Frank - O Caçador 1ª Temporada escrita por L R Rodrigues


Capítulo 8
A Morte Pode Esperar (Parte 2)




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07:42

Frank derrubara uma porção de cereal em uma tigela branca, tranquilamente em seu balcão da cozinha. Mordiscou um para provar.

Após ter certeza do bom sabor, entretanto ocorreu um inesperado problema.

O detetive começara a tossir gradativamente, sentindo-se engasgado. A tosse aumentara a ponto de fazê-lo ajoelhar-se à medida que ele tentava "regurgitar" o pedaço batendo com a lateral do punho direito fechado no peito. Caso houvesse um espelho ali perto, certamente se espantaria com o quão vermelho estava seu rosto. "Ai, que merda. Então já começou!", concluiu ele, extremamente desesperado.

Ergueu um pouco seu corpo, apoiando-se no balcão com uma mão, a tosse incessante fazendo sua garganta arder agudamente com o ar lhe escapando a cada segundo. Em seguida uma garrafa com leite para sua salvação. Por sorte, estava destampada, logo a pegara embebendo-se desajeitadamente até derramando em sua roupa e no piso.

Suspirou aliviado ao sentir ter finalmente engolido, a boca aberta encharcada de leite. Era apenas uma fração do que estaria reservado para ser o pior dia de sua vida.

09:25

Durante sua andança por uma calçada, um dos seus celulares tocara. D. Duvemport estava chamando.

— Alô, diretor. - disse Frank, atendendo com rapidez. A postura do detetive mantinha-se travada e um tanto insegura, afetando até mesmo seu tom de voz que soava meio trêmulo.

Duvemport estava em sua sala, vendo a reportagem mais assistida do momento pelo computador.

— Frank, está em casa?

— Não. Eu estou vo-voltando... - estacou ao ver uma apresentação pública de dois braços mecânicos desenvolvidos por um engenheiro, como um trabalho para arrecadar fundos a uma universidade à beira da falência, que atirava facas em um grande alvo vermelho e branco montado à sua frente. No centro do alvo estavam grudadas algumas maçãs a serem atingidas pelas facas. - Ah, essa não... - disse ao notar a velocidade e a precisão com a qual o "robô" arremessava as lâminas. - O que... O que é que foi? Algum problema, diretor?

— Se está voltando para casa, é uma boa hora para arrumar as malas. - sugeriu Ernest, com urgência. - A situação está completamente fora de controle. Só ontem foram mais de 20 mortes, pessoas estão morrendo em acidentes inusitados, está tudo um verdadeiro caos lá fora!

— Diretor, a Carrie não lhe repassou as informações que consegui?

— Ela não veio hoje, disse que tinha hora marcada no quiroprático. Mas vou relevar essa desculpa por toda essa confusão. Não nos falamos desde ontem. - fez uma pausa, desligando a TV Online - Seja lá o que for, conseguiu provocar um tremendo de um frenesi coletivo.

— Não adianta tentar me convencer, diretor. - declarou Frank, decisivo. - Olha... eu vou ter que desligar, estou tendo um dia péssimo. Nem deveria ter saído de casa.

— Frank, escute-me com atenção. - pediu o diretor, fazendo o detetive revirar os olhos - Como seu chefe, eu ordeno, por sua segurança, que saia da cidade enquanto ainda lhe resta tempo ou enquanto as estradas não estiverem muito congestionadas. Eu, você, qualquer um desse departamento, à medida que o tempo passa, pode se tornar uma vítima dessa força maligna. Tem gente dizendo se tratar do fim do mundo. Lembro que interrogou um demônio que afirmou sobre algo grande afetar a cidade. Será essa tal a profecia apocalíptica dele?

— Di-diretor... Me responde uma coisa: Existem dados estatísticos sobre mortes ocorridas hoje de manhã cedo? - perguntou o detetive, ignorando propositalmente a questão.

— Não que eu saiba. - respondeu Ernest, lacônico - Você não vai dar o braço a torcer, né?

— Se a Carrie aparecer aí diz á ela que... Não, melhor não dizer nada. Tudo vai ficar bem, diretor. Não se contagie com o pânico dessas pessoas. - recomendou Frank, logo encerrando a ligação e respirando fundo quanto a atravessar o obstáculo.

Caminhou hesitantemente para cruzar a perigosa linha. Com a expressão de pavor pelas facas que eram atiradas velozmente perto do seu corpo, o detetive andava de um modo que chamou a atenção.

Logo ao final, uma delas passou de raspão... pelas costas de Frank, fazendo um rasgo no sobretudo. O agente do DPDC caiu devido ao susto.

— Ei, você tá legal? - perguntou o jovem engenheiro, preocupado. - Se machucou?

— Tu-tudo bem... - disse Frank, levantando-se e tocando no rasgão atrás de si - Foi sorte que só na roupa. - falou, sorrindo nervoso para o rapaz.

10:12

Naquele momento perambulando por uma rua mais aberta e espaçosa, o detetive tentava persistentemente comunicar-se com Carrie, mas nenhuma tentativa surtia efeito. Perto dali havia alguns tratores e um guindaste equipado com uma grande bola de demolição que destruiria um pequeno prédio de uma companhia de seguros desativada há anos.

— Vamos, Carrie. Para com essa besteira. OK? Me desculpa, não quis menosprezar seu valor. Me liga, tem algo que preciso te falar. - dissera, apertando o botão de enviar mensagem, desistindo de tentar novas vezes.

Antes que pudesse guardar o celular no bolso, Frank olhou à sua direita por conta de um barulho estrondoso e próximo ter o alarmado.

A bola de demolição rompeu da presilha da corda que a sustentava, rolando exatamente na direção do detetive. Os trabalhadores da obra corriam até ela desesperados.

Frank, por sua vez, pulou para o lado rapidamente, batendo seu corpo com força no chão e logo sentindo doer as costelas e o chão vibrar pela bola de aço estar rolando incontrolavelmente.

— Ai... - gemeu em dor, tocando o abdômen, olhando os homens correrem em polvorosa e aos gritos. - Já tá começando a apelar...

15:48

Preso em um engarrafamento em uma via de mão dupla, Frank, com uma só mão sobre o volante, continuava tentando entrar em contato com Carrie por telefone, SMS e redes sociais, mas nada parecia adiantar. "Droga. Ela ficou mesmo irada comigo. Vou até a casa dela? Não, Frank, péssima ideia. Abro o jogo com o diretor e peço pra ele repassar a informação? É o mínimo que eu podia fazer...". O barulho incessante das buzinas abafava até o som de sua própria voz.

— Faz essa fila andar meu povo! - gritou Frank, com a cabeça fora da janela do sedã prata, visivelmente explosivo. Em demonstração de raiva, também buzinou. Não tinha reparado em um numeroso grupo de jovens homens e mulheres que faziam panfletagem. Um deles viera até o detetive.

— Senhor, é um recado da Associação Religiosa de Danverous City sobre o mal que está para emergir. Tenha uma boa tarde e busque os caminhos de Deus. - disse o rapaz, indo embora depressa.

Frank lera cada palavra do relato de um dos membros que fazia apelo para a população abandonar a cidade e salvarem suas almas de serem tragadas pelo diabo.

— Só me faltava essa... - disse ele, estreitando os olhos e julgando o ato como uma estupidez sem tamanho. - O capeta é o ser sobrenatural mais acusado injustamente que existe.

Uma explosão estrondosa fez o chão vibrar intensamente como um tremor de terra de milissegundos.

Um bueiro próximo do sinal vermelho havia explodido de repente, cuja tampa redonda e pesada voara numa trajetória curva decrescente... encaminhando-se na direção do carro de Frank.

O detetive observou a tampa voar ao seu encontro e tentara sair do carro o mais rápido que poderia. Porém, viu as portas trancaram-se sozinhas.

— Ah não, ah não... - dizia ele, frustrado. Sacou sua arma e atirara no vidro da janela á sua esquerda. Rastejando, saíra por ela e foi seguindo de quatro até a calçada. A tampa esmagara brutalmente os vidros retrovisores e a lataria do teto e capô em um impacto que assustara a todos que ali estavam perto - existiam pessoas filmando com o celular.

Vendo seu sedã prata retorcido, Frank sentiu sua sina piorar de um jeito que acreditava estar quase no limite. No entanto, a fumaça densa que saía do motor o fez arregalar os olhos e temer outro efeito.

O amassado carro explodira com estardalhaço que de atrair todas as atenções, a nuvem de fogo subindo. O impulso da explosão fizera Frank ser lançado contra uma vidraça de uma loja fechada, suas costas estilhaçando o vidro em ínfimos pedaços até colidir contra uma parede.

Como se não bastasse, a parte inferior de um poste próximo da loja rachara-se por inteiro, consequentemente ocasionando sua queda para o ponto onde Frank estava sentado se vendo em dores nas costas.

O detetive apenas se limitou ao usar os braços para "se proteger" do teto que desabava. Alguns fios de alta tensão caíam ao seu redor junto a pedaços de concreto. Com o rosto sujo de poeira, Frank assistia a si mesmo em um flerte claríssimo com a morte. O poste quase partiu em dois poucos metros de seu rosto quando achava que a parte superior o mataria eletrocutado - esta caiu além daquele ponto. Respirando pela boca e com dificuldade, Frank tinha certeza que o próximo poderia ser mortal, preciso e definitivo.

Só precisava, naquele instante, arranjar uma maneira de sair dali sem encostar nos fios que estralavam e faiscavam perigosamente se movimentando como serpentes tresloucadas.

16:52

A calçada da casa do detetive se encontrava infestada dos mesmos panfletos alarmistas que ele recebeu durante todo o caminho. Os papéis brancos se misturavam ás folhas secas que pairavam com o vento. Um deles voou até Frank, pegando quase no seu rosto.

— Mas que... merda. - reclamou ele, amassando o panfleto e jogando fora.

Os latidos "hiper-sônicos" do pitbull do seu vizinho o fizeram estacar na hora. Olhou à sua direita com temor e fitou o cão latir ferozmente à sua presença, salivando constantemente. A insistência do animal aumentou de modo que a corrente que o prendia estava prestes a romper da parede de sua casinha, muito em função do porte físico dele que era sempre alimentado com rações especiais. Naquele instante, Frank teve certeza absoluta de que o cão tentaria facilitar um ataque.

— Ei, calma aí totó... - disse Frank, erguendo de leve as mãos, mas recuando um passo.

Pelo que pareceu, sua voz o irritou ainda mais com os latidos lhe dizendo ser um alerta vermelho.

A corrente, por fim, rompera-se, promovendo a soltura do cão que imediatamente correu ao ataque.

Frank se lançou até sua casa em disparada, suas pernas correndo tão rápido pela primeira vez em muitos anos. Pulou a cerca baixa de madeira, a ilusão do latido tão potente em seus ouvidos lhe fazendo sentir que o pitbull enfurecido já tinha o alcançado.

Pisando suas botas no gramado banhado pelo sol da tarde, foi em direção à porta da frente sem olhar para trás. Girou a maçaneta, mas a fechadura parecia trancada quando anteriormente não tinha sido.

— Vamos, vamos... - dizia ele, olhando rapidamente pra trás e balançando a maçaneta com toda a força movida pela aflição. O pitbull pulara sua cerca de forma quase atlética. Devido à força aplicada, a maçaneta quebrou-se da porta, espantando-o. - Merda.... - avistou uma pedra do tamanho de um tablet na grama, pegando depressa e jogando-a na janela cujo vidro estilhaçou com grande barulho.

O detetive jogou-se para dentro da casa pela nova abertura criada desesperadamente, porém o pitbull conseguira morder, ao menos sua calça, tentando rasga-la como carne crua.

— Solta! - gritou Frank, sua perna esquerda ainda quase do lado de fora ameaçada de ser mordida. Balançou a perna tentando chuta-lo, mas libertou-se devido a saliva do cão fazendo a calça "deslizar" por entre seus dentes. O detetive levantou-se correndo até a escada, não duvidando que o pitbull entraria e continuasse sua caçada incansável.

Dois lances de escada até o seu quarto. Frank encontrou a porta escancarada para seu alívio. Infelizmente, logo ao entrar e tentar tranca-la, a fechadura não encaixava.

— Caramba! - esbravejou Frank, no limite da agonia. O cão já havia passado a primeira escada, com perigo de proximidade ao quarto. Frank bateu a porta repetidamente, mas era inútil. A última tentativa quase o fez pôr o coração para fora, vendo a mandíbula feroz do cão passar pela brecha. Forçou um empurrão para barra-lo. Conseguiu fechar, mas usando suas costas como "tranca".

— Não vou virar seu jantar hoje. - disse Frank, ofegando, sentindo suas costas serem maltratadas pela porta.

O pitbull batia sua cabeça contra a porta, dobrando o esforço do detetive em mantê-la fechada.

Olhou no seu relógio de pulso. Eram 17 horas em ponto.

— O sol logo irá se pôr. Só mais uma horinha e isso acaba. - olhou para a extensão do quarto - Agora como é que eu saio dessa?

                                                  ***

Escola Hans Norbet - 18h22

O ar gélido que indiciava a chegada do inverno estava dando seus primeiros sinais naquele início de noite nada tranquilo para o detetive mais requisitado do DPDC.

Frank, sem lanterna ou medidor, entrara no prédio onde ocorriam as competições esportivas, sendo cauteloso a fechar a porta. Quando ia dar o primeiro passo em direção à quadra, uma mão foi sentida tocando seu ombro esquerdo.

— Ei, você. - disse um sem-teto, não sendo o mesmo que flagrou Frank conversando com o corvo. O detetive se virou estremecido.

— Ei digo eu. - sussurrou Frank, irritado - O que você quer? Não devia estar com sua turma?

— Fiquei para trás e só você pode me dizer onde é a saída. Eu te vi ontem, praticamente nesse horário.

— Ah, então você me espionou falando com o corvo. - arriscou Frank, o olhando com reprovação - Deixa eu adivinhar: Aquele seu amigo com um gorro na cabeça te falou sobre mim, não foi?

— Não, eu saí quando você sacou a arma, pensei que fosse algum tipo de matador sem regras. - disse o homem, sua postura insegura diante de Frank. - Ele saiu agora há pouco, correndo, não quis dizer o porque. Mas me fala aí: O que você veio fazer? Tinha um pássaro voando no teto, mas não ouvi você falar.

— Olha, não é da sua conta. Melhor sair daqui, antes que... - a frase de Frank foi interrompida por um rangido metálico e alto. O detetive ouriçou sua atenção, congelando sua face em apreensão. Tocou o sem-teto no ombro - Anda, sai daqui, é perigoso. - sua voz elevou-se sem que ele percebesse.

O homem cedeu ao pedido motivado pelo quanto o investigador que lhe era misterioso fazia parecer uma ameaça para não ser assistida.

— Seja lá o que tenha sido, vou indo nessa. Essa escola deve ser assombrada! - disse ele, correndo pelos cantos opacos até seus passos ficarem inaudíveis.

Entrando na quadra às pressas, o detetive vasculhou ao redor à procura do corvo.

— Cadê você? - se perguntou Frank, andando lentamente. Os ruídos rascantes voltaram com mais força, fazendo-o olhar para cima. Parafusos caíam aos montes enquanto pedaços das vigas de metal que sustentavam o teto ameaçavam ceder. No entanto, Frank constatou estarem se partindo.

Um parafuso caiu com a ponta para baixo em sua testa, deixando um corte raso. Passou a mão na ferida e seu instinto de sobrevivência o levou a correr pela quadra. Os pedaços de metal começavam a desabar, como se estivessem sendo jogados por telecinesia, tendo o detetive precisar desviar de todos eles, acelerando o passo.

— Disse que tudo estaria acabado quando eu voltasse! Aparece!

Uma viga caíra com impacto poucos centímetros á sua frente, derrubando-o no chão. Levantando-se rápido, Frank correu em direção ao outro lado, mas foi pego de surpreso com um pedaço de ferro comprido cravando em sua perna esquerda certeiramente.

Caiu de frente ao piso bradando um grito de dor ecoante. Nunca antes sentira uma dor tão lancinante.

— Vai me deixar morrer? - perguntou ele, bravo pela suposta traição. Mais duas vigas caíram à sua esquerda e direita. - Se assim for, você não passa de um covarde! Não manteve sua palavra!

Sua ira o estava cegando quanto ao crucial detalhe que escapou de um dos seus bolsos. Quando o enxergou, uma centelha de esperança preencheu todo o vazio que o medo da morte deixava.

— Não pode ser... Cacetada. - disse, sorrindo fracamente ao ver um pequeno cilindro preto bastante familiar.

"Uma bomba luminosa que o Chris me deu de reserva naquele caso do Devorador... é o modelo compacto... e é o Anjo da Morte. Então é oito ou oitenta!". Tal versão funcionava como uma granada.

Tentou esticar o braço o mais longe que pôde para alcançar o objeto. Sentiu um arrepio profundo eriçar todos os pelos da nuca e dos braços que anestesiou temporariamente a dor da ferida na perna. Ao olhar para trás, notou uma sombra se dividir adquirindo formatos de uma mão com unhas enormes e pontiagudas.

Rastejou um pouco para melhorar o alcance antes que a sombra sibilante chegasse aos seus pés. Mas a dor voltara a tortura-lo ao menor movimento, fazendo-o apertar os olhos e os dentes.

Pensou ter escutado um farfalhar conhecido... Não estava alucinando devido ao medo ou a dor...

Olhou para cima e viu as estonteantes asas negras do corvo baterem em sua direção.

— Toma! - disse a ave, baixando o voo e batendo as asas para criar um impulso de vento forte o suficiente para aproximar a bomba ao detetive.

— Valeu! - agradeceu Frank, pegando-a e logo em seguida retirando a tampa com a boca. Passou-a para a mão esquerda e, enfim, a jogou no ponto onde a aterrorizante sombra serpenteava.

Uma explosão instantânea fizera a noite na quadra da escola virar dia.

A luz branca refulgiu por todo o espaço, com fachos atravessando as janelas para o lado de fora.

Frank se esforçou para ignorar a claridade e observar, por um curtíssimo tempo, a verdadeira forma do temível Anjo da Morte. A sombra estava numa forma humanoide que se afastava para uma parede, destacada pelas asas quebradiças e parecidas com as de morcegos que se contraíam progressivamente... até, finalmente, "destruir-se" por completo diante da potência da luz.

Todo o fulgor cegante diminuiu em rápida velocidade com o esgotamento da bomba.

Frank sentia o sangue escorrer e gotejar da ferida dolorosa, expressando desconforto no rosto.

— Foi mal pela demora. - disse o corvo, pousando no chão.

— Pensei que tinha amarelado. - disse Frank, brincalhadamente provocando-o.

— Lembra de algum momento em que admiti estar com medo? Não. Agora está me devendo um favor.

— Como disse? - indagou Frank, olhando-o com estranheza - Não ficou satisfeito com o que acabei de fazer? Tinha dito que as ações do Anjo da Morte faziam você estar com os dias contados. Eu salvei sua vida!

— Tudo bem, vou pensar em algo melhor depois. - disse o corvo, enigmático. - Pode sair pelos fundos, a barra está limpa.

— Com essa coisa na minha perna? Vai ser moleza.

— Sem problema. - disse o corvo, olhando fixamente para o ferro cravado na panturrilha esquerda do detetive. O emudecimento repentino da ave foi explicado quando Frank sentiu o pedaço de metal se mover dentro da ferida... como se estivesse saindo.

Após desencravado, o ferro caiu no chão com um ruído ínfimo.

Frank o fitou por alguns segundos, impressionado.

— O que você é, afinal? - questionou ele, intrigado.

— Sou alguém que sente falta de ajudar pessoas como eu faria com você. - respondeu ele, sem estar muito à vontade para falar sobre sua história.

— Isso não me responde minha pergunta, mas... - sorriu de canto - O que importa? Obrigado, mais uma vez.

— Agora são dois favores. - disse o corvo, propositalmente fazendo-o olha-lo de cara feia. - Brincadeira. Você salvou minha vida. Estamos quites.

— Me tira uma dúvida: O Anjo da Morte pareceu ter sido... desintegrado. Ele morreu? Eu tive um dia terrível hoje, mas tenho a sensação de que... não sei, fui presenteado com uma sorte absurda.

— Isso explica eu ter dito que você era a pessoa perfeita. Você é certinho demais. - disse o corvo. - Até certo ponto, ele só punia pessoas que cometeram atos que vão do extremo ao médio nível. No mais, um período de 8 dias seria o máximo para ele chegar a alvejar criancinhas que matam formigas por diversão.

— Peraí, então quer dizer que faltou isso aqui - disse, fazendo sinal de "menor" com o polegar embaixo do indicador - para ele chegar a matar crianças pimentinhas? Nossa... Mas tem um detalhe: Se eu fui tão correto essa minha vida toda, logo não faria sentido fazer o ritual, eu estaria imune o tempo todo, porque... eu simplesmente podia ter invocado o Anjo da Morte e mata-lo com a bomba.

— Mata-lo? Você quer me matar de rir falando assim, não é? - disse o corvo, debochado.

— Eu não o matei? - perguntou Frank, meio desanimado - Fiz só... despacha-lo?

— O baniu por tempo indeterminado. Mas quando voltar, já terei ido embora daqui há tempos. - explicou o corvo, direto. - Ele é uma força da natureza, não pode ser destruída por meios tão... convencionais, por mais que seja verdade que a luz seja a fraqueza das trevas sendo ele um ser devotado às trevas, sua bombinha não basta para aniquila-lo.

— OK, entendi. - disse Frank, meio desapontado com os fatos - Tenho que ligar pro meu chefe... preciso de uma carona. - olhou para o corvo com pretensão - A menos que você saiba se teletransportar.

— Foi recolhido do pacote. Lamento. - disse o corvo, preparando-se para alçar voo. Virou a cabeça para o detetive - Toda a barulheira chamou atenção, então a polícia ou os bombeiros não vão demorar pra apanhar todo esse lixo. - disse, referindo-se às vigas de aço cravadas no chão.

— Ainda vou te ver de novo? - perguntou Frank, interessando-se em conhece-lo.

— Não nesse território fragilizado. - disse o corvo, querendo sair dali rapidamente.

— Você tem um nome? - quis saber Frank, curioso.

— Costumava ter. - respondeu o corvo, misterioso.

— Bem, já que aparentemente você não lembra ou não quer dizer seu nome real, vou te dar um. - disse Frank, fazendo um suspense - Que tal... Raveno?

— Eu pareço um bicho de estimação?

— Não, mas pode ser tão companheiro quanto um.

— Não se engane, as únicas pessoas que apreciam minha companhia são os cadáveres que não querem ser zumbificados.

— Então, você mora num cemitério? Ou numa floresta com seus amigos carniceiros?

— Bem, tecnicamente moro de favor lá. - respondeu o corvo - E minha dieta é balanceada. Além disso, meus dois únicos amigos são um coveiro mal-humorado e uma garota órfã, costumo contar minhas histórias pra eles, acho que devia conhece-los. Viaje para a Inglaterra e procure pelo cemitério mais precário da capital.

O detetive não conteve a risada.

— Londres, não é? Interessante, ganhei um amigo britânico. Pode deixar, eu vou visita-lo. É uma promessa. - deu uma piscadela à ele.

— Então a gente se vê. - despediu-se o corvo, batendo as asas e voando em direção indefinida para alguma brecha que pudesse atravessar para sair da escola. Suas asas ganharam um tom admirável ao passar pela luz da lua.

Frank ficou a observar por um tempo... sentindo uma satisfação genuína sobre aquele novo e peculiar amigo.

                                                          ***

Confessionário

Sou obrigado a admitir com veemência: Hoje foi, definitivamente, o pior dia que já vivi. Estou gravando isso aqui à força, acabei de voltar do pronto-socorro depois da última sequência de tentativas da morte me fisgar feito isca no anzol. Sim, não ouviram errado, eu enfrentei a morte e driblei seus esforços. Não fosse pela minha experiência, modéstia à parte, teria sido mais um número nas estatísticas. Vocês que ficaram antenados nas notícias, devem ter lembrado de um filme, certo? Aquele do cara que prevê a explosão do avião. Acho que até eu lembro de ter visto uma vez. 

A questão que fica em vocês, caros ouvintes, é de como eu escapei. Bem, descobri uma receita secreta para fugir da morte sempre que uma loucura dessas voltar a acontecer. Mas saibam que ela não gosta de ser enganada. Não mesmo. Portanto, nada de ir procurando rituais de invocação para benefícios próprios. Estabelecer contato com forças ocultas deixa sequelas irreversíveis. Fiquem avisados, mantenham distância de qualquer influência quanto a isso. 

Mas... nenhum desses perrengues infernais que passei hoje se compara à uma amizade abalada.
Não acho que a perdi... eu sei que essa harmonia vai se reerguer, uma hora ou outra, de um jeito ou de outro. O que estou fazendo? Falando dos meus problemas pessoais desviando do assunto... Me desculpem se o caso de hoje não lhes pareceu tão interessante. E se alguém achou interessante, siga meu aviso. 

Até breve. 

                                                           ***

A secretária eletrônica de Frank emitiu seu bipe indicando estar ligada.

Sentado no sofá, o detetive, usando uma camisa branca, aproximou sua boca ao auto-falante para proferir a mensagem, numa nova e não tão esperançosa tentativa de retomar contato com Carrie. Viu aquilo como a última chance, embora soubesse que a veria de qualquer forma quando voltasse ao DPDC após se recuperar do ferimento na perna - algo que caiu como uma luva justo na época das festas de fim de ano que se aproximavam que significava o recesso do departamento, atribuindo a responsabilidade pela segurança da cidade à polícia comum nesse período. Por um lado, era chato para Frank ter de ser prisioneiro na própria casa até o início do próximo ano, sem ter que tradicionalmente ir à caça de monstros em aproveitamento daquela deixa indispensável. Mas por outro... imergir numa zona de conforto como uma variação esperadamente benéfica até que não lhe caía mal.

Tinha abaixado o volume da TV para concentrar-se no recado. O noticiário ainda não havia começado. Pigarreou fraco, pronto para dizer.

— Eu não tenho certeza se vai ouvir o que tenho pra falar, mas ainda sim vou insistir mais um pouco. Você tinha razão sobre mim. Fui um tremendo de um desonesto. Eu agi feito um babaca com você ontem, então, por favor... me perdoa. Você se tornou uma das coisas mais importantes que pude ter na vida. Não, não quero que pense que eu esteja querendo confessar outras... coisas que as pessoas andam suspeitando, eu só preciso mesmo esclarecer tudo entre nós. Senti falta... de ouvir sua voz nas ligações onde eu tentava chama-la, eu... Realmente houve um momento no qual sua presença seria um porto seguro, onde eu me sentiria confortado... talvez protegido. Foi aí que me dei conta... de que meu trabalho sem o seu não significa nada. Você é a coisa mais importante que soma ao meu trabalho, à minha missão de vida... Missão que foi confiada à mim pelo meu pai. E sobre honestidade... é hora de você ouvir umas verdades que mantive ocultas até agora e também explica aquela minha reação quando disseram que iam colocar uma tornozeleira em mim na semana passada. Meu pai... ele foi morto por uma criatura sanguinária que ronda a cidade de Vanderville. Em algum momento próximo, eu vou dar cabo desse monstro em vingança pelo meu exemplo de vida. E ninguém vai me impedir. É uma missão suicida, mas é o meu destino executa-la sem ter medo de como vai acabar. Se quiser saber o resto da minha mortífera aventura com o Anjo da Morte, é só me ligar, sei que essa briguinha boba não fez você apagar meu número. Por favor, me desculpa.

Enviara. Depois restava apenas aguardar a improvável resposta.

Frank sentou-se melhor, pegando o controle e aumentando o volume da TV.

— O quadro preocupante em relação às consecutivas mortes acidentais amenizou consideravelmente da madrugada de ontem para hoje."

"Que bom, pelo menos ele tinha razão sobre o ritual".

"No entanto, A Associação Religiosa da Danverous City permanece batendo na tecla de que a cidade sofre de uma influência promovida por um mal que se esconde abaixo de nós, enquadrando os tremores de terra como um dos efeitos primários os quais muitos deles estão chamando de "primeira tribulação", logo as tragédias dos últimos seis dias são consideradas a segunda de um total de sete, como descrevem as escrituras sagradas. A falha externa foi vulgarmente apelidada de "boca do inferno". Grupos opositores atacaram a Associação acusando-os de alienação em massa e intencional estimulação de pânico devido aos avisos de teor alarmista sobre um possível e vindouro apocalipse tendo nossa cidade como o marco zero. Porém, os opositores foram tachados de hipócritas por usarem de teorias conspiratórias voltadas aos supostos objetivos escusos da ARDC e disseminarem tais ideias para fomentar uma visão pública negativa acerca da rival visando alguns minutos de fama. Estaremos ao vivo cobrindo o debate entre as duas... "

O detetive mudara de canal, balançando a cabeça negativamente sobre a rivalidade.

— Malucos.

                                                      ***

À noite, Carrie chegara em sua casa transparecendo exaustão. Largou sua bolsa de couro cor bege na mesa da sala de estar, logo sentando no sofá bufando com a boca emanando todo o seu cansaço, bem próximo da secretária eletrônica que piscava uma luzinha vermelha. Desviando o olhar cansado para o aparelho à sua direita cujo visor dizia: "Nova mensagem de Frank Montgrow" ao lado do nome estava o número da secretária do detetive.

Atentou-se para ouvir como que por reflexo, mas seu dedo parou antes que apertasse o botão. Sua mágoa ainda doía no peito pelo sentimento de inferioridade.

Escolheu o botão logo ao lado. O de Excluir. Logo em seguida apertou em "Gravar nova mensagem".

— O diretor me disse que se safou do Anjo da Morte, bom trabalho. Mas, sinceramente, não estou a fim de ouvir sua voz hoje. Talvez nem mesmo olhar pra você. Perdeu tempo gastando sua saliva acreditando que fosse ser mole colar os cacos da confiança que tinha por sua pessoa. Eu só digo que estou cansada. Apenas isso. Cansada. Não desse trabalho... mas do jeito que você lida com minha serventia. Sabe o que eu pensei quando desliguei naquela hora? Eu não passo de uma simples "garota de recados" pra ele. Mas depois fiquei confusa. Sem saber se o problema morava em mim ou em você. Não consigo achar a resposta. - fez uma pausa, limpando uma lágrima - Será o primeiro Natal em que não iremos festejar juntos. E isso tudo serviu para fazer as coisas mudarem e sinto que devem. - fizera uma longa pausa - Eu tomei uma decisão.

                                                  XXXXX


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