Scorose - Quase sem querer escrita por Aline Lupin


Capítulo 33
O Conselho de Murta




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/801290/chapter/33

Sentiu cheiro de folhas, terra úmida e sangue. O seu estomago se revirou, como se o mero odor revoltasse suas entranhas. Abriu os olhos, para se deparar com grandes olhos amarelos. Pensou em gritar, mas o grito ficara preso em sua garganta, pois seu corpo paralisará, sem reação. O coração, que batia com força, começou a se acalmar, pois estava reconhecendo aquele rosto e a forma como aqueles olhos a fitavam. Era um olhar de pesar, de afeição.

— David - Rose sussurrou seu nome, sentindo a garganta seca.

O susto de vê-lo ao lado da sua cama, sentado em uma cadeira, deu lugar uma felicidade infinita. Seu amigo voltara. Voltara para ela. Fez menção de se levantar, em seguida a essa constatação, contudo, ele a empurrou de leve, no ombro, fazendo-a se deitar de volta.

— Você precisa descansar - ele murmurou, olhando para os lados.

A enfermaria estava quase vazia, a não ser por alguns pacientes. Alunos que tiverem pequenos acidentes, como cair de uma vassoura jogando quadribol.

— Eu não preciso - ela respondeu, sentindo o estomago contrair pela fome. Fazia dias que pulava as refeições e não conseguia dormir. Por isso, estava na enfermaria. Desmaiara pela falta de alimentação, segundo Madame Pomfrey. Então, ela fora obrigada a tomar um caldo reforçado com vítimas e tudo que ela precisaria para ser recuperar. Mas, não poderia deixar a enfermaria. Precisava ficar em observação, pelo menos aquela noite - Eu estou tão feliz por você estar aqui...

Ele sorriu, deixando seus dentes pontudos a mostra. O sangue cobria seus lábios, o que a assustou sobremaneira.

— Como...como estão as coisas? - indagou, baixinho.

O semblante de David se tornou escuro, pesado. Com certeza, não estava sendo fácil seguir seu tio. Adrian era conhecido por sua crueldade.

— Como sempre foram - ele respondeu, passando a mão pelo pescoço - Não que eu tenha escolha agora que resolvi voltar para perto dele.

— E o sangue...- ela tocou nos próprios lábios, instintivamente.

— Ah, isso...- ele passou a dedo indicador sobre o lábio inferior, com um sorriso sinistro - Nada que sangue de um cervo não pudesse saciar minha fome.

Ela deveria estar aliviada de não ser um ser humano, contudo, não estava. David não parecia uma criatura assassina, sem sentimentos. Ele na verdade, era muito amável, contudo, ainda assim, era um meio vampiro. Talvez, os instintos de matar fizessem parte do que ele era.

— Não tenha medo - ele pediu, parecendo compreender que ela estava um tanto receosa de estar perto dele - Eu nunca te faria mal.

— Eu sei - ela respondeu, tentando convencer a si mesma de que ele não faria. Eram amigos e precisava se lembrar disso - Você descobriu alguma coisa sobre seu tio? O local que ele está escondido? - Ela tentou mudar de assunto, para que David não ficasse desconfortável, nem ela.

— Descobri pouca coisa - ele respondeu, aquiescendo e cruzando as mãos sobre o colo - Não que meu tio vá contar exatamente onde é seu covil. Ele sempre muda de lugar, para escapar no Ministério. E sempre que sou convocado, sou levado por algum dragão. Ele chama seus aliados assim. Um apelido carinhoso, não acha? - zombou, rindo baixinho - Seu tio está muito irritado com meu pouco progresso, mas juro, estou tentando o meu melhor.

— Tio Harry não deveria ficar bravo com você - ela o defendeu, se ajeitando na cama, por sentir suas energias renovadas pela conversa. Recostou a cabeça na cabeceira da cama, abraçando um travesseiro macio - Você está se arriscando.

David lhe deu um sorriso fraco, não parecendo convencido das palavras dela.

— É o mínimo que posso fazer, por ter um parente tão doidivanas.

Rose riu do termo utilizado. Quase nunca escutava aquela palavra, ainda mais de um jovem como David, mesmo ele não sendo tão jovem assim.

— Não se cobre tanto – Rose disse, se aproximando para puxar a mão dele, mas David recuou. Ela voltou a se sentar, um tanto chateada – Sei que você está passando por algo difícil, mas não precisa enfrentar isso sozinho. Sou sua amiga. Alvo também é. Scorpius... – Sua garganta ardeu por pensar nele. As lágrimas ameaçavam a cair, mas ela engoliu a seco.

David parecia se sensibilizado, pois seu olhar carregado se tornou preocupado e ele fez o movimento de pegar a mão dela. O seu toque era um tanto gelado. "Sinto muito, Rose. Muito mesmo. Não imaginava que Scorpius estivesse envolvido nessa sujeira. Meu tio é um crápula mesmo". Sua voz reverberando em sua mente, indignada, era se de certa forma, reconfortante. Isso mostrava que não estava sozinha naquela situação. Apesar disso, isso não apagava o que sentia. Um aperto do peito. Uma dor profunda, que parecia consumi-la e dilacerá-la. Algo que nunca sentiu em toda sua vida. Nunca sentiu uma dor que trouxesse a sensação de se partir ao meio.

— Ei, ruivinha – David murmurou, com seu tom rouco, acariciando o dorso da mão dela com o polegar. Seu olhar dizia tudo, como se realmente compreendesse a sua dor – Vai ficar tudo bem. Scorpius vai sair dessa em breve.

— Você já sabe, não sabe? – perguntou ela, apertando de volta a mão dele, como se isso pudesse aliviar sua própria dor. Parecia realmente confortá-la, mas o seu peito ainda doía tanto.

— Sei que ele foi para um reformatório e por acaso, passei por lá – David lhe dirigiu um olhar maroto.

— Você...foi? – perguntou, esperançosa.

— Sim – o meio-vampiro anuiu com a cabeça – Mas, infelizmente, minha querida, não consegui vê-lo tão de perto. A magia no local é bem mais poderosa que essa que temos no castelo. Bom, eu só consegui entrar devido a alguém.

— Alvo? – indagou ela, nada surpresa.

— Exato – ele concordou, puxando do bolso do casaco, com a mão livre, um pedaço de tecido. Era a capa da invisibilidade – O encontrei em Hogsmeade com Meredith. Inclusive, aquela sua amiga é um tanto marrenta.

Rose riu, concordando com a cabeça.

— Enfim, agora que tenho posse desse objeto inestimável, quem sabe possa enganar os guardas do reformatório e conseguir falar com ele.

— Se você puder, eu te amaria para sempre, David – ela disse, de uma forma humorada, mas esperançosa.

Ele sorriu de soslaio, um tanto vaidoso pelas palavras.

— Você me amaria, mesmo que não quisesse, ruivinha – Então, se inclinou para beijar sua testa. O beijo era gélido, mas bem-vindo.

Um barulho os sobressaltou e David soltou a mão dela imediatamente, se cobrindo com a capa da invisibilidade, desaparecendo. "Devo ir, Rose. Prometo voltar. Não se esqueça de comer. Estou sabendo que você anda esquecendo disso". Ele disse em seus pensamentos. "Prometo, se você vier me ver". Escutou a risada dele ecoando em sua cabeça. Então, não escutou mais nada.

— David? – murmurou, depois de alguns instantes.

Contudo, ele já havia partido. E com ele, o restante da sua felicidade.

**

O inverno continuava em Hogwarts, assim como o humor sombrio de Rose. Ninguém parecia conseguir romper sua casca, a qual ela se fechara com força. Nada parecia animá-la. David não voltara mais. Já era começo de fevereiro e o Dia dos Namorados se aproximava. O que tornava a situação pior. Alvo tinha quase certeza de que sua prima estaria chorando em algum canto, por causa de Scorpius. O que ele não contou a ela e não contaria, era que Scorpius cortara laços de vez com ele e com ela. Sua última carta, vinda do reformatório parecia um tanto fria. Mas, explicava seus motivos para se afastar. Ele temia tornar a vida deles mais difícil no mundo bruxo, pois os jornais não paravam de noticiar o ocorrido, retratando-o como o vilão da história e maliciosamente, dizia que a história mais uma vez se repetia. Um Malfoy das trevas, sempre será um Malfoy das trevas. Ter lido isso em sua carta e no Profeta Diário o deixou estarrecido. Escondeu a carta de Rose, pois, não queria feri-la. Se pudesse, queimaria todos os jornais, para que ela não lesse, contudo, isso era impossível. Quando ela abrira aquela edição, saiu da mesa do Salão Principal, sem se alimentar. Ela esmaecia a olhos vistos. Estava tão magra e pálida, que ele temia que ela tivesse de ser internada no St. Mungus.

— Alvo, você precisa fazer algo – Lily disse, enquanto caminhavam pelo corredor, ele, indo para aula de Feitiços e ela para História da Magia – Rose está até mesmo, se esquecendo de estudar para os NIEM'S.

— Não...- Alvo murmurou, dessa vez, realmente preocupado – Isso é mal. Não sei o que fazer, sinceramente, Lily. Rose não sabe da última carta de Scorpius.

Lily mordeu os lábios, tensa. Ela era a única que sabia a verdade. E manteve segredo, o que era muito difícil para ela, que mal conseguia manter a boca fechada.

— E não deve saber – ela disse, solene – Rose precisa se recuperar, ou vamos perdê-la.

Contudo, Alvo não fazia ideia de como fazer tal feito. Se ao menos David voltasse, ela poderia se animar, afinal, o meio-vampiro parecia fazê-la feliz. Resolveu que depois da aula, iria até o corujal e enviar uma carta a ele. Mesmo não sabendo exatamente onde localizá-lo, sua coruja saberia onde encontrá-lo.

**

Rose remexia no baú, sem animo para ir a aula. Estava tão cansada. Poderia muito bem se esquecer de viver. Até mesmo, sua responsabilidade na monitoria era feita de forma desleixada. As rondas eram feitas de forma tão automática, que talvez, algum aluno estivesse transgrido as regras e ela nem ao menos se deu conta.

Aquela noite, andava sozinha pelos corredores. Havia fugido de Alvo e do seu discurso motivacional. Não precisava dele para lhe dizer que precisava reagir e viver. Seguiu por entre os corredores, até chegar finalmente, na Torre de Astronomia. Era seu lugar preferido. Era o único lugar que conseguia estar mais perto de Scorpius. O silêncio dele era como uma faca, que a perfurava. Era difícil respirar, parecia que seu corpo estava marcado, cada passo que dava era pesado, causando letargia.

Sentou-se sozinha no escuro. O janelão dava visão para um céu encoberto, sem o mesmo brilho de sempre. Combinava com seu humor, com seu humor cinzento. Pescou dentro da bolsa a única foto que tinha com Scorpius. Era uma de um Natal, dois anos atrás, quando ainda não sabia que o amava. Quando o considerava um amigo, mas um garoto um tanto irritante, presunçoso e bobo. Ele era mais alto que ela na foto. Seu braço estava entorno do seu ombro e ela tentava se esquivar dele. Do seu outro lado, Alvo sorria, de forma exibida, como sempre fora. A foto se mexia, sempre pegando o desenhar de um sorriso nos lábios de Scorpius e um franzir de testa dela. Riu de si mesma e do seu lado mau humorado. Deveria ter aproveitado mais aquele dia. Devia ter percebido o quanto Scorpius era importante para ela. Deveria...deveria ter feito tantas coisas. Suspirou, passando a mão pelo rosto. Estava cansada de tudo.

Levantou-se, se aproximando do janelão, olhando para baixo. Uma ideia absurda veio a sua mente. Uma ideia que nunca aprovaria, mas, naquele instante, parecia ter algum sentido. O vento soprou em seu rosto, lhe dando um aviso. Ela recuou, assustada, sentindo o coração disparado. Não, não queria morrer. Queria viver.

— Não fique na beirada — uma voz feminina a sobressaltou. Desequilibrou-se, segurando com força na murada do janelão.

Olhou para trás, para ver a Murta Que Geme, com um olhar assustadiço. Os óculos de grau lhe davam uma aparência de coruja.

— Murta, que susto – Rose disse, irritada – Eu poderia ter caído.

— Mas, você estava tentando fazer isso agorinha pouco – Murta a acusou – E eu não acho que seja uma queda que vá matá-la. Talvez, mate. Ou quebre seus ossos – Ela fez uma careta de dor – O último que se atirou, morreu.

— Quem? – perguntou Rose, sem se sentir surpresa pela morbidez da garota fantasma.

— O Barão Sangrento.

— Mas, o Barão Sangrento esfaqueou a si mesmo – contradisse Rose, desconfiada – Está mentindo.

— Não, não. Eu juro. Pirraça disse que ele se jogou da Torre, porque amava muito a Dama Cinzenta – Ao que parecia, ela acreditava na história daquele fantasma que apenas pregava peças e infernizava os alunos.

— Tudo bem, Murta. Se você diz – Rose deu de ombros – Mas, eu não iria me jogar.

— Você parece triste. Eu pensei que se jogaria. Escutei você chorando no banheiro e a segui até aqui.

— Você é bem enxerida – Rose cutucou, se afastando da murada e indo pegar sua bolsa larga no chão, colocando-a sobre o ombro – Bem, obrigada, mas não vou me matar hoje. Nem nunca.

— Se for fazer isso, tente não usar a Torre, pode ser que não dê certo – Murta a aconselhou, se afastando e desaparecendo nas escadas.

Rose riu da morbidez do fantasma e seguiu pelo mesmo caminho. Talvez, devesse usar aquele conselho e viver novamente. Mesmo que lhe custasse muito fazer isso sem Scorpius. 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Scorose - Quase sem querer" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.