Frank - O Caçador 1ª Temporada escrita por L R Rodrigues


Capítulo 12
Mente Sã, Corpo (Parte 2)




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"Vamos ser sorrateiros. Acima de qualquer suspeita. Separados, de corredor em corredor até nos encontrarmos no ponto de reunião. Ainda pensam que o zelador está lá, a desinfetação da sala demora cinco horas e já passaram quatro desde que o prendi e roubei as chaves. Portanto, temos uma hora de sobra. Liberamos o cara, injetamos um daqueles amnésicos e ficamos livres de qualquer acusação". Dizia Morris, antes de seguirem separadamente como o planejado.

A porta da sala de cirurgia enfim fora trancada pelo caçador aposentado.

— Isso é impossível. - contestou Jack, incomodado - Um Zeta jamais encontraria uma brecha num lugar tão bem protegido como esse. Eles mencionaram fumaça amarela antes de morrerem?

— Alguns faziam descrições. - disse Frank, as mãos apoiadas na mesa - Mas acho que só do que viam.

— Então nada garante que foram atacados por um Zeta. Talvez só enlouqueceram.

— Jack, mais de quinze pacientes suicidados em apenas cinco dias não é normal. - retrucou Frank, fitando-o sério - Não peguei as fichas, mas pelas poucas informações que tive até agora... tudo leva a crer que sofriam de condições diferentes, nem todos eram esquizofrênicos.

Morris estendeu o mapa do sanatório sobre a mesa com rapidez.

— É aqui onde vamos pega-lo. - disse ele, apontando para um pequeno quadrado no canto inferior direito da planta que representava um local de acesso restrito - O almoxarifado. Lá existe um gerador que alimenta 90% do sistema elétrico do hospital. Jack será a isca. - sugeriu, olhando para o amigo.

— Por mim tudo bem. - disse ele, concordando.

— Não, espera aí, vamos ser coerentes. - salientou Frank, erguendo de leve um dedo indicador ,mostrando-se contrário à ideia à Morris - Te disse hoje cedo uma teoria que faz muito sentido, Morris. É um Zeta que agora virou predador e me tornou a presa. Os suicídios, a irmã do último cara a se matar dizer que viu fumaça amarela antes de pirar o cabeção e acabar vindo pra cá... Olha, tá mais do que óbvio que sou eu quem deve levar esse plano à cabo. Modéstia á parte, sou o mais experiente de nós.

— Ah, então me desculpe. - disse Moris, sentindo-se meio arrependido da escolha - Você tem razão. É o único do nosso clube que não encontrou esse fim da linha trágico.

— Tem certeza de que pode lidar com ele? - questionou Jack para Frank - É que essa história de nuvem, redoma invisível me parece meio forçada.

— Expliquei isso pro Frank. - disse Morris, soando meio rude - O acúmulo de fumaça alucinógena criou essa radiação em que todos estão expostos, inclusive nós. Eu pareço ser o único que conhece a fronteira e o almoxarifado fica além dela, mas mesmo assim há uma chance de encurrala-lo lá.

— Só nos diz como isso é possível. - pediu Frank, encarando o ex-caçador com suspeita.

— Soube, alguns dias atrás, que há um blecaute programado para a meia-noite de hoje. - revelou Morris, com certa empolgação contida no rosto - Manutenção de rotina no transformador principal. Isso vai beneficiar nossa deixa. O Frank atrai ele pra armadilha que especificamente é o gerador...

Jack interrompeu, novamente contestando.

— Calma aí. Até onde eu sei, na minha experiência não muito experiente de caçador, Zetas tem uma visão excelente no escuro. Como isso é uma vantagem?

— O blecaute dura aproximadamente... - disse Morris, com um dedo no queixo pensando - ... uma hora e quinze minutos, no máximo. Nos vinte minutos finais, as luzes vão começar a piscar. Meia-noite e meia Frank e o zeta começam a brincar de gato e rato. Até o almoxarifado, o caminho deve durar pelo menos quinze minutos.

— Você tinha falado sobre as camadas dessa nuvem. - relembrou Frank - A cada uma a alucinação fica mais intensa. E os últimos pacientes que morreram devem ter recebido um bônus da nuvem antes de receberam fumaça na cara já que morreram em menos de 24 horas ou a nuvem já tinha acumulado o bastante àquela altura para afeta-los depois do limite do tempo. - fez uma pausa, olhando fixamente para Morris com seriedade - Pensa bem: Estou aqui desde às nove e fui exposto. Até meia-noite são 16 horas e é uma curta distância pra 24.

— Então porque não se internou sabendo que poderia pega-lo antes do tempo esgotar? - indagou Jack, estreitando os olhos para o detetive.

— E eu lá sabia desse negócio de nuvem invisível. - defendeu-se Frank, meio exaltado. - Só achei de início que as coisas seriam mais fáceis. O Zeta viria até mim naturalmente, sem joguinhos e suspense, ou seja, eu seria a próxima vítima.

— Tô começando a achar que essa história de nuvem é conversa fiada. - disse Jack, relanceando Morris com olhar sisudo.

— Acha que menti pro Frank? Que eu quis complicar as coisas pro lado dele? - perguntou Morris, o cenho franzido para Jack em uma postura desafiadora. - Na verdade, eu nem sei porque fico aqui gastando saliva. Você nem é o Jack, não é real.

— Peraí, eu não sou real? - o caçador mais jovem do grupo revoltara-se - Talvez você não seja! - acusou, apontando com o indicador contra o ex-companheiro - Pôs a merda do mapa na mesa e o Frank mal olhou. Ele também deve achar o mesmo! Não é, Frank? - virou-se para o detetive.

— Melhor vocês dois pararem. Isso é um plano do Zeta. Deve ser o mesmo que eu ou o Morris caçou e quis fazer nossos cruzarem de novo. É isso que ele quer com a droga da nuvem, nos fazer brigar entre si. - argumentou Frank, tentando apaziguar o clima.

— Até você vai cair nessa?! - reclamou Jack, como tivesse se desiludido com o auto-proclamado mais experiente do grupo. Balançou a cabeça negativamente - Não, não vou comprar essa ideia nem a pau. Se essa nuvem existe e tem o mesmo efeito da fumaça... - olhou de forma atordoada para os dois - Ai, meu deus... Qual de vocês é real?

— Nós dois somos reais, Jack. Fica calmo. - disse Frank, tentando convence-lo.

— Você também foi afetado, Frank! Não seja imbecil! - disse ele, aborrecido - Devia estar tão desconfiado quanto eu! - fez uma pausa, lançando um olhar colérico para Morris - Eu sou real! Puramente real! - falou, categoricamente, apontando para si com o polegar esquerdo.

— Se fosse mesmo real seu nome estaria num prontuário médico. Eu juro que não vi ou ouvi nada sobre você nos últimos sete anos. - disse Morris, intimidando o ex-amigo. - O que tem a dizer em sua defesa?

— Que estive aqui o tempo todo, antes de você. - disse Jack, transparecendo verdade - Ou está alucinando ou está mentindo.

— De qualquer forma, você não pode provar. - disse Morris, sorrindo cinicamente.

— Não posso provar o quê? - indagou Jack, mantendo a irritação.

— Que esteve aqui há mais tempo que eu e que é real. E só pra constar, se você disse que posso estar alucinando eu não estaria sendo afetado pela nuvem, gênio? Logo, ou você acredita ou não na existência da nuvem. Pelo visto, esqueceram de fazer teste de Q.I em você. Portanto, eu estou alucinando, não mentindo.

— Mentindo sobre o que vê. - disparou Jack - A nuvem pode até ser real, mas você talvez não. O Morris que conheci nunca me acusaria injustamente. E estou são de novo como um alcoólatra volta a sobriedade. Afinal, como tem tanta certeza de que o Frank é real? Ele nunca estaria aqui! O Morris que conheci naquela época não engoliria essa tão fácil.

— Ai, caramba... - disse Frank, colocando a mão esquerda sobre o rosto em sinal de preocupação.

— Pra ser honesto, também não tenho muita certeza se ele é real. - confessou Morris, olhando meio retraidamente para o detetive.

Frank empertigou-se, espantado.

— Como é que é?! Vo-você fingiu acreditar em mim?

— Não, Frank, não me interprete mal. Eu só quero pôr o Jack como isca para confirmar se ele é ou não uma ilusão. Tenta me entender.

— Pode acreditar que estou tentando o máximo que posso. - disse Frank, fitando-o com forte seriedade.

— Viu só? Ele é um canalha. - disse Jack, não medindo o tom crítico - Por que me quer tanto como isca? Dá pra ver que não superou o passado.

— Então você quer arriscar a vida do Jack pra confirmar ou pra se vingar? - perguntou Frank, cada vez mais incisivo.

Ambos o olharam desconcertados.

— Você sabia do lance da dívida? - perguntou Jack, curioso.

— Já ouvi de outras bocas na mesma época - esclareceu Frank - Hein, Morris. Zetas, como a gente sabe, não atacam ilusões. Nesse caso, devíamos estar juntos no mesmo quarto até a energia voltar, assim vai ficar mais fácil descobrir. Disse que sou o líder, então vai ser do meu jeito.

— Pode esquecer. - recusou-se Jack, recuando alguns passos. - Vou ficar à mercê do monstro sem saber que estou sozinho. Desculpem, mas... não posso... - assumiu um tom choroso - ... não posso confiar minha vida a vocês. Mas que droga! - derrubara com as duas mãos uma mesinha de rodas com aparelhos cirúrgicos, fazendo grande barulho. - Talvez isso tudo seja mentira. Mentiram sobre tudo, tudo!

— Nada disso, as mortes são reais. - insistiu Frank - Olha, querem saber? Não podemos provar que somos reais! Continuar discutindo isso pode acabar nos deixando loucos de verdade!

— Frank está coberto de razão. - disse Morris.

— Opa, não quer dizer que eu não desconfie de você, Morris. - falou o detetive, mirando o dedo indicador à ele - Não que você não seja real, mas sobre o Jack ser isca pro Zeta. Isso eu não aprovo.

Jack reforçou com teimosia:

— Mas ele não é real, Frank!

— Cala a boca, Jack! - disse Frank, como única forma de acalma-lo.

— Eu cansei disso. - disse Morris, fazendo que não com a cabeça para Frank. Foi aproximando-se de Jack em passos vagarosos.

— Fica longe de mim. - sussurrou Jack, cerrando os punhos. - Você não é o Morris...

— Tornei você líder, Frank... - disse ele, ficando poucos centímetros frente à Jack. O rapaz esboçou um semblante de desconforto que o fez abrir a boca como se estivesse engasgado. Segundos depois, Frank sacara o que o corpo de Morris ocultava logo quando o ex-caçador que roubara o mapa do sanatório afastou-se devagar - andando para trás - do antigo companheiro.

—Ah, não... - disse o detetive, boquiaberto ao ver uma faca cravada na barriga de Jack em torno de uma mancha de sangue que aumentava na camisa branca. Voltou os olhos para Morris, tornando sua expressão de perplexidade em fúria. - Ora... seu maldito!

Morris dera uma risadinha zombeteira ao ver Jack caindo gemendo em dor enquanto dava a volta na mesa para chegar perto de Frank.

Sem ação, Frank ficou a observar o amigo praticamente agonizando com o sangue derramando-se no piso em granito cinza.

— Morris... O que... Por que? Não precisava ser assim!

— Mas é claro que precisava, Frank. - disse ele, logo em seguida desferindo um soco cruzado de esquerda contra o rosto do detetive que fora derrubado rapidamente ao chão. - Agora vai ter que me deixar trabalhar. Ele anseia por isso há anos.

Ao ouvir a frase, Frank sentia as peças encaixando. Levantou-se, tentando manter uma distância segura de Morris.

— Ele quem? Tá falando do Zeta? - perguntou, limpando o sangue da boca. - Desgraçado...

— O verdadeiro plano não se resume apenas à minha vingança pessoal. Eu preciso fazer isso, Frank, não posso contraria-lo. Eu tenho que fazer acontecer. Terminar a missão que aquele cara começou. - disse Morris, erguendo a mão esquerda e mostrando a palma. Dela abriu-se um pequeno orifício no centro, um pontinho preto pela visão de Frank.

— O cara... - disse o detetive, pensando em ninguém menos que Olivia - O cara que recebeu o atestado de sanidade e atacou a Olivia hipnotizado pelo Zeta?! Quer dizer que você... Quando e como isso aconteceu?

— Na noite de ontem, pra ser exato. - revelou Morris, dando passos adiante com a mão erguida e pronta para borrifar o gás alucinógeno - Senti as mãos geladas e escamosas dele no meu rosto. E vi seus olhos. Ele os abriu pra mim. São brancos como as paredes da solitária. Pensei que veio para me matar, mas foi o contrário. Foi para me presentear com esse poder e fazer você sentir esse ar que sai por este buraco até seus pulmões se encherem e sua mente entorpecer em loucura e medo.

— E sobre o Jack? - perguntou Frank, em posição de enfrentamento.

— Eu menti. - disse Morris, sucinto - O plano original se eu conseguisse... manter a pose... - deu uma risada infame e rápida - ... era nos reunirmos no quarto e meu senhor liquidar com vocês dois. Mas tinha uma cláusula que dizia para agir quando eu sentisse que as coisas ficariam insuportáveis. E ficaram, como pôde ver.

— Morris, esse não é você. - disse Frank, numa tentativa desesperada de traze-lo de volta sem muitas esperanças - Deixa eu te ajudar.

— Vai ajudar muito... - disse ele, de repente pegando-o pelo pescoço e jogando-o contra parede. As costas de Frank bateram com impacto, mas logo seu pescoço foi agarrado pela mão direita e firme de Morris que o levantava exibindo uma força descomunal - ... quando estiver à beira da insanidade, com camisa de força e tudo. - aproximou a mão com o orifício ao rosto dele - É assim que ele acredita que caçadores devem acabar. Não pensava que ia ser diferente com você só porque se achava especial né?

A passagem de ar foi obstruída com o forte aperto que o detetive sofria nas veias de seu pescoço.

Aproveitou que Morris gabava-se do poder olhando para a mão perigosa quando desviou a visão para sua esquerda onde enxergou uma bandeja de alumínio facilmente alcançável. Esticou a mão meio trêmula na direção do objeto, tocando-o após cinco segundos.

Ao pegar seguramente, tacara a bandeja contra a cabeça de Morris num violento golpe que o fez cair inconsciente para o lado e sobre uma outra mesa com rodas.

A porta se abriu pegando Frank de surpresa que virou-se assustado.

— O que está havendo aqui? - perguntou uma enfermeira ao lado de um enfermeiro que arrombou a porta.

Frank largara a bandeja, soltando-a para cair.

— Olha, não é o que tá pensando... - disse ele, erguendo os braços se dizendo inocente.

O enfermeiro sacou uma pistola com dardos tranquilizantes, prontamente disparando três,. sendo dois deles pegando no peito do detetive e um na mão esquerda.

Ao cair e sentir a inconsciência tomar conta, Frank fez um último pensamento, olhando para o dardo na palma da sua mão.

— Que merda... Tô me sentindo aquele leão...

A inconsciência total cortara sua frase.

                                                                                         ***

As pálpebras de Frank voltavam a ficar leves à medida que sua visão se desenturvava e a sensação de estar em um ambiente retornava aos poucos. O cenho franziu quando sentiu o ar suavemente gelado em volta de seu corpo. Depois a memória clareou. Morris precisava ser detido juntamente com o Zeta que o transformou naquele louco obsessivo por se vingar. A partir daí, seus olhos permaneceram bem abertos como se um alarme estridente tivesse soado dentro da sua cabeça.

As paredes brancas do local o preocuparam. Um belo rosto feliz se aproximou para vê-lo.

— Finalmente acordou. - disse uma enfermeira jovem de rosto meio arredondado, óculos de grau maior e cabelo castanho claro amarrado numa presilha. - Como se sente, senhor Montgrow? Está de volta ao paraíso.

— Como é? - indagou Frank, atordoando-se ao tomar ciência de onde estava, levantando-se rápido - Espera aí... Onde eu estou? Que história é essa de... paraíso? - perguntou olhando para ela e de relance para as paredes alvas como a neve.

— O senhor despertou de seu inferno particular. - disse a enfermeira, sentada numa cadeira sem braços, aparentando certeza - Literalmente, de um coma que durou exatos 30 anos.

A informação soltada o fez encara-la como se não tivesse escutado direito.

— Olha, não sei quem é você, mas eu preciso sair, tenho contas a acertar com aquele cara que estava caído em cima da mesa, ele me atacou e me enganou descaradamente. Não mereço estar aqui...

— É claro que não. Ninguém merece. - disse ela, interrompendo-o. - Está disposto a saber a verdade?

— Não vou cair nessa. Me viram atacando aquele cara, mas não foi razão para me jogarem aqui. - contestou ele, relanceando a porta - Onde ele está? O nome dele é Morris, tinha outro, o Jack, ele...

A enfermeira balançou a cabeça com um não.

— Devem ser as últimas lembranças do sonho.

— O quê? Sonho?! - disse Frank, franzindo o cenho, pensando em correr até a porta em disparada - Os donos desse muquifo pagam você pra tirar onda com os malucos que são condenados a viverem aqui? Já vou avisando que não sou um deles, então o melhor que você tem que fazer é abrir aquela porta, me deixar sair e fazer meu trabalho. - pusera os pés no chão, querendo sair a todo custo - Esse vai ser nosso segredo: Não sou louco. Me internei por vontade própria e menti sobre várias e várias coisas só para investigar a causa dos suicídios que andaram ocorrendo aqui, tem que acreditar em mim, sou credenciado pelo DPDC, agente especial.

— DPDC? O que significa isso? - perguntou a enfermeira, sentindo-se um tanto assustada.

— Para de brincar comigo! - disse Frank, enfezado, agarrando-a nos braços e apertando - Sou um investigador do Departamento Policial de Danverous City! Se ligar pra lá, vai estar confirmando, tenho licença autorizada para conduzir uma investigação mesmo sob disfarces.

— Está completamente delirante. Não existe... nenhuma Danverous City. O senhor está aqui há anos! Em Nova York, nasceu e foi criado aqui até a tragédia que tirou seus pais de você. Não tem os nomes que citou nos registros. Sofreu um acidente quando criança com os seus pais que o deixou catatônico. Quando pacientes nesse estado acordam juram que ainda estão vivendo a realidade falsa que acreditavam ser real. Isso é muito comum. Você não lembra de nada por causa do impacto e as lembranças desse sonho...

— Chega! - vociferou Frank, empurrando-a com força até fazê-la cair - Você não é real... - disse ele, andando até a porta - Quarto branco não é lugar de gente que acorda de coma.

O detetive ouviu o click de uma arma. Virou-se, estranhando. A enfermeira havia levantado-se, apontando uma arma com tranquilizantes.

— Cruze a porta e vou seda-lo para que durma por mais 30 anos.

— Ah, os novos sedativos fazem isso é? - disse ele, sem se intimidar - Quer um conselho? Abaixa essa arma. Eu posso não ter controle sobre as alucinações que a tal nuvem do Zeta me faz ter e que está se espalhando feito radiação, mas sou difícil quando o assunto é me fazer de otário.

A enfermeira tremia a mão que segurava a pistola, indicando insegurança.

— Eu sei a vida que eu tive. - disse ele, ficando um pouco pensativo ao desviar o olhar para o nada - Até gostaria que fosse um sonho. Após acordar eu estaria diante de um mundo diferente. Mas é a vida que eu tenho. Me tornou quem eu realmente sou. Você é só um fantasma da minha cabeça que está tentando me fazer aceitar um mundo que não existe, um mundo que não foi feito pra mim. - estreitou o olhar sério para a ilusão - Tem mais é que desaparecer. "Vamos ver se funciona...", pensou, testando uma teoria improvável. - Estou tomando minha pílula vermelha e voltando à realidade. É melhor sumir da minha frente... - disse, apontando para ela que recuava enquanto baixava a pistola devagar. - Minha mente é mais forte do que qualquer ilusão. Anda logo, some de uma vez! - bradou, forçando seu potencial psíquico ao máximo.

A figura da enfermeira lançou um semblante de horror antes de desaparecer como uma fumaça cinzenta. A porta tinha sido deixada escancarada para dar passagem a um médico que avaliaria Frank como consulta noturna.

                                                                                         ***

Após muitos corredores atravessados, Frank sentia-se perdido em um labirinto sem fim, embora tivesse uma ponta de certeza sobre estar na parte que compreendia os laboratórios de manipulação para substâncias utilizadas contra pacientes violentos. Estes possuíam grandes janelas com vidro retangular. Seus olhos vasculhavam de um lado para o outro alguma saída que lhe dissesse estar indo à área certa. No entanto, um peso em sua visão o fragilizou, como se tudo ao redor começasse a tremer e se enturvar intermitentemente.

Pôs uma mão na cabeça, sentindo-se mal, não duvidando mais a respeito da nuvem invisível.

— Ah, não...

Lembrou-se da fala de Morris.

"O rastro... parece estar se espalhando aos poucos, enlouquecendo você aos poucos até você avançar em todas as camadas e, enfim se matar."

Ao que tudo indicava, o rompimento da última camada estava prestes a ocorrer.

— Muito bem, mudança de plano. - disse ele para si mesmo - Parece que não vai ser hoje que vou te pegar, seu laranjão de uma figa. - tornou a andar, mesmo tendo a sensação de um tremor de terra se intensificar. Por um momento cambaleou quase caindo devido as vibrações que impossibilitavam de se equilibrar.

Vendo as paredes racharem-se progressivamente e escutar barulhos do piso cedendo atrás de si, hesitou em olhar para trás e começara uma corrida desesperada pelo corredor que desmoronava.

— Socorro! - gritou, submetido à ilusão por completo, querendo escapar para nunca sequer voltar para uma nova tentativa. As vidraças da janelas estilhaçavam fortemente próximo à ele que se protegia com os braços enquanto corria.

Poucos médicos ainda ficavam de plantão àquele horário, mas se encontravam distantes demais para serem solicitados pelo desespero de Frank. Fora que os outros funcionários haviam sido dispensados uma hora mais cedo por conta da manutenção.

"Não se esqueça da velha regra, Frank: Não se pode salvar a todos! Eu tinha que pôr isso na cabeça desde Novembro passado com aquele caso dos Ambrozes!", pensou ele, passando por vários corredores em disparada como nunca tinha corrido antes. "Isso é terrível! Agora sei como os japoneses se sentem! É como se... a crosta da terra tivesse sendo sacudida! Isso deve dar uns 9.2 na escala. Será que exagerei? O último terremoto aqui na cidade foi de 8.1! Por que tô falando desse jeito? Até parece... que nunca senti um terremoto antes! Será que foi isso que aquele demônio falou? O tal grande evento apocalíptico? Deve ser, só pode... Não! Não, não e não! Isso é a nuvem te manipulando! Resiste, Frank, resiste... Seja forte... ".

O cansaço falou mais alto. Felizmente, o tremor diminuía à medida que ele sentia se distanciar do ponto crítico da nuvem, porém uma vez atravessada a última barreira para se tornar refém da loucura não havia como voltar atrás. Apoiou sua mão esquerda na parede branca para reaver o fôlego. Visualizou a lâmpada fluorescente acima de sua cabeça com os olhos meio apertados. A visão ainda era trêmula e embaçada, mas a luz estava ampliada a ponto de fazer arder a retina.

Baixou o olhar ainda aflito para a porta azul meio escuro escancarada do quarto à poucos metros à sua frente daquele lado. Engolindo a saliva, o detetive caminhou lentamente, quase na ponta dos pés.

Quando encostou a mão direita na porta para abri-la, a mesma produziu um rangido fino. Sua expressão empalidecia quanto mais a cena revelava-se diante de seus olhos.

— Oh não... - disse ele, lamentando profundamente. No piso daquele quarto escuro jazia o corpo de uma mulher que Frank reconheceu por lembrar-se das fotografias fornecidas pela polícia. Uma faca estava cravada no peito esquerdo dela, diretamente no coração, além de uma poça de sangue que se avolumava vagarosamente. - Olivia. - falou, num sussurro pesaroso. Antes que fosse ir até ela para ao menos fechar seus olhos, o detetive foi surpreendido pela brusca queda de energia, fazendo o corredor mergulhar numa semi-escuridão. A luz da lua que atravessava a janela do quarto de Olivia tranquilizava um pouco a sensação apavorante de estar envolvido num escuro que surge de repente.

Recuando alguns passos, horrorizado, Frank encostou-se na parede à frente do quarto. Sua missão de interrogar Olivia arruinou-se. "Que merda. Seria injusto sair daqui sozinho... Ela não era louca.".

Com o silêncio dominador, pensou ter ouvido um ruído ínfimo bem na parte inferior da sua nuca em centímetros de distância.

Sentiu um gelado próximo ao seu ombro como se algo líquido estivesse derramando. Ao virar-se, passou primeiro a mão no ponto. Olhou para a mão sem entender, depois para a camisa que tinha um pontinho vermelho e, por fim, para a parede de onde escorria um filete de líquido meio enegrecido.

— Sangue. - comprovou Frank, atônito. Claramente parte do show de horrores ilusório que o atormentaria e o levaria a uma decisão com a qual temia não conseguir lutar contra se arriscasse chegar naquele nível.

Os filetes desciam em linha reta por vários pontos das paredes, lado à lado e crescendo volumosamente, o que novamente despertou o instinto de sobrevivência do detetive para correr dali.

O choro sangrento das paredes não parecia ter fim, como se estivessem sendo repintadas de vermelho escuro quase vinho.

Entrando rapidamente em outro corredor, Frank soltara um breve grito de pavor, recuando uns dois passos ao se deparar com uma figura humanoide e grotesca resumida em olhos vermelhos de mosca, cabeça de pelo negro, dentes de aranha movendo-se e garras de louva-deus balançando.

Frank passou a andar de lado, roçando suas costas na parede, para ultrapassa-lo, mantendo os olhos fechados apertadamente. Quando sentira que estava livre, tornou a correr. No entanto, uma atmosfera diferenciada o deixou intrigado a princípio, fazendo-o reduzir o ritmo até parar um pouco para dar uma olhada para trás. A coragem que encontrou para isso foi julgada como estranha.

A amálgama de mosca, aranha e louva-deus desaparecera e o que se via nada mais era que um dos seguranças que muito provavelmente teria escutado o grito de socorro ou os de Olivia enquanto alucinava novamente com quantidades absurdas de fumaça inaladas. O homem vestindo um macacão cinza escuro corria até Frank, apontando o facho ofuscante de sua lanterna, dando ordem para ele colocar-se ao chão. Ali a ficha caíra por inteiro.

"Isso significa que posso ter atravessado a fronteira... Eu tô fora da redoma, então quer dizer...Sim, o Morris talvez estava certo, o almoxarifado tá há poucos corredores daqui!".

Frank pensou em voltar a fugir, mas antes que desse um passo sentiu a mão forte do segurança agarrar a manga direita de sua camisa para puxa-lo de volta. Por reflexo, Frank desferiu uma cotovelada contra o nariz do funcionário cujo corpo inclinou para trás ao ser atingido certeiramente.

Tentou revidar em Frank com um soco, mas o detetive desviou habilmente, pegando-o pelo braço e chutando-o rápido na barriga conseguindo subjuga-lo com facilidade. Enquanto o segurança grunhia de dor caindo no chão, o detetive surripiara o cassetete preto dele. Em seguida, andou para pegar a lanterna grossa que ele largara quando levou o primeiro golpe.

— Desculpa aí, amigo. Causas maiores. - disse ele, tornando a correr em ritmo acelerado, seguindo com a luz da lanterna rasgando a escuridão por onde passava e o cassetete erguido com a ponta para cima e segurado firme.

Em um outro corredor, a luz captou o que parecia ser uma cauda de lagarto. Era parte da anatomia do Zeta. A cauda sumiu com rapidez pelo corredor à direita. "Tá acontecendo exatamente o contrário. O miserável é quem tá me atraindo pra armadilha."

Frank seguiu a cada vestígio da presença do Zeta que ia sendo detectado pela sua percepção rápida.

Eram apenas vultos que escapavam com velocidade quando a luz o banhava.

A perseguição dava sinais de progresso quando o detetive finalmente havia alcançado a escada que descia até o local exato. Frank chutara a porta metálica mas nada surtiu efeito. Apontou a lanterna para o duto de ventilação que daria precisamente em algum ponto do almoxarifado. Obviamente, ele havia chegado primeiro já que a tampa foi removida.

Ao tentar arrombar a pesada porta, o detetive colocou a lanterna abaixo da axila esquerda, largando o cassetete no chão que "quicou" com barulho, e empurrou com os dentes cerrados e os olhos apertados. A porta aparentava estar deslizando para trás, o que só animou Frank a insistir.

Vários segundos de esforço pesado depois, a porta rangeu altíssimo após abrir-se. Frank rosnou cutucando o ouvido pelo som estridente que transpassou seu canal auditivo. Descera os três lances de escada de ferro que seguia até o "alçapão" por onde outra escada conferir passagem ao lugar certo.

Apontou a lanterna para uma parte do duto que descia até o fim da parede. Chutara a porta de madeira desfazendo a pequena brecha de antes. A luz branca da lanterna pegou uma nuvem de poeira levantar quando a porta virou para o chão no outro lado.

— É hora de vermos quem é o melhor. - disse Frank, entrando no buraco quadrado para descer a escada tão enferrujada quanto a de cima. Seus passos desesperados faziam barulho metálico.

O detetive pisara no empoeirado solo do almoxarifado, lançando a luz da lanterna para várias direções. Elucidadas por ela estavam estantes enfileiradas de perfil para Frank, nas quais continham caixas com materiais de construção, primeiros-socorros, extintores de incêndio e equipamentos cirúrgicos entre outros. "Hoje cê não me escapa, verme...", pensou ele caminhando por entre as estantes com a lanterna seguramente firme na mão direita mirando de cima à baixo.

Guarda baixa naquele momento não era uma opção. Se desse uma coceira em alguma parte, que deixasse. Era percepção ouriçada ao máximo e o detetive levou essa habilidade a um outro nível.

Isto o fez com que percebesse logo na hora alguns ruídos de algo pulando entre as estantes.

Mirou a luz na direção de onde veio, passando-a. Depois o ruído reconhecido vinha do teto. Sem hesitar, o detetive ergueu a luz diretamente ali.

A criatura de pele escamosa alaranjada estava grudada feito uma aranha pronta para lançar sua teia. Mas parecia mais como uma salamandra humanoide e sem boca.

Os olhos fechados do Zeta davam a sensação de estarem realmente encarando.

Frank correu para atraí-lo. Seria a vez de encontrar o gerador. As luzes começaram a piscar tremulamente, conferindo à situação um ar mais macabro.

"Nos vinte minutos finais, as luzes vão começar a piscar"

"Mais uma vez ele tinha razão. Devem estar terminando o serviço", pensou Frank, passando pelo labirinto de estantes sentindo a presença ameaçadora do Zeta perseguindo-o com a rapidez de um animal selvagem para abocanhar sua caça. "Cadê? Cadê?" Mesmo com o pisca-pisca incessante, ainda era de dificuldade tremenda achar o gerador principal. O pior medo não era exatamente a caçada continuar e - consideravelmente falhar - após o término da manutenção, mas sim estar andando em círculos pelo labirinto estranho. Um barulho alto de uma estante caindo assustou-o.

Esbarrou em uma descuidadamente, deixando cair a lanterna ligada que rolou por baixo de uma outra estante.

— Merda... - disse ele, apertando o ombro que bateu no ferro oxidado do móvel. O jeito era guiar-se pelo pisca-pisca irritante. Levantou-se, olhando para trás vendo flashes assombrosos do zeta chegando mais perto numa velocidade impressionante como se teleportasse-se a cada piscada das lâmpadas. Conseguiu despista-lo com muita sorte escondendo-se rápido numa estante e andando de lado. Quando escutou passos de ruído gosmento, sabia que ele colocara os pés no chão para procurar Frank sem trapacear. O detetive continuou a andar de lado - pela direita - com cautela. Depois que o caminho da estante terminou, arriscou desviar para a direita do "labirinto". Ficou entre duas estantes de perfil para ele, preferindo seguir adiante no mesmo ritmo.

Vira os pés "dracônicos" do Zeta vindo do beco à esquerda numa piscada só da lâmpada. "Droga, droga...", pensou Frank, recuando e seguindo pela outra direção. Passando pelo outro beco que sairia de onde o Zeta teria caminhado, o detetive entreviu uma caixa com um apoio de quatro rodas. A tal caixa do tamanho de uma caixa d´água tinha materiais de limpeza, vassouras amontoadas e panos. Bem em frente, com uma certa distância, de uma outra caixa bastante específica. O Zeta estava de costas andando vagarosamente para descobrir-lo e pega-lo desprevenido.

A ordem era: Carro de limpeza, Zeta e gerador. Era pegar ou largar.

— Ei, seu idiota! - gritou Frank, ousadamente. O Zeta virou-se no mesmo instante, preparado. Frank canalizou toda a sua força em um único chute de direita na caixa-carrinho que foi impulsionado em direção ao Zeta em movimento conveniente para o que Frank planejava. Na medida correta. O carro de limpeza atingira o Zeta com força, empurrando-o diretamente contra o gerador.

O efeito do impacto começou salpicando faíscas intensas por todos os lados e um som de eletricidade crua soando no espaço com a alta voltagem que o gerador proporcionava a quem o danificasse.

A barreira criada pelo carrinho impediu o Zeta de se desvencilhar dos raios elétricos que "chicoteavam" sua frágil pele, envolto de mais faíscas ardentes enquanto seu corpo debatia loucamente e chamuscava.

A intermitência das luzes parou e só o que dava luminosidade eram os estralos e faíscas sibilantes que afugentaram Frank dali o mais rápido possível. O detetive ansiava para encontrar a saída, passando em correria de estante em estante, de beco em beco. "Agora onde é que fica a maldita escada?"

Com as lâmpadas cedendo ao chão com os fios pendendo em meio à mais faíscas, o detetive precisou urgir com o tempo. Mas foi uma pequena explosão do gerador que o deixou em alerta. Ao ver a nuvem flamejante subir ao teto, Frank arregalou os olhos correndo mais depressa. Até que esbarrou com a barriga no corrimão inferior da escada. Ignorando a dor, pensou em mil palavrões enquanto subia os primeiros degraus, a fumaça do princípio de incêndio adentrando nas narinas. No meio do caminho, tossira várias vezes. Havia uma porta dupla por onde os funcionários vinham do primeiro andar, mas estava trancada e impercebida por Frank.

Uma lâmpada caíra por detrás dele, por pouco não o atingindo, partindo-se ao meio.

A luta ainda estava completamente ganha. Seria de imprescindível necessidade sair do hospital antes que o fogo se alastrasse para o andar de cima. Com o corpo finalmente fora da zona de primária de perigo, o detetive bolou no chão em umas duas voltas até ficar de bruços tossindo.

Ofegando bastante, Frank olhou para a fumaça que saía da passagem. No entanto, o sentimento de missão cumprida se sobrepunha ao de emergência.

                                                                                   ***

Uma hora depois... 

Frank, com a camisa branca suja de pó, estava sentado na traseira aberta de uma ambulância tomando inalação ao mesmo tempo em que uma loucura de sons dessincronizados de sirenes de viaturas policiais e carros de bombeiro abafava um pouco as vozes. Jatos potentes d'água cuidavam de apagar o incêndio que emergira do almoxarifado em poucos minutos, forçando desesperadamente os seguranças e médicos a conduzirem os pacientes para fora. Três pessoas morreram eletrocutadas após o dano severo no gerador pois a manutenção possuía alguns minutos antes de encerrar.

Um carro policial bastante familiar, com sirenes ligadas - apenas as clássicas luzes vermelha e azul e sem som - chamou a atenção de Frank logo de imediato, fazendo-o baixar a máscara do inalador. Na porta do carona claramente os dizeres em fonte específica e em dourado: DPDC.

Saiu de lá um homem engravatado segurando com as duas mãos uma maleta de ferro cinzenta, aparentando ter entre 40 e 50 anos de idade - calvo, cavanhaque castanho e óculos de armação média.

— Senhor Montgrow? - indagou ele, aproximando-se da ambulância onde estava Frank - Permita-me apresentar: Sou John Hass, porta-voz do superintendente Hockler. Não posso apertar sua mão - deu uma risada leve -, porque estou com seus pertences. - pusera a mala no chão - Por muito pouco foram salvos do fogo hein.

— Caramba, me espanta o superintendente ficar sabendo dessa cilada que me meti hoje. - disse Frank, sorrindo fracamente - Tudo bem, pode falar, ele vai obrigar o diretor a descontar do meu salário por não ter pedido autorização para investigar sob disfarce.

— Está enganado. - disse John, ajeitando o óculos - Na verdade, ele quer parabeniza-lo pela sua coragem em ir até o fim para capturar o maníaco que de alguma forma causava alucinações nos pacientes e os fazia se matar e que se escondia muito bem. Como conseguiu?

— Se eu contar, vamos ficar falando disso até o sol nascer. - disse Frank, nem um pouco a conversar a respeito. - Mas obrigado, Jonh. - apertara a mão dele - Te devo uma.

— Disponha, senhor. Não me deve absolutamente nada. - disse ele, sorrindo fechado - Ahn... na verdade, deve sim... mas não a mim. O hospital exige que você pague uma multa por ter agredido um segurança, embora eu saiba que foi para não fazê-lo perder tempo já que estava em plena perseguição ao culpado. Certo?

— É bem por aí. - disse Frank, sendo vago - Por mim está de bom tamanho. Antes multa que cadeia.

— É, tem sorte por ser da polícia. - disse John - Quer saber quanto vai ser?

— Não, por enquanto não. - recusou Frank, erguendo de leve uma mão - Foi muita dor de cabeça pra uma noite só.

O celular de Frank dentro da mala começou a tocar.

John, educadamente, abriu-a e retirou o aparelho para entrega-lo.

— Espero que nos vejamos novamente algum dia. - disse ele, despedindo-se ao assentir - Até mais.

— Falou, John. - disse Frank, grato pela contribuição inesperada do braço direito do rigoroso superintendente. Atendera a chamada - Qual é a nova, Carrie?

— Só liguei para perguntar se você está bem, me disseram que houve um incêndio no sanatório. - a assistente falava dentro de seu carro, prestes a sair do estacionamento após um longo dia de trabalho.

— Ah, pois é, mas já está tudo bem, consegui sair inteiro. - disse Frank, observando os bombeiros trabalharem - No fim das contas, a Olivia foi a última vítima. E a pior parte: Esqueceram do corpo dela largado no quarto e... ela foi consumida pelas chamas. Em compensação, eu peguei ele. Te conto os detalhes amanhã. Tá bom pra você? - perguntou, já esperando a resposta previsível.

— Por mim está ótimo. - disparou ela para a surpresa do detetive.

— O que é que tá acontecendo, Carrie? Você nunca aceita quando eu deixo informações pra depois. Com você é sempre: "Quero agora e pronto". - falou, imitando o tom de uma criança na última parte.

— Não é nada demais. Liguei também pra te dar um aviso... seríssimo. - disse a assistente, não alterando a seriedade da voz. - Serei direta. É sobre a secretária do diretor, a Megan. Três palavras: Não confie nela.

— Como é? - indagou Frank, franzindo o cenho - Espera aí... Tenho a leve impressão de que a sua investigação secreta que você fez questão de não me dizer o que era tem a ver com a Megan.

— Sim, você acertou. Mas só me tira uma dúvida: Qual foi a última vez que você e ela se falaram?

— Sei lá, acho que faz uns dois meses. Ela é tão atarefada que a gente mal se esbarra.

— Isso é bom. Bom não, excelente. - disse Carrie, dando ênfase - Só fica longe dela por favor. Dizer isso é o máximo que posso fazer pra te ajudar.

— Carrie, eu não tô gostando nada disso. - declarou ele, o tom meio aborrecido.

— Muito menos eu. - disse ela, soando tensa - A gente se vê amanhã. - desligara, deixando Frank a pensar e refletir sobre o quão misterioso sua tão estimada parceira fez parecer o obscuro caso de Megan baseado numa suspeita que ele considerava sem sentido.

                                                                                      ***

No estacionamento, um sedã preto encontrava-se à uma boa distância do carro de Carrie.

Dentro dele estava Megan com um headfone conectado ao seu laptop durante o rastreamento da ligação de Carrie para Frank. Apertou um botão ao ouvir a chamada ser terminada.

Um sorriso de canto se formou em seu estonteante rosto.

— Boa garota.

                                                                   ***

Confessionário:

O dia de ontem foi uma tremenda loucura. E que loucura viu... Bem, resumidamente foi assim: Fui investigar a causa dos suicídios ocorridos no sanatório Eisenhauer, mas tive que me fazer de doido se quisesse extrair o máximo de pistas possível e, com muita sorte, capturar o responsável. Pra falar a verdade, o responsável, como não podia deixar de ser na minha vida ainda mais em um caso que envolve doentes mentais, é uma criatura sobrenatural chamada Zeta. Acho que já dei umas dicas do que ele podia ser num outro áudio, então quem já é inscrito deve ter um conhecimento prévio. Ele se origina a partir dos cogumelos que brotam da terra perto da fenda externa. Quem estiver ouvindo isso e tiver ligações com o governo, pode sugerir uma remoção desses cogumelos, tipo arrancar até a raiz pra nunca mais nascer... quero dizer, se tiver um novo terremoto é esperado que nasçam outros novos, até porque, em tese, as vibrações das placas tectônicas da fenda reverberam na crosta terrestre e isso tem alguma explicação surreal que não vou me aprofundar muito hoje, então fica no ar a questão. 

Em meio a essa investigação maluca, reencontrei dois amigos, colegas de trabalho pra ser exato.
Morris e Jack. O primeiro foi hipnotizado pelo Zeta para me encurralar quando desse na telha e não passou de uma peça no jogo dele. Já o segundo está há mais tempo no hospício e nos juntamos à ele para nos apoiar na caçada contra o Zeta. Morris quase me ferrou e o ataquei até fazê-lo desmaiar. O efeito da hipnose do Zeta dura apenas um dia e através dela ele compartilha suas habilidades com a vítima. Explicando melhor: Ele empresta seu poder enquanto te hipnotiza e sob esse controle você escolhe quando usar. Felizmente, o Morris está bem. Mas não se lembra de nada, nem do nosso reencontro. E o Jack... Quando se desmascarou, o Morris tinha enfiado uma faca na barriga dele e não vou culpa-lo. O Jack acabou morrendo por hemorragia. 

Esse foi mais um caso onde pude aprender uma boa e dura lição: Vida de caçador não tá com nada. Ou acaba em morte ou em tristeza... ou em loucura. Se achar forte o bastante pra entrar nesse barco, meu amigo... tem que ter uma boa razão pra seguir esse caminho. Na morte você acaba numa cova. Na tristeza você fica recluso. E na loucura... tudo acaba num maldito quarto branco e você vestindo uma camisa de força. A ordem desses fatores pode não estar certa, mas o que descrevi é a mais pura verdade. Eu oriento vocês: Não sigam essa vida. Não é como nos jogos de RPG ou nos filmes. Digo isso para que não acabem como Morris e Jack. Ser caçador não é desbravar um mundo com pozinho mágico e fantasia como nos contos de fada. Ser caçador é trilhar um rumo perigoso e carregar nas mãos um oceano de sangue. Não é diversão ser caçador, é responsabilidade e, principalmente, um fardo. 

Até o próximo caso. 

                                                          XXXXX


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