Champagne Problems escrita por Tahii


Capítulo 1
You won't remember...


Notas iniciais do capítulo

Olá, olá, olá! ♥
Participar do Ever Secret Exchange foi, simplesmente, incrível e, também, uma tour que eu não vou esquecer tão cedo kakakaka obrigada, meninas, por esse evento. Nesses meses de amigo secreto devo ter entrado em sete crises fanficais diferentes (o que foi bem construtivo, eu acredito) enquanto tentava escrever para a minha linda e admirável amiga secreta.

@LittleAlice, você é incrível. Admiro sua escrita, o seu manejo delicado com as palavras e sensibilidade (!!!!!!!!) em transmitir emoções de uma forma tão real e impactante. Das histórias suas que já li, sempre acabo com o coração na mão. Sendo assim, tirar você foi assustador KKKKKKKKKKKK Primeiro eu fiquei feliz, porque, é claro, você não era uma total desconhecida para mim àquela altura e isso pareceu um bom sinal. Depois me dei conta de que você era >> você << e surtei [quero, inclusive, agradecer à Foster e à Trice por me darem apoio moral nos dias de surto ♥]

Espero que goste dessa história da mesma forma que eu gostei de escrevê-la para você! ♥



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— Por que você está aqui?

Constantemente, ambos eram confrontados por essa pergunta como se não soubessem a resposta. Naquele dia em especial, porém, ela reverberou de uma forma diferente. Por que Rose estava ali? 

Era o dia do casamento de Scorpius. Ele estava terminando de se arrumar num dos quartos da casa de campo quando o coração quase saltou do peito ao ver o reflexo dela no batente da porta; teve uma imediata certeza de que Albus era o responsável por aquela situação já que ele, definitivamente, não tinha lhe mandado o convite porque pela primeira vez em anos sentiu vontade de seguir a sua vida sozinho. Sem ela. No entanto, como de praxe, foi desconsiderado. E seu coração traidor começou a bater mais forte enquanto a assistia tentar respirar compassadamente, esvaziando seus pulmões de uma forma dolorosa. Um vestido verde, o cabelo batendo na cintura, os lábios comprimidos como se estivesse errando. Mais uma vez. 

— Por que você está aqui? — virou-se para vê-la entrar no quarto e fechar a porta atrás de si. Recostando-se na madeira com os braços para trás, Rose relaxou os ombros, suspirando conforme via Scorpius entrar num estado de alerta. Levando as mãos no quadril, ele engoliu em seco, mordendo a bochecha internamente. Não era um momento propício para fraquejar. 

— E-eu... — a voz saiu num fiasco, precedendo uma longa pausa em busca de ar. Inflou o peito e tentou expirar todo o ar de forma silenciosa. — Eu… Queria te desejar felicidades.

— Felicidades? — repetiu franzindo o cenho conforme seu corpo começava a esquentar com a possibilidade de digerir os últimos anos nos vinte minutos antecedentes ao seu casamento. Felizmente, a ira que começou a lhe causar uma sensação de soco na boca do estômago lhe deu coragem para prosseguir: — Você veio me desejar felicidades? Porque, afinal, é muito conveniente aparecer no meu casamento para me desejar felicidades, não é? 

Era uma situação deveras constrangedora, e maçante. Scorpius passou a mão pelo rosto, fechando os olhos enquanto negava veemente a possibilidade de ainda sentir uma vontade avassaladora de ir embora dali. Com ela. Como sempre. Mas não podia. Seria um tremendo filho da puta e é lógico que Rose não iria junto. Com ele. Para sempre. O que apenas reforçava o grande ponto de interrogação que pairava entre os dois: por que, inferno, ela estava ali?

— Caso quisesse que eu me sentisse minimamente feliz, não teria aparecido — declarou, ríspido. — Caso quisesse me fazer feliz, já teria feito. Portanto, não se preste a esse papel agora e, por favor, vá embora. 

— Scorpius...

— Rose — suspirou ao encarar o teto, suavizando sua expressão. O coração ardeu quando recaiu o olhar sobre ela, e completou num tom mais ameno: — Por favor, eu te imploro, vá embora.

— Eu não posso ir sem você, Scorpius — grunhiu, dando passos largos para alcançá-lo conforme sua garganta falhava em abrandar o rompante de lágrimas que veio por conseguinte. Enlaçou seus braços na nuca dele, chocando os corpos ao tentar ficar o mais próxima possível e, quem sabe, encontrar o consolo do ombro de Scorpius mais uma vez. Mesmo com suas mãos envolvendo a cintura dela e subindo espalmadas pelas costas, com o perfume cítrico, com o fervor da pele de Rose, ele não teve condições de sustentar a proximidade e, desviando o olhar para a porta, afastou-se abruptamente. Antes que pudesse, porém, ir até o lado oposto do cômodo, Rose segurou sua mão, prestes a insistir mais uma vez:  — Scorpius, eu não posso ir sem você. 

— E eu não posso ir com você. 

• • •

Quando Rose e Scorpius se conheceram no Expresso Hogwarts, nenhuma revolução aconteceu. Não se tornaram amigos, não conversaram, não se lembraram da existência um do outro dias após a seleção. A ansiedade do primeiro ano letivo e a opinião bem esclarecida de Ronald sobre companhias surtiram um efeito ótimo em impedir que fossem uma dupla espontaneamente, mesmo que tivessem várias coisas em comum, como o melhor desempenho de toda a turma.

Scorpius não era nada reservado, gostava de Transfiguração e tinha um gato que se chamava Castor. Andava com o queixo erguido, expressão impassível e sorria lindamente quando ouvia as lamentações dramáticas de Albus, alguma coisa engraçada de seus amigos ou quando, simplesmente, cumprimentava alguém no corredor. As meninas adoraram ele desde o começo; talvez a cara de sério que enganava ou a risada genuína tivesse ajudado no percurso ao longo dos anos. 

Rose era gentil, gostava de História da Magia e tinha um gato que se chamava Edmund. Sua voz era doce, ela sempre tinha algo a tagarelar e encontrava na biblioteca o refúgio ideal de toda a agitação do castelo. Passava horas escrevendo cartas para seus pais contando as novidades que os primos escondiam e as travessuras de James Sirius, ocupava os bancos dos jardins para ler livros trouxas e nunca estava com o uniforme menos do que perfeitamente alinhado. Na época, era chata por causa do estereótipo Weasley que lhe assombrava.

Por um acaso, Albus também estava sofrendo por causa disso. Sempre sofria. Foi graças a uma carta que Rose e Scorpius se falaram pela primeira e por uma das últimas vezes. 

— Eu vou matar ela — o Potter esbravejava enquanto marchava até os jardins, onde certamente encontraria a prima. Scorpius estava logo atrás, desinteressado no drama familiar. — E aquele gato asqueroso. 

— Ela eu entendo, mas o gato não tem culpa — sua fala saiu no meio de um bocejo. A nova rotina de ter que acordar cedo, lidar com vários professores e conviver com pessoas que não pareciam ter boas intenções era deveras cansativo para os seus onze anos de vida. — Podemos jogar xadrez depois?

— Por que você só pensa em xadrez? — em apenas três meses de convivência, Scorpius já tinha percebido que não dava para conversar com Albus em momentos de tensão. E aquele, para seu azar, era apenas um dos primeiros que presenciaria. — Ei, você! Cabeça de abóbora! 

Rose estava lendo um livro de capa azul marinho num dos bancos do jardim, completamente alheia às risadas de alunos lufanos mais velhos que estavam por perto. Apesar de ter ouvido o primo — até mesmo porque seria impossível não ouvir a voz estridente rasgando o cenário bucólico —, ela não desgrudou os olhos das páginas. Scorpius ficou um pouco para trás, limitando-se a esperar o Potter finalizar seu espetáculo.

Rose! — Albus grunhiu com raiva, desejando fazer aquele livro voar até estourar as vidraças da sala de McGonagall. Rose logo o fechou, segurando-o firme pelas bordas. Scorpius lembrava de ter achado engraçado como ela encarou o primo com tédio, pendendo a cabeça e crispando os lábios, embora a atenção dele recaísse sobre o pequeno felino que saía de perto dos dois. — Por que você contou que eu estou me atrasando para as primeiras aulas?

— Porque você está se atrasando para as primeiras aulas — deu ombros. — Qual é o problema?

— O problema é que a minha mãe está brava e a culpa é sua! 

— A culpa é sua de se atrasar. E eu não contei nada para a tia Gina.

— Ah, Rose, fala sério — revirou os olhos, levando as mãos na cintura. — Essa é a sua missão agora, não é? Ser uma delatora das coisas que acontecem em Hogwarts. Você contou sobre a detenção do James, dos elogios que a Rox recebeu do professor Flitwick e até do namoro do Fred você contou. 

— Isso é o que você acha.

— Isso é o que você faz. E o que você fez vai me custar a vassoura que eu estou implorando há meses! Por que ao invés de ficar tomando conta da vida dos outros, não se preocupa em achar alguém que te suporte? 

— Eu comentei com a minha mãe sobre os seus atrasos porque ela me perguntou como você estava, já que não tem respondido as cartas da tia Gina. 

— E você não poderia simplesmente ignorar, né?

— Eu que te pergunto se você não poderia acordar no horário certo! É algo de outro planeta, por acaso?

— Sabe o que eu não entendi até agora? — bufando, Albus a encarou com raiva. — O que o meu atraso tem a ver com você? Cuida da sua vida, Rose! Da minha cuido eu.  

Scorpius, ainda parado há uma distância segura, brincava com o gatinho preto de Rose que ficava passando pelo meio de suas pernas. Quando Albus deu meia volta, parecendo um vendaval, ele tratou de sussurrar:

— Pode voltar para a sua dona agora — contudo, não surtiu efeito algum. Scorpius não se lembrava do nome dele, mesmo sendo o tópico principal de reclamações do amigo. 

— Ed! — foi a voz dela que reverberou, fazendo com que o gatinho parasse de zigue-zague, embora não desse nenhum indício de quem queria voltar até o banco. Àquela altura, Albus já tinha passado por Scorpius e o esperava impaciente para seguirem até o salão comunal. 

— Posso ir com você até a metade do caminho, Ed — parecendo um bom acordo, Scorpius deu alguns passos para que fosse seguido. Estando sua parte cumprida, parou e ficou observando os passos preguiçosos do felino. Apesar de ser terrível (segundo narrações de Albus) e gostar de comer meias, Ed era muito fofo. Poderia ser um bom amigo de Castor, que irritava Albus igualmente. — Até mais. 

— Até. 

Foi Rose quem respondeu, deixando Scorpius sem jeito porque… Ele tinha falado com o gato. 

Não mesmo! Eu tenho certeza que você falou comigo. Só estava com vergonha porque tinha onze anos. Quem diria que se transformaria num grande descarado em não muito tempo depois..

Eu não estava com vergonha e, definitivamente, não falei com você. Em diversas outras vezes eu queria sim ter conseguido estruturar um mínimo diálogo, admito, mas naquele dia eu realmente me dirigi ao Ed. 

Para todos os efeitos, Rose e Scorpius passaram anos vivendo suas vidas como se o outro não existisse — porque era quase isso mesmo. Se de um lado Rose era a filha da Ministra da Magia, do outro Scorpius era filho de um ex-comensal da morte e ambos tinham seus próprios limites que tentavam respeitar. Contudo, isso não impediu que fossem especialmente semelhantes em alguns aspectos, tampouco minimizou a convivência obrigatória no período letivo. Fosse por causa da amizade de seus gatos ou das aulas de História da Magia, eles começaram a trocar alguns cumprimentos nos corredores. Além disso, por muitos anos, os horários coincidiram, assim como os interesses por matérias específicas. 

No quarto ano, quando foram convidados a participar do Clube de Duelos pelo excelente desempenho em Feitiços, começaram a se ver com mais frequência e, durante os duelos, Castor e Ed ficavam brincando pelos cantos da sala. Caso essa pequena variável fosse somada aos trabalhos em Aritmância que só os dois conseguiam fazer e às desventuras em pergaminhos sobre as Guerras de Duendes, pouco a pouco uma certa amizade acadêmica ia se estabelecendo, assim como a inevitável compreensão da tendência de darem errado. 

— Sinto muito — à beirada da cama de Rose na Ala Hospitalar, Scorpius não parecia sentir tanto assim. Estava com o maxilar travado, uma sobrancelha arqueada e as orbes cinzentas fixas nos próprios tênis preto de cano alto. 

— Sente? — quase rangendo os dentes, ela perguntou.

— Não foi de propósito. 

— Como que alguém verbaliza um feitiço sem querer, Malfoy? 

— Ah, o feitiço foi. Mas eu não esperava que você fosse quebrar o nariz, além de que qualquer um teria se defendido — murmurou sem remorso, afinal, a culpa não era dele se Rose, às vezes, agia como uma tapada. 

— Você é um idiota. 

— Posso até ser — deu ombros, erguendo o rosto para encará-la —, mas eu sei conjurar feitiços de defesa, diferente de você, que-

— Que é uma Weasley e não parece uma — completou, impaciente, cruzando os braços na cama. Scorpius revirou os olhos. — Se vai me dizer que eu não entrei no Clube de Duelos por mérito, Malfoy, eu sinceramente gostaria que você fosse embora com o seu “sinto muito” esfarrapado. 

— Sabe qual é o seu problema? Você sempre acha que está certa mesmo quando fala e faz absurdos.

— Obrigada pela análise. Agora, por favor — apontando para a porta, Rose sentia vontade de socar o garoto, cuja reação foi, simplesmente, seguir sua ordem. 

Scorpius havia estuporado Rose na última vez que duelaram. Rose não se defendeu e acabou caindo de cara no chão, o que resultou num nariz quebrado e olheiras profundas por alguns dias. 

Apesar de terem se aproximado ao longo dos anos por causa do ambiente escolar, a relação deles não ia tão bem porque, para ela, nada ia bem. Todos os seus primos tinham encontrado alguma coisa em que eram bons verdadeiramente. James Sirius havia se tornado capitão do time da Grifinória e queria entrar para o quadribol profissional, Dominique descobriu sua aptidão para Herbologia e Roxanne sua facilidade para prever o futuro em cartas de baralho, Albus era o melhor aluno de Poções no quarto ano, Fred conseguiu um estágio para estudar Runas Antigas e Alice Longbottom, sua melhor amiga, ela sim era boa em Feitiços. Para piorar a situação, Rose ouviu, um dia em que estava lendo no salão comunal, alguém dizer:

— Ela só conseguiu porque é uma Weasley. 

Não que ela se importasse com o que as pessoas falavam, mas ela sabia que o seu bom desempenho teórico poderia não ser tão congruente com a prática, e, alguns dias depois, ser estuporada por Scorpius comprovou a sua tese de que, na verdade, não era tão boa assim duelando e que, até o momento, não excedia as expectativas em nada. 

Foi mais difícil conviver com o Malfoy depois desse incidente. Rose era essencialmente orgulhosa e ter que contar para os seus pais — ou melhor, confirmar o fato que Albus fez questão de espalhar — não foi divertido. Ela deixou o Clube de Duelos e preferiu se concentrar nas aulas de Aritmância para que pudesse tentar ser boa em alguma coisa e, também, para evitar a constante presença do seu não-adorável colega em horários extras. Apesar de Scorpius ser igualmente bom com números mágicos, ele não se empenhava tanto quanto em Feitiços — por causa de um desejo de se tornar auror ou algo do tipo. Rose não sabia e nem queria saber.

Com o passar do tempo, cumprimentos nos corredores se tornaram desnecessários, assim como qualquer comunicação fora das aulas. Não faziam duplas, não tinham amigos em comum — porque, durante o quinto ano, nem Albus, que estava no auge da rebeldia, se encontrava próximo dela (ou de qualquer outra pessoa)(porque ele estava insuportável)(por causa de hormônios)(ou whatever)(só Scorpius aguentava ele)(e Rose achava bem feito!)(cada um tinha seu karma, afinal). Além do mais, Scorpius entrou para o time de quadribol, começou a se envolver com garotas chatas — como Amber Higgs e Karen Nott — e as barbaridades que Rose eventualmente ouvia de alguns fragmentos de conversas só deixavam claro como eles eram incompatíveis. Seria uma perda de tempo investir numa amizade.  

— Ele é bonitinho — às vezes, Dominique surgia com o assunto como se gostasse de ouvir Rose dissertar sobre como Scorpius era mediano em tudo o que fazia. — Principalmente naquele uniforme de quadribol.

— Você está gostando dele ou o quê? — perguntou um pouco irritada naquele dia, já que a tagarelice sem sentido não ajudava em nada no pergaminho de História da Magia. 

— Eu não — a Delacour se debruçou sobre a mesa. — Estou apenas comentando. Sei que você ainda não superou aquele duelo, mas isso não significa que ele não é bonito. Todo mundo acha. 

Rose negou com a cabeça e resolveu ignorá-la. Por um grande infortúnio do destino, no entanto, Dominique estava coberta de razão. Scorpius era bonito. Demorou um pouco para Rose concordar em voz alta com a opinião popular, mas isso não significou muita coisa quando aconteceu, é claro, apenas causou um ligeiro espanto — nela mesma, inclusive, já que não conseguia compreender por que, diabos, ele parecia o número sete em forma humana. 

A perspectiva de Rose tinha mudado durante as férias de verão, período em que teve o azar de encontrar Scorpius na casa de Harry e Gina numa noite em que foi comer macarronada com almôndegas. Ela estava parecendo uma maltrapilha, ocupada em terminar os últimos capítulos de um romance de época e nem um pouco interessada nas promessas vazias de Albus minutos antes de sair. Segundo o que ouvira, ele e Scorpius iriam a uma pizzaria trouxa. 

— Voltamos às onze — ele disse antes de dar um beijo em Gina e sair sorrindo pela porta. Rose limitou-se a rir incrédula ao fechar o livro, afinal, seu primo não era o melhor respeitando horários (ou qualquer outra coisa que fosse contra sua vontade). 

Num intervalo de alguns instantes, enquanto ela ia da sala para a mesa de jantar, ele entrou feito um furacão alegando que esquecera o casaco e, com a porta aberta, Rose pôde ver Scorpius esperando-o nos degraus do jardim. Talvez ela tenha ficado olhando por um tempinho, já que ele parecia estar distraído com o movimento da rua e, bem, estava bonito todo de preto. Por sorte, Albus logo apareceu e fechou a porta num estrondo, acordando-a para a realidade de que tinha admitido em sua cabeça um fato mais ou menos relevante. Mais ou menos porque não eram próximos, mais ou menos porque começou a lembrar da existência dele. 

Rose não ficou nem um pouco surpresa quando constatou que sua vida em Hogwarts estava oitenta vezes pior do que no quarto ano, e que a culpa era dele. 

— Me desculpe, mas é proibido, hã, usar armários de vassouras para outra finalidade que não seja guardar vassouras — num tom arrastado, sem o mínimo de alegria por estar naquela situação, ela encarava os olhos cor de mel de Hubi Spinnet, que destilavam ódio em sua direção. 

— Qual é, Weasley — a voz de Scorpius se sobressaiu enquanto ele passava na frente da garota para tentar resolver melhor a situação. — Você pode fazer de conta que isso não aconteceu. 

— Não, eu não posso — suspirou. — Se ela não fosse da Grifinória, eu não poderia tirar pontos. Mas como ela é, eu meio que sou obrigada a isso. Então...

— Isso é totalmente ridículo — Hubi revirou os olhos, com as mãos na cintura. — Todo mundo se pega em armários, Weasley.

— Pode até ser que sim, mas os outros são mais espertos do que vocês, aparentemente. Uma pena. 

— Weasley, por favor.

— Não faço favores. Se puderem ir para os dormitórios, facilitarão a minha vida. 

Eles não debateram mais com ela e aceitaram que a diversão após o toque de recolher tinha chegado ao fim. Quer dizer, “aceitaram”. Hubi ficou olhando feio para ela durante semanas e, como vingança ou algo do tipo, inventou uma boa fofoca sobre o verdadeiro motivo de Rose ter tirado pontos naquela noite. Como chegou aos ouvidos dela?

— Porque você não gosta de quadribol! — Albus esbravejava, andando de um lado para o outro, possesso pela detenção de Scorpius. — É isso que você faz, Rose! Usa do seu pseudo-poder de monitora para estragar a minha vida e o meu jogo.

— Ah, com certeza o meu objetivo é esse, Albus, com certeza. Primeiro que se ele está na detenção, a culpa não é minha. É dele! Ele se envolveu numa briga com alguém da minha casa, o que eu poderia fazer? Ignorar? Você acha que é certo?

— Você poderia me ajudar. 

— Não, não poderia. Você não está acima do bem e do mal, Albus, acorda!

— E você está? Porque parece. Acho que quem tem que acordar é você, Rose, a única que sempre está certa, sempre faz tudo certo, da melhor maneira e sai dando sentenças como se fosse uma autoridade divina. Sabe quando ele vai gostar de você desse jeito? Nunca. 

— Ele? — franzindo o cenho, Rose cruzou os braços. — Ele quem?

— Ele quem — imitou fazendo uma careta. — O Scorpius. Todo mundo sabe que você vive tentando achar um jeito de foder a vida dele por causa da sua paixonite platônica não correspondida. 

Ter uma percepção distorcida e autocentrada dos eventos era um padrão de Albus, que precisaria de alguns anos para ser amenizado. Rose não soube o que responder, porque, em partes, era mentira. 

Ela jamais contribuiria para uma detenção se não fosse o correto a ser feito. Scorpius tinha se metido numa briga com Lorcan Scamander — por causa de Megan Creevey, segundo as más línguas — e foi Rose quem teve que se meter no meio para resolver a situação. Scorpius estava com o canto da boca sangrando, mais pálido do que o de costume e gelado como se fosse um boneco de neve; Lorcan tinha quebrado o nariz na melhor das hipóteses. Por que garotos eram tão idiotas?, foi a única coisa que ela pensou no momento, conforme conjurava gelo para os dois e esperava o professor Baldrick chegar. A detenção foi inevitável e ambos perderam a chance de jogar quadribol no fim de semana, que seria apenas um amistoso. Não era o fim do mundo, exceto para Albus, que estava uma pilha de nervos porque seria assistido por Harry e Gina pela primeira vez como apanhador da sonserina.

Em partes, era verdade. Porém, uma parte bem pequena. Rose achava Scorpius charmoso, mas parecia ser tão idiota às vezes que ela não poderia nem ter certeza se era apenas isso. O quinto ano tinha trazido uma postura mais séria em relação aos estudos, mais despojada em relação às garotas, mais rebelde em relação aos eventuais problemas que enfrentava. Scorpius passava dos limites, sem medo, quando era confrontado com alguns tipos de sentimento. Alguns anos depois, no entanto, ela não poderia reclamar dessa pequena característica, já que foi por causa dela que Scorpius foi o primeiro a ousar desobedecer à regra implícita de que eles deveriam manter distância. Sua atitude deu início a uma grande desventura amorosa, a qual ele, certamente, escolheria viver e reviver infinitas vezes, enquanto que Rose precisaria de muito tempo para perceber que tudo o que iriam viver seria, de fato, real

— Sua prima é gata pra porra — falou sem ensaio, no auge dos dezesseis anos, durante uma ida ao Três Vassouras. Albus, que até então discorria sobre como Ivy Higgs estraçalhou seu coração de quinze formas diferentes, calou-se. 

— Vai precisar de um papinho melhor para conseguir chegar na Dominique — chacoalhou a cabeça. — Enfim. Aí o Macmillan me disse que o Connor viu eles no corredor do terceiro andar e que-

— Estou me referindo à Rose. 

— Eles nem disfarçaram! Nem entraram num armário de vassouras! Para quem dizia que me amava, até que superou rápido, não acha? — fazendo uma pausa para tomar um gole da cerveja amanteigada, Albus notou que Scorpius olhava por cima de seus ombros, provavelmente sem prestar atenção em uma palavra sequer. Virando-se para verificar qual era a grande distração do amigo, fez uma careta. — Você acha ela bonita?

— Pra porra. 

— Deve estar precisando de óculos.

Embora não fosse uma grande surpresa ser ignorado por Albus, ele sentiu alguns quilos saírem de seus ombros após confessar o que lhe atormentava a cabeça há um tempo e, para não perder a súbita coragem, tomou o resto da cerveja amanteigada da caneca de estanho enquanto se levantava e deixou o Potter falando sozinho para ir até a mesa onde Rose e Dominique conversavam. 

Mesmo com os quase tropeços nos próprios pés e um tique terrível de passar a mão no cabelo quatro vezes seguidas, Scorpius conseguiu chegar até as garotas e até sorriu, aproveitando para encher os pulmões de ar. Com uma expressão confusa, Rose estreitou os olhos e piscou algumas vezes; antes que ela pudesse dizer algo, porém, ele se apressou em perguntar:

— Vocês se importam se eu me refugiar aqui um pouco? Albus está especialmente insuportável hoje.

Apesar de ter saído o avesso do que gostaria de dizer — que seria algo parecido com “Rose, dá para a gente conversar lá fora?” ou “Rose, queria te perguntar um negócio da Septima Vector...” —, Scorpius sustentou a expressão calma e não perdeu a chance de fincar os olhos na ruiva. Foi Dominique quem riu, apoiando os antebraços na madeira enquanto tentava enxergar o primo de longe. 

— Por você aguentar ele todos os dias, acho que merece uma trégua sim — a Delacour disse. Enquanto puxava a cadeira, Scorpius pensou que Rose não havia gostado muito da ideia devido ao olhar assassino que lançou para a loira; contudo, quando o rosto dela começou a ficar cor de rosa, ele se sentiu em casa.  — Ele ainda está falando da Ivy?

— Ele com certeza e totalmente está falando da Ivy — com um longo suspiro, virou o rosto para fitar Albus de longe, cuja expressão era de “você ficou maluco? É a Rose!”. — E vocês? Como estão? Cadê a Rox?

— Fazendo esquisitices com Lysander na Torre de Astronomia, hã, digo, procurando Plutão no céu por causa de uma rotação de Welly Belly Mor. 

— Observando Júpiter para tentar prever a rotação de Welly Belly D’or — Rose corrigiu, segurando com força a caneca antes de levar aos lábios. Observando o tom ligeiramente agressivo dela, Scorpius sorriu de canto, arqueando a sobrancelha enquanto a encarava e batia os dedos na mesa. 

Precisaria ser muito tapado para não enxergar a situação com clareza, e, naquele dia, Scorpius achou que Rose era uma tapada. Ou estava se fazendo. Não poderia culpá-la por isso, porque talvez seu súbito interesse não estivesse tão claro e já era sabido que Rose nutria um certo desafeto por ele — apesar dos boatos do ano anterior, é claro. Porém, há semanas estava tentando sentar mais próximo dela nas aulas que tinham juntos, cumprimentava Alice e Dominique com frequência, às vezes ficava olhando para ela por mais tempo do que realmente queria, começou a ser mais ativo nas aulas de Aritmância para chamar a atenção dela para seu cérebro — no caso da beleza não ser o suficiente (o que parecia não ser) —, não se envolveu em nenhum problema e ainda respeitou o toque de recolher. Por Rose ser tão observadora — segundo seus próprios discursos nada modestos —, ele pensou que ela notaria o seu comportamento diferente. Mas, aparentemente, não era. 

Naquele dia, foi ótimo ficar do lado dela, vendo de pertinho o olhar cheio de raiva e as bochechas cor de rosa, mas um pouco desanimador pensar que talvez ela sentisse asco por ele ou algo do tipo. O clima começou a ficar tenso conforme Scorpius, Dominique e Albus (que havia se juntado a eles) conversavam e Rose não respondia nada, apenas fitava a mesa de madeira e suspirava irritada de vez em quando. 

— Se você bufar mais uma vez, forte desse jeito, o telhado daqui talvez saia voando — comentou depois de alguns instantes de silêncio. Rose ergueu os olhos para fitá-lo. — Já ouviu a história dos Três Porquinhos? — o sorriso cínico não deixou as coisas melhores. — Qual é o problema?

Vocês. O que querem, afinal? Talvez seja o meu momento de ter um chilique e perguntar se vocês vivem em função de estragar a minha vida — grunhiu olhando para o primo, que deu uma risada cansada. O Malfoy se tranquilizou ao perceber que o conflito era com Albus. 

— Como você é rancorosa, Rose. Eu só estou aqui porque o Scorpius me deixou falando sozinho na outra mesa.

— Talvez porque você é insuportável. 

— Mas é você quem está estragando um adorável e inexplicável — com uma olhadela rápida para o amigo, Albus completou com um sorriso falso: — momento.

— Se é assim, com licença — levantou-se numa falsa calmaria e, antes de se distanciar, olhou para a prima. — Nos vemos no castelo.

Quando ela se distanciou um pouco, Scorpius soltou um longo suspiro e sorriu, afastando a cadeira para seguí-la. 

— Onde você vai? — Albus perguntou desnorteado. 

— Atrás dela, é óbvio.

Com dezesseis anos, Rose pôde se desprender de algumas convenções que deixavam sua existência mais complicada. Não havia nenhum problema em ser quem era e não sofrer com a síndrome do sol. Diferente de James, Albus e até mesmo de Hugo, Rose só desejava poder viver a sua vida dentro dos conformes e ser feliz, objetivo que parecia quase inalcançável quando se deparava com as expectativas alheias. Ela não queria ser uma estrela como seus pais. Queria ser Rose. E viver no seu próprio mundo sem muita instabilidade. Ela não pensava que poderia ser uma tarefa tão difícil. 

— Ei, Weasley — ela estava andando em direção ao castelo quando ouviu a voz de Scorpius. Virou-se sem muita paciência, pendendo a cabeça para encará-lo. O tempo estava fechado, ameaçando chover. E Scorpius estava lindo, ameaçando sua integridade moral. Estava envergonhada, é claro. Detestava se comportar como uma criança de cinco anos, mas era a única alternativa que Albus deixava disponível.

— Se você for falar alguma coisa do Albus, eu-

— Você tem uma mania estranha de colocar palavras na minha boca — ele a cortou, enfiando as mãos dentro do casaco. — Eu poderia dizer o que quero caso você tivesse um pouco mais de paciência. 

— O que você quer? — rendeu-se num suspiro irritado. Ele relaxou a expressão, quase sorrindo.

— Quero saber se você gostaria de tomar uma cerveja amanteigada comigo na próxima ida a Hogsmeade. Só comigo.

— Acho que é mais fácil você falar logo o que quer, Malfoy, do que me fazer perder um dia de passeio — respondeu de imediato, despertando um olhar incrédulo. — Não se faça de sonso. Toda vez que fala comigo é porque quer algum favor.

— Não é bem assim… — disse constrangido, sabendo que era exatamente daquele jeito. “Não passe no corredor do terceiro andar hoje”, foi a última coisa que ele disse para ela no mês anterior. — Certo. Talvez seja. Mas não quero nada. Só pensei que poderíamos… — ter um quase encontro? sair? conversar? Sob a pressão do olhar impaciente dela, Scorpius mal estava conseguindo raciocinar. — Tomar uma cerveja amanteigada juntos. Nunca fizemos isso.

— Porque não somos amigos. 

— Mas podemos ser — sorriu amarelo, decepcionado consigo mesmo. — Eu estava pensando e… Não é porque você e o Al vivem em pé de guerra que nós temos que viver também. A gente se dava bem até o quarto ano e… Águas passadas, não acha?

— Fala logo o que você quer, Malfoy.

— Tomar cerveja amanteigada com você. 

— Então talvez eu deva recusar. Como disse, não quero perder um dia de passeio. Por que não chama, sei lá, a Spinnet? Vocês costumavam se divertir bastante juntos. Passar bem. 

Ele teria ficado mais chateado caso não tivesse identificado um resquício de ciúmes pelo terrível dia em que ela o encontrou com Hubi num armário de vassouras. Talvez os boatos estivessem certos, afinal, e ela gostava dele na época.

Eu não gostava de você, só te achava ligeiramente bonito. Nesse dia eu não entendi por que você queria passar um tempo comigo e, para preservar a minha sanidade mental e não matar o Albus no final das contas, pensei que o certo seria recusar.

O certo pra você sempre foi recusar. 

— Scorpius…

— Seja franca, olhe quantos anos se passaram. Você sempre recusou.

— Admito, mas… Não pense que foi por falta de amor. Foi excesso. Nunca soube lidar com instabilidades. Você sempre foi um vendaval. Sempre me causou um vendaval. E eu preferia me perder nele, do que perder você

 

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Por sorte — ou tremendo azar —, uma característica marcante de Scorpius era a sua determinação. Era necessário muito esforço do universo para que ele, simplesmente, desistisse. Tolerante, genioso, exagerado, um pouco passado na dose de entusiasmo e otimismo; Scorpius ouviu os piores sermões ao longo dos anos por não conseguir seguir em frente após fracassos colossais que não tinham mais nenhuma alternativa, mesmo com tanta insistência do seu raciocínio fantasioso. Poucas foram as vezes em que ele pensou que a vida seria melhor aceitando a imutabilidade de certos sentimentos. 

Um exemplo foi quando chegou a vez de sua filha ir para Hogwarts. Scorpius não poderia estar mais radiante, mesmo que sua noite de sono tivesse sido comprometida pela tagarelice ansiosa de Sunny. 

— Vocês têm certeza que não estou esquecendo nada? — ela perguntou para os pais pela décima quarta vez. Scorpius beijou os cabelos acobreados enquanto lhe apertava num abraço.

— Está esquecendo de ficar calma. 

— Estou calma — separando-se dele, Sunny respirou fundo. — E se eu não fizer amigos?

— Você com certeza vai fazer amigos — Penelope disse, acariciando seu queixo. — Vai até esquecer de mandar cartas avisando que está bem. 

— Isso não vai acontecer. Prometo mandar cartas todos os dias. 

Scorpius não duvidava nem um pouco da palavra de Sunny, até mesmo porque ela havia puxado sua genética de exagero e assiduidade. 

Observando-a saltitar até o Expresso Hogwarts, por vezes virando para jogar beijos para os pais, pôde ter certeza que seu coração embarcaria naquele trem junto com ela. Sua vida não fazia sentido sem sua filha, e seu coração já não mais sofria por ter sido amordaçado tantas vezes. Foi com quarenta e cinco anos que pôde sentir que não era mais refém de um amor complicado, muito pelo contrário, havia encontrado o amor mais verdadeiro do mundo nos olhos cinzentos de Sunny. 

Àquela altura, Scorpius aprendeu que amar não era ter alguém para sempre, em todos os momentos, literalmente ao seu lado. Amar Sunny era deixá-la livre para viver sua vida, estar no cais esperando-a quando ela precisasse, não amarrá-la com uma corda para que não atravessasse o oceano. Nada seria capaz de mudar o que sentia por ela, já que o seu coração era essencialmente teimoso e exagerado. 

Acenar para o trem foi doloroso. Scorpius gostaria de extinguir todos os trens do planeta, caso pudesse. 

— Vamos — Penelope disse, enroscando seu braço no dele. Scorpius assentiu, ainda com o olhar fixo nos trilhos. 

Quando ergueu a cabeça, sem querer prestou atenção num casal parado que olhava ao redor. Foi seu coração teimoso que falhou nas próprias batidas primeiro, denunciando a presença de Rose. Ao lado dela estava seu marido, Connor Idiota Wood, e um garotinho de mais ou menos sete anos. Um sorriso permeou seus lábios ao vê-la dando risadas. Apesar de saber que o Wood era um sem graça, imaginou que ela estaria feliz por ver sua filha indo para Hogwarts. Violet, se ele não estava enganado. 

— Vamos — ele respondeu, começando a andar. 

Scorpius odiava estações de trem. Mas ficou feliz por reparar que sua vida tinha seguido em frente daquela vez. 


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Notas finais do capítulo

Como podemos perceber, essa história é uma junção de passado e futuro, sem um tempo presente específico. Nós vamos chegar no presente, mas vai demorar um pouquinho. O meu mantra para escrever sobre a Rose foi o trecho “what a shame she is fucked in her head”, portanto, usem como mantra também KKKKKKKKKKKKKKKKKKK aiai

Espero que estejam gostando!
Um grande beijo ♥