A Bruxa das Flores escrita por Flora Niandre


Capítulo 16
Adônis


Notas iniciais do capítulo

Muitas coisas aconteceram, mas talvez agora eu consiga voltar a postar regularmente.



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Capítulo 16 – Adônis

“Lembranças Tristes”

 

 As folhas balançam nas pontas dos galhos com sua melodia comum, minha cabeça apesar de doer, descansam nas coxas de quem me lembro muito bem e, exatamente por lembrar, me recuso a abrir os olhos.

 Ouço e sinto seus movimentos, aproveitando cada momento dessa memória, seu cheiro, seu colo, o som de seu estômago se remexer. Seu corpo ajeita-se devagar, percebo que mexe em algo com água por alguns segundos e, o conforto de um pano molhado ser ajeitado em meus olhos.

 ⎯ Assim está bom? ⎯ sua voz alcança meus ouvidos, meus olhos queimam, molhando ainda mais o pano que os esconde.

 ⎯ Está ótimo. Você ainda se lembra de como me ajudar com a enxaqueca. ⎯ minha voz falha.

 Ela não me responde, coloca sua mão na minha, largada em minha barriga, entrelaçando nossos dedos. Nenhuma de nós fala nada, nenhuma de nós tem a coragem de estragar esse momento.  Estou ciente que isso é um sonho, ela me deixou há muito tempo, há mais tempo do que gostaria...

 Naquele tempo, em meio à fuga da morte de minha família, acabei atravessando uma barreira que talvez não deveria, mas que agradeço por ter atravessado.

 Daquele lado, seres classificados como “fantásticos”, dividiam as terras com humanos e mesmo ali, o relacionamento entre eles não era dos melhores. Ainda mais com bruxas e vampiros, era um mundo onde esse cliché era a realidade.

 Perdida e sozinha, cheia de coisas que minha vó havia me empurrado, um casal amigável de bruxas me acolhera e me criara por anos a fio. Me ensinaram tudo que sabiam sobre o mundo onde me encontrava, me contaram como humanos se aliavam as bruxas para fugirem de vampiros e se assustaram ao ouvir que de onde eu viera, humanos nos caçavam.

 Vivíamos no território onde somente bruxas e aliados humanos eram bem-vindos, foram anos confortáveis e calorosos, até que o Conselho das Bruxas resolvera se reunir para escolher uma bruxa para ser mandada ao território inimigo e viver como espiã, até ser chamada de volta...mas todos sabiam que quem fosse, nunca voltaria.

 Pode ter sido azar ou apenas o destino, mas o cliché continua ao ponto da escolhida ser eu mesma. Talvez por me temerem pois vim de uma realidade paralela àquela ou, como disse antes, apenas me escolheram por escolher, uma vez que vivi...bom, não me lembro quantos anos em paz por lá.

 Minhas “mães” sofreram possivelmente mais do que eu, que não me importava muito, até o momento de realmente deixá-las para trás. Foi graças a elas que me entendi como bruxa, mesmo sem saberem ler os documentos que minha primeira família me deixara, souberam me ensinar a herdar o sigilo que tanto uso para meus trabalhos atualmente, me mostraram como adaptar meu corpo ao lado animal de algum antepassado que corre em minhas veias.

 No momento da partida, foi na pele de lobo que me despedi e segui para meu novo destino, onde conheci aquela que estou deitada confortavelmente em suas pernas. Naquele território, eu a conheci, e a amei e a perdi.

 Ela sempre soube meus motivos de estar lá, de que servia apenas para enviar o que ouvia para o outro lado, de onde entrara e, ainda sim fiz amizades, lembranças, dividi segredos e promessas, os dias que passei lá, me moldaram em quem me tornei hoje.

 Mas tão rápido quanto começou, tudo desmoronou. Nos prenderam, todos nós, todos meus amigos e ela e fomos condenados...condenados a maneira que os humanos de mundo original condenaram minha mãe e avó, mas antes de nossa vez, assistimos aqueles importantes para nós sofrerem, para ela, a primeira vez, para mim a segunda...mas a terceira fora a mais dolorosa, não por conta das chamas que me consumiam, mas por aquelas que consumiam aquela que amava.

 Para meu pesar, o fim não chegara para mim, mais tarde no dia de minha suposta morte, me levantei vomitando as cinzas de meu pulmão, mas ao meu lado, quem eu mais queria que tivesse se levantado, continuava uma pilha de cinzas. Foi ali que percebi que fora amaldiçoada com a imortalidade.

 E foi também naquele dia, naquele instante que uma conversa entre minhas “mães” que ouvira certa vez surgirado fundo de minha mente: uma certa bruxa realiza desejos se você souber qual flor lhe dar. E eu sabia muito bem qual flor entregar.

 Não me lembro como e quando atravessei de volta para o lado de onde viera anos antes, só seguia minhas entranhas que me guiavam para a tal bruxa, também não me recordo quanto tempo demorei para alcançá-la ou quantas vezes morri e voltei no caminho, mas a alcancei, a alcancei carregando flores de Adônis juntamente com minhas lembranças tristes e lhe entreguei.

 Mas de mim ela não queria flores em troca do meu desejo, meu desejo de perseguir a alma daquela que amava não importa para onde fosse e não importa quem se tornasse, eu cumpriria a promessa que fizemos de nos encontrarmos em qualquer lugar.

 Em troca de meu desejo egoísta, a Bruxa das Flores queria paz, queria me dar o seu lugar, se aceitasse, viveria para sempre como ela, realizando desejos das pessoas em troca de flores enquanto eu vivesse e aquele trabalho teria de morrer comigo em algum momento.

 Se aceitasse, a veria de novo, não importando quantas encarnações ela passasse por, se nosso desejo fosse forte o bastante, sempre saberia onde ela está e iria até seu encontro.

 Não foi uma troca ruim e nem foi difícil aceitar, a Bruxa das Flores me dera seu lugar e eu humildemente aceitei.

 ⎯ Alma... ⎯ sua voz me puxa de minhas lembranças. ⎯ devia abrir os olhos agora.

 ⎯ Não quero abri-los, se os abrir, esse mundo irá ruir. ⎯ suspiro.

 ⎯ Pelo contrário, Alma. ⎯ Retira a toalha de meu rosto, sinto-a se abaixar encostando sua testa na minha. ⎯ Esse mundo já ruiu há tempos, mas se você demorar a abrir seus olhos, seu mundo atual irá ruir.

 Contra minha vontade mas com seu aviso em mente, deixo-a para trás mais uma vez e abro meus olhos, encontrando o rosto de Clara dormindo pacificamente de frente para mim.


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