e avós. Eu sentia muita falta deles, era inegável. Isso pode parecer besteira, mas a minha família é tudo para mim, eles são os meus melhores amigos e as pessoas mais importantes da minha vida inteira. 

Albus parecia ter desaparecido de suas redes sociais, provavelmente porque suas aulas estavam prestes a retornar. Ultimamente, não trocávamos mais de duas mensagens por dia. Aliás, eu tinha mandado uma mensagem para o meu primo no dia anterior, mas ele ainda não havia respondido.  Com relação aos meus pais, eu não queria incomodá-los o tempo todo, especialmente porque eles estavam começando a se preparar para o trabalho em home-office, e, segundo Hugo, estavam um pouco atrapalhados com essa novidade. 

Por isso, eu estava me sentindo cada vez mais solitária com o passar dos dias, principalmente porque, querendo ou não, eu havia me afastado um pouco de Scorpius, e ele era a minha única companhia. Além de Lynx, claro, que estava esparramado sobre os lençóis da minha cama, em um sono profundo. 

Peguei o meu notebook, apoiei-o sobre o meu colo e comecei a navegar pelo computador, sem um objetivo específico. Acabei parando na pasta de imagens da família, e tinha várias fotos. Eu com os meus primos n’A Toca, eu com os meus pais e Hugo nas ruas de Londres, fotos bestas minhas com Albus, de quando éramos mais novos. 

Subitamente, o meu coração apertou. Aos poucos, senti um nó se formar em minha garganta e tentei desfazê-lo, no entanto, era forte demais. Em poucos segundos, as lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto. Eu me senti uma perdedora. Detestava me sentir assim, tão frágil, tão vulnerável, mas era inevitável. Eu sentia falta deles. De passar todos os fins de semana na casa dos meus pais; de jogar cartas com Hugo; falar bobagens com Albus. Esse tipo de coisa estava fazendo cada vez mais falta no meu dia a dia, por mais estúpido que isso parecesse. Na última vez em que nos falamos, meus pais disseram que estavam todos bem, mas eu tinha dúvidas e preocupações que ocupavam a minha mente o tempo todo. Eu sentia saudades de todos eles. Muita saudade.

Permiti-me ficar vulnerável por aquele instante. Eu odiava chorar, mais do que qualquer coisa, mas, ainda assim, eu precisava daquilo. Precisava me permitir sentir todo aquele misto de dor, saudade, amor e agonia, na esperança de que os sentimentos negativos fossem embora ou, no mínimo, aliviassem. Era uma situação sem culpados, eu sabia, mas eu detestava me sentir assim, impotente e fraca. Minha família era o meu porto-seguro, meu ponto de apoio, as únicas pessoas capazes de me fazerem sentir bem quando tudo parecia estar dando errado, como era o caso, mas eles não estavam ali. Não podiam estar ali. E eu não podia estar com eles, por causa dessa viagem estúpida que decidira fazer no pior momento possível. 

Fechei o notebook bruscamente, na expectativa de que o meu desespero diminuísse, mas não adiantou. Provavelmente, nada seria capaz de afastar o sentimento de solidão que me consumia, pouco a pouco, traiçoeiramente. 

De repente, ouvi o som de algo batendo contra a porta de madeira. Momentaneamente, fiquei sem reação, mas logo tratei de limpar as minhas lágrimas e correr até a porta. Só podia ser Scorpius, é claro, já que não havia mais ninguém na casa além de nós dois e Lynx. 

Engoli seco, rezando para que a minha aparência não me entregasse e girei a maçaneta, deparando-me com Scorpius parado exatamente na minha frente, trajando um casaco de lã preto e uma calça de moletom cinza. Ele me encarou fixamente por alguns longos segundos, como se me avaliasse. Eu, por minha vez, permaneci quieta. Não queria denunciar qualquer sinal de fraqueza que pudesse ser usado contra mim. Eu detestava, com todas as minhas forças, ser vulnerável. 

— Rose, você está bem? — ele indagou, levemente desconfiado. 

Assenti, movimentando a minha cabeça. Ele não pareceu acreditar muito em mim, mas não insistiu. 

— Bem, eu estava pensando em comprar algumas coisas para abastecer a cozinha, está precisando de algo? 

Movi a cabeça novamente, mas, dessa vez, de um lado para o outro, em negação. 

— Rose. — Ele mordeu o lábio inferior, como se estivesse pensativo. — Você andou chorando? — perguntou, certeiro. 

Muitas coisas podiam ter me denunciado, como os olhos irritados, nariz avermelhado ou, até mesmo, o fato de eu estar tentando evitar falar qualquer palavra para não ser pega, mesmo que fosse inútil.

De qualquer forma, aquelas palavras ditas por ele fizeram com que eu me sentisse uma boba e, ao mesmo tempo, fizeram-me sentir ainda mais vontade de chorar. Scorpius pareceu perceber, uma vez que seus lábios se contraíram, assim como as suas sobrancelhas. 

Constrangida, eu desviei o meu olhar para o chão. O meu senso de responsabilidade dizia-me para não mentir, porque eu detestava mentiras. Por outro lado, a minha vergonha fazia-me querer sair correndo ou, no mínimo, dizer que estava tudo bem, e que absolutamente nada havia acontecido. Não fiz nenhum dos dois, apenas mantive-me para ali, de pé, como uma tonta, enquanto encarava os meus próprios pés.

— Ei... — Scorpius pareceu um pouco hesitante, mas levou uma das mãos até o meu queixo, e, cuidadosamente, o ergueu, até que seus olhos fitassem os meus novamente. — Está tudo bem? 

Eu queria ser forte, queria mesmo. E eu tentei. Contudo, aquele nó na garganta não se desfazia e apenas parecia aumentar. Abri a boca e a fechei duas vezes, tentando falar alguma coisa, mas nada saía. Exceto pelas lágrimas, que de repente começaram a rolar pelo meu rosto novamente, sem qualquer pudor. 

Eu era mesmo uma estúpida, e havia me permitido ser vulnerável justamente na frente de Scorpius Malfoy, a pessoa que eu menos queria que me visse desse jeito. Pensei em fechar a porta bem na cara dele, e quase o fiz, mas o Malfoy foi mais rápido. Surpreendentemente, senti os braços dele envolverem a minha cintura delicadamente e me puxarem para frente, colocando-me contra o seu corpo, em um abraço apertado e aconchegante. 

Pensei em me afastar, pensei em empurrá-lo ou fugir dali, mas não consegui. Era como se o meu corpo e o meu coração precisassem daquele gesto tão simples, mas tão poderoso. Eu necessitava de um abraço, precisava me sentir acolhida e apenas Scorpius Malfoy era capaz de fazer isso agora. Então, eu o retribuí, envolvendo-o, também, em meus braços. 

Ficamos em um quase silêncio por alguns minutos, em que tudo o que podia ser ouvido eram os meus soluços e a nossa respiração. Enquanto isso, uma das mãos de Scorpius se movia delicadamente sobre os meus fios de cabelo longos, em uma carícia agradável. Ao contrário do que ocorria costumeiramente, aquele silêncio não foi constrangedor ou odioso. Na verdade, tratava-se do exato oposto. Aquele silêncio era necessário, porque era um consolo sem palavras, da última companhia que eu imaginara que teria. Do último alguém que eu esperava ter ao meu lado para me confortar. 

Aos poucos, acalmei a minha própria respiração, à medida que os soluços tornavam-se mais espaçados. Assim, quando eu pareci calma o suficiente, Scorpius me afastou, cuidadosamente, e levou ambas as mãos até o meu rosto, enxugando as minhas lágrimas de maneira delicada. Por um instante, eu fechei os meus olhos e respirei fundo.

— Você quer me contar o que aconteceu? — perguntou, então eu abri os meus olhos, encarando-o. 

Scorpius parecia preocupado, e eu conseguia ver isso claramente em sua expressão facial. 

— Não é nada — falei. — É uma bobeira, você vai me achar uma idiota. — Ri, um pouco sem graça. 

— Não é bobeira, se você está chorando — disse. — Não acha que vai se sentir melhor tendo alguém para conversar com você? 

— Você não precisa ficar escutando todos os meus problemas, isso é chato, eu sei que é. — Funguei, nada educada. — Eu vou ficar bem. 

— É sobre aquele dia na sala? Você ficou chateada porque eu te dei um susto? — perguntou, receoso. 

— Não é nada culpa sua, se é isso que te deixa preocupado — afirmei, e logo dei um passo para trás, afastando-me um pouco dele. 

É claro que ele estava preocupado que fosse culpa dele. O que mais poderia ser, afinal? Como eu pude ser tão tola e acreditar que ele estaria preocupado comigo? 

— Não, você entendeu errado — respondeu, afobado. — Rose, eu estou te perguntando isso, porque me preocupo com você. Porque somos... — parou, um pouco pensativo. — Somos amigos. E nenhum amigo quer ver o outro triste. Certo?

— Eu não sei, eu nunca tive muitos amigos — murmurei baixinho, e ele sorriu. 

— Eu também não, mas eu acho que amigos não gostam de ver uns aos outros tristes. 

— Desde quando somos amigos? — perguntei, consideravelmente surpresa com a sua afirmação.  

Ele pareceu igualmente estupefato com o meu questionamento, mas não deixou de responder. 

— Rose, seja lá o que se passa nessa sua cabecinha, eu nunca fui seu inimigo — falou, mas provavelmente percebeu que eu não acreditei de primeira. — Nunca mesmo — reforçou. — O que houve? Aconteceu alguma coisa com a sua família? 

Acenei negativamente com a cabeça, conforme as lágrimas inundavam os meus olhos novamente. Droga, por que raios ele teve que dizer a palavra “família”? Tentei me segurar com todas as minhas forças. Se havia algo que eu odiava mais do que chorar, era fazer isso na frente de alguém. 

— Ei... — Ele ergueu as duas mãos, segurou os meus ombros e movimentou os dedos lentamente, em uma espécie de carinho. — Confie em mim, Rose. Vai se sentir depois que colocar para fora. 

— Eu sinto falta deles... — confessei, em meio aos soluços. — Muita saudade mesmo. Eles falam que estão bem, mas como posso ter certeza?

— Você sempre foi muito unida à sua família, não é?

Concordei, em silêncio.

— Está tudo bem, assim que tudo isso passar, você irá poder vê-los de novo, e eles estarão todos bem, eles não mentiriam para você sobre algo tão importante. Eu não quero te ver assim, chorar não combina com você.

 Suas mãos subiram mais um pouco, até o meu rosto, e seus dedos começaram a se movimentar suavemente, mais uma vez, enxugando as minhas lágrimas. Não falei nada, apenas abaixei o meu rosto novamente, envergonhada por estar tão sensível, mesmo sem um motivo específico para isso. Provavelmente, era tudo culpa das circunstâncias às quais estávamos submetidos, uma pandemia, longe de casa, sem ter para onde fugir e com um acúmulo de sentimentos que eu preferia guardar a enfrentar. Era como se eu tivesse chegado ao meu limite e tivesse desabado logo ali, na frente de Scorpius, totalmente fragilizada. 

— Rose... — ele me chamou, em um tom de voz doce e baixo. — Você tem se sentido sozinha?

Não disse nada, mas, para Scorpius Malfoy, o meu silêncio foi uma resposta. Será que ele me conhecia tão bem assim? Às vezes, isso me irritava, mas agora era tão reconfortante. Era tudo o que eu precisava. Alguém que me conhecesse, que me confortasse e dissesse que iria ficar tudo bem. Uma pessoa que me abraçasse, exatamente como ele havia feito. 

De novo, a mão direita de Scorpius foi até o meu queixo, guiando o meu rosto para cima. De repente, sua face foi ficando cada vez mais próxima. Pensei em me afastar. Na verdade, inicialmente, eu quis dar um passo para trás, mas minhas pernas não se moveram. Era como se as minhas pernas não obedecessem à minha mente. Nossos corpos estavam próximos demais, assim como nossos rostos. Eu conseguia sentir a sua respiração lenta, e pude constatar que seus olhos cinzas eram ainda mais belos quando vistos de perto. A minha mente queria que eu me afastasse, mas o meu coração parecia necessitar daquilo e, embora eu não gostasse nem um pouco desse sentimento de urgência, permaneci quieta, apenas fitando-o por alguns segundos. 

— Por favor, não pense, por mais um segundo, que você está sozinha — aquelas palavras quase soaram como uma súplica. — Eu estou aqui por você Rose, quando precisar, certo? Você não está sozinha. Nunca esteve.

O meu coração acelerou por um milésimo de segundo, mas eu ignorei, porque recusava-me a acreditar nisso. Mais uma vez, eu não o respondi. Mantive-me quieta, encarando os seus olhos que emanavam uma intensidade tão grande, que faziam com que eu me sentisse presa ali. 

— Eu sei que eu não sou a sua família, mas você não está sozinha. Eu estou bem aqui e não vou a lugar algum. Você entendeu, Rose?

Eu não poderia simplesmente ignorá-lo de novo quando ele estava sendo tão gentil e tão compreensivo, então eu o respondi, em um murmúrio tão baixo, que ele só foi capaz de ouvir por estar tão próximo de mim: 

— Obrigada. 

Nós retomamos o silêncio, mesmo sem a menor intenção disso. Então, Scorpius se aproximou ainda mais de mim, e confesso ter ficado sem fôlego. Ele estava tão perto, que nossos lábios quase se tocaram. E eu não me movi, nem mesmo meio passo para trás. Resolvi culpar o meu nervosismo por esse ato inconsequente. 

Scorpius, então, levantou um pouco o queixo, depositou um beijinho bem na ponta do meu nariz e deu um passo para trás. Subitamente, foi como se eu recuperasse o meu fôlego. Senti as minhas bochechas esquentarem, provavelmente porque eu havia ficado envergonhada com aquela situação, mas, felizmente, o Malfoy nem perceberia, já que o meu rosto encontrava-se todo vermelho, de tanto que eu tinha chorado. 

— Você quer, hm... Ver um filme? — ele sugeriu, tentando quebrar aquele clima esquisito entre nós. 

— Uh, claro — respondi, igualmente sem jeito. 

— Certo... — Ele limpou a garganta. — Bem, vamos para o sofá, você pode escolher algum na Netflix.

Deixei que ele fosse na minha frente e o segui, sentando-me ao seu lado, com uma distância de cerca de dois palmos entre nós. Ele me encarou por um momento, mas não fui capaz de desvendar o motivo, então apenas fingi não ter percebido. De repente, Scorpius se movimentou, pegou o controle da televisão e me entregou.  

— Aqui. 

Estiquei o meu braço esquerdo, peguei o controle, liguei a TV e fui diretamente para a Netflix. 

— Alguma preferência? — perguntei, ao mesmo tempo em que voltava a olhá-lo. 

— Tanto faz, exceto por filmes melodramáticos adolescentes. Não consigo lidar com esse tipo de coisa. — Fez uma careta.

Inevitavelmente, eu deixei uma risada escapar. 

— Ok, vamos ver... — Passei direto da categoria de terror. — Não, nada de terror, definitivamente. 

— Você tem medo? — ele perguntou, parecendo surpreso. 

— Eu nunca disse isso — desconversei. 

Percebi que ele riu baixinho, mas ignorei. 

— “Orgulho e Preconceito!” — gritei, de repente, assustando-o.

— Um clássico da literatura inglesa — falou. — Era de se esperar da melhor aluna da turma de literatura do colégio e atual escritora. 

— Eu sou tão previsível assim? — perguntei, um pouco frustrada. 

— Não tanto, mas é mais do que imagina. — Deu de ombros. — Não vai colocar o filme? 

— Claro — respondi, ignorando propositalmente a sua primeira afirmação.

Iniciei o filme sem pensar duas vezes, era um clássico e, definitivamente, um dos meus favoritos, assim como o livro. Eu era simplesmente apaixonada por todas as obras da Jane Austen, no entanto, dentre todas, “Orgulho e Preconceito” era a minha predileta.

Ficamos em silêncio por um longo período de tempo, quietos, apenas apreciando cada fala e cada detalhe daquela produção incrível. De vez em quando, sentia Scorpius me encarar, mas preferia acreditar que era apenas algo da minha cabeça, então nem mesmo conferi.

— Rose, a Elizabeth me lembra você —  Scorpius falou de repente, tirando-me a atenção do filme. 

— Sério? 

— Sim. 

— Por quê? — perguntei, verdadeiramente curiosa. 

— Teimosa, falante, confiante, bonita e observadora — respondeu, como se não fosse grande coisa. 

— Você me acha bonita? 

Sim, de todas as coisas positivas e negativas que ele havia me dito, aquela foi a que mais me chamou a atenção naquele momento. Não havia explicações razoáveis para isso. 

— Eu nunca disse o contrário.

— Sabe, agora que você falou, acho que você também se parece um pouco com o Mr. Darcy. 

— Eu? — Ele apontou para si mesmo, incrédulo. 

Ri baixinho. 

— Sim. — Acenei positivamente com a cabeça. — Gentil, reservado e leal. 

— Quem diria, Rose Weasley pensa coisas legais sobre mim — fingiu estar lisonjeado, e eu ri. 

— Você não é um monstro, só é um chato.

Ouch. — Fez uma cara de dor, mas logo caiu na risada. — Acho que seríamos bons amigos se você não fosse tão orgulhosa. 

— Nós éramos bons amigos, Scorpius — relembrei. — Eu, você e o Albus, mas aí você decidiu me odiar, não se lembra? — Ergui as sobrancelhas, um pouco desafiadora. 

— Lembro, mas eu era só uma adolescente na época — disse, enquanto passava seus dedos pelos fios de cabelo loiros bagunçados. — Será que é tarde demais para tentarmos de novo? 

Definitivamente, eu não estava preparada para ouvir aquelas palavras, e a minha feição provavelmente me denunciou. Ainda assim, permaneci quieta por um tempo, apenas absorvendo o seu pedido, sem saber exatamente o que responder. Eu não sabia como ou por que as coisas haviam desandado entre nós. Tudo o que eu me lembrava era que, um belo dia, Scorpius Malfoy acordou e decidiu que começaria a implicar comigo, sem fundamento algum. Esse era o meu ponto de vista da história. Albus dizia que eu levava as coisas muito a sério, e que eu e Scorpius éramos diferentes demais um do outro, por isso entrávamos tanto em atrito. 

Contudo, já fazia anos desde a última vez que eu o vira, antes que ele se mudasse para a França. Eu havia mudado muito desde então, e Scorpius provavelmente também. Então, por que ele não mereceria uma chance?  

— Nunca é tarde demais para nada — respondi, um pouco enigmática. 

Ele deixou um sorriso discreto aparecer em seus lábios. Eram raros os momentos em que eu o via sorrir. 

— Obrigado, Rose. 

— Mas, Scorpius, por que você começou a implicar comigo naquela época? — Era um questionamento que rondava a minha cabeça mais do que eu gostaria, principalmente nos últimos dias. 

— Esquece isso, Rose, éramos adolescentes, e adolescentes são inconsequentes e idiotas. — Deu de ombros. 

— Isso não é um bom motivo — retruquei, emburrada. 

— Nem sempre precisamos de um motivo para fazer algo. — Era verdade, mas Scorpius não era o tipo de pessoa que fazia as coisas sem ter uma boa razão. Ele sempre fora muito racional. 

— Mas você tinha um? — perguntei, pela última vez. 

Não queria ser muito incisiva, principalmente porque estávamos tentando nos acertar, e eu não queria ser a responsável por estragar tudo nos primeiros cinco segundos. 

— Sim. 

— Amigos não mentem — falei, séria. 

— Mas eu não menti, eu tinha um motivo, só não vou te contar. Omitir não é mentir — argumentou. 

— Idiota — murmurei, irritada.

— Tampinha — Scorpius disse, imitando o meu quase sussurro.

Revirei os olhos, mas, mesmo assim, caí na gargalhada, e Scorpius pareceu fazer o mesmo. Peguei-me observando-o durante aquele momento. Era tão difícil vê-lo gargalhando, verdadeiramente feliz. Não sei exatamente o motivo, mas desde que o reencontrei, percebi que ele tinha uma aura triste. Por isso, era gratificante vê-lo daquela forma, sorrindo descontraidamente. Aquecia o meu coração. Então era isso que significava ter um amigo? A verdade era que eu não tinha nenhum outro além das pessoas da minha própria família. 

— Rose — ele me chamou, novamente, despertando-me de meus pensamentos. — Por que você gosta tanto desse filme? 

— Ah, tem muitos fatores, mas, basicamente, eu gosto da personalidade da Elizabeth, e também da do Mr. Darcy, acho que eles têm uma boa química. Também gosto do fato de eles começarem a história praticamente se odiando e terminarem se amando. Eles são humanos, como nós. Erram, admitem erros, discutem, se entendem. Eu gosto dessa veracidade. Parece algo que aconteceria na vida real — expliquei, sem nem mesmo perceber que havia falado tanto. 

— Entendo. 

— Por que essa curiosidade repentina?

— Nada em específico, eu só fiquei curioso.

Eu ia responder algo, mas as palavras fugiram da minha mente por completo quando Lynx repentinamente pulou sobre o sofá, no espaço entre nós dois. Ao mesmo tempo, eu e Scorpius levamos nossas mãos até o pelo macio do felino, que pareceu sorrir de satisfação. 

— Desculpa — disse ele, quando nossas mãos acidentalmente se tocaram. 

— Não foi nada — respondi, e finalmente soltei Lynx, que saltou para o chão. 

— Rose — chamou-me, de repente. 

Automaticamente, meu olhar se direcionou a ele. 

— O que? 

— Por que você não se acha uma boa escritora? — questionou.

Mordi o meu lábio inferior, sem saber exatamente o que responder. Ninguém nunca percebeu a minha insegurança dessa forma, porque eu sempre fiz questão de escondê-la e guardá-la só para mim, mas agora Scorpius também havia notado. De imediato, eu não quis lhe dar uma resposta. Pensei em ficar quieta, fingir não ter ouvido a sua pergunta, mas seria rude demais. E, por algum motivo, o Malfoy não parecia ter más intenções.

— Como você poderia saber disso? — indaguei, tentando fugir do assunto, com um sorriso sem graça nos lábios. 

— Porque eu te conheço, Rose.

Scorpius Malfoy estava certo. Ele me conhecia. Scorpius Malfoy me conhecia a ponto de saber que eu não me achava uma boa escritora, que eu detestava abóbora e de saber que eu escrevia antes mesmo de eu mencionar. Então, uma certa culpa invadiu-me. Ele me conhecia tão bem, então por que eu sentia que não sabia nada sobre ele? Certo, eu sabia seu nome, sabia que ele era muito próximo do meu primo, Albus, que ele tinha um gato chamado Lynx e que era uma pessoa bastante reservada. Mas isso não parecia o suficiente. Eu queria saber mais sobre Scorpius, queria conhecê-lo melhor, mesmo que eu tivesse passado grande parte da minha vida negando tal fato. 

— É, tem razão — sorri. — Eu não me acho tão boa quanto eu digo. Talvez tenha a ver com o fato de nenhuma editora nunca ter aprovado qualquer livro meu. Isso me deixou bem para baixo por uma época, eu fiquei dois anos sem escrever. Não faz muito tempo que eu voltei, e as vendas não estão lá grandes coisas. 

— Isso não quer dizer nada. — Ele deu de ombros. — Só porque uma editora não quis o seu livro, não quer dizer que ele não seja bom. As pessoas da internet gostam do que você escreve, isso não é o suficiente? 

— Agora, sim. — Acenei positivamente com a cabeça. — Mas demorei um pouco para entender isso. Mesmo assim, ainda dói um pouquinho quando eu me lembro de quantas vezes fui recusada. 

— Não deveria — ele falou. — Você sempre pode tentar outras vezes, ou pode continuar com as coisas como estão, a escolha é sua. O que importa é que você ama o que você faz e existem outras pessoas que reconhecem isso e gostam das suas obras. 

— Você tem razão — falei, porque sabia que ele estava certo. 

— Espera. — Fez uma cara de dúvida. — Rose Weasley me deu razão em algo? 

— Engraçadinho. — Peguei uma das almofadas no sofá e bati fracamente contra ele. 

— Ah, é? — ele falou, desafiador. 

Eu nem sequer pude reagir àquelas palavras, porque em uma questão de segundos, Scorpius me atacou, com suas mãos em minha barriga, em um ataque de cócegas. E eu era muito, realmente muito sensível quando se tratava de cócegas. Feito uma criancinha, eu me debati, gargalhando tão alto que ousaria dizer que até mesmo o vizinho era capaz de me escutar. Tentei me desvencilhar, mas não consegui de primeira e, mesmo me vendo rir feito uma desesperada, ele continuou com as cócegas.

Sem muita ideia do que fazer, com toda a força que me restava, que não era muita, apoiei minhas mãos sobre o tórax de Scorpius e, com um impulso, o empurrei para trás, para que ele se afastasse. Consequentemente, ele caiu deitado no sofá, e eu, que acabei perdendo o equilíbrio, caí sobre ele. 

Ficamos quietos momentaneamente, apenas encarando um ao outro, até que ele sorriu para mim. De repente, ele ergueu uma das mãos, que tocou a minha bochecha delicadamente. Suavemente, Scorpius deslizou o polegar sobre a minha pele e, embora eu detestasse ter que admitir, eu gostei da sensação. Será que amigos se sentiam assim uns com os outros?

— Eu gosto mais de quando você ri assim.

Caindo na realidade, afastei-me dele e voltei a me sentar no sofá. 

 — Desculpa, eu não quis cair... — proferi, sem saber exatamente o que dizer. 

— Não tem problema — Scorpius disse, enquanto se sentava no sofá. — A culpa foi minha, eu quem fiz cócegas, não foi? 

— Eu odeio cócegas — retruquei, irritada. 

— Não pareceu, você riu tanto — ele brincou. 

— Hilário, Malfoy. — Revirei os olhos. 

— Mas é sério, você deveria sorrir mais.

Eu não o respondi. Apenas retornei o meu foco para o filme, pensando no motivo do meu coração ter acelerado um pouco depois daquele momento. Provavelmente tinha a ver com as cócegas. Definitivamente, tinha a ver com as cócegas. Eu havia ficado sem fôlego e, por isso, o meu coração estava batendo mais rápido. Apenas por isso e nada mais. Não tinha nada a ver com Scorpius Malfoy.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí? Parece que nossos piticos estão mais próximos, hein?! E agora, como será que a história vai se desenrolar? Ansiosa para saber o que estão pensando. Beijos e até. ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "40 Dias" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.