Dear Mr. Nemesis escrita por Nekoclair


Capítulo 8
Capítulo 8




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Frightful Accident Ties Encounters

 

 

Terça-feira. Uma manhã em Yu-topia preenchida de ações transformadoras.

Um homem ajeitou o casaco sobre os ombros, passeando os dedos por debaixo da lapela e observando o pano balançar conforme o movimento de suas mãos. Seu terno era escuro como um poço sem fundo, engolindo toda e qualquer luz que caísse sobre ele e mantendo o usuário afastado do foco de interesse das pessoas — como uma sombra que ninguém se dava ao trabalho de olhar duas vezes.

O homem endireitou seu terno uma última vez e se virou para o espelho. Ele estava pronto, decidiu após olhar seu reflexo de cima a baixo. Então, ele deu meia volta e caminhou em direção à porta do quarto, parando assim que percebeu que algo estava errado. Estava se esquecendo de alguma coisa.

— Essa foi por pouco — disse a si mesmo enquanto girava em seus calcanhares.

Caminhou até à mesa de cabeceira e apanhou a pequena caixa que repousava ao lado do despertador. A maneira como ele segurava a caixa era tão cuidadosa que alguém poderia imaginar que ele tinha em mãos o mais precioso dos cristais, um tão frágil que um mísero arranhão poderia terminar como uma rachadura enorme.

Mesmo que estivesse correndo contra o tempo, o relógio tiquetaqueando em seus ouvidos como um disco riscado, ele foi incapaz de se conter e, quando deu por si, já havia aberto a tampa para dar espiar  o conteúdo da pequena caixa em suas mãos. Lá dentro havia uma gravata, mas não qualquer gravata. O pano era tingido em um belo tom de turquesa, com finas linhas brancas formando um padrão geométrico simples, mas interessante.

Nos lábios do homem, um sorriso repousava confortavelmente, sentindo-se tão em casa que não viria como surpresa se fizesse daquele lugar sua residência.

 

—--

 

Uma melodia percorria o ambiente, suave e gentil como o canto de um canário ao primeiro sopro da manhã, um assobio tão alegre e despreocupado que conduzia facilmente seus ouvintes a pensarem que nada além de coisas boas viriam a se suceder nas demais horas do dia. A responsável por espalhar todo esse bom humor era a dona do restaurante Yu-topia, Hiroko Katsuki, que — como sempre — havia se levantado assim que o Sol raiou no horizonte.

Hiroko trabalhava em Yu-topia desde que conseguia se lembrar. No início, fazia pequenas tarefas aqui e acolá para ajudar sua mãe, isso na época em que seus pais ainda estavam por perto e tomando conta do lugar; agora, ela que era a responsável pela maior parte do trabalho, o resto de sua família a ajudando conforme podiam. A responsabilidade de cuidar da herança de seus pais podia ser bem pesada às vezes, especialmente nos fins de semana ou quando seus clientes mais temperamentais e impacientes decidiam lhes pagar uma visita. Entretanto, mesmo assim, ao final do dia, ela sempre se sentia realizada quando lavava o suor do corpo, e inevitavelmente Hiroko se sentiria cem por cento revigorada quando pisasse fora do chuveiro.

Ela sentia prazer em seu trabalho, mesmo quando a tarefa era pequena ou insignificante — como lavar uma pilha de pratos, que era o que ela estava fazendo naquele momento.

Sua mão se movia em círculos, o detergente espumando em torno de seus dedos e escorrendo pelo prato em direção ao fundo da pia, onde seria eventualmente lavado pela água fria da torneira. Depois de enxaguar uma pilha de utensílios de cozinha, ela os colocou no escorredor. Dando uma boa olhada no prato que tinha em mãos — o único que ainda não havia sido colocado para descansar junto aos demais —, viu-se sorrir, satisfeita perante a visão de seu reflexo cintilando na superfície da cerâmica.

Sua doce voz ainda podia ser ouvida em meio ao ruído de fundo.

Caminhando pelo cômodo, Hiroko pegou as cadeiras e as colocou em cima das mesas, pernas voltadas para o teto. Seus passos ainda não haviam reduzido de ritmo por um instante sequer.

Uma vez, a mais de uma década atrás, seu filho mais novo — Yuuri — perguntou-lhe como ela conseguia ser tão enérgica e estar sempre tão animada para colocar a mão na massa e trabalhar, nunca se importando com o fato de ter que acordar tão cedo todos os dias.

— Pelo menos nos dias em que o movimento é mais baixo, não seria melhor simplesmente ficar fechado? — ele perguntou, sua voz ainda aguda e um tanto infantil.

Hiroko sabia que o que ele dizia fazia sentido. Com o negócio já aberto há duas gerações, estava bastante claro que a maioria da clientela de Yu-topia mostrava a cara apenas aos sábados e domingos. Nos dias de semana, os ocasionais trotes os mantinham mais ocupados do que os clientes que apareciam para comer. No entanto, nada disso importava para Hiroko. Para ela, a quantidade de pessoas que entravam pela porta era indiferente, pois ela trabalharia duro como se o restaurante estivesse lotado independentemente do real número de pessoas que tivesse para servir, fazendo tudo ao seu alcance para garantir que cada pessoa deixaria Yu-topia com o estômago cheio e satisfeito.

Ela queria que sua comida fizesse as pessoas felizes, e que Yu-topia pudesse se tornar um lugar onde empresários fossem capazes de esquecer do trabalho e onde famílias pudessem se reunir. Desejava, mais do que tudo, que as pessoas se sentissem bem ao comer no restaurante e — se não era pedir demais — que elas pensassem nele como uma segunda casa.

— Não é uma questão de quantidade, mas sim de qualidade e de sorrisos. Não há nada mais gratificante do que ver um cliente sair com um sorriso satisfeito nos lábios — Hiroko respondeu ao Yuuri na época.

Yuuri, que nunca teve problemas em verbalizar sua admiração por Hiroko, daquele dia em diante passou a olhá-la com olhos ainda mais brilhantes, o encanto presente neles notoriamente maior do que antes. Nunca teve razão para se importar com grandes nomes como Steve Jobs, Oprah Winfrey, Einstein, Mewtwo ou Papai Noel, sua maior inspiração tendo sido sua própria mãe desde sempre.

O som de passos chamou sua atenção, mas Hiroko nem mesmo cogitou desviar os olhos da cadeira que tinha em mãos, a qual havia erguido com o intuito de colocar de cabeça para baixo sobre a mesa; a última, finalmente. No entanto, mesmo sem olhar em direção à escada, ainda assim sabia que era Yuuri quem estava descendo os degraus — seus ouvidos eram tão bem treinados que conseguiam distinguir os membros de sua família pelos mais insignificantes dos detalhes.

— Bom dia — Yuuri falou ao surgir no fim da escada. Ele parecia estar de bom humor.

Hiroko respondeu ao cumprimento e fez menção de caminhar rumo à cozinha, onde os pratos a aguardavam após terem escorrido o excesso d’água. Porém, percebendo suas intenções, Yuuri acelerou o passo e agarrou um pano a fim de secá-los ele mesmo. Hiroko sorriu e permitiu que seu corpo descansasse um pouco.

Enquanto observava o filho enxugar os pratos ainda levemente úmidos — os quais ele ainda podia sentir bastante molhados através do pano de louça, conforme se notava nas expressões em seu rosto —, Hiroko deixou que seus olhos viajassem de cima para baixo.

Cabelo preto tão escuro que parecia atrair toda a luz em sua direção, penteado para trás e mantido afastado de sua testa.

Olhos castanhos que se pareciam demais com os dela, da tonalidade até o formato, mas que se encontravam escondidos atrás de óculos tão grossos quanto os de Toshiya.

Já o sorriso fino em seus lábios e suas bochechas fofas e rosadas eram coisas que ele e Mari haviam herdado do lado dela da família. Sempre que sorriam, Hiroko se lembrava de seu pai e das noites em que ela, ainda muito pequena, sentava-se entre as pernas dele enquanto ele lia o jornal.

Seus olhos desceram ainda mais, alcançando o terno preto ao qual Hiroko vinha se acostumando gradualmente, a camisa branca que estava sempre boa como nova e, finalmente, a gravata azul que foi presenteada ao Yuuri por Toshiya em virtude de sua primeira entrevista de emprego.

Não fazia muito tempo desde que Yuuri se formou na faculdade, apenas por volta de três anos, mas às vezes parecia ter sido em um passado muito mais distante. A familiar gravata não aparentava estar um dia sequer mais velha, como se de alguma forma estivesse sendo preservada de forma a se manter no exato estado em que se encontrava quando Toshiya a entregou ao Yuuri. Nem mesmo o fato de ser usada constantemente parecia bastar para deixar marcas no tecido.

— Indo para seu trabalho de meio período? — Hiroko perguntou, enfim quebrando o silêncio que havia se instalado na cozinha.

— Sim. Tenho que ir ao escritório cuidar de algumas coisas, e tem uma coisa que preciso falar com Phichit. Mas não devo demorar.

Hiroko anuiu a cabeça em sinal de compreensão, afastou-se do canto onde estava descansando e caminhou até o filho, que havia acabado de soltar o pano de louça após terminar de secar os pratos. Yuuri estava ajeitando o terno sobre os ombros quando sua mãe o alcançou; ele imediatamente parou e voltou sua atenção exclusivamente a ela. Ele aguardou conforme as mãos de Hiroko vieram em sua direção, gentis e vagarosas, segurando seus óculos e tirando-os de seu rosto.

Yuuri piscou uma vez, depois duas. Sua boca estava entreaberta e ele parecia estar surpreso com sua própria falta de atenção. Hiroko riu da reação de seu filho e devolveu os óculos a ele.

— Nem percebi que estava com eles na cara — Yuuri admitiu, timidamente.

Yuuri disparou escada acima, dois degraus por vez. Ele ainda tinha que devolver os óculos à cabeceira e colocar as lentes de contato, mas o relógio já tiquetaqueava no fundo de sua mente, os minutos passando e não esperando por ele. Enquanto aguardava o filho voltar, Hiroko devolveu os pratos que Yuuri havia secado aos seus devidos lugares nas prateleiras.

Uma vez mais, uma melodia escapou de seus lábios na forma de um assobio suave.

Quando Yuuri retornou ao restaurante, os óculos não mais se encontravam em seu rosto. Seu cabelo também havia sido novamente penteado para trás, nem mesmo um único fio fora do lugar. Em sua mão encontrava-se uma pequena sacola. Seu filho realmente havia crescido para se tornar um belo rapaz.

Quando ele olhou para o relógio, Yuuri pareceu surpreso com a velocidade com que o tempo estava passando naquele dia.

— Tenho que ir — anunciou, suas palavras tão apressadas quanto ele próprio.

— Se cuide e volte logo — falou Hiroko, sorrindo enquanto observava seu filho mais novo sair pela porta.

 

—--

 

Yuuri estava tão acostumado a se locomover pelas ruas do centro da cidade que as redondezas eram basicamente como o quintal de sua casa.

Enquanto caminhava pelas ruas lotadas e desviava da multidão que vinha no contrafluxo, seus olhos analisavam os arredores como de costume, gesto feito mais por uma questão de hábito do que por necessidade em si. A essa altura, Yuuri não tinha problemas em afirmar que, mesmo vendado, ainda seria capaz de encontrar seu caminho onde quer que o destino fosse; tudo que ele precisava fazer era permitir que seus músculos guiassem seus pés de acordo com a memória gravada neles.

Após dobrar uma esquina onde um bando de adolescentes e jovens se amontoavam com a intenção de entrar em um Starbucks, Yuuri seguiu em frente com passos firmes. Havia mais dois quarteirões pela frente até que ele tivesse que fazer outra curva. Nada demorou até que as lojas pelas quais ele passava se transformassem em simples borrões coloridos, não tendo ele razão para lhes dar atenção conforme acelerava o passo.

Não era só o lugar que parecia familiar, mas algumas pessoas também. Como o taxista — Carlos, se sua memória não o enganava — que sempre o cumprimentava quando Yuuri passava pela padaria, aquela que tinha rosquinhas realmente deliciosas e que ficava logo ao lado do banco. Ou aqueles artistas de rua que desesperadamente tentavam criar um nome para si mesmos, tocando sem parar dia após dia, sob Sol e chuva, suas vozes indo tão longe quanto podiam até que, inevitavelmente, fossem afogadas pela barulheira tão característica de áreas densamente povoadas. Se Yuuri escolhesse um rosto aleatório na multidão, havia uma grande chance de que ele e aquela pessoa tivessem se cruzado em algum momento no passado, porque era assim que as coisas funcionavam no centro urbano.

Deixado sozinho com seus pensamentos, ele se viu pensando no outro dia, quando Victor de alguma forma conseguiu entrar dentro da SOAP. Yuuri ficou extremamente surpreso ao descobrir o motivo de seu nêmesis ter se dado a todo aquele trabalho.

Quando Victor surgiu diante dele, Yuuri se viu confuso demais para conseguir verbalizar qualquer uma das mil perguntas que permeavam sua mente; mas então, quando a realidade finalmente se sedimentou e ele se viu capaz de conectar os pontos e compreender a situação, tudo que Yuuri pôde fazer foi rir, rir e rir, até que seu estômago começasse a doer e implorar em rendição. Entretanto, Victor não viu a segunda e atrasada parte de sua reação, pois se retirou antes disso, saindo de cena com a cabeça erguida e um sorriso de triunfo nos lábios. Ele estar tão convencido de sua absoluta vitória apenas fez com que a vingança de Yuuri fosse ainda mais deliciosa, quase tão saborosa quanto uma tigela fumegante de katsudon.

Encontrar-se com ele ontem enquanto vestido com a exata gravata que Victor tinha tanta certeza de ter eliminado da face da Terra foi uma ideia genial e que o presenteou com uma visão deleitosa, as expressões que tomaram o rosto do vilão naquele momento sendo algo ao qual não se podia associar um preço. Perplexo, ele olhou para Yuuri — Katsudon, na verdade — com olhos que o acusavam de ser um grande mentiroso. Aparentemente, ele não havia esperado que seu nêmesis tivesse um estoque de gravatas em casa, sobras que ganhou de Phichit quase dois anos atrás quando seu amigo ainda estava fazendo alguns ajustes finais no projeto. As gravatas não estavam perfeitas, apresentando alguns pequenos defeitos, mas nada que impedisse Yuuri de usá-las em alguma eventualidade.

Quem diria que aquelas gravatas defeituosas um dia seriam seu trunfo, e também a única razão pela qual ele conseguiu ver aquelas expressões no rosto de Victor.

Após trabalharem juntos por dois anos, Yuuri viu o Treinador mostrar um monte de expressões diferentes. Porém, embora tenha visto seu rosto se retorcer pelas mais variadas razões, ontem foi a primeira vez que ele o viu tão perplexo. Era certamente divertido mexer com ele, apesar de que talvez — apenas talvez — ele possa ter passado um pouco dos limites; tem sido bem difícil manter suas mãos longe dele ultimamente...

Eles percorreram um longo caminho desde o dia que se conheceram, o qual foi tão bizarro que a memória ainda visitava Yuuri de vez em quando em seus sonhos só para importuná-lo e o deixar desconfortável. Hoje, os dois nêmesis tinham um relacionamento tão bom que estavam até mesmo namorando — embora Victor ainda não estivesse, de alguma forma, ciente desse fato; ou estava, o que faria dele um mentiroso muito convincente.

Agora que pensava a respeito, Yuuri se deu conta de que geralmente tentava não pensar muito no passado. Era mais do tipo de pessoa que focava no futuro. Entretanto, permitir-se lembrar de algumas coisas de vez em quando não era tão ruim assim... Além disso, ele ainda tinha um longo caminho pela frente até chegar na SOAP, e nada para mantê-lo ocupado até lá.

Seu nome era Yuuri Katsuki, e nunca era tarde demais para uma introdução apropriada.

 

—--

        

Há um medo, uma tensão angustiante, que todo jovem adulto é assombrado por quando atinge certa idade. Poderia inclusive ser considerado uma experiência universal.

O peso pressionando o estômago era desconfortável, tanto quanto o calafrio que surgia na base da nuca e arranhava a coluna dorsal enquanto fazia sua descida, e ninguém nunca disse o contrário. Em meio a um mercado de trabalho tão competitivo e uma economia aos frangalhos, alguém incapaz de se destacar seria inevitavelmente devorado pela concorrência e deixado para trás. Apenas alguns poucos tinham a sorte de ter um emprego esperando por eles quando atingiam a idade adulta, e Yuuri fazia parte dessa sortuda minoria.

Yu-topia era um tradicional restaurante no centro expandido da cidade, o qual combinava com seus entornos e estava mais que acostumado ao estilo de vida agitado de uma cidade movimentada. Ele ocupava um lugar na vida da população, e não havia como ser de outra forma. Desde a sua inauguração, cinquenta anos atrás, Yu-topia estava localizado no mesmo lugar, oferecendo boa comida e atendimento de qualidade aos seus clientes.

Próximo ao restaurante havia um grande parque que costumava atrair um público considerável, sendo o local onde a maioria dos clientes do restaurante gostava de passear aos finais de semana. Por outro lado, durante a semana as coisas eram mais calmas e pacíficas, já que apenas um punhado de pessoas — quase sempre as mesmas todos os dias — vinham para comer. Yuuri conseguia até mesmo cumprimentar cada uma pelo nome.

O restaurante era a concretização do sonho de seu avô, um sonho pelo qual ele trabalhou muito duro, não parando até que finalmente pudesse ver diante de seus olhos aquilo que havia envisionado sua vida toda.

Seu avô teve que abrir mão de um monte de coisas para conseguir chegar onde queria, mas ele nunca pareceu se arrepender de nada, ou ao menos era isso que sua mãe sempre lhe dizia. Yuuri o admirava tanto quanto admirava sua mãe, e era uma pena que tenham tido que se separar tão cedo. Yuuri tinha certeza de que havia muito que seu avô poderia ter lhe ensinado, mas, infelizmente, ele perdeu uma longa luta contra o câncer e os deixou em um dia nublado de inverno quando Yuuri tinha não mais que cinco anos de idade.

Para os Katsuki, seu avô deixou boas lembranças, uma vida confortável e seu sonho, Yu-topia.

Yuuri era verdadeiramente grato por todo o trabalho árduo de seu avô — como poderia não ser? —, no entanto, nunca conseguiu se ver satisfeito com apenas isso, com viver uma vida que foi construída pelo esforço alheio e que lhe foi entregue dentro de uma caixa dourada. Ele sentia que seria muito complacente de sua parte se permitir simplesmente ir com o fluxo, e se preocupava em ter tempo demasiado em mãos quando terminasse a faculdade.

Como não havia nada o impedindo de procurar um emprego de meio período, Yuuri decidiu tentar, afinal quem sabe assim não conseguia encontrar a auto-satisfação que tanto almejava. Além de que, dessa forma também seria capaz de ganhar um pouco de dinheiro, podendo ajudar sua família com as contas de casa. A única condição era que o trabalho fosse restrito à semana, visto que ele não tinha intenção de quebrar o compromisso que tinha com sua família e com o restaurante.

Aos finais de semana, seu corpo e alma eram propriedade de Yu-topia e de Yu-topia apenas.

Decidido, Yuuri sentou-se com seus pais um dia. Do lado de fora, o Sol começava a se pôr no horizonte, o céu tingido de uma quantidade enorme de tonalidades de vermelho, laranja e roxo, tantas que não se podia contar. Do lado de dentro, o restaurante já estava vazio e silencioso, e na mesa diante deles repousava um grosso papel emitido naquele mesmo dia pela faculdade do Yuuri, onde, em uma caligrafia caprichada, eles asseguraram a quem quer que pudesse interessar que Yuuri Katsuki agora tinha uma graduação em Administração de Empresas.

— Quero trabalhar — Yuuri disse, e não era um pedido. Seus olhos se encontravam firmes e cheios de determinação, e ele fez questão de olhar seus pais nos olhos enquanto falava, certificando-se de soar seguro de sua decisão mesmo que em seu colo, escondido pelo tampo da mesa, suas mãos tremessem sem parar, suas unhas se afundando na palma de suas mãos.

Yuuri os observava com apreensão, o silêncio longo demais para o seu gosto, e ele tinha certeza de que suas unhas haviam rasgado a pele de suas mãos. Doía. Marcas vermelhas certamente estariam ao seu aguardo mais tarde.

Uma parte do subconsciente de Yuuri estava ciente de que seus pais não tinham motivos para se opor ao seu desejo de trabalhar meio período; era um sinal de sua crescente independência e proatividade, e ninguém em sã consciência seria contra isso.

Mais do que um desejo por aprovação, o que levou Yuuri a ter essa conversa com seus pais foi ele sentir que devia a eles um aviso prévio. No entanto, mesmo ciente de que não havia razão para preocupação, Yuuri ainda assim se viu bastante inquieto enquanto esperava pela resposta deles. Sua ansiedade sussurrava seus medos e incertezas em seus ouvidos, como uma maldição pronta para persegui-lo até os confins do mundo.

Hiroko e Toshiya se entreolharam, um pequeno sorriso surgindo em seus rostos enquanto conversavam silenciosamente entre si.

— Okay — Hiroko disse, enfim, e suas palavras arrancaram de Yuuri um suspiro de alívio. Ele só percebeu o quão tenso estava quando seu corpo finalmente relaxou na cadeira.

— Estamos felizes pela sua iniciativa, filho — acrescentou Toshiya.

— Só tem uma coisa — Hiroko disse e ergueu um dedo.

Quando Yuuri percebeu que o sorriso havia desaparecido de seu rosto, seu corpo se endireitou novamente. Ele queria perguntar “o quê?”, mas as palavras haviam se entalado em sua garganta. Não podia fazer nada além de esperar que ela continuasse.

— Você tem que ficar com o dinheiro que ganhar.

— Mas...

— Sem "mas", Yuuri! Quero que você trabalhe em prol das suas próprias necessidades, não das nossas! Além de que, não estamos precisando de caridade. O que ganhamos com o restaurante é mais do que suficiente.

Yuuri olhou em direção ao seu pai em busca de apoio, procurando alguém que fosse capaz de compreender o motivo por trás de sua sugestão. Quem sabe, talvez Toshiya ficasse do lado dele. Infelizmente, Toshiya apenas deu de ombros e sorriu.

"Apenas escute sua mãe", seus olhos diziam.

Percebendo que essa era uma batalha da qual ele nunca poderia sair vitorioso, Yuuri simplesmente anuiu a cabeça e aceitou a condição dada por sua mãe. De certa forma, ganhar dinheiro para cobrir seus gastos pessoais já estava, de certa forma, aliviando o fardo que ele representava para sua família, então talvez pudesse considerar essa uma pequena vitória.

Finalizada a conversa, eles se retiraram do restaurante e seguiram cada qual seu caminho quando alcançaram o topo da escada. Empolgado com o vasto mundo à sua frente, Yuuri iniciou sua busca por seu primeiro emprego naquela mesma noite, um emprego que ele conseguiria por esforço e merecimento próprios.

Ele fez tantos testes onlines que perdeu a conta, e a quantidade de currículos que entregou era tamanha que a impressora de casa já estava começando a ficar sem tinta. Enquanto observava a impressora cuspir os papéis, um após o outro, Yuuri percebeu que já tinha uma boa ideia para que seu primeiro pagamento seria usado e, infelizmente, não era para comprar o computador que ele estava de olho já há bastante tempo.

Com o passar dos meses, Yuuri percebeu que havia caído em uma tediosa rotina. Todos os dias, ele se conectava ao Linkedin e passava pelo menos duas horas navegando pelo site, olhando o conteúdo de seu feed e fazendo buscas na seção de "jobs" do site. Mas essa não era nem de longe a pior parte. O que mais o incomodava era clicar no link de alguma oferta de emprego que havia chegado por e-mail, apenas para descobrir que já havia se candidatado para aquela vaga.

— Quando? — ele se perguntava toda vez. Mas era de se esperar que seria incapaz de acompanhar suas candidaturas mais cedo ou mais tarde, considerando o número exorbitante de vagas para as quais havia se candidatado.

Recebeu muitos "nãos", os quais sempre vinham acompanhados de palavras gentis de um computador que certamente havia copiado e colado a mesma mensagem para todas as pobres almas que, como ele, não haviam sido aceitas para o cargo. No entanto, os "nãos" ainda eram melhores do que o limbo no qual ele caía na grande maioria das vezes; algumas empresas simplesmente não se davam ao trabalho de passar um feedback, o que no fim conseguia ser pior do que receber uma resposta automática.

Conforme os meses passavam e a estação mudava uma segunda vez desde que ele havia começado sua busca por um emprego, a triste e dura realidade começou a pesar cada vez mais em suas costas. Apesar de Yuuri passar todo o seu tempo livre fazendo cursos online e tornando seu currículo mais atraente e interessante, nada parecia ser o suficiente. Seu diploma em Administração de Empresas também parecia ser nada além de uma decoração chique pendurada na parede.

Seis meses de buscas incansáveis ​​e nenhum retorno positivo à vista. Ele se sentia desapontado, além de cheio de dúvidas.

E então sua chance finalmente apareceu.

Quando Yuuri finalmente recebeu um convite para participar de uma entrevista, era para um cargo em uma empresa de consultoria da qual ele não se recordava nem um pouco. Havia enviado seu currículo para eles? Aparentemente sim.

A primeira coisa que ele sentiu quando seus olhos se depararam com aquela mensagem foi uma felicidade indescritível, um sentimento de realização e de triunfo que o fez pensar, naquele momento, que correr uma maratona não seria tão ruim, um calor tão confortável que desejou que nunca partisse. Era incapaz de tirar o sorriso do rosto. Mas então sua ansiedade começou a sussurrar em seus ouvidos, como sempre fazia, praguejando e trazendo à tona todos os seus medos e angústias. Yuuri franziu a testa e mordeu os lábios.

Quando se sentou com sua família à noite para jantar, contou-lhes sobre a entrevista, mas suas dúvidas e inseguranças estavam tão claras em seu rosto que não havia como passarem despercebidas — não quando dois pares de olhos estavam tão bem atentos a ele.

Mari, sua irmã mais velha, consolou Yuuri e lhe ofereceu seu apoio, da forma que sempre fazia quando ele estava se sentindo para baixo, e como ela vinha fazendo todos esses meses quando ele se via deprimido pelas suas buscas infrutíferas por um emprego. Enquanto isso, sua mãe fez questão de lembrá-lo de todas as qualidades que possuía, mesmo as mais insignificantes, e não parou nem mesmo quando seu filho começou a se mostrar terrivelmente constrangido por ter de ouvir todos aqueles elogios direcionados à sua pessoa. Ele era verdadeiramente fraco contra esse tipo de coisa.

Yuuri engoliu seus medos e se forçou a sorrir, desejando ser capaz de pelo menos fingir que os incentivos de ambas haviam ajudado a aliviar o peso que o arrastava para baixo. Não havia ajudado, obviamente. Não era tão simples assim, nunca poderia ser. No entanto, rezava para que sua atuação tivesse sido boa o bastante para conseguir convencê-las de que não estava mais se sentindo apavorado ou inseguro. Se conseguisse realmente enganá-las, talvez também pudesse enganar a si próprio, mesmo que apenas um pouquinho. Torcia para que sim.

À medida que a entrevista se aproximava, a primeira coisa que precisou ser feita foi arranjar um terno que caísse bem em Yuuri e que o deixasse tinindo. Um bem ajeitado e elegante, mas também não muito caro.

Era uma quarta-feira tediosa e banal quando Yuuri saiu de casa na companhia de seu pai, o destino deles sendo nada mais que as ruas movimentadas do centro da cidade. O objetivo: comprar um terno.

Eles caminharam por horas a fio, às vezes visitando a mesma loja duas ou três vezes, ao ponto dos lojistas começarem a se mostrar impacientes quando pai e filho apareciam de novo diante da porta. No entanto, nem mesmo a pressão de seus olhares foi capaz de fazer Yuuri e Toshiya se apressarem; eles pretendiam consultar todas as opções disponíveis antes de tomar uma decisão. Não estavam dispostos a fazer essa escolha de qualquer jeito. Afinal de contas, era uma ocasião especial.

Somente quando se viram com uma sacola em mãos é que eles voltaram para casa.

Conforme caminhavam, os postes de luz se acendiam ao redor deles, quase como se estivessem seguindo seus passos. No céu, as estrelas haviam acabado de começar a se revelar, tímidas e ainda escondidas em meio ao brilho daqueles poucos minutos de sol restantes. No solo, um olhar mais atento talvez fosse capaz de ver os rastros deixados pela dupla de pai e filho. Eles haviam caminhado tanto por aquelas ruas que não seria surpreendente descobrir que a sola de seus sapatos havia deixado marcas no piso, desenhando no concreto o caminho pelo qual haviam trilhado ao longo da busca incansável na qual se aventuraram.

Em casa, como já era de se esperar, Yuuri foi obrigado a vestir o terno recém-comprado. O fato dele ter passado o dia todo provando terno após terno era indiferente, assim como pouco importava se ele estava muito cansado e desesperadamente necessitando descansar. Hiroko precisava ver seu querido filho vestido no maledito terno, e precisava ver agora. Yuuri atendeu aos seus desejos, claro. Como poderia recusar quando ela olhava para ele com olhos tão grandes e brilhantes?

Depois de vestir o terno, que era dois ou três tons mais escuro que um azul marinho, Yuuri surgiu diante de sua mãe. Ele estava se sentindo constrangido, mas Hiroko parecia tão animada e orgulhosa dele que Yuuri se viu dando o seu melhor para agradá-la um pouco mais — ele rodopiou e posou para as fotos, as quais esperava nunca mais ver na vida.

Enquanto mãe e filho tinham seu pequeno momento, Mari, que até então havia se limitado a somente observar a cena de um canto da pequena sala de estar, decidiu se intrometer.

— Sem querer ser estraga prazeres, mas... E a gravata?

Yuuri congelou de imediato e Hiroko franziu a testa enquanto o olhava de cima a baixo.

— Verdade, onde está? — perguntou Hiroko, inclinando de leve a cabeça. — Vá colocá-la! Precisamos de fotos do traje completo pra colocar nos álbuns de família!

A boca de Yuuri se moveu, mas nenhum som foi ouvido. Não por um tempo, pelo menos.

— Nós... não compramos uma — ele disse, por fim, sua voz baixa e ligeiramente quebrada.

Seus olhos olhavam para todos os lugares, mas, ao mesmo tempo, para nenhum lugar em específico. Seus lábios se encontravam secos e ele logo se viu mordendo a carne.

Porém, antes que Yuuri pudesse arrancar a pele de seus lábios — os quais não mereciam ser feridos daquele jeito, já que não eram culpados de nada daquilo — Toshiya adentrou a sala com passos silenciosos. Havia um sorriso satisfeito em seus lábios e uma gravata azul em sua mão. Parando bem na frente de seu filho, Toshiya colocou a gravata em volta do pescoço de Yuuri e amarrou o nó com a naturalidade de alguém que fazia aquilo todos os dias.

— Espero que te dê tanta sorte quanto me deu — falou Toshiya, sua voz suave e gentil.

— Sorte? — A pergunta escapou da boca de Yuuri sem que ele sequer percebesse.

Yuuri olhou da gravata para seu pai, e vice-versa. Ele não sabia em quem deveria concentrar sua atenção; sabia apenas que não era capaz de desviar o olhar de nenhum deles.

Toshiya sorriu largamente. Atrás, Mari parecia estar tão confusa quanto Yuuri, uma de suas sobrancelhas devidamente erguida. Hiroko, no entanto, tinha as mãos diante dos lábios e lágrimas nos cantos dos olhos.

— É a gravata que eu estava usando quando conheci sua mãe — seu pai explicou, enfim, e de todas as possibilidades que haviam passado pela mente de Yuuri, essa certamente não era uma delas.

Com a boca entreaberta e os dedos agarrados firmemente ao pano, Yuuri se viu sem palavras. Ele olhou em direção à sua mãe por um breve segundo, apenas para vê-la enxugar uma lágrima que começava a escorrer pelo rosto.

— Na época, eu não era nada além de um assalariado cansado e sonolento, farto da vida e também com muita fome. Enquanto procurava um lugar para jantar, encontrei Yu-topia e, consequentemente, sua mãe. — Até mesmo Toshiya estava começando a se mostrar um pouco emotivo. — Até hoje, acredito que foi esta gravata que me guiou à Hiroko e à vida que tenho hoje.

Yuuri não sabia o que dizer. Mari também caíra em silêncio e, pela expressão em seu rosto, essa também era a primeira vez que ouvia essa história.

Yuuri segurou a gravata com um pouco mais de força.

Era tão especial... Será que podia mesmo usá-la? Não era melhor devolver? 

Toshiya pareceu perceber os pensamentos que percorriam a mente atormentada de seu filho, pois impediu Yuuri antes que ele pudesse sequer pensar em desamarrar o nó da gravata.

Segurando suas mãos e forçando Yuuri a olhá-lo nos olhos, Toshiya disse:

— Espero que esta gravata também te guie em direção ao seu destino.

 

—--

 

Yuuri se esquivava dos que vinham em sua direção sem problemas, o tempo todo xingando a súbita onda de calor que havia sido trazida por rajadas de vento inesperadas. Em sua mão, a pequena sacola saltitava conforme ele se movia em passos rápidos. O Sol se mostrava impiedoso, quente demais em seu terno preto, e ele podia sentir suor se acumulando em sua testa embora seu cabelo estivesse penteado para trás, afastado de seu rosto.

O agente dobrou mais uma esquina e atravessou a rua, optando pela calçada que se encontrava tomada pelas sombras. Nunca foi tão grato por todos os edifícios altos ao seu redor. Olhando em direção aos pés, seus olhos imediatamente caíram sobre as feridas que corriam pelo concreto, rachaduras que a prefeitura tentou apagar, mas não conseguiu. Marcas deixadas por aquele incidente de dois anos e meio atrás.

Yuuri sorriu e se perdeu em pensamentos.

Ele estava tão distraído que perdeu a entrada, percebendo tardiamente que havia andado tempo demais em linha reta. Ele estava dando meia-volta quando seu corpo paralisou, seus pés se recusando a dar outro passo. Yuuri se virou para onde seus olhos eram chamados, e um prédio o encarou de volta. Era alto e imponente, mas não tanto quanto São Petersburgo, e com janelas que cobriam toda a sua fachada, de cima a baixo. Era uma empresa de consultoria. A empresa de consultoria.

Yuuri engoliu em seco ao pensar em quão diferente tudo poderia ser agora.

A lembrança ainda se encontrava fresca em sua memória. Era uma quarta-feira ensolarada, ainda bem cedo pela manhã. Ele estava a caminho de sua tão antecipada entrevista quando seus passos foram interrompidos pelo caos que se ergueu subitamente ao redor dele.

 

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Quarta-feira. Uma manhã cedo alguns anos atrás, na Torre de São Petersburgo.

Um vilão caminhava por seu laboratório com passos arrastados, um suspiro escapando de seus lábios vez ou outra, a cauda de seu longo casaco roxo arrastando-se atrás dele como uma sombra vibrante. Embora tivesse somente vinte e seis anos nas costas, o homem quase parecia mais velho por causa das expressões sóbrias que carregava em seu rosto desesperançoso. Nem mesmo o traje que seu bom amigo e alfaiate havia preparado para ele fora capaz de animá-lo desta vez.

O homem suspirou uma vez mais e se virou, traçando seus passos e caminhando em direção ao lado oposto do salão.

Hoje, um novo agente seria enviado pela agência que era responsável por ele.

No passado, o vilão costumava se permitir ficar animado quando surgia a oportunidade de haver alguma mudança no tédio que ele chamava de vida, e até mesmo se permitia criar esperança de que dias melhores estavam a caminho. Agora, entretanto, ele não era mais capaz de acreditar em tamanho otimismo, por mais que desejasse. Mesmo assim, embora não tivesse nenhuma expectativa de que as coisas seriam melhores desta vez, ainda se esforçou e deu o seu melhor — se não por si mesmo, pelo menos em prol daqueles que nunca pararam de torcer por ele, como seu melhor amigo e seu pai adotivo.

Cansado de andar sem rumo dentro do laboratório e ciente do fato de que já havia procrastinado mais do que deveria, o vilão se direcionou rumo à enorme máquina que se mantinha silenciosa no meio do cômodo, o qual era amplo e estava majoritariamente vazio. A máquina tinha por volta de três metros de altura e a parte superior lembrava um gigante sino metálico.

— Talvez desta vez seja diferente — disse a si mesmo, tentando ser minimamente otimista pelo menos naquele momento. Ele apertou os botões no display e esperou.

O vilão não pedia por muito, ou pelo menos não achava ser o caso. Tudo o que ele desejava era alguém que pudesse chamar de nêmesis.

 

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Yuuri estava a caminho da entrevista quando algo inusitado aconteceu: ele tropeçou e, não fosse sua agilidade, certamente teria caído de cabeça no chão. Felizmente, todos os anos que passou no estúdio de dança de Minako lhe deram um bom senso de equilíbrio.

Olhando em direção aos pés, ele procurou pelo culpado, mas não encontrou nada que pudesse ter sido responsável por sua quase-queda. Yuuri não costumava tropeçar nos próprios pés, então achou a situação estranha, entretanto, ele não tinha tempo para se preocupar com isso naquele instante. Yuuri retomou seus passos e seguiu rumo à Empresa de Consultoria onde era aguardado para uma entrevista.

No entanto, ao que um pequeno tremor percorreu a sola de seus pés, ele parou.

De início, Yuuri supôs ter sido apenas sua imaginação, ou que talvez o tremor tivesse vindo dele mesmo — não seria tão inusitado, considerando que suas pernas estavam tão moles quanto o macarrão que ele comeu na noite anterior, afetadas por seus pobres nervos que estavam prontos para entrar em colapso a qualquer momento em meio a uma crise de ansiedade. Mas então ele percebeu que não era o único que estava tendo dificuldades em se manter ereto.

O chão tremeu, bem de leve, mas ainda assim forte o bastante para fazer com que as pessoas perdessem o equilíbrio, suas expressões sendo tomadas por algo entre preocupação e confusão.

Ao que o chão tremeu uma segunda vez, algumas pessoas caíram de joelhos.

Yuuri olhou ao redor e notou que os demais também estavam olhando entre si. Todos estavam em silêncio, a tensão tendo roubado completamente suas palavras, mas seus olhos carregavam a mesma pergunta: "Terremoto?"

Como não havia registros de um ter um dia ocorrido naquela cidade, as pessoas não sabiam dizer se era o caso ou não, já que a maioria nunca teve o desprazer de vivenciar a experiência. Também não sabiam como reagir.

Quando um terceiro tremor veio, mais pessoas desabaram. Alguns se apoiaram nos prédios ao alcance, esperando que isso bastasse para impedi-los de cair, mas Yuuri tinha certeza de que essa não era a coisa mais inteligente a se fazer naquela situação.

Um quarto tremor veio, e desta vez o próprio Yuuri quase caiu de bunda no chão.

Uma criança começou a chorar e as pessoas começaram a ficar cada vez mais inquietas, sua agitação tão clara quanto água cristalina. O murmúrio de vozes se espraiou por todos os lados, o silêncio quebrado em meio ao crescente desespero que contaminava gradualmente a multidão.

— O que está acontecendo?

— Mãe, estou com medo!

— Está ficando mais forte ou é impressão minha? — alguém perguntou em meio à multidão agitada.

O caos começou a florir e semear destruição, e os arredores, que antes se encontravam tão silenciosos, agora se viam barulhentos e tomados por crescente agitação. As pessoas gritavam e corriam, em direção aonde Yuuri não conseguia nem imaginar, não tendo ideia de onde elas esperavam encontrar abrigo em uma cidade tão despreparada para um evento daqueles quanto a deles.

Ao que outro terremoto se sucedeu, evidentemente mais forte que todos os anteriores, as pessoas decidiram que era melhor sair daquele lugar o mais rápido possível. Estar cercado por todos aqueles edifícios altíssimos não parecia uma ideia muito inteligente; não estavam erradas, mas se jogar na frente do tráfego era ainda menos seguro.

Os motoristas, que logo perceberam que algo estava errado, começaram a desacelerar e estacionar conforme a massa de pessoas invadiu a pista. Eles se perguntavam o que estaria acontecendo e alguns até tentaram obter respostas com as pessoas que passavam perto dos seus veículos, mas ninguém parecia ter tempo para parar e dar qualquer tipo de explicação naquele momento.

Mais um tremor, e desta vez até mesmo os motoristas foram capazes de sentir a vibração do solo de dentro de seus carros. E assim, finalmente, eles compreenderam a gravidade da situação.

Embora desejassem dirigir para o mais longe possível, o trânsito havia paralisado por completo e, com uma multidão ocupando totalmente as ruas, não havia como escaparem enquanto não abrissem mão da segurança de seus veículos. Não tinham escolha a não ser se juntar às pessoas que corriam enlouquecidas do lado de fora, indo tão longe e rápido quanto seus pés eram capazes de levá-las.

Yuuri observava o desenrolar da cena com olhos bem abertos, escaneando seus arredores enquanto ainda parado no mesmo lugar onde sentiu aquele primeiro tremor. Ainda não havia dado sequer um passo para frente ou para trás; ele simplesmente não sabia o que era suposto de fazer, e todo o desespero crescendo ao seu redor o estava deixando preocupado. Como ele não havia tido um ataque de ansiedade até agora era um verdadeiro mistério. Sua cabeça estava bastante leve, na verdade. Talvez o problema fosse que ele ainda não tinha conseguido ligar o que estava acontecendo com a realidade.

Quando outro tremor se sucedeu, Yuuri observou uma rachadura se abrir sob seus pés, os quais ele afastou ao ver o concreto ser ferido bem diante de seus olhos.

Pessoas gritavam desesperadamente. O som de passos era ensurdecedor, e o coração do Yuuri batia tão rápido que ele provavelmente teria sido capaz de ouví-lo alto e claro se o ambiente em volta estivesse consideravelmente mais quieto.

Algumas pessoas tentavam ajudar os que estavam próximos e em necessidade, um homem — cabelos castanhos compridos presos em um rabo de cavalo — chegou até a carregar uma senhora nas costas. Yuuri considerou também tentar ajudar os demais, mas não tinha certeza do quão útil poderia ser. Se sua mãe estivesse aqui com ele agora, provavelmente já teria ido ajudar quem quer que precisasse, sem sequer pensar duas vezes.

Uma mulher gritou e Yuuri imediatamente acordou e levantou seu olhar do chão.

Uma jovem mãe tentava se reunir com seu filho, o qual havia se separado dela em meio a confusão e agora choramingava enquanto agachado no piso rachado. No entanto, não importava o quanto a mulher empurrasse, a multidão continuava a arrastando para mais e mais longe daquele que ela tão desesperadamente desejava alcançar.

A boca de Yuuri se abriu e assim permaneceu.

O tremor que veio a seguir para aterrorizar as pessoas foi tão forte que até mesmo Yuuri se viu segurando em um poste de luz próximo. A situação ia de mal a pior e, quando parecia que não podia mais piorar, o outdoor de uma padaria despencou sobre um casal despercebido que passava diante da loja, prendendo-os sob a pesada placa de metal. Algumas poucas pessoas pararam para tentar ajudá-los; o casal berrava sem parar, o som estridente de suas vozes perfurando dolorosamente o coração dos espectadores que assistiam a cena.

Doía ver as pessoas tão desesperadas.

Ao que outro grito alcançou seus ouvidos, Yuuri virou a cabeça bem a tempo de se ver encarando novamente a criança de antes, a qual havia se levantado e estava agora vagando enquanto era empurrada de um lado ao outro pelos adultos ao redor. Ninguém lhe dava sequer um pingo de atenção, e o olhar perdido presente em seus olhos fez o coração de Yuuri se apertar e doer. Tão pequeno e com tanto medo... Tão sozinho em uma situação tão terrível como esta...

Seu corpo se moveu antes que ele percebesse.

Suas pernas eram velozes, então ele não teve problema algum em cortar por entre a multidão, empurrando as pessoas apenas como último recurso e usando somente quanta força quanto se fazia necessária, sempre se certificando de não machucar ninguém no processo.

Graças ao balé que praticou por tantos anos, ele era bastante ágil e suas pernas eram especialmente fortes. Não deveria demorar mais do que alguns segundos para ele alcançar a criança. No entanto, ao que a massa de pessoas se tornou mais densa, ele se viu acidentalmente esbarrando em alguém, quase o derrubando.

Desviando o olhar do garoto pela primeira vez desde que seus olhos o encontraram de novo, Yuuri procurou pela pobre alma com a qual ele havia colidido com tanta força enquanto ele próprio era empurrado para lá e para cá.

— Desculpa! Tudo bem com você? — perguntou, exasperado.

A pessoa à sua frente, ele percebeu, era o homem de antes. A última vez que o viu, ele estava carregando uma velha senhora nas costas, a qual ele parecia já ter repassado a alguma outra pessoa nesse meio tempo. Ele ficou para ajudar um pouco mais, aparentemente.

O homem sorriu e acenou educadamente enquanto se endireitava. Então, sem mais delongas, ele voltou ao trabalho; pelo jeito mais pessoas haviam se machucado e precisavam de ajuda, e o homem tinha por objetivo ajudar tantas quantas conseguisse.

Yuuri o observou partir, mas não por muito tempo. Ele tinha uma criança para alcançar.

Quando Yuuri finalmente alcançou o menino, encontrou-o escondido embaixo de um banco. Yuuri estendeu a mão e, agachado, esperou até que a criança confiasse nele o suficiente para abandonar seu esconderijo, o que não demorou mais do que dois segundos. Ele estava com mais medo da loucura acontecendo ao redor do que de estranhos, pelo menos naquele momento, e isso era compreensível.

Com o jovem garoto seguro em seus braços, Yuuri iniciou a busca pela mãe, decidido em reuni-los o mais rápido possível. Ele se esgueirou pela densa massa de corpos, mas não estava sendo fácil cortar por entre a multidão enquanto carregava uma criança no colo. Além disso, toda vez que o chão tremia, era especialmente difícil se manter em pé. Acabaria machucando a ambos se continuasse assim.

Dando meia-volta, Yuuri decidiu que era melhor ir para uma área menos aglomerada, onde também poderiam ser mais facilmente avistados pela mãe que, certamente, ainda estava procurando por seu precioso filho. Embora Yuuri não conhecesse tão bem os caminhos no centro da cidade quanto gostaria, tendo estado ali somente algumas poucas vezes, ele se lembrava claramente de ter passado por uma pequena área de descanso no dia em que percorreu o local de cima a baixo na companhia de seu pai, em busca do exato terno que estava vestindo hoje. Era uma pequena praça com alguns bancos e uma fonte, e não estava longe se sua memória não o estava enganando.

— Bem, é melhor do que ficar no meio dessa multidão — Yuuri concluiu.

Quando estava a caminho da pequena praça, se viu cruzando caminhos novamente com o homem de mais cedo. Desta vez, ele estava acompanhado de dois homens, provavelmente funcionários de algum escritório da região — Yuuri fez essa suposição pura e simplesmente em virtude das roupas que ambos estavam vestindo: um terno preto, uma gravata e uma camisa branca abotoada até o pescoço.

O homem olhou em sua direção e ergueu uma das sobrancelhas ao notar o menino que se encontrava acolhido ternamente na segurança de seus braços. O garoto olhou o outro homem de soslaio e, logo em seguida, escondeu o rosto na curva do pescoço de Yuuri. Agora que havia se acalmado, o garoto estava agindo de forma muito mais tímida do que anteriormente, quando pulou nos braços de Yuuri sem nem pensar duas vezes.

Visto que os homens não paravam de o encarar, Yuuri julgou apropriado explicar para onde estava levando a criança, caso eles estivessem tendo alguma ideia errada ao seu respeito.

— Se vocês virem uma jovem procurando pelo filho, digam para ela ir até a praça. Aquela ali adiante. — Yuuri apontou, indicando o caminho, mas não interrompeu o contato visual por sequer um instante.

O homem, alto e longos cabelos castanhos, sorriu e jogou seu peso de uma perna para a outra. Yuuri não sabia porque, mas estava se sentindo um tanto quanto intimidado pela presença do homem; ele tinha uma aura estranha ao seu redor, e suas expressões eram bastante difíceis de se ler.

— Vai ficar esperando com ele?

Yuuri anuiu a cabeça, prontamente.

— Claro! Até ela chegar, não vou sair do lado dele.

Os pequenos braços que cercavam seu pescoço pressionaram com mais força, causando em Yuuri um sorriso. Ele acariciou a cabeça da criança e olhou em sua direção por alguns momento, só desviando sua atenção quando sentiu outro tremor correr sob seus pés, várias novas rachaduras se abrindo no concreto, no asfalto e nos prédios ao redor.

— Então vou deixar a criança aos seus cuidados — o homem misterioso falou para Yuuri.

O homem chamou seus companheiros e eles partiram, sem dúvidas em busca de pessoas precisando de ajuda. Yuuri não tinha ideia de quem eles eram, mas era gratificante saber que haviam pessoas que eram capazes de pensar nos outros nesse tipo de situação.

Sempre que questionadas, as pessoas afirmavam com confiança que nunca abandonariam os demais no meio de uma crise, mas essas palavras não tinham real significado para uns bons noventa por cento delas. Era uma daquelas coisas que era mais fácil falar do que fazer, pois quando frente a frente com o perigo, quando você menos percebe, já está correndo e empurrando os outros para fora do caminho. Não é fácil colocar o bem-estar de alguém à frente do seu próprio, e ninguém deveria ter vergonha de admitir isso. Lutar contra o instinto de sobrevivência que vive dentro de nós não é fácil, e era menos fácil ainda sair dessa luta vitorioso.

Quando chegaram à praça, Yuuri finalmente devolveu o garoto ao chão. Ele se sentou em um dos bancos e o menino imediatamente o copiou, sentando-se bem ao seu lado, suas pernas balançando no ar por não alcançar o chão. Não havia ninguém ali além deles.

Yuuri olhou ao redor, em direção às rachaduras que corriam pelo chão, as quais certamente deixariam cicatrizes no concreto, e para o relógio pendurado em um poste, que o informou que o horário de sua entrevista estava se aproximando. Ainda dava tempo de chegar à Firma se corresse.

Ele sentiu um calor em sua mão e imediatamente desviou sua atenção, movendo-a das fendas no chão para o menino sentado ao seu lado. Havia uma pequena mão segurando firmemente a sua. O garoto, porém, ainda mantinha seu olhar adiante, como se esperando que algo surgisse de repente no horizonte — a silhueta de sua mãe, com certeza.

— Tudo bem com você? — Yuuri perguntou, sorrindo e se esforçando para soar o mais gentil que conseguia.

O menino anuiu. Ele aparentemente não era uma criança de muitas palavras.

Yuuri, que também não era uma pessoa muito vocal, sentiu-se incomodado com o silêncio desconfortável que os havia cercado. Silêncio não era bom, porque isso significava que eles conseguiam ouvir as pessoas gritando ao longe, o que não era bom os nervos de nenhum dos dois.

Enquanto desenhava círculos nas costas da mão do menino, Yuuri se perguntou sobre o que poderiam conversar. Desenhos? Super-heróis? Política? Do que as crianças gostavam hoje em dia? Não tinha ideia.

— Não está tremendo — falou uma voz baixinha.

Yuuri não conseguiu esconder sua surpresa. Não esperava que o menino tomasse iniciativa e iniciasse uma conversa. Piscou algumas vezes e só então conseguiu digerir o que o menino havia dito.

Não está tremendo.

Verdade ... Já fazia um tempo desde o último tremor. Teriam finalmente parado?

Como o solo havia tremido sem parar por uns bons trinta minutos, mais ou menos, era de se esperar que eles teriam de parar mais cedo ou mais tarde. Yuuri se viu pensando sobre o que os teria causado. Mesmo não sendo nenhum especialista, sentia que havia algo de estranho a respeito daqueles terremotos, e isso o estava incomodando. Não conseguia vê-los como uma ocorrência natural.

— Qual o seu nome? — o garoto perguntou e Yuuri foi mais uma vez pego de surpresa por sua iniciativa.

— Oh, eu me chamo Yuuri. E você?

— Miguel. Minha mãe é Cintia.

— Prazer em conhecê-lo. E espero que você e Cíntia se reúnam novamente em breve. 

Yuuri sorriu e acariciou a cabeça do garoto uma vez mais. O cabelo de Miguel era macio, sedoso e agradável ao toque, e também comprido o suficiente para que Yuuri pudesse correr os dedos por entre os fios.

— Estou te incomodando? — Miguel perguntou, timidamente, parecendo um tanto nervoso.

Yuuri parou de imediato, sua mão recuando de volta para seu colo, onde se cerrou em um punho. Miguel ergueu o rosto, seus olhos arregalados e evidentemente ansiosos. Yuuri engoliu em seco.

Não esperava por isso. Teria ele feito aquele pequeno garoto pensar que estava sendo um incômodo? Foi o seu silêncio? Foi algo que ele disse? Yuuri não conseguia parar de se culpar por fazer o menino se sentir desconfortável, especialmente quando Miguel já tinha tanto para se preocupar.

O que ele estava fazendo? Ele que era suposto de ser o mais maduro entre os dois. Ele que era o adulto, afinal.

— Não! Estou feliz de estar aqui com você! — Yuuri fez questão de pontuar. Sua voz acabou carregando mais emoção do que o intencionado, mas isso não importava, não quando Miguel finalmente abriu um sorriso.

— Obrigado por esperar comigo.

Yuuri, também sorrindo, puxou o menino em sua direção.

— Vai ficar tudo bem — disse, sua voz só um pouco mais alta do que um sussurro.

Yuuri não tinha ideia de quão profundamente suas palavras haviam conseguido alcançar dentro de Miguel, mas foi aparentemente o suficiente para que ele fosse capaz de relaxar. Apoiando seu pequeno corpo no maior de Yuuri, o peito de Miguel subia e descia conforme ele respirava pela boca. Não muito tempo depois, ele já tinha adormecido.

Segundo o relógio que o encarava acusadoramente de cima do mastro, uma hora havia se passado quando Cintia apareceu na companhia do homem alto de mais cedo. Seus olhos estavam úmidos e seu cabelo uma bagunça, mas suas expressões transbordavam felicidade e alívio. Ao primeiro som de sua voz, Miguel imediatamente acordou e correu em sua direção. Cintia agradeceu tantas vezes que Yuuri não pôde deixar de se sentir um tanto quanto embaraçado.

Assim que Miguel se viu nos braços de Cíntia, o garoto foi levado embora, acenando para Yuuri enquanto se afastava. Ele os observou partir, feliz por terem sido capazes de chegar a um final feliz mesmo em meio a tamanha crise.

Yuuri suspirou, sentindo seu corpo cansado e pesado como não sentia há um bom tempo.

Quando o homem se sentou ao seu lado, Yuuri de imediato voltou sua atenção em direção a ele. Porém, permaneceu em silêncio, sem saber se deveria dizer alguma coisa. Talvez o homem, na verdade, não tivesse nenhum assunto a tratar com ele e estivesse somente cansado depois de correr por aí durante a última uma hora e meia. Tudo o que Yuuri sabia era que não planejava iniciar uma conversa, então se o misterioso homem tinha alguma coisa a falar com ele, teria que quebrar o silêncio ele mesmo.

Demorou um pouco, mas o silêncio foi quebrado no final das contas.

— Aquele garoto teve muita sorte de você estar de passagem.

Yuuri tinha suas dúvidas se isso era realmente verdade. Miguel provavelmente estaria bem de qualquer forma, já que outra pessoa o teria ajudado eventualmente. Foi apenas uma coincidência ele estar por perto naquela hora. Além disso, Yuuri não tinha ajudado Miguel a fim de ser elogiado, então não tinha ideia de como responder às palavras do homem.

— Só cheguei nele antes que outros pudessem. — Antes que você pudesse, Yuuri não disse.

O homem murmurou, sem concordar nem discordar. Ele manteve seus olhos fixos em Yuuri, encarando-o com tanta atenção que o estava deixando desconfortável. Ele o olhou de cima a baixo, e a impressão de Yuuri era de que o homem o estava analisando de alguma forma, estudando-o como se fosse um espécime raro.

— Você trabalha por aqui?

— Eu estava a caminho de uma entrevista de emprego para uma vaga de meio período, na verdade — Yuuri disse.

Mesmo que o homem lhe causasse arrepios, Yuuri ainda assim, por alguma razão, sentia que podia confiar nele. Além disso, não havia mal em compartilhar esse tipo de informação supérflua, não que ele soubesse pelo menos.

Oh. — O homem quase pareceu contente com sua resposta. Yuuri se perguntou do porquê.

— Mas eu tive que ajudar o Miguel, então isso já é coisa do passado. Duvido que me dêem uma segunda chance. — Yuuri não sabia o que o levou a dizer isso. Quando percebeu, as palavras já haviam escapado de sua boca.

O homem murmurou uma vez mais, e sua voz quase soou como um assobio ao sair de seus lábios desta vez.

— Tenho certeza que eles vão entender se você explicar o que aconteceu, considerando as coisas hoje. — Ele fez uma breve pausa em sua fala, permitindo que o silêncio se estabelecesse por alguns poucos segundos antes de pôr fim ao suspense. — Mas eu meio que espero que eles não entendam.

Quando Yuuri franziu a testa, uma pergunta obviamente pairando em seus lábios, o homem riu brevemente.

— Eu não quis dizer que espero que você continue desempregado. Eu simplesmente quero que você venha trabalhar para mim.

O homem enfiou a mão dentro da jaqueta de seu terno cinza e puxou um cartão de um bolso escondido na parte de dentro, o qual entregou ao Yuuri.

— Espero que considere minha oferta — falou o homem.

Yuuri observou o homem se erguer calmamente do banco, seus olhos o seguindo a todo momento, até que ele se viu olhando para cima. O homem era realmente alto, especialmente quando se olhava daquele ângulo. Seu queixo também era bem quadrado, notou Yuuri, agora dando uma olhada mais de perto e mais atentamente em seu rosto.

— A propósito, não sou ninguém suspeito. O nome da minha empresa está no cartão, assim como o número de registro em cartório. Meu nome está na parte de trás, junto com meu contato. Me liga se estiver interessado em participar de uma entrevista — o homem acenou brevemente antes de lhe dar as costas.

Yuuri observou sua silhueta encolher, até enfim o perder de vista. Em sua mão, o cartão se encontrava firmemente encurralado dentro de seu punho.

 

—--

 

Mari tinha acabado de sair do chuveiro, como se podia notar pela toalha ainda pendurada ao redor de seu pescoço e pelo cabelo úmido grudado aos seus ombros, e caminhava pelo corredor quando parou junto ao quarto de seu irmão. Estava mais quieto que de costume, e não pôde deixar de estranhar.

Ela bateu na porta. Nada. Ela bateu uma segunda vez. Novamente, foi recebida pelo silêncio, e pelo silêncio apenas.

— Ele não está? — ela se perguntou enquanto girava a maçaneta e dava uma espiada dentro do quarto.

Ficou surpresa ao encontrar o cômodo vazio, pois tinha certeza de que seu irmão já havia voltado. Queria perguntar como tinha sido a entrevista, e qual foi o lance do terremoto que aconteceu no centro hoje mais cedo, mas aparentemente teria que remanescer com suas dúvidas por mais algum tempo. Ela teria a chance de perguntar tudo que desejava saber durante o jantar de qualquer maneira, então não era realmente um problema.

Ela estava prestes a fechar a porta quando um cartão atraiu sua atenção. Estava descansando sobre a cabeceira, e ela não se lembrava de tê-lo visto antes. Teria sido algo que ele recebeu hoje? Talvez de alguém da Empresa de Consultoria?

Impelida por sua curiosidade, ela entrou no quarto.

Ela apanhou o cartão e correu os olhos pelas letras nele impressas. "Setor de Observação e Alerta de Perigo", lia-se.

— Que diabos isso quer dizer? — Mari se perguntou enquanto franzia profundamente.

Ela virou o cartão em busca de alguma explicação, mas do outro lado havia nada além de um número de telefone, um e-mail e um nome: Celestino Cialdini.

"Que tipo de negócio suspeito Yuuri se envolveu desta vez?", ela se perguntou

— Mari?

Conforme sua mãe lhe chamou, Mari se virou e se deparou com Hiroko, que a encarava com olhos que pareciam perguntar silenciosamente o que ela estava fazendo no quarto de seu irmão.

— Eu estava procurando pelo Yuuri — explicou, ciente que sua mãe valorizava a privacidade e o respeito pelo espaço pessoal das outras pessoas. Mari discretamente devolveu o cartão ao local onde antes estava. — Você viu ele? — perguntou ao se juntar à mãe no corredor, apanhando a pilha de roupas que Hiroko carregava.

— Pedi para ele ir à farmácia não faz muito tempo. Ele deve estar de volta daqui a pouco.

Mari anuiu a cabeça e caminhou rumo à lavanderia a fim de colocar a pilha de roupas sujas dentro da máquina de lavar, que era certamente o que Hiroko pretendia fazer antes de se ver fazendo uma breve pausa para investigar o que Mari estava aprontando. As duas caminharam juntas, inicialmente em silêncio, até que a quietude foi quebrada por conversas fúteis.

— Você viu o que aconteceu no centro hoje? — Mari perguntou ao longo do caminho. — Muito doido, né?!

— Que bom que Yuuri não se machucou — Hiroko disse, um suspiro aliviado escapando de seus lábios.

 

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Um, dois, três.

A música não era rápida, apenas o suficiente para fazê-lo transpirar e deixar sua camiseta toda suada. A roupa estava grudada às suas costas, encharcada, mas ele já estava por demais acostumado a esse tipo de coisa para se sentir verdadeiramente incomodado.

Cinco, seis, sete.

Sua legging estava apertando mais do que se lembrava dela apertar, o que o levou a se perguntar se isso seria um indicativo de que tinha engordado. Ele vinha exagerando com os lanches ultimamente, e culpava seus fracos nervos por isso. Se não fosse tão ansioso...

Nove, dez. Do começo.

Mas se não fosse ansioso, provavelmente nem estaria aqui agora. Também não comeria compulsivamente. Basicamente, ele seria outra pessoa. E, se fosse outra pessoa, o que aconteceu ontem também poderia não necessariamente ter acontecido da forma que aconteceu.

Será que seu outro eu também teria parado para ajudar Miguel se desconhecesse a terrível sensação de se afogar no próprio desespero?

A melodia que cercava Yuuri era familiar, sendo uma de suas favoritas. Ele vinha dançando-a há tanto tempo que não conseguia nem se lembrar de quantas vezes já havia sido. Seu corpo se movia quase que sem o seu conhecimento, sendo carregado pela batida familiar da música, a qual ele ouvira inúmeras vezes ao longo da última década.

Teria seu outro eu também sido indicado para uma vaga de emprego apenas porque parou para ajudar uma criança pequena no meio de uma crise?

Yuuri ergueu uma de suas pernas, seu pé indo parar ao lado de sua orelha, onde permaneceu por um breve segundo. Quando ele a soltou, dobrou os joelhos e saltou, girando no ar e pousando suavemente no chão. Em outras ocasiões, seu corpo já estaria mostrando sinais de exaustão, pois já fazia quase uma hora que estava dançando sem parar, mas hoje era um dia peculiar com circunstâncias peculiares.

O que seu outro — e menos ansioso — eu faria com esse convite? Ele diria sim sem pensar duas vezes, ou também ficaria remoendo o fato dessa oportunidade ter caído em suas mãos com tanta facilidade?

Ele questionaria seu próprio valor como ele estava fazendo agora, ou esse era um atributo exclusivo ao Yuuri atual?

O som de palmas interrompeu a música, que parou alguns segundos logo depois. Yuuri devolveu os dois pés ao chão e endireitou as costas, só então se virando em direção a Minako, que era quem havia mexido no rádio.

— Já deu, Yuuri. Ou você faz uma pausa de dez minutos ou te coloco pra fora.

Minako tinha os braços cruzados na frente da blusa larga que estava vestindo, expressões severas desenhadas em seu rosto. Além disso, estava franzindo os lábios e batendo um pé no chão, impacientemente.

Yuuri fez bico também.

— Só mais um pouco, por favor. Ou esses pensamentos vão piorar. Só preciso de mais alguns minutos para dar um jeito neles — Yuuri suplicou, encarando-a com aqueles grandes olhos reluzentes para os quais ela nunca foi capaz de dizer não.

Entretanto, seu olhar de cachorrinho perdido que caiu da mudança não parecia estar funcionando desta vez, por algum motivo.

Minako franziu o rosto, uma ravina se abrindo em sua testa. Apenas em momentos como este as rugas da idade transpareciam.

— Eu disse dez minutos.

Yuuri suspirou e caminhou em direção a ela, aceitando sua derrota e também a garrafa que ela segurava nas mãos, a qual aparentemente havia acabado de sair da geladeira. A água que desceu por sua garganta estava gelada, e Yuuri imediatamente se sentiu renovado. Ele não tinha percebido a sede que estava sentindo.

— Você sabe muito bem que não me importo de você usar o estúdio, mas sou responsável pelo seu bem-estar quando você está aqui. Não posso simplesmente permitir que você se destrua.

Yuuri se encostou na parede, aliviando o peso que pressionava suas pernas. Agora que havia enfim parado de se mover, podia sentir a dor em seu corpo, o qual reclamava sem parar, claramente insatisfeito, cada latejo um grito silencioso. Ele sabia que havia se excedido, mas não esse tanto.

— Sim, eu sei... Desculpa. — Yuuri a encarou e sorriu timidamente. — Obrigado por me parar.

Os ombros de Minako relaxaram ao que ela descruzou os braços. Parecendo ter se acalmado, a mulher até se permitiu sorrir de leve. Então, subitamente, ela o puxou pela camisa e Yuuri seguiu atrás dela, não estando em posição de dizer não. Por um segundo, pensou que ela realmente o estava fazendo ir embora, mas então percebeu que ela o estava guiando até uma mesa montada nos fundos do estúdio, onde uma pequena cozinha se encontrava instalada.

Ela o forçou a se sentar e depois se acomodou na cadeira em frente a ele. Yuuri permaneceu imóvel; Minako, por sua vez, apoiou os cotovelos na mesa e a cabeça nas mãos.

— Então? — ela perguntou, cheia de expectativa.

Não era a primeira vez que Minako se oferecia para ouvir seus desabafos, mas nem por isso a experiência havia se tornado menos desconfortável, afinal, Minako era uma velha amiga de sua mãe; e não somente uma colega qualquer, mas uma melhor amiga. Era meio estranho tê-la como sua confidente, mas já que confiava plenamente nela, Yuuri acabava sempre despejando todos os seus problemas e incertezas sobre Minako. Pelo menos desta vez o assunto não era seu crush do colégio — aquilo sim tinha sido constrangedor, tanto que ele não conseguiu pisar no estúdio por pelo menos duas semanas.

— Não sei se minha mãe te contou, mas acabei não indo na entrevista ontem.

— Por causa do terremoto, certo? Hiroko me disse que você acabou ficando no meio da confusão e não conseguiu comparecer — Minako falou, como se para ter certeza de que as histórias coincidiam. Elas batiam, ou pelo menos com a que Yuuri contou à sua família. Ele optou por deixar o rolo do Miguel de fora por causa da forma como estava ligado com sua nova fonte de dor de cabeça, tema que o vinha incomodando de forma constante nos últimos dias e o qual ainda não tinha conseguido se resolver a respeito.

— Sim. E ainda não entrei em contato pra ver se daria pra reagendar. 

— Por que não? — Minako franziu a testa, confusa.

— Porque... recebi outra oferta.

Os olhos de Minako se arregalaram, mas ainda assim não superaram o tamanho de seu sorriso. Ela endireitou as costas e bateu uma mão na outra, seu gesto tão barulhento quanto era de se esperar vindo dela. Ela se mostrava radiante, como se tivesse acabado de receber a melhor notícia do ano.

— Isso é incrível! Onde? Já assinou a papelada? Quando você começa?

Yuuri balançou uma mão diante do rosto, ciente de que o mal-entendido era culpa sua. Expressou-se mal.

— Chamei de oferta, mas na verdade é mais um… uma recomendação. E ainda preciso participar de uma entrevista — explicou, calmamente.

Não importava o quão nervoso ele estava se sentindo antes, ou quão turbulento seus pensamentos se encontravam poucos minutos atrás, sempre que se sentava com Minako para conversar, as palavras saíam facilmente de sua boca. Achava isso curioso, e acreditava ser devido ao fato de Minako ser alguém fácil de se falar com. Ela tinha a mente aberta e sua presença era reconfortante de uma forma enérgica.

Yuuri se viu desejando que fosse sempre fácil assim falar o que tinha em mente.

— Mesmo assim! Receber uma recomendação é algo incrível! Não sabia que você tinha conexões pra isso!

— E eu não tenho — Yuuri inclinou a cabeça e desviou o olhar por um segundo.

Enquanto era observado por uma Minako bastante atenta e paciente, Yuuri se permitiu cair em silêncio por alguns momentos. Felizmente, ela não o pressionou, esperando que Yuuri colocasse seus pensamentos em ordem e tomasse a iniciativa ele mesmo.

Yuuri contou os segundos internamente.

"O que fazer? Conto tudo sobre o Miguel?" pensou consigo mesmo.

Decidiu ir em frente.

Yuuri lhe contou tudo, do exato jeito que se lembrava e nos mínimos detalhes. Minako ouviu cada uma de suas palavras com uma expressão neutra no rosto, não o interrompendo sequer uma vez. Embora Yuuri soubesse que ontem tinha sido um longo dia, não tinha percebido a extensão disso até agora, quando teve que colocar os acontecimentos em palavras.

— E então a Cíntia veio buscar o Miguel e, depois que eles foram embora, ficou só eu e esse tal de Celestino. Ele disse que queria que eu trabalhasse para ele. Fiz algumas pesquisas de manhã e, aparentemente, a empresa dele existe mesmo e está localizada no centro. Não parece nada suspeito, pelo menos não tanto assim.

Yuuri falou tanto que sua garganta se viu novamente seca. Tomou um gole da garrafa de água a sua frente, terminando com o pouco que restava dentro em basicamente um só gole, o alívio que sentiu tendo sido quase imediato. Minako aproveitou a deixa para vocalizar sua pergunta.

— O que a empresa faz?

— Eu…. não tenho certeza? — Yuuri disse, mas sua resposta soou mais como uma pergunta que qualquer outra coisa.

Minako ergueu as sobrancelhas. Yuuri corou.

— Pelo que li, eles têm um serviço de guarda-costas e trabalham com segurança — Yuuri lhe contou a pouca informação que havia conseguido reunir em sua breve pesquisa.

A verdade é que sua busca foi difícil e em maior parte infrutífera. O que eles tinham como site e nada era basicamente a mesma coisa, e o nome da empresa parecia algo inventado por um aluno do fundamental. Yuuri teria assumido que tudo não passava de uma brincadeira sem graça não fosse pelo número do registro da firma em cartório, o qual se encontrava impresso no cartão que Celestino entregou a ele.

— Segurança? — Minako parecia confusa.

— Sim, eu fiz essa mesma cara! — Yuuri ergueu os braços, seus olhos arregalados. — Não sei o que fez Celestino pensar que eu era a pessoa certa pro trabalho.

— Você sequer já esteve em uma briga? — Minako perguntou com um sorriso. Era óbvio que ela queria rir até cair, estando claro em suas expressões que ela estava achando tudo muito engraçado, mas Minako se conteve.

Yuuri balançou a cabeça, veementemente. Minako murmurou. Pelas expressões em seu rosto, ela estava vasculhando sua memória e estudando todas as possibilidades que conseguia pensar, inspecionando uma por uma, tentando encontrar uma explicação que desse clareza para essa situação inexplicada.

— Talvez a vaga seja para o RH?

— O que, numa situação doida daquelas, poderia ter dado a ele essa ideia? — Em vez de uma resposta, Yuuri devolveu uma pergunta para Minako.

— Talvez ele tenha pensado que você era bonito! — Minako deu de ombros.

Yuuri se viu desejando bater a cabeça na mesa.

Ele nem era lá muito bonito, sua aparência não sendo nada fora do comum, então como poderia ser esse o motivo? Mas ele sabia que não adiantava dizer isso a ela, então ficou quieto.

— Simplesmente não tenho ideia do que ele estava pensando. Por que logo eu?

— E ainda assim você não consegue parar de pensar nesse emprego — Minako disse, como quem não quer nada, e Yuuri endireitou sua postura de imediato. Sentiu-se como se tivesse sido perfurado no estômago, no entanto, em vez de dor, sentia apenas a presença de um vazio no local.

Yuuri e Minako trocaram olhares pelo que pareceu uma eternidade, nenhum deles proferindo meia palavra sequer. O silêncio que pairou sobre eles era tenso e delicado, tão frágil que mesmo o mais baixo dos sussurros poderia despedaçá-lo. Até a respiração de ambos parecia ter ficado mais suave.

Yuuri baixou os olhos e encarou as próprias mãos, cerrando-as em punhos até sentir suas unhas pressionarem contra a carne. Talvez devesse cortá-las mais curtas. Mas, ao mesmo tempo, gostava daquilo que proporcionavam — a dor, apesar de não muito forte, era suficiente para abalar sua alma e a trazer de volta quando se afastava demais. Era uma forma que Yuuri encontrou para recuperar a compostura quando seus pensamentos eram demais para ele. Era sua âncora, e um hábito do qual ele não sabia se um dia seria capaz de abrir mão.

A dor lhe era familiar, e por isso a procurava.

Era um lembrete de que tinha um caminho de volta, mesmo quando não parecia ter.

E quando você se vê, de novo e de novo, tentando se lembrar de algo, certamente há uma razão por trás disso.

Então... Por que não conseguia parar de pensar na oferta de Celestino?

Minako podia ver nas expressões de Yuuri que ele estava quase lá, mas ela sempre foi do tipo não pensava duas vezes antes de oferecer uma mão amiga. Um pequeno e último empurrão que o conduziria em direção à sua desejada resposta.

— A razão porque você não consegue parar de pensar nisso é bem simples — Minako disse, e sua voz arrastou Yuuri para fora das profundezas infindáveis de sua própria mente.

A resposta que ele tanto buscara estava enfim a seu alcance, e tudo o que lhe restava era procurar por ela mais atentamente. Ele abriu as mãos, e seu olhar imediatamente caiu sobre as marcas vermelhas presentes nas palmas — seu lembrete de que sempre havia um caminho de volta.

Em seus olhos via-se compreensão. Entendimento. E o que Minako sentiu enquanto o observava só poderia ser descrito como orgulho.

— Ele viu algo em mim — Yuuri disse.

— E você quer saber o quê — Minako acrescentou, um sorriso plenamente satisfeito pendurado em seus lábios.

 

—--

 

Victor caminhava a esmo pelo laboratório, escrevendo breves anotações em uma prancheta conforme fazia a costumeira checagem mensal do maquinário, o qual havia sido reunido em um canto do salão a fim de permitir acesso fácil e rápido a todas as máquinas. Yurio vinha logo atrás, uma vassoura em uma mão e uma carranca residindo em seu rosto. Victor olhou furtivamente em sua direção enquanto largava de uma máquina para focar em outra, mas Yurio apenas virou o rosto, decidido a evitar Victor tanto quanto fosse possível.

Victor piscou algumas vezes, observou Yurio por mais alguns segundos e então suspirou de maneira cansada.

Yurio ainda não estava falando com ele e Victor não conseguia entender o porquê do humor de seu aprendiz ter estado tão azedo ultimamente. A única coisa que ele sabia era que ele vinha agindo assim desde o fracasso da operação LAST STRAW, e que o único motivo pelo qual ele estava o ajudando neste exato momento era por causa de uma chantagem infantil de sua parte. Victor não sentia orgulho algum de ter ameaçado de mudar a senha da internet, mas não viu escolha, pois desejava mais que tudo que o garoto saísse pelo menos um pouco do quarto. Yurio sempre foi do tipo que passava uma quantidade absurda de horas dentro de casa, em completo isolamento, e isso piorou consideravelmente nos últimos tempos, o que com certeza não era bom para sua saúde.

Mesmo que estivesse frustrado com o fracasso da última operação, isso ainda assim não era motivo para ficar agindo de forma tão sombria. Ele devia ser mais como Victor: manter a cabeça sempre erguida, mesmo que suas noites continuassem a ser assombradas por aquela horrenda monstruosidade de uma gravata. Ainda havia esperança, eles apenas tinham que elaborar um novo plano.

Yurio varria o chão, as costas para Victor.

Aparentemente, Yurio não conseguia encará-lo — ou ao menos essa foi a conclusão a qual chegou Victor. Estaria o garoto se sentindo culpado de alguma forma? Pensava ter sido sua culpa? Ou estava apenas triste porque sua primeira grande colaboração em um plano terminou em fracasso?

Victor sentia uma vontade angustiante de dizer algo, de compartilhar algumas palavras de encorajamento com o Yurio, mas não achava que era a hora certa, não ainda. Se ele estava realmente se sentindo para baixo por causa do fracasso da operação, merecia um pouco mais de tempo para lidar com suas emoções. O máximo que Victor podia fazer para ajudar era aproveitar que a hora da janta se aproximava, comprar aqueles hambúrgueres que ele tanto gostava e torcer para que isso melhorasse um pouco o seu humor.

Victor sorriu, elogiando-se mentalmente por sua grande ideia, e voltou ao trabalho que o aguardava.

Quando seus olhos caíram sobre a próxima máquina da fila, Victor sentiu como se alguém o tivesse acertado com uma porrada na boca do estômago. Ela sempre o trazia lembranças ruins... Uma ocasião em que perdeu, mesmo sem adversário — ou talvez fosse mais correto dizer que, desde o princípio, nunca houve realmente um adversário. O agente que estava trabalhando com ele na época nem mesmo se deu ao trabalho de comparecer, e só de pensar na frustração que sentiu naquele dia se sentia doente.

Ele nunca havia sido tão desrespeitado em sua vida, não como naquele dia.

E como se isso já não bastasse, havia mais: essa máquina também tinha sido um desastre completo. Era potente demais e, consequentemente, ele quase trouxe destruição e dor para as pessoas inocentes que estavam passando pelo centro na ocasião. Felizmente, ninguém morreu naquele dia — caso contrário, nunca teria conseguido se perdoar. Mesmo assim, alguns poucos acabaram ficando gravemente feridos por sua culpa, e Victor fez questão de visitar cada um deles no hospital a fim de se desculpar apropriadamente.

Aquele dia em geral não era uma lembrança da qual gostava de relembrar. No entanto, também não tinha intenção de esquecer. Ele não podia se dar ao luxo de simplesmente ignorar seu passado, ou então, como seria capaz de dar os passos certos quando fosse andar adiante?

Percebendo que Victor não saia do lugar há algum tempo, Yurio se aproximou. A contragosto, perguntou qual era o problema com aquela máquina específica, e porque Victor estava perdendo tanto tempo olhando para ela sem nem mesmo mover as mãos.

— Ela é perigosa. Potente demais. Tenho que adaptá-la, tentar diminuir sua potência, ou simplesmente desmontar e reaproveitar as peças que derem — explicou enquanto fazia anotações em sua prancheta.

Yurio o encarou por mais alguns segundos e depois se afastou, arrastando a vassoura atrás de si enquanto se direcionava ao outro canto do salão. Victor o observou partir sem dizer nada, internamente se perguntando se o que havia acabado de acontecer poderia ser considerado uma pequena vitória. Pelo menos ele tinha falado com ele.

 

—--

 

Yuuri cruzou as portas do familiar prédio de escritórios e acenou para a moça estacionada no balcão, que parecia estar terrivelmente entediada pela falta de coisas para fazer, enquanto caminhava em direção aos elevadores posicionados ao fundo. Mais do que tudo, estava feliz por se ver livre do insuportável calor proporcionado pelo Sol ardente que reinava do lado de fora. Hoje estava quente — quente demais — e seu terno preto tornava tudo ainda pior.

Quando enfim chegou na SOAP, imediatamente se dirigiu ao Setor de Desenvolvimento e Manutenção. Apesar dos corredores labirínticos, o agente não errou sequer uma curva. Seus pés eram capazes de levá-lo até lá sem problemas, mesmo se os privasse do auxílio de seus olhos para guiá-los. Seu corpo estava mais do que acostumado a caminhar para aqueles lados do escritório, pois estava sempre indo até lá atrás de Phichit.

Falando em Phichit, acabou avistando-o no meio do caminho. Phichit estava conversando com um de seus colegas de trabalho quando seus olhos se encontraram com os de Yuuri, e ele pareceu deliciosamente surpreso com a visita repentina do amigo.

— Hey, cara! Não esperava ver você aqui de novo tão cedo!

Yuuri acenou e sorriu, seus pés acelerando o passo.

Ele acenou com a cabeça em direção à colega de Phichit assim que os alcançou, certificando-se de assegurá-la que era mais que bem-vinda para ficar e participar da conversa, mas a jovem ainda assim preferiu deixar os dois melhores amigos sozinhos, como se temendo se intrometer em assuntos que não lhe cabiam. Esse tipo de situação acontecia com uma frequência consideravelmente alta, e Yuuri não tinha ideia do porquê. Não é como se Phichit e Yuuri discutissem assuntos confidenciais e supersecretos no breve tempo livre que tinham.

Phichit olhou da mulher que se afastava a passos corridos para Yuuri, e então para a sacola em sua mão.

— O que é? Espero que seja comida. — Ele esfregou uma mão na outra, correndo a língua pelos lábios. 

Yuuri prontamente balançou a cabeça em uma negativa silenciosa e revirou os olhos.

— Não é. Se quer comida, pede um delivery.

Phichit fez bico.

— Então o que é?

Yuuri desviou o rosto, embora não tivesse intenção. Tinha certeza de que estava corando, o calor em seu rosto pouco mas certamente presente, mas seu palpite só se transformou em certeza quando ouviu Phichit sorrir.

— Deixa eu adivinhar. Algo que Victor te deu. — Sua voz se mostrava animada e era claro pelo seu tom que ele estava se divertindo bastante naquele momento. Aparentemente, seu passatempo favorito não havia mudado mesmo depois de tanto tempo: rir às custas de Yuuri.

Como Yuuri poderia fingir não ser o caso quando Phichit vinha até ele com uma abordagem daquelas? Não havia rota de fuga; ele se encontrava completamente encurralado.

Yuuri fechou os olhos e respirou fundo, só após alguns segundos arriscando olhar novamente na direção de Phichit. Como esperado, ele estava sorrindo, seu sorriso atravessando seu rosto de orelha a orelha.

— Sim — Yuuri admitiu, enfim. Não era como se houvesse sentido em tentar mentir, já que Phichit enxergaria a verdade em um piscar de olhos.

— O que é? — Phichit tentou agarrar a sacola, mas Yuuri foi mais rápido e a puxou para fora do alcance de seus dedos, já antecipando que ele tentaria fazer algo do gênero.

— É uma gravata.

A reação inicial de Phichit foi franzir o rosto.

— Uma gravata?

Quando enfim se viu capaz de compreender a situação, a realidade das coisas o acertando em cheio, Phichit reclinou o corpo para frente e abraçou o estômago, uma risada estridente saindo de sua boca. Constrangido, era agora Yuuri quem estava fazendo bico.

Phichit limpou o canto dos olhos, que agora se encontravam tomados por lágrimas. Ele continuava ligeiramente inclinado para a frente, não tendo ainda sido capaz de se recompor por completo, sua respiração ainda ofegante por ter rido demais. Yuuri não entendia o que ele havia achado tão engraçado — não, na verdade, ele entendia muito bem. Ele simplesmente não estava disposto a reconhecer as razões disso em voz alta, nem mesmo em um milhão de anos.

— Ele odeia tanto assim a sua? — Sempre se podia confiar em Phichit para dar voz a tudo aquilo que era melhor deixado na ignorância.

Yuuri cruzou os braços e encarou o amigo. Então, simplesmente esperou, o significado por trás de seu silêncio alto e claro.

— Okay, okay. — Phichit se endireitou e repousou as mãos na cintura. — Qual o problema? Quer que eu a inspecione ou algo assim? Não acho que você a tenha trazido aqui só para ostentar o presente que seu namorado te deu.

Yuuri estudou por alguns segundos qual seria a melhor forma de expressar aquilo que tinha a dizer, no final concluindo que era melhor ir direto ao ponto e dar menos importância ao significado por trás de suas palavras.

— Lembra como você usou a gravata do meu pai como modelo? — Yuuri apontou para o próprio peito, em direção à gravata azul que se encontrava pendurada ao redor de seu pescoço.

Phichit anuiu, silenciosamente, já juntando as peças daquele não-tão-complicado quebra-cabeça, mas ainda assim aguardou Yuuri falar ele mesmo.

— Queria saber se você poderia fazer o mesmo com esta aqui. Quando tiver tempo, óbvio.

Yuuri aguardou, esperando que Phichit zombasse dele ou que pelo menos arremessasse algumas provocações em sua direção. No entanto, seu amigo se limitou a encará-lo, expressões beirando a neutralidade, o que era de certa forma pior, já que deixava Yuuri sem saber como reagir.

Yuuri olhou para baixo, em direção à sacola.

Estaria pedindo demais? Phichit estava, afinal de contas, bastante ocupado com seu projeto. Yuuri se perguntou se estaria atrapalhando as chances dele de conseguir uma promoção, colocando mais coisas em seu prato quando já se encontrava tão cheio. Não queria colocar mais pressão nele, mas sentia que era exatamente isso que estava fazendo. Porém, não conseguiu mais voltar atrás.

— Se não for problema... Se puder fazer esse favor para um velho amigo… — Yuuri começou, sem saber exatamente para onde levar suas palavras, e então uma mão encontrou o caminho até seu ombro, o gesto suficiente para interrompê-lo.

Levantou o rosto e se deparou com Phichit, que estava olhando diretamente para ele, olhos nos olhos. Em seus lábios não havia um sorriso; as expressões no rosto de seu amigo lembravam as que ele geralmente carregava consigo quando estava no meio do trabalho — sérias e resolutas. As expressões de alguém cujas habilidades ninguém jamais ousaria questionar. Um colega de trabalho mais do que confiável.

— Há quanto tempo você acha que a gente se conhece? — Phichit perguntou, uma sobrancelha devidamente erguida para pontuar sua indagação. — Claro que vou te fazer esse favor.

Só então o rosto de Phichit relaxou e enfim se permitiu abrir em um sorriso.

Depois de pressionar de leve o ombro no qual sua mão ainda se encontrava apoiada, Phichit o soltou. Então, sem mais delongas e não vendo porque esperar por um convite, estendeu a mão a fim de receber a sacola, a qual Yuuri entregou com prazer, enfim.

 

—--

 

Quando Yuuri atravessou as portas do prédio de escritório pela primeira vez, três anos atrás, ainda não tinha certeza de que aquele era realmente o caminho que desejava trilhar. Apesar de ter feito toda a pesquisa necessária e confirmado que a empresa tinha todas as credenciais que era suposta de ter associadas ao seu nome, suas entranhas ainda continuavam se contorcendo no seu interior, sua mente trazendo à tona as dúvidas que ele vinha martelando em sua cabeça continuamente desde o dia do terremoto.

Mas agora já era tarde demais para voltar atrás.

Depois de sua conversa com Minako, Yuuri se viu de alguma forma capaz de jogar suas inseguranças de escanteio, fazer a ligação e agendar a entrevista. No entanto, agora que o assunto se encontrava bem diante do seu nariz, não conseguia parar de tremer ao cogitar a possibilidade dessas emoções voltarem subitamente na forma de uma onda avassaladora, a qual o levaria a se afogar em seu próprio desespero.

Yuuri balançou a cabeça, tentando se livrar de toda aquela negatividade, e terminou de cruzar o curto trajeto em direção ao balcão. A garota sorriu prontamente, parecendo tão nervosa que Yuuri se perguntou se aquele seria o primeiro dia dela — uma alma simpatizante, talvez.

— Boa tarde — ela disse, e Yuuri respondeu ao cumprimento.

— Tenho uma entrevista no "Setor de Observação e Alerta de Perigo" — Yuuri explicou enquanto entregava à mulher seus documentos, falando o nome da empresa palavra por palavra, tomando cuidado para não tropeçar no meio de sua fala.

Em seu rosto uma careta persistia, a qual ele foi incapaz de expurgar. Continuava achando o nome da empresa bastante esquisito e incomum, um pequeno detalhe que o estava incomodando mais do que provavelmente deveria.

— Suba no elevador até o sexto andar. Eles já devem estar te esperando. E boa sorte — disse a moça, amigavelmente, antes de lhe entregar um pedaço de papel que o permitiria cruzar a catraca.

Yuuri anuiu e, após murmurar um breve e discreto agradecimento, ele se afastou do balcão e caminhou em direção ao fundo do salão.

A viagem dentro do elevador foi rápida — tão rápida que seu coração não teve sequer tempo de se preparar para o que estava por vir — e, quando Yuuri percebeu, já se encontrava dentro do escritório da empresa, seu estômago colado à mesa da recepcionista.

Depois de anunciar sua chegada e explicar o motivo de estar ali, foi convidado a se sentar na sala de espera até que Celestino tivesse como vir ao seu encontro. Yuuri fez conforme indicado, afastando-se da recepcionista com passos talvez um tanto desconfortáveis, mas sem dúvidas bastante quietos. Ele se afastou do balcão tão silenciosamente que a mulher só percebeu que ele já havia partido quando ergueu os olhos dos papéis que tinha em mãos.

A sala de espera era pequena, mas de tamanho suficiente para atender às necessidades da companhia. Havia uma mesa baixa no centro, um porta-revistas em um canto com um bebedouro posicionado logo ao lado, uma televisão pendurada na parede, duas pequenas poltronas vermelhas e um sofá cinza colocado bem no fundo do cômodo, onde Yuuri se viu ocupando o único assento disponível. Ao lado dele se encontrava um garoto de aparência jovial e ligeiramente infantil. Suas bochechas grandes e seus grandes olhos acinzentados fizeram Yuuri se perguntar se o garoto já havia alcançado a faixa dos vinte anos ou ainda não.

Yuuri viu-se olhando o garoto ao seu lado, por falta de coisa melhor para fazer. O programa que estava passando na TV era entediante, não sendo do tipo compatível com seus gostos pessoais, ou mesmo um que fosse capaz de segurar sua atenção por lá muito tempo, então decidiu observar as pessoas ao redor, desesperado por encontrar algo que conseguisse ocupá-lo. Ele não esperava, porém, que o jovem virasse em sua direção quase que imediatamente, tendo assumido que ele estava por demais imerso em fosse o que fosse que estava vendo em seu celular para perceber que estava sendo observado. Quando seus olhos se encontraram com os dele, Yuuri foi incapaz de conter o rubor que se espalhou rapidamente por seu rosto envergonhado.

Yuuri murmurou um pedido de desculpas corrido e desajeitado e voltou os olhos em direção à televisão. O garoto riu por alguns segundos.

— Oi — ele cumprimentou. Sua voz era tão jovial quanto sua aparência, mas não tanto quanto Yuuri esperava. — Também veio para uma entrevista?

Yuuri se virou mais uma vez em direção a ele, as mãos que repousavam em seu colo se cerrando aos poucos, unhas cravando na carne ao que o espaço decrescia cada vez mais. Yuuri anuiu e ofereceu ao jovem um sorriso tímido.

— Sim — Yuuri respondeu, por fim.

— Que departamento?

Yuuri piscou perante a pergunta inusitada, sentindo-se confuso. Aquilo era algo que deveria saber? Se sim, estava com problemas e a entrevista nem havia começado.

— Não sei — admitiu, e o garoto ergueu uma sobrancelha quando confrontado com sua resposta. — Celestino simplesmente me pediu para vir.

Oh. Se foi uma indicação, provavelmente é para ser um agente de campo — explicou, e a segurança em sua voz mostrava que ele sabia bem do que estava falando.

Yuuri não tinha certeza se queria perguntar o que um agente de campo era suposto de ser, ou de fazer. Ele torcia para que Celestino esclarecesse tudo, aprofundando-se inclusive nos mínimos detalhes, quando eles enfim sentassem juntos para conversar; afinal, o homem até agora não tinha explicado do que tudo isso se tratava.

— Já eu estou na luta por uma vaga no Setor de Desenvolvimento e Manutenção — contou o jovem, apontando em direção ao próprio peito e exibindo um sorriso orgulhoso, sem dar ao Yuuri a oportunidade de jogar a pergunta de volta.

Yuuri sorriu sem jeito, sem saber o que dizer. Ele sequer sabia que existia esse tipo de departamento dentro da empresa. Ou talvez fosse mais apropriado dizer que ele não tinha ideia em que ramo essa empresa atuava.

Yuuri estava começando a se perguntar se realmente tinha sido uma boa ideia vir até ali hoje.

Bem, na pior das hipóteses, pelo menos ganharia alguma experiência sobre como se comportar direito em uma entrevista. Mesmo se eles fossem nem um pouco convencionais, pelo menos nesse tipo de coisa não tinha como ser muito diferente dos outros lugares.

Percebendo que alguma coisa estava perturbando Yuuri, o garoto colidiu seu ombro de leve contra o dele, trazendo a consciência de Yuuri instantaneamente de volta ao mundo real.

— Hey. Relaxa. Vai dar tudo certo.

Surpreendentemente, a tentativa do jovem de confortá-lo ao vestir expressões amigáveis ​​no rosto e usar de gestos gentis havia de alguma forma ajudado. Yuuri sentiu seu corpo relaxar e piscou de forma surpresa quando o peso em seu peito se tornou de repente mais leve. A vivacidade do garoto era um tanto quanto contagiosa, Yuuri percebeu.

— Obrigado.

— Yuuri Katsuki? — chamou uma voz feminina.

Ambos olharam para cima, em direção à mulher estacionada diante deles. Ela tinha uma prancheta em mãos e seu cabelo se encontrava preso em um coque elegante. Ela sorriu, e seus dentes apareceram na forma de uma fileira branca.

— Celestino está disponível para falar com você agora. Se puder me acompanhar, por favor. 

Yuuri se levantou e se livrou das rugas que haviam surgido em seu terno azul. Ele olhou para o jovem uma última vez e acenou, em despedida. No entanto, antes que pudesse sequer colocar os pés completamente para fora do tapete que demarcava a sala de espera, Yuuri se virou, seu corpo se movendo tão rapidamente que quase se viu sofrendo de vertigem.

— Qual o seu nome? — perguntou, sua voz mais alta do que havia intencionado. Ele queria ter certeza de que sua voz, normalmente suave, seria capaz de alcançar o outro lado da sala, mas talvez tivesse exagerado um pouco.

O garoto levantou o rosto e seus olhos brilharam quando encontraram os de Yuuri, seus lábios se abrindo em um sorriso radiante quando ele finalmente deu sua resposta.

— Phichit Chulanont.

Yuuri fez questão de anotar aquela informação em um canto de sua mente, a fim de jamais se esquecer daquele nome.

Ele torcia para que eles se encontrassem novamente algum dia.

 

—--

 

Quando Phichit foi enfim capaz de colocar os pés de volta na sala de espera e dar um pouco de atenção ao celular, ficou surpreso com o horário que apareceu no visor.

As últimas quatro horas passaram voando, tendo se abstraído completamente por conta de todos os testes, tours e entrevistas que foi convidado a participar, os quais o mantiveram bastante ocupado desde que um funcionário veio buscá-lo. No entanto, agora que enfim conseguia respirar com calma novamente e dar ao seu cérebro um pouco de descanso e paz, Phichit podia sentir sem problemas todo o cansaço que havia se acumulado em seus ombros. Entre falar com os representantes e gestores, e ser apresentado às várias equipas que trabalhavam no departamento da vaga à qual estava aplicando, não faltavam motivos para explicar porque o tempo tinha passado tão depressa e sem o seu conhecimento. Ainda assim, isso não tornava a situação menos surreal.

Pelo menos, seu desempenho não era algo que pesava em sua mente. No geral, estava confiante que tinha se saído muito bem. Apesar de não gostar de cantar vitória antes da hora, não conseguiu conter seu otimismo.

Com um sorriso pendurado nos lábios, Phichit olhou ao redor e imediatamente compreendeu o que seus olhos tanto procuravam. Não havia sinal de Yuuri na sala de espera — não que tivesse imaginado que ele esperaria por ele, ou algo do tipo. Na verdade, ele sequer tinha como saber se Yuuri já havia ido para casa ou não; ele podia muito bem ainda estar no meio de sua entrevista com Celestino. O que Phichit sabia, entretanto, era que ele desejava se encontrar novamente com ele algum dia. Por isso, era natural que seus olhos vagasseem em busca de Yuuri quando Phichit se encontrava no exato lugar onde se conheceram algumas horas antes.

Apesar de terem estado dentro do mesmo escritório, seus caminhos não se cruzaram nem mesmo uma vez ao longo do dia, exceto pelo breve encontro dos dois logo após a chegada de Yuuri. Os pensamentos de Phichit, por outro lado, buscaram por Yuuri mais vezes do que ele podia contar. Manter o homem fora de sua mente foi uma tarefa bastante difícil, praticamente uma luta perdida. Era estranho o quanto ele ocupou sua mente, considerando que mal se conheciam. Ele era basicamente um estranho, e o que Phichit sabia a respeito dele era mais baseado em suas primeiras impressões do que em qualquer outra coisa

Embora muito pouco, o que ele conseguiu perceber através da pequena conversa que tiveram foi suficiente para despertar sua curiosidade. Ou talvez fosse a dualidade que havia atraído sua atenção.

Yuuri era mais velho do que ele, mas quase não parecia. Ele não era particularmente alto e seu rosto era um tanto rechonchudo. Não era gordo, mas também não era magro. Em geral, ele era bem ordinário.

Entretanto, por mais ordinário que Yuuri parecesse ser — sem ofensas intencionadas — a posição para a qual ele estava se candidatando era justamente para trabalho de campo.  Honestamente, essa peça de informação foi a cereja do bolo, e Phichit quase duvidou de seus ouvidos quando Yuuri lhe contou que tinha vindo por indicação de Celestino — logo Celestino, de todas as pessoas! Phichit não conseguia ver o que Celestino havia enxergado nele, naquele homem que quando conheceu estava se tremendo por inteiro em face de uma simples entrevista, e isso atiçou sua curiosidade de uma forma como nunca antes, levando-o a considerar mil e uma opções antes de jogar todas no lixo por nenhuma parecer certa. No entanto, por mais curioso que estivesse, Phichit sabiamente se conteve, ciente de que era melhor não deixar o pobre homem ainda mais nervoso do que já estava, ainda mais em um momento tão delicado como aquele. Por isso, puxou a conversa em sua direção.

No geral, Yuuri parecia ser um cara interessante, com vários mistérios circundando sua pessoa — como a razão de Celestino ter se interessado nele. Pelo pouco que observou, não conseguia ver Yuuri como sendo lá muito compatível com a vaga à qual estava aplicando.

Vendo-se acompanhado de uma quantidade elevada de dúvidas, para as quais não tinha nem a sombra de uma resposta, Phichit suspirou cabisbaixo, não gostando nem um pouco de não saber das coisas, sua sede de conhecimento uma tortura constante. Conforme passava pela recepção, acenou mecanicamente em direção à moça estacionada no balcão, que parecia morta de tédio, mas alerta, e seguiu em direção aos elevadores.

Honestamente, estava bastante desapontado por não ter conseguido ver o Yuuri antes de ir embora. Queria se roía por saber como ele havia se saído na entrevista.

Phichit torcia para que eles pudessem trabalhar juntos algum dia. Talvez então ele pudesse enfim encontrar suas respostas.

 

—--

 

Ao que seu celular tocou, silenciosamente, Yuuri encarou o número desconhecido que surgiu na tela e se viu franzindo a testa nem um segundo depois. Geralmente ignorava ligações do tipo, pois era sempre algum pobre coitado preso trabalhando com telemarketing, tentando vender coisas que ninguém nunca tinha interesse. No entanto, um sentimento estranho nas profundezas de suas entranhas insistiu para que ele atendesse aquela ligação específica, e Yuuri acabou cedendo aos seus instintos.

Murmurando um suave alô ao telefone, ele levou o dispositivo à orelha e aguardou alguém se pronunciar do outro lado da linha.

— Olá, este é o contato de Yuuri Katsuki?

Yuuri respondeu rapidamente com um sim, balançando a cabeça simultaneamente por questão de hábito.

— Sou Lídia, do departamento de Recursos Humanos do "Setor de Observação e Alerta de Perigo". Estou ligando para informar que você foi aprovado em nossa seleção para novos recrutas. Estaria interessado na vaga?

Yuuri congelou, mas logo se lembrou de que silêncio não era uma resposta adequada.

— Sim! Sim, eu estou!

— Excelente! Estamos felizes em tê-lo no nosso time! — falou Lídia, quase mecanicamente. — Tenho certeza de que já foi informado dos nossos benefícios, mas vou repassá-los rapidamente, okay?

Lídia então lhe contou tudo sobre o programa de educação continuada, sobre o bônus por contribuição e assim por diante. Suas palavras corriam como balas de pistola, e Yuuri teve sorte de Celestino ter lhe dito a maior parte daquelas coisas durante a entrevista, pois estava tendo dificuldade em acompanhar o ritmo acelerado com o qual ela falava.

Honestamente, Yuuri estava bastante surpreso por ter conseguido este emprego, porque tinha certeza quase que absoluta de que não havia deixado a melhor das impressões. Não se saiu lá muito bem na entrevista, e os testes que teve que fazer logo em seguida foram bizarros demais para ele sequer conseguir compreender o que era um desempenho okay ou uma resposta correta. A única coisa que estava seguro era de ter ido bem no exame físico. Por praticar balé há bastante tempo, Yuuri tinha boa resistência, então correr em uma esteira não era algo muito desafiador para ele, mesmo que tenha sido uma corrida consideravelmente longa. Seus músculos também não eram ruins, especialmente nas pernas, como o próprio examinador notou.

Yuuri se perguntou se teria sido graças ao poder da gravata de seu pai. Talvez ela realmente trouxesse sorte para quem a vestia, ou ao menos foi nisso que a mente de Yuuri decidiu acreditar. Era mais fácil para ele acreditar em uma gravata mágica do que em seus próprios méritos.

— Vou te encaminhar os papéis por email. Conforme todos os documentos estiverem em ordem, por favor, mande-os de volta para mim — Lídia explicou, agora mais lentamente, tornando para Yuuri mais fácil a tarefa de acompanhar as instruções que ela lhe passava.

— Okay. Farei isso. Obrigado.

Com tudo dito e feito, Yuuri se viu sozinho com os repetidos beeps que indicavam que a chamada havia sido encerrada.

Naquela noite, os Katsukis se presentearam com um banquete. Hiroko buscou o melhor saquê que tinha na despensa, e Mari mostrava-se tão animada pelas novidades quanto o próprio Yuuri. Toshiya parabenizou seu filho e Yuuri agradeceu por deixá-lo usar sua gravata. Foi um jantar alegre e todos estavam com vontade de comemorar, então as festividades seguiram até que todos se vissem cansados ​​demais para continuar acordados.

No dia seguinte, uma quarta-feira quente e ensolarada, estavam todos tão cansados ​​que o restaurante teve de permanecer de portas fechadas.

Yuuri levou uma semana inteira para reunir todos os documentos que haviam sido solicitados e, quando isso finalmente foi resolvido, foi chamado à empresa para assinar o contrato e para ter suas medidas tiradas. Seu uniforme de trabalho consistia em um terno preto e uma camisa branca, e Yuuri se viu perplexo quando o funcionário que o acompanhava naquele dia lhe informou que a própria empresa era a responsável pela confecção das roupas.

— Por quê? — Yuuri perguntou, ainda incapaz de engolir o que lhe haviam dito. Esse tipo de despesa não pesaria demais nas finanças da empresa? Ou eles iriam descontar o custo do uniforme de seu salário?

— Cabe aos funcionários do “Setor de Desenvolvimento e Manutenção” garantir que a equipe de campo estará segura enquanto fazem seu trabalho, bem como se certificar de que eles terão à disposição tudo que possam precisar.

O nome daquele departamento lhe soou familiar, e Yuuri rapidamente se lembrou de que era para esse setor da empresa que Phichit havia se candidatado. Yuuri estava curioso por saber se as coisas tinham dado certo para ele; esperava que sim.

— Então, é basicamente um terno?

— Não é um terno qualquer — o homem explicou, calmamente. — Temos uma equipe inteira de funcionários trabalhando nos bastidores, estudando tecnologia de ponta e desenvolvendo materiais novos e mais resistentes.

Isso... era meio incrível. E isso deixou Yuuri nervoso, consideravelmente nervoso.

— É tão perigoso assim ser um guarda-costas?

O homem ergueu uma das sobrancelhas, e Yuuri imediatamente desejou poder engolir de volta suas palavras.

Teria ele dito algo errado? Ou seria sua pergunta simplesmente idiota demais?... Claro que era idiota. Ele teria que proteger alguém, e quem sabe o que poderia acontecer. Ele poderia até morrer! Talvez devesse ter pensado mais a fundo sobre tudo isso antes de ter aceitado o cargo...

Yuuri estava prestes a retirar o que disse quando o homem o interrompeu.

— Do que você está falando? Guarda-costas? De onde saiu isso?

Silêncio.

Yuuri olhou para o funcionário com olhos semicerrados, sua boca também se mantendo ligeiramente aberta por conta do choque. O homem logo interpretou suas expressões como um sinal claro de que algum grande mal-entendido havia acontecido, e ele coçou a testa enquanto pensava no que fazer agora.

— Esta não é uma empresa de segurança? — Yuuri perguntou, um pouco mais envergonhado do que pretendia. Sua voz soou enferrujada, mostrando sinais de um pouco de falta de ar.

O homem balançou de leve a cabeça.

— É, mas não do tipo que você está imaginando. Celestino não te explicou como é o serviço?

— Ele disse que eu seria designado para trabalhar com alguém e que eu precisava garantir que as coisas ficariam sob controle. E que a empresa ligaria sempre que precisassem de mim, por isso eu não precisava vir pro trabalho todo dia.

— Okay, então... Sim. É isso mesmo, tecnicamente, mas posso ver onde nasceu o mal-entendido. A pessoa com quem você vai trabalhar não é alguém que você deve proteger. Pelo contrário, na verdade. 

Yuuri piscou uma, duas vezes. Ele permaneceu de boca fechada, em completo silêncio. Os pensamentos em sua mente, entretanto, encontravam-se bastante agitados, barulhentos, as engrenagens de seu cérebro girando e acelerando enquanto tentavam acompanhar as informações que estavam recebendo.

— Aquele com quem você vai trabalhar é um vilão. E, em vez de proteger, você deve detê-lo.

Agora que Yuuri se via com um segundo para respirar ao ver a imagem se tornar completa, as peças enfim se colocando no lugar e se unindo às demais ao redor, ele se via questionando como ele podia ter entendido tudo de forma tão errada. A empresa literalmente chamava “Setor de Observação e Alerta de Perigo”. Observação de quê? Que tipo de perigo? Havia passado tanto tempo julgando o nome por ser extremamente estranho e estúpido, que nem mesmo o levou a sério. Simplesmente jogou a informação em um canto distante de sua mente e a ignorou, sem pensar muito a respeito ou tentar entendê-la. Agora, estava bastante arrependido.

— Entendo — foi a resposta brilhante de Yuuri. Não que ele tivesse muito mais a dizer. A partir desse instante, gostaria de permanecer o mais quieto quando fosse possível, e esperava que lhe permitissem isso.

O homem o encarou com pena nos olhos, e então se virou para mostrar o caminho.

Quando pararam novamente de se locomover, eles se viram diante de uma porta que Yuuri conhecia bem. O homem bateu e a voz de Celestino foi ouvida nem um segundo depois.

— Entre — a voz familiar instruiu.

O homem gesticulou para que Yuuri entrasse e então lhe deu as costas e partiu, aparentemente tendo finalizado suas obrigações por hora.

Yuuri encarou a porta por mais alguns breves segundos, reunindo sua coragem, e então enfim girou a maçaneta e adentrou o escritório. Celestino estava digitando no computador, sentado atrás de sua mesa, óculos de leitura pousados na ponta do nariz. Como todas as demais vezes em que o viu, o homem tinha seus longos cabelos castanhos amarrados em um rabo de cavalo, o qual hoje se encontrava jogado por cima de um de seus ombros.

— Yuuri!

Yuuri deu pequenos passos em sua direção, caminhando devagar e sem pressa, ainda envergonhado por conta do recente mal-entendido. Se havia algo do qual ele tinha certeza, era de que não seria capaz de se livrar daquela humilhação tão cedo. Só torcia para que o homem não espalhasse o que havia acontecido; um pouco de discrição seria muito apreciado.

Quando finalmente se sentou na cadeira em frente a Celestino, Yuuri se viu de repente se sentindo muito mais nervoso do que envergonhado. Agora que pensava a respeito, Celestino era seu chefe, seu superior. Aquele que iria ficar de olho em seu trabalho e que lhe daria o feedback de sua performance. Aquele que poderia facilmente descartá-lo se não achasse Yuuri suficientemente capaz.

— Eles já tiraram suas medidas, certo?

Yuuri limitou sua resposta a um aceno da cabeça, e Celestino interpretou o gesto como sua deixa para prosseguir falando.

— Agora só falta a gravata.

Celestino se levantou e caminhou em direção a um armário, apanhando de lá uma maleta metálica, a qual pousou sobre a mesa, bem diante de Yuuri. Quando foi aberta, Yuuri se viu perante dezenas de gravatas, todas cuidadosamente dobradas e postas lado a lado. A quantidade de tonalidade era demais para se contar, e havia cores e modelos de todos os tipos. Várias opções, uma para cada gosto.

— Pode escolher a que mais gostar.

Yuuri examinou todas as opções dispostas a ele. Uma era amarela como as pétalas de um girassol, com finas listras brancas correndo horizontalmente. Outra, era de um azul tão escuro que aparentava ter escapado das profundezas do oceano. Havia também uma gravata vermelha, de tonalidade tão forte que parecia ter sido tingida com o sangue de uma centena de almas inocentes. Cada uma lhe passava uma impressão distinta, mas nenhuma parecia ser a escolha correta. Ao invés de algo simplesmente agradável aos olhos, Yuuri queria algo que o fizesse se lembrar de sua família, que tanto o havia apoiado até agora.

Pensou em sua irmã, Mari, que sempre esteve ao seu lado. Mari, que era sempre a primeira pessoa a aparecer quando Yuuri mais precisava de companhia, ou mesmo de um ombro amigo para se apoiar.

Pensou em sua mãe, Hiroko, que o amava demais e que estava cem por cento preparada para lutar contra o mundo se fosse para proteger sua família. Hiroko, que era simultaneamente a alma mais gentil da Terra e também sua guerreira mais dedicada.

Pensou em seu pai, Toshiya, que apesar de não ser um homem de muitas palavras, nunca deixou de mostrar ao Yuuri seu afeto. Toshiya, que havia se disposto a caminhar com ele por longas horas em busca de um terno, e até mesmo lhe emprestado uma gravata que carregava tantas de suas preciosas lembranças.

A gravata. A gravata azul responsável por unir seus pais, e que agora havia guiado Yuuri para esta nova vida que o aguardava.

— Tem uma gravata que eu gostaria de usar — Yuuri falou, levantando o rosto e olhando diretamente nos olhos de Celestino.

De repente, todas as suas inseguranças haviam sumido, sem um resquício a ser encontrado. Sua voz se encontrava firme e suas costas devidamente eretas.

— Mas não está aqui. Ela é do meu pai. Eu poderia usá-la? — Yuuri perguntou sem delongas.

Celestino evidentemente reparou na força das palavras proferidas por seu funcionário, e na determinação presente nos olhos escondidos por trás das grossas lentes de óculos. Ele pareceu considerar o pedido de Yuuri por alguns instantes, mas no final ele apenas suspirou e acenou com a cabeça.

— Sinto muito. Existem protocolos a serem seguidos. Todas as peças de roupa devem garantir a segurança dos funcionários. Uma gravata despreparada pode levar à asfixia.

Yuuri franziu o rosto, perguntando-se se não havia maneira de contornar essa questão. Celestino sorriu, uma ideia surgindo em sua mente.

— Podemos replicar a gravata em nosso laboratório. Estaria bem assim para você? Não seria exatamente a mesma gravata, mas... 

— Seria perfeito!

Yuuri estava tão radiante que Celestino não conseguiu desviar o olhar.

Depois que terminaram o que tinham para conversar, Yuuri partiu ao que Celestino lhe informou que entraria em contato ao longo da próxima semana, a fim de concluir a discussão acerca da gravata. Eles também precisavam agendar o início do treinamento de Yuuri, e o mais rápido quanto fosse possível.

Ainda havia muito a ser feito.

 

—--

 

Phichit caminhava com uma alta pilha de documentos nas mãos, equilibrando-a cuidadosamente em seus braços, quando avistou a familiar silhueta do outro lado do corredor. Um sorriso nasceu em seus lábios e ele acelerou o passo, tentando extinguir a distância entre eles o mais rápido que o peso que estava sendo obrigado a carregar permitia.

A aparência de Yuuri continuava a mesma, tão banal quanto naquele dia: óculos grossos, cabelo preto sedoso, bochechas rechonchudas e um sorriso tímido nos lábios. Se Phichit tivesse que apontar uma diferença, seriam suas roupas — o terno azul escuro que ele vestia no dia da entrevista havia sido substituído por um agasalho preto, o logotipo da empresa estampado na parte de trás do moletom.

“Então ele foi aceito”, Phichit pensou consigo mesmo, e sua alegria era sincera. Ele realmente desejava vê-lo novamente.

Alheio ao jovem que tentava alcançá-lo, Yuuri conversava distraidamente com um homem mais velho, cujos braços eram tão grossos quanto troncos, provavelmente seu personal trainer. Em sua mão, jazia uma garrafa de água; no ombro, uma toalha limpa. Ao que tudo indicava, ele havia acabado de chegar e estava a caminho do treinamento.

Quando ele deu as costas para Phichit com a intenção de seguir seu caminho até a academia, o jovem cientista gritou para que ele parasse.

— Yuuri!

Se possível, teria evitado gritar e fazer estardalhaço no escritório, mas se viu sem opções. Ele preferia ser submetido a meia hora de sermão sobre conduta adequada no ambiente de trabalho do que ser obrigado a correr com todos aqueles papéis pesados nos braços.

Como todos ao redor, Yuuri olhou por cima do ombro, em sua direção, seus olhos se arregalando assim que percebeu quem era a pessoa escondida atrás daquela enorme pilha de papéis.

Yuuri parecia tão alegremente surpreso de ver Phichit quanto Phichit havia ficado ao vê-lo.

— Phichit! Oi! Parabéns, pelo visto conseguiu a vaga.

— Você também — Phichit disse quando enfim conseguiu alcançá-lo.

Sem esperar por um convite, Yuuri estendeu as mãos e pegou para si metade dos papéis que Phichit estava carregando. O jovem sorriu e agradeceu, grato por poder sentir seus braços novamente.

Então, lembrou que Yuuri tinha mais o que fazer.

— Você não está ocupado? Tem treinamento para fazer, não?

— Não esquenta com isso — assegurou o homem mais velho, que Phichit supôs ser o treinador responsável pela orientação de Yuuri. — Vou esperar por você lá no dojo — ele disse para Yuuri, que, em resposta, anuiu a cabeça em concordância. O homem partiu, deixando para trás os dois novos recrutas, que se viram a sós na companhia um do outro.

Phichit se perguntou se realmente não tinha problema.

Alguns segundos se passaram antes do silêncio ser extinguido uma vez mais.

— Para onde? — Yuuri perguntou, dando-lhe agora sua atenção exclusiva. Phichit apontou o caminho e os dois caminharam corredor afora, rumo ao laboratório.

Enquanto caminhavam lado a lado, ocasionalmente se esquivando dos demais funcionários que vinham no contrafluxo, começaram a trocar conversa fiada. Compartilharam um pouco sobre si mesmos, pequenas coisas como idade, em que bairro da cidade moravam, histórias sobre suas famílias, quais eram seus filmes favoritos e etc. Nada de excepcional, mas pequenos detalhes que importavam quando você queria fazer amizade com alguém.

— Então, Yuuri, o que você achou da SOAP até agora?

— SOAP? — Yuuri franziu e olhou torto para ele, uma expressão interrogativa no rosto.

— Sim. Afinal, “Setor de Observação e Alerta de Perigo” é um nome um tanto quanto grande. — Phichit deu de ombros, mas o gesto acabou sendo extremamente discreto, já que suas mãos se encontravam ocupadas com os documentos que carregava.

— Então você abreviou?

— Eu não. Só ouvi algumas pessoas no laboratório chamando a empresa assim. Eu apenas fui com o fluxo. É importante acompanhar as tendências, se é que me entende.

— Não posso dizer que entendo — Yuuri disse, mas havia um sorriso cômico em seus lábios. — As crianças de hoje em dia... Tão complicadas! — Ele balançou a cabeça dramaticamente.

Phichit esbarrou nele propositalmente, quase fazendo com que ambos derrubassem os papéis que carregavam.

— Você não é tão mais velho assim, cale a boca!

Os dois colegas começaram a rir, não mais se contendo.

Algumas pessoas que estavam de passagem se viraram e olharam para os dois jovens recrutas que, pelo jeito, não sabiam se comportar como verdadeiros adultos. Eles pareciam confusos com a atitude de ambos e os estavam encarando com olhares de clara desaprovação. Phichit, sempre atento aos arredores, trombou com Yuuri levemente e baixou a voz, continuando a conversa, mas em um volume mais aceitável. Seu colega de pronto entendeu o que estava acontecendo e também começou a falar mais baixo. No entanto, Phichit logo notou a tensão em seus ombros, percebendo que Yuuri havia sido tomado pela apreensão de que estavam incomodando os demais ao redor. Não desejando vê-lo tão nervoso por causa de um assunto tão insignificante, Phichit sugeriu suspender a conversa por hora.

— Vamos marcar de nos encontrar alguma hora pra conversar — Phichit propôs, e os ombros de Yuuri visivelmente caíram em resposta, a tensão deixando seu corpo junto de um suspiro.

Concordando em dar sequência ao papo em um momento mais apropriado, e em um local menos inconveniente, seguiram caminho, a conversa retornando para assuntos mais sem graça.

— Então, e quanto a SOAP?... — perguntou Phichit, trazendo de volta à tona sua pergunta anterior.

— Hmm, por enquanto tá okay. Acabei de começar, então não tenho ideia de como vai ser a longo prazo — admitiu. — Até agora, não tenho feito muita coisa, apenas um pouco de treinamento em artes marciais. Ah, e eu tive umas aulas muito estranhas sobre moral e a história por trás da vilania... Umas coisas realmente muito doidas mesmo.

— Já pensou com que tipo de vilão quer trabalhar?

— Não acho que sou eu quem decido isso — Yuuri franziu os lábios.

Seguindo atrás de Phichit, ele virou uma curva à direita. No final do corredor, a entrada do laboratório já se encontrava à vista.

— Bem, sim, mas com certeza você tem algumas expectativas. Um cenário ideal, por exemplo.

Yuuri permaneceu em silêncio por alguns segundos, parecendo bastante pensativo. Então, sua resposta enfim veio.

— Será que é pedir demais querer ter uma relação boa com um vilão?

Phichit sorriu. Apesar de mal se conhecessem, ele de alguma forma havia previsto ser recebido com uma resposta do tipo.

Yuuri era gentil, fato facilmente perceptível no brilho sutil que havia feito em seu olhar residência permanente. Ele aparentava ser o tipo de pessoa que era incapaz de machucar uma mosca sequer, e quando o fazia por acidente, sentia-se culpado pelo restante da semana, incapaz de deixar os acontecimento de lado e não parando de refletir no que tinha acontecido mesmo quando ninguém mais parecia se importar. Esse era um dos motivos que deixou Phichit tão curioso — e nervoso — sobre como a situação se desenrolaria quando Yuuri se visse obrigado a ficar frente a frente com um ser humano igual a ele.

Phichit estava ciente de que grande parte de seu “conhecimento” acerca de Yuuri não era nada além de sombras voláteis que havia reunido com base em sua primeira impressão, as quais eram certamente tão turvas quanto um reflexo disforme na superfície da água corrente. Mas sua primeira impressão não podia estar assim tão errada, podia?

O que Celestino tinha visto em Yuuri que Phichit até agora seguia sem conseguir identificar? Phichit mordeu seu lábio inferior ao se ver novamente perante esta pergunta em particular, a qual havia mais uma vez invadido seus pensamentos sem antes mostrar sinais de que vinha para uma visita.

Quando adentraram o laboratório, ninguém se deu ao trabalho de olhar na direção deles, estando todos ocupados demais com seus próprios afazeres para dar ao par qualquer atenção. Phichit caminhou rumo às mesas no fundo da sala, que estavam posicionadas juntamente à parede, e Yuuri o seguiu de maneira silenciosa. Após entregar os papéis nas mãos do colega, Yuuri se virou e, desta vez, foi a vez de Phichit segui-lo, o que ele fez com a intenção de acompanhar Yuuri até a porta. Eles só quebraram o silêncio quando se viram fora do laboratório.

— Obrigado pela ajuda.

— Não foi nada. Pelo menos agora eu sei onde vir quando precisar te procurar — Yuuri disse, e Phichit sentiu um calor morno inundar seu peito.

Phichit observou Yuuri se afastar, achando engraçado como ele parecia desconfortável sempre que seus olhos se encontravam com os de outra pessoa. Somente quando ele desapareceu após virar no final do corredor é que Phichit voltou para dentro, retornando para seu trabalho.

 

—--

 

Quinta-feira. Logo após o expediente, pouco mais de dois anos atrás.

Dois homens caminhavam lado a lado, encontrando conforto na companhia um do outro.

Um era barulhento e agitado; o outro, mais modesto e discreto. Suas diferenças foram o que os atraiu um ao outro, e o que tornava seu vínculo — sua amizade — tão resistente. Entretanto, por mais que eles fossem basicamente completos opostos, também eram muito parecidos em certos aspectos — como a maneira como as mentes de ambos pensavam de forma semelhante, sempre direcionando boa parte de sua atenção para as pessoas além deles mesmos. Essa mistura de semelhanças e diferenças era o que os tornava tão bons amigos; a atratividade por detrás da contradição.

Sendo tão bons amigos — os melhores dos amigos — não era incomum que passassem tanto tempo juntos quanto possível. Os dois viviam basicamente amarrados pela cintura, a ponto da maioria das pessoas no escritório saberem que, para encontrar um, bastava procurar o outro. O mais surpreendente era eles nem mesmo serem do departamento. Um dos sete mistérios da SOAP era como eles conseguiam passar tanto tempo juntos. Alguns tentaram perguntar como eles conseguiam superar as imposições dispostas por suas agendas sempre lotadas, que na maioria das vezes não coincidiam uma com a outra, mas a resposta era sempre a mesma.

— Fazemos o que temos que fazer — diziam toda vez, o tom de voz tão despreocupado que os ouvintes podiam fazer nada além de cerrar os dentes de ciúme.

Como eles podiam fazer parecer tão fácil quando claramente não era?

Um momento do dia no qual as pessoas certamente os encontrariam juntos era durante o almoço. Às vezes, não era fácil conciliar as duas agendas, mas eles ainda assim sempre davam um jeito de superar as dificuldades, de uma forma ou de outra. Como eles conseguiam fazer isso era um verdadeiro mistério, um escondido à plena vista de todos, mas ainda assim considerado um quebra-cabeças impossível de resolver por seus colegas de escritório.

Outro momento em que geralmente era possível encontrá-los juntos era no final do dia, quando estavam de saída do escritório. Embora não todo dia, eles se reuniam pós-expediente sempre que tinham algo para comemorar, como aniversários ou promoções, que era o caso hoje.

Hoje era uma ocasião especial, pois um deles finalmente se via livre do árduo e extenso período de treinamento. Foi um longo ano, e o homem — o mais velho e mais quieto dos dois — se encontrava dividido entre se sentir excitado e ansioso. O futuro era um mistério e literalmente tudo poderia acontecer. Algo que ele não esperava era que as surpresas começassem tão cedo, na forma de um presente, o qual foi preparado por seu grande amigo a fim de comemorar sua oficialização como agente de campo.

 

—--

 

Yuuri comia seu cheesecake de morango, devorando-o com gosto, um sorriso largo estampado nos lábios. Um pouco do chantilly descansava na ponta de seu nariz, fato que Yuuri ainda não havia percebido, estando por demais distraído com a deliciosa comida em seu prato para prestar atenção em qualquer outra coisa.

Vendo Yuuri comer com tanta satisfação, Phichit não sentiu necessidade de perguntar se deveriam voltar a este café algum dia no futuro, pois a resposta se encontrava claramente visível nas feições de seu melhor amigo. Ainda bem que seus colegas do laboratório lhe disseram sobre este lugar.

Quando uma garçonete veio trazer seu frappuccino, Phichit desviou o olhar do amigo por breves segundos para agradecê-la. Rapidamente, tirou uma foto para postar no Instagram e então, com isso fora do caminho e sem perder mais um segundo sequer, pegou uma colher e misturou o sorvete e a calda até que formasse um redemoinho dentro do copo. Já não estava tão bonito quanto antes, mas estava mais alinhado ao seu gosto — de que adiantava beber as partes separadamente? Ele não entendia as pessoas que faziam isso; e elas tampouco eram dignas de confiança.

Ele tomou um gole e o doce da bebida deixou uma sensação celestial em sua língua. Ele nem mesmo gostava muito de doces, preferindo comidas com um sabor mais forte e amargo, mas sentiu que poderia ficar facilmente viciado naquele frappuccino.

— E então, e o terno? — perguntou Phichit, quando foi finalmente capaz de pousar o copo.

Yuuri, que estava com a boca cheia, engoliu tudo em um piscar de olhos, quase engasgando com a comida. Ele tossiu, cobrindo o rosto com um guardanapo. Só quando conseguiu respirar novamente é que voltou sua atenção para o amigo.

— Fui pegar com Celestino hoje — respondeu, a voz ainda um tanto rouca. Ele tossiu mais uma vez, e o que estava insistentemente preso em sua garganta enfim se soltou. — Os ombros estavam um pouco largos, então vão fazer alguns ajustes finais — explicou ao perceber que Phichit estava olhando para seus pés, como se procurando por algo.

Phichit se endireitou na cadeira e anuiu a cabeça, pensando consigo mesmo que era de se esperar.

Por ser parte do departamento responsável pela confecção da vestimenta dos agentes, ele tinha ciência do fato de que era necessário tomar as medidas quão cedo quanto possível — não era um simples terno, afinal, havia muita tecnologia cara envolvida e a fabricação de cada peça era um grande projeto por si só —, mas alguns ajustes acabavam sempre sendo necessários por conta disso. Yuuri, especialmente, adquiriu muitos músculos no ano passado, uma consequência direta de todo o treinamento pelo qual teve que passar.

Ao que eles caíram em silêncio uma vez mais, Yuuri levou outra garfada de seu cheesecake à boca, notando tristemente que sobrava agora menos da metade.

— Tem certeza que não quer beber nada? — Phichit perguntou, e Yuuri balançou a cabeça em uma negativa silenciosa.

— Isto é mais que suficiente. Obrigado por me trazer aqui hoje, e por pagar minha parte. — Yuuri sorriu.

O sorriso de Yuuri permanecia idêntico ao de quando eles se conheceram, não tendo sido afetado em nada pelas várias mudanças que o ano trouxe consigo, e isso deixava Phichit bastante alegre. Continuava tão gentil quanto da primeira vez que o vira. Familiar e reconfortante. E, também, a fonte dos seus recentes temores.

Torcia para que nada levasse aquele sorriso a desaparecer, mas sabia que isso era algo fora de seu controle. Yuuri começaria a trabalhar bem em breve, e tudo poderia acontecer. Literalmente tudo.

Mas agora não era hora de se estressar com isso. Na pior das hipóteses, Phichit acabaria chutando a bunda de algum vilão babaca e exigindo que Yuuri fosse transferido para algum outro departamento.

— É para comemorar sua promoção, então não precisa se segurar — falou Phichit, e ele rezava que aquelas palavras afastassem de sua mente as preocupações indesejadas que haviam batido a sua porta.

Yuuri levou o resto do cheesecake à boca e olhou na direção do amigo com o garfo ainda entre os lábios.

— E foi o melhor presente de todos. Obrigado.

Phichit bufou e revirou os olhos.

— Este não é o seu presente, bobo.

Yuuri pareceu confuso.

Phichit sorriu largamente ao ver que o ato que havia visionado estava se tornando realidade bem diante de seus olhos. Não podia ter sido melhor, nem mesmo se tivessem ensaiado de antemão. Com os lábios devidamente curvados, cruzando seu rosto de ponta a ponta, Phichit levou a mão ao interior de seu casado, agarrando o objeto que carregara o dia todo apenas para este momento.

Ele pousou uma pequena caixa preta sobre a mesa, bem diante de Yuuri.

Yuuri olhou da caixa para Phichit, e vice-versa. Depois de ficar nisso por algum tempo, preso em um estado imóvel de confusão, incerto sobre o que dizer ou fazer, ele enfim apanhou a caixa em mãos e ergueu a tampa. Seus olhos se arregalaram de pronto e, quando ele olhou de volta na direção de seu bom amigo, sua boca se encontrava devidamente aberta.

— Isto é?...

— Sua gravata — Phichit terminou por ele.

Yuuri estava visivelmente trêmulo, sua boca seguindo bem aberta e seus olhos ficando mais e mais marejados a cada segundo. Em suas mãos, a caixa revelava uma gravata azul, muito semelhante à que Yuuri estava vestindo quando se conheceram, no dia da entrevista. Uma cópia perfeita da de seu pai, a qual Phichit sabia ser muito importante para ele.

— Foi meu primeiro grande projeto — contou Phichit, propositalmente deixando de lado quão difícil foi conseguir uma vaga na equipe. Yuuri não precisava saber desse detalhe.

Não foi nada fácil convencer seus superiores a deixá-lo participar do projeto, e a única razão pela qual ele foi permitido essa chance foi graças ao Celestino, que o apoiou por algum motivo que ele até agora não conseguia sequer imaginar qual seria. Phichit não tinha ideia se Celestino tinha feito isso por ele, por Yuuri, ou por conta de um capricho, mas estava grato de qualquer forma. Ter feito parte disso significava muito para ele e, pelas expressões radiantes no rosto de Yuuri, para ele também.

Yuuri puxou a gravata para fora da caixa e correu os dedos pelo tecido, segurando-a com força, como se temendo que ela escapasse. Com a boca finalmente cerrada, Yuuri levantou o rosto e olhou por cima de sua cabeça, fazendo Phichit se perguntar se ele estaria encarando o futuro distante que o aguardava a frente. O brilho em seus olhos era um que Phichit nunca vira, de presença tão forte e determinada que Phichit se viu duvidando por um segundo da identidade do homem sentado à sua frente. Ele continuava sendo seu bom e velho amigo? O sorriso gentil foi toda a confirmação que precisou.

 

—--

 

Sentado à mesa da cozinha, Yuuri encarou a caixa em suas mãos, da qual ainda não havia conseguido se separar. Seus olhos eram atraídos pela gravata como uma mariposa por uma chama, e o calor que sentia ao ver aquele tom familiar de azul era tudo que precisava para seu coração se acomodar em um ritmo agradável. Não fosse por ela, os últimos dias teriam sido um verdadeiro inferno, a espera pelo iminente telefonema de Celestino insuportável.

Yuuri correu os dedos pelo tecido macio, de cima a baixo, um hábito que adquiriu assim que o presente se viu pela primeira vez em suas mãos; o gesto lhe passava uma sensação reconfortante, e era provavelmente por causa disso que era incapaz de se conter, suas mãos se movendo antes que Yuuri sequer percebesse.

Um sorriso floriu em seus lábios quando a imagem de Phichit, sorrindo enquanto bebia seu frappuccino sem nenhuma pressa, surgiu em sua mente. Seu peito de repente ficou mais quente, inundado por um calor morno e agradável. Agora, esta gravata iria lembrá-lo não somente de sua família, mas também de seu melhor amigo. De alguma forma, ela havia se tornado ainda mais especial, e Yuuri nem havia pensado que isso fosse possível.

Sentia-se abençoado por ter tantas pessoas preciosas em sua vida.

Várias vezes Yuuri se comparou a uma Lua Nova — imperceptível, facilmente esquecido, apreciado por poucos. Neste cenário, as pessoas importantes para ele seriam sem dúvidas as gentis estrelas que o faziam companhia ao longo da noite, nunca o deixando sozinho e, ao mesmo tempo, trazendo um pouco de luz para sua vida.

Seu celular vibrou e Yuuri rapidamente buscou pelo aparelho, sua mão se movendo tão velozmente que quase bateu com o cotovelo na beirada da mesa. Seus ombros relaxaram e um suspiro profundo escapou de seus lábios ao perceber que era apenas uma mensagem de Phichit, perguntando se Celestino já havia entrado em contato.

"Aimda nâo", respondeu, sem se importar em corrigir os erros de digitação.

A última semana havia sido particularmente tensa. Surpreendentemente, Yuuri tem conseguido lidar até que bem com sua ansiedade, ao menos até agora. Ele imaginou que estaria se saindo muito pior, honestamente, considerando que a ligação de Celestino que estava esperando era para revelar com quem Katsudon — não sua melhor escolha para um pseudônimo, mas a única que lhe veio à mente quando lhe pediram para fazer sua escolha — ia trabalhar com — talvez "contra" fosse um termo mais apropriado para se usar nesta situação, mas se forçar a pensar de tal maneira o incomodava consideravelmente.

Yuuri bocejou e se espreguiçou, unindo as mãos e erguendo-as bem acima da cabeça. A sala se encontrava em grande parte silenciosa, exceto pela televisão, cujos chiados preenchiam o ambiente, o som tão quieto e reconfortante quanto a reverberação de gotas de chuva contra o vidro da janela em uma interminável noite de tempestade. Ele encarou a tela brilhante da tv, dando uma olhada rápida no noticiário que estava sendo apresentado por dois âncoras. Quando percebeu que o bloco que estava aguardando estava prestes a começar, Yuuri se virou totalmente em direção à tela e aumentou um pouco o volume.

— Então acho que agora só nos resta o último ato! Tom, que vilões estiveram em alta nesta última semana? Em quem devemos ficar de olho? — uma mulher de volumosos cabelos loiros perguntou ao seu belo companheiro. Em seu rosto havia um sorriso plastificado, o qual não carregava nem um terço de emoção que sua voz havia transmitido em suas indagações.

— Bem, Christine, a semana foi certamente cheia desta vez!

Yuuri se apoiou nos cotovelos e descansou o rosto nas mãos. Recentemente, ele se via cada vez mais prestando atenção aos vilões que trabalhavam na cidade, ao ponto de ficar acordado até tarde só para assistir ao noticiário até o fim. Ele se perguntava se, fazendo isso, conseguiria descobrir alguma coisa a respeito daquele com quem estaria trabalhando bem em breve, agora que foi oficializado como agente de campo. Ele torcia para que isso tornasse sua vida mais fácil no futuro.

— Ouvi dizer que Alegros fez outra aparição. É isso mesmo, Tom?

— Sem dúvidas! Duas vezes nesta semana, deixando para trás alguns poucos feridos e nenhuma vítima. Como sempre, um enorme graffiti de uma fênix foi encontrado na cena do crime, o qual é basicamente sua marca registrada a esta altura do campeonato, além de ser prova mais do que suficiente de seu envolvimento com os dois roubos.

— Homem-Disney também foi avistado na segunda passada, perto de um jardim de infância no centro. — Christine se virou para a câmera, o sorriso no lugar e ainda parecendo totalmente falso. — Desta vez, ele estava trajando o famoso vestido azul de Cinderela e, felizmente, o time responsável foi capaz de capturá-lo antes que ele pudesse expor suas genitálias para as crianças.

— Esse homem com certeza é um nojo — Tom sussurrou, franzindo a testa, e Yuuri se perguntou se a opinião do âncora havia escapado por seus lábios ou se isso fazia parte do roteiro.

Tom sorriu e se endireitou enquanto retornava sua atenção à longa lista de vilões que eles tinham que cobrir ainda hoje.

Marvelous esteve, mais uma vez, envolvido em uma briga com um fã da DC; o conflito ocorreu perto da grande loja de quadrinhos que foi inaugurada há poucos dias e, segundo relatos, os proprietários ficaram agradecidos pela atenção que o incidente trouxe. Jane-Jeany também fez uma breve aparição na última quarta-feira, tendo ela acabado de retornar de suas férias nas Bahamas, o rosto ainda ligeiramente queimado pelo sol e dois tons mais escuro que o normal; no entanto, ao contrário de seu bronzeado, seus planos de dominação do mundo seguem bastante ruins. Capitão-23 foi capturado no instante em que fugia após um assalto a banco, e as buscas pela Velha Senhora Josie por seus muitos crimes de golpe e fraude continuam sem dar resultados.

— Esta semana foi realmente bem ocupada! — Tom exclamou.

— Sem dúvidas, Tom!

— E, no entanto, algo ainda ficou faltando nesta lista de eventos.

— Sim — concordou Christine, anuindo a cabeça. — É a terceira semana consecutiva que o Treinador, o vilão mais famoso de nossa cidade, não dá as caras e as pessoas estão começando a se perguntar se algo teria acontecido. Teria ele desistido de sua carreira de supervilão? Estaria doente? Se encontra com algum problema? 

— Ou seria simplesmente sua vez de sair de férias? — Tom perguntou, dando de ombros. — Bem, só espero que ele esteja bem. — Christine balançou a cabeça ao seu lado, indicando que compartilhava do sentimento. — E agora nós nos despedimos de vocês, nosso querido público. É triste ter de dizer adeus, mas nosso tempo lamentavelmente acabou. Mas antes de nos despedirmos propriamente, como de costume, gostaríamos de expressar nossos sinceros agradecimentos a todas as organizações responsáveis ​​por manter esses vilões em cheque.

— Agradecemos a todos pelo serviço prestado — acrescentou Christine, em tom cordial. — Agora, boa noite e desejamos a todos um ótimo final de semana!

— Se cuidem e nos vemos na segunda! Mesmo horário, mesmo canal!

Ao que os créditos começaram a subir na tela, diante dos dois âncoras que continuavam em seus assentos, sorrindo e acenando para seus espectadores, Yuuri procurou pelo controle e desligou a televisão. Imediatamente, um bocejo escapou de seus lábios. Já era tarde e ele estava cansado.

Yuuri, entretanto, não se levantou. Permaneceu imóvel, encarando a tela agora preta, onde podia ver um reflexo distorcido de si mesmo.

Era a mesma coisa todos os dias. Depois de terminado o noticiário, ele se via nesse estranho estado de contemplação onde uma simples pergunta reverberava em sua mente, indo e vindo, mas nunca partindo.

"Consigo mesmo fazer isso?"

Yuuri mirou a gravata sobre a mesa e deslizou os dedos pelo pano azul; o tecido era liso e ligeiramente gelado ao toque. Ele rezava para que tivesse sucesso, não apenas por si mesmo, mas também por todos aqueles que acreditaram nele esse tempo todo. Ele verdadeiramente, realmente, queria muito que isso desse certo. Se falhasse, seria direto à estaca zero, e não tinha certeza se conseguiria lidar com todo aquele estresse de novo.

Yuuri se levantou e juntou suas coisas. Tinha acabado de pisar no topo da escada quando seu celular começou a vibrar. Ao olhar para o visor, não se surpreendeu ao ver o nome de Celestino encarando-o de volta, escrito em grandes letras brancas. Mesmo que fosse bastante tarde e certamente fora do horário de trabalho, seu próprio chefe havia lhe dito que a ligação poderia vir a qualquer instante. Esse era o tamanho da importância deste assunto.

Yuuri aceitou a chamada assim que adentrou a privacidade de seu quarto, fechando a porta logo a seguir.

— Boa noite.

 

—--

 

Ultimamente, Victor não tem estado no clima pra vilania; há quanto tempo ele vinha arrastando esse humor azedo, ele nem mesmo sabia mais dizer. Alguns dias? Semanas? Meses? Há muito havia perdido a noção de tempo.

No início, havia sido capaz de se obrigar a trabalhar, a fazer alguma coisa, mesmo que apenas para se manter ocupado, só para poder se olhar no espelho no fim do dia e afirmar com a cabeça erguida que ainda estava tentando; assim, quando Yakov ligava para saber como ele estava se saindo, ele ao menos tinha uma história para contar. Agora, porém, ele não conseguia nem mais encontrar disposição para sair do sofá. Não tinha motivação, inspiração ou vontade de fazer nada. Além de que, Makkachin era macia e confortável, e, acima de tudo, uma companhia melhor do que qualquer um dos inimigos com quem trabalhou até agora.

Um ano e meio já havia se passado desde que iniciou sua carreira como vilão e, embora tivesse sido capaz de colocar seu nome na boca do povo, ele ainda não havia conseguido encontrar alguém que pudesse chamar de nêmesis. Isso o frustrava infinitamente.

E quando as coisas pareciam não poder mais piorar, ele recebeu uma ligação que o deixou encurralado contra a parede.

Entraram em contato com ele hoje cedo — um homem chamado Celestino, funcionário de alto escalão de uma das muitas organizações que trabalhavam na cidade — a fim de questioná-lo a respeito de sua recente falta de atividade. Sem pensar muito sobre as possíveis consequências de suas palavras, Victor deu uma resposta sincera e contou ao homem de sua insatisfação para com a pessoa com quem estava trabalhando atualmente.

— Ele não é a pessoa certa pra mim, e ainda por cima está prejudicando minha produtividade — queixou-se, permitindo que sua boca, seu descontentamento, corresse livre, leve e solta pela primeira vez em muito tempo.

O que Victor menos esperava dessa conversa era que o homem levasse suas reclamações a sério.

— Acho que tenho a pessoa certa pra você — falou Celestino, arrastando as palavras como se fosse um gato ronronando — se quiser tentar.

Victor não sabia explicar o que exatamente o levou a dizer "sim'', mas quando percebeu já era tarde demais para voltar atrás com suas palavras. Celestino encerrou a chamada com uma promessa de se comprometer ao seu caso, garantindo que Victor teria sua motivação de volta.

Enquanto refletia a respeito do que Celestino lhe havia dito, Victor se viu perguntando o que deveria fazer. A resposta, entretanto, era simples. Como ele não tinha planos de deixar de ser um vilão, não depois de tudo pelo que havia passado para chegar onde estava, teria que ficar cara a cara com esse novo agente e ver o que acontecia.

Ele não tinha nenhuma expectativa, mas devia pelo menos dar a eles uma chance de o desapontar

 

—--

 

Um ano depois de ser descoberto por Celestino, Yuuri — não, Katsudon finalmente teve seu fatídico encontro com aquele que estava destinado a ser seu arqui-inimigo. Era um homem alguns anos mais velho que ele, e ele estava vestindo a roupa mais chamativa que já viu na vida.

A princípio, Katsudon achou que o dia terminaria tão mal quanto ele antecipava. Ele não confiava em suas próprias habilidades, e o homem de aparência imponente que estava olhando para ele, cujo corpo estava visivelmente estável, não mostrando nem uma gota sequer de insegurança, não o estava ajudando a mudar de ideia.

Mas, oh, quão enganado ele estava...

Embora o vilão fosse confiante e não tivesse pensado duas vezes antes de sorrir quando Katsudon disse que era seu primeiro dia de trabalho, ele não era nada além de respeitoso. Além disso, ele era forte de uma forma que deixou Yuuri com dificuldades para se defender.

Mas foi somente quando Katsudon foi finalmente capturado e rendido que ele finalmente percebeu que as coisas não seriam do jeito que ele havia pensado que seriam, e foi então que sua confiança — e esperança — finalmente apareceu; tudo isso porque quando o Treinador começou a falar sobre seus planos, ele se deu ao trabalho de ouvir cada uma de suas palavras. Atentamente, porque é isso que se deve fazer quando estão falando com você. Katsudon quase não conseguia acreditar em seus olhos, a visão de alguém tão desesperado por ser ouvido, por uma pessoa que prestasse atenção ao que ele tinha a dizer, sendo quase inacreditável.

— Por que você simplesmente não coloca sabonete entre as roupas nas gavetas? Isso ajuda a mantê-las cheirosas, de acordo com a minha mãe — falou ele depois que o Treinador terminou de explicar seu plano de fazer o amaciante de toda a cidade desaparecer das lojas e reaparecer em seu laboratório; algo bobo, mas que parecia ter grande significado para ele.

Katsudon encarou silenciosamente o vilão, o qual havia sido deixado sem palavras. Internamente, não conseguia parar de pensar que o homem parecia ter um coração mole.

Pelas expressões em seu rosto, o Treinador estava chocado; não apenas Katsudon o ouviu divagar sobre cada um dos motivos que o levaram a trabalhar tão duro em prol de um plano tão complicado, como ele também lhe havia oferecido algum tipo de solução para seu problema.

Isso era realmente inacreditável.

Aproveitando que o vilão havia de alguma forma ficado atordoado com sua intromissão, Katsudon se libertou com a ajuda de sua alta flexibilidade, a qual havia conquistado em seus anos de balé. Ele saltou e, antes que o Treinador pudesse entender o que estava acontecendo, destruiu a máquina com um chute aéreo, encontrando seu chão bem ao lado dela.

— Desculpe por quebrá-la, mas é que é o meu trabalho… — Yuuri disse, olhando para a máquina destroçada ao seu lado. Ele tinha certeza de que não tinha sido fácil construí-la, por isso, sentia-se um pouco mal por destruí-la daquele jeito.

O Treinador pareceu surpreso com seu pedido de desculpas.

Decidindo que era melhor partir o mais rápido possível, antes que qualquer outra coisa pudesse acontecer, Katsudon começou a se preparar para sair pela mesma janela pela qual havia entrado pouco antes. No entanto, o Treinador o impediu antes que ele pudesse escapar. Ele agarrou sua mão e Katsudon se virou, surpreso.

Eles se encararam, em silêncio.

— Sim? — Katsudon perguntou depois de um tempo, confuso e se perguntando quando o vilão iria soltar de sua mão. Estava começando a se sentir um pouco envergonhado com a situação.

Depois de um tempo, o Treinador o largou. Então, ele coçou a cabeça e olhou para o lado. Ele parecia estar um pouco embaraçado .

— Seu nome. Pode me dizer qual é?

— Katsudon — respondeu, sentindo-se de certa forma envergonhado por ter de dizer isso em voz alta. Levando a mão ao bolso, apanhou um dos cartões de visita que havia recebido de Celestino e o entregou ao Treinador. O vilão, no entanto, seguiu apenas observando-o de perto, sem desviar o olhar de seu rosto mesmo quando Katsudon se encaminhou rumo à janela. 

Katsudon não tinha ideia do que tinha acabado de acontecer, ou o que ele era suposto de fazer a partir de agora, mas nada disso importava. Tudo o que realmente importava era que ele tinha certeza de que tinha se saído bem no seu primeiro dia, a missão tendo portanto sido um sucesso. Além disso, o Treinador não parecia ser a pior pessoa para se trabalhar junto, o que era um bônus.

Podia sentir que eles tinham um longo caminho ainda a percorrer, mas também era capaz de vê-los alcançando onde quer que fosse se estivessem juntos.

Então talvez, um dia, ele tivesse aquilo que sempre quis: uma carreira estável e prazerosa.

 

 


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Notas finais do capítulo

Oie!
Desculpe se houver alguns errinhos, não tive tanto tempo pra focar nesse capítulo super pequenininho nesse mês e, por isso, acabei tendo de abrir mão da revisão final que faço antes de postar. Mas se achar alguma coisa sinta-se a vontade de me avisar. ^^
E só queria dizer que o Yuuri chocado por não ter percebido sobre o que era a SOAP é 28782x engraçado em inglês >> Supervillain Observation & Arch-enemy Placement. Eu não consegui traduzir tão bem o nome kk mas eu queria manter o SOAP =P
Tirando isso, gosto desse capítulo por diversar razões: passado do Yuuri, história da gravata, dia que o Yuuri e o Phichit se conheceram, o primeiro encontro do Yuuri e do Victor no POV do Yuuri... Well, só espero que vocês também tenham gostado também k
Então é isso! Até mês que vem!



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