A Bruxa das Flores escrita por Flora Niandre


Capítulo 5
Dália




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Capítulo 5 – Dália

"Instabilidade"

 

 

 O asfalto quente queima meus pés descalços. Passa da uma hora da tarde, ao descobrir como realizar o desejo de Alex, um grande cansaço tomou conta de mim e Alma 2, de forma que dormimos com a cabeça nos livros. Preciso encontrar o rapaz e seu tritão o mais rápido possível, meu tempo está quase no fim, logo o pior efeito colateral vai me atingir.

 Minha pele formiga de forma incômoda, preciso me apressar. O dia de hoje está totalmente diferente do que abandonei de três dias atrás, as pessoas andam em silêncio, cada uma em seu próprio mundo, sem agitação, sem perguntar ou discutir notícias.

 A praia não é longe, mas meus pés doem, diminuindo minha velocidade. De nada me adianta usar um sapato se logo me serão inúteis. Olho para o céu, procurando Laima, ele sobrevoa de uma distância segura sem se deixar ser notado por ninguém. Mas mesmo que estivesse em meus ombros, não seria notado, as pessoas estão focadas demais em si do que em qualquer coisa diferente a sua volta. Talvez por isso que figuras ditas como lendas, permanecem como tal.

 Aumento a velocidade quase sambando e alcanço a areia que encontra-se tão quente quanto o asfalto, mas resolvo o problema indo até a beira da água, deixando as ondas atingirem meus pés doídos. Caminho o máximo que consigo na água e corro até as pedras, parando pouco antes do local indicado por Alex. Aqui de onde estou ouço sua voz e uma totalmente desconhecida num idioma que me é totalmente estranho.

 — Laima. — chamo-o e, em obediência, ele pousa em meu ombro esquerdo. — Você me ouviu dizer mas vou repetir para que entenda: esses seres, tritões e sereias assumem a aparência daquele que mais deseja encontrar. Não sei como evitar isso. Se se sentir incomodado, saia de perto.

 Não me responde, mas sinto-o inquieto e com certa expectativa. Respiro fundo e continuo o caminho até as vozes.

 Ao olhar para o tritão rapidamente, vejo algo que não posso descrever, mas, focando minha visão, logo assume a aparência de Clara e o mesmo com o rosto da pessoa mais importante para mim, olha-me nervoso. Alex ainda não me percebera, encara o tritão em dúvida. Laima remexe-se nervoso em meu ombro, afunda suas pequenas garras em minha pele, sinto-as me perfurarem.

 — Laima, afaste-se. — peço.

 Meu familiar abre as asas de forma bruta, bagunçando meus cabelos e voa rapidamente. Essa pequena agitação atrai a atenção de Alex, que olha para trás e, assustado, esconde o tritão com seu corpo.

 — Não tenha medo. — me aproximo com cautela.

 — Alex, é uma bruxa. — consigo entender as palavras do tritão. Então é assim, até mesmo o idioma que ele fala se adapta a quem ele quiser.

 — Não vou fazer nada de mais. — levanto as mãos com as palmas para cima. — Você iria me procurar daqui a dois dias e...ah, não vou lhe explicar. Aqui. — Retiro do bolso do manto a carta que o Alex do futuro havia escrito e estendo a esse Alex.

 Relutante, ele pega o papel de minha mão e o abre, lendo com atenção. Observo suas expressões passando de desconfiado para perplexo.

 — Você é a Bruxa das Flores? — pergunta-me e mostra a carta para Coral. — Essa definitivamente é minha letra.

 — Você é uma bruxa, poderia copiar a letra dele se quisesse, não? — Coral me encara, com o rosto de Clara, fazendo uma expressão que nunca a vi fazer. Isso me irrita, desvio o olhar.

 — Tenho certeza que Alex percebe que não iria manipulá-lo, o que ganharia com isso? Só ele sabe o que ele mesmo quer. — respondo irritada.

 — Coral será morto daqui dois dias? Eu me tornar um tritão? Mas isso é...— Alex balbucia nervosamente.

 Sinto minha pele coçar e doer levemente. Preciso que ele se decida logo.

 — Ah! — grito fazendo ambos darem um pulo. — Me dê essa carta! — puxo o papel de suas mãos. “Por favor, tenha escrito o máximo de detalhes possíveis!”, peço mentalmente.

 Leio atentamente a carta, para minha sorte, Alex do futuro parece traumatizado o bastante, um trauma que esse aqui precisa sentir para se decidir.

 — Farei isso uma vez, se não mudar de ideia irei embora. Mas saiba que você se arrependerá se perder essa chance. — se não tentar ao menos isso, Alex do futuro não me deixará em paz.

 Dobro o papel rapidamente e mordo com força meu dedão da mão direita, fazendo-o sangrar. Com o sangue desenho o símbolo de minha família no papel. Aproximo de Alex puxando-o pelo colarinho de sua blusa e coloco o papel em sua testa. Afasto minha cabeça, pegando impulso e o cabeceio com força. O rapaz apaga rapidamente e cai na areia.

 Sento-me ofegante e tremendo ligeiramente.

 — O que você fez? — Coral se arrasta pela areia em direção a Alex, deitando sobre ele de maneira protetora. O que me irrita ainda mais por estar usando a aparência de Clara.

 — Só está dormindo. O que fiz vai fazer com que ele tenha um sonho bem real do que acontecerá com vocês daqui dois dias. — digo rapidamente.

 O tritão não responde o sinto me encarar, evito o olhar. Limpo o suor frio que escorre em minha testa. O tempo está acabando.

— Minha aparência a incomoda? — pergunta.

 Apenas concordo com a cabeça. Ele leva a mão ao rosto e sua cabeça se contorce de forma horrível, adquirindo uma nova aparência, um belo rapaz de cabelos compridos e negros. O tórax nu musculoso, em seu pescoço, guelras, duas de cada lado.

 — Assim está melhor? — questiona mais uma vez.

 — Está sim. — olho para o céu procurando Laima. — Conseguiria fazer o mesmo em meu pássaro? Provavelmente a aparência que tem para ele traz lembranças dolorosas.

 — Acredito que tenho essa aparência para ele agora também.

 Laima aparece pousando em minha frente, encarando-me preocupado.

 — Alma, está bem? Desculpe te machucar aquela hora. — da pequenos pulinhos para me alcançar.

 — Não se preocupe com isso. — Acaricio sua cabeça com o dedo.

  Alguns minutos se passam, Alex geme em seu sono.

 — Então...— Coral volta a falar. — Irei morrer em dois dias?

 — Iria. Mas Alex me procurou todo nervoso pedindo que mudasse isso. — explico.

 — Irá me transformar em humano?

 — Acho que esse era o desejo anterior de Alex, certo?

 — Não. Esse era o meu. Mas não posso sair para ir até você. Alex...disse que te traria até mim e você me ouviria.

 — Entendi...bom, as coisas mudaram. Ele quer se tornar um tritão e ir com você.

 Coral olha nervoso para Alex.

 — Mas...— recomeça, o impeço de continuar.

 — O mundo humano não é o ideal para você, alguns humanos são maldosos, tem poluição, alguns matam por apenas dez reais e...bom, não que você saiba sobre nossa moeda.

 — Eu sei. Alex me ensinou tudo, me preparou para ser um bom humano. — a determinação em sua voz me comove.

 — Talvez eu possa confiar em você. — sorrio. — Mas...o seu mundo é o ideal para ele?

 — Farei ser. — mira-me tão confiante que todas minhas dúvidas desaparecem.

 Alex se remexe e senta-se gritando, procurando por Coral, que o abraça, acalmando-o. Talvez não devesse tê-lo feito passar por isso. A dor que me é familiar mas nunca bem vinda me atinge, caio na areia ofegando.

 — Moça? — Ouço Alex tentar se aproximar mas Laima entra em sua frente, impedindo-o.

 A dor é excruciante, minha pele se rasga enchendo-se de pelos e meus ossos modificam-se, órgãos se reajustam, minhas mãos se encolhem dando lugar a patas peludas, meu rosto se rasga, alongando-se.

 Deito-me no chão, ofegante, a roupa que estava usando me cobrindo. Finalmente aconteceu.

 — Alma? — Laima chama-me.

 Ponho-me de pé, com as quatro patas no chão, saindo debaixo das roupas e chacoalhando a dor com o balançar dos pelos.

 — Estou bem. — abro a boca deixando a voz sair.

 — O que aconteceu? O que foi isso? Você se tornou um cachorro branco? Como assim. — Alex faz perguntas demais, pelo visto se recuperou.

 — Esse é o efeito colateral sempre que viajo no tempo ou uso demais meus poderes. — respondo.

 — Mas... não faz sentido! — continua incrédulo.

 — Você encontrou e se apaixonou por um tritão, isso faz sentido? — digo sarcasticamente.

 — Mas isso é uma coisa, — ele estica as mãos para a direita, como se carregasse uma caixa imaginária — e isso é outra. — transfere a caixa imaginária para a esquerda.

 — Não tenho certeza do motivo disso acontecer. — suspiro. — Minha mãe costumava dizer que meu pai tinha essa habilidade, por isso devo me transformar, mas não sei controlar, só acontece quando viajo no tempo.

 — Mas agora vai ficar assim?

 — Amanhã de manhã voltarei ao normal. Em alguns casos até prefiro essa aparência, mas para o seu pedido preciso de mãos. Amanhã voltamos a nos encontrar aqui, ao amanhecer. Te peço apenas para guardar minhas roupas e me entregar depois. Principalmente esse manto.

  Alex concorda com a cabeça e viro-me para sair. Mas volto a olha-lo, tem um aviso que preciso dar.

 — Alex, — ajeito a voz num tom de advertência. — Daqui dois dias o exército, marinha, irão atacar vocês. Mas certeza que eles já estão nos observando de algum lugar, com certeza me viram transformar mas se tivermos cuidado e conseguirmos escapar, sem provas, se fotografaram ou nos filmaram, essas imagens não passarão de imagens sem verdade, como aquelas que vemos em sites que testam a veracidade. E mais... é daqui dois dias o confronto, mas isso no futuro de onde vim, pode ser que se adiante e pode ser que não. Então, tenha muito cuidado ao ir para casa, ao andar por aí. E você — olho para Coral. — Preste atenção se não há armadilhas dentro d’água. Preciso ir, não posso ficar por aí nessa forma. Amanhã ao amanhecer quero todos aqui.

 — Bruxa das Flores! — viro-me para ir embora, mas Alex me chama.

 — Minha nossa! Me esqueci de me apresentar a vocês novamente. Esqueci que aqui não nos conhecíamos. Meu nome é Alma, o pássaro se chama Laima e vocês são Alex e Coral. Muito prazer. — aproximo-me de Alex, sentindo meu rabo se agitar, não controlo isso.

 — Posso te pedir mais uma coisa? Não saberia alguma coisa que eu possa dar ao meus pais...para que me esqueçam... sabe? — ele não me olha, está encarando a areia atrás de mim, com certa tristeza. Olho para Coral, que parece se arrepender de algo.

 — Não costumo atender dois pedidos por cliente...mas posso pesquisar algo e te digo.

 — Alex...— Coral o chama. — Sei de algo que pode dar a eles, uma coisa que temos aqui jo mar...

 — Ótimo então. — digo. — Coral irá resolver seu novo problema. Irei por agora e lembrem-se de ter cuidado.

 Sem esperar resposta, saio correndo de perto deles. Corro rapidamente pela cidade, diferente da vinda, é difícil não chamar atenção nessa forma. Sigo o caminho em direção a casa de Clara.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Continua?



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