Coffee Breath escrita por Foster


Capítulo 1
unique


Notas iniciais do capítulo

Oieeee!
E aqui estamos com minha segunda e última colaboração para o Delacour's Month 2021! Quero agradecer à Jones, Little Alice e prongs pela parceria na organização desse projeto maravilhoso ♥ Também à Trice, minha beta e amiga maravilhosa ♥
A história é uma continuação de Electric Love, que escrevi pro Pride Month 2020 (https://fanfiction.com.br/historia/794104/Electric_Love/). Não é necessário ler Electric Love para entender Coffee Breath, mas se você tiver curiosidade em entender melhor o relacionamento das duas, as personalidades e algumas particularidades, eu recomendo!
A fic é baseada em Coffee Beath, da Sofia Mills (https://www.youtube.com/watch?v=E85NAwTCGyQ).
É uma história que me despertou várias coisas durante o processo de escrita, por se tratar de um relacionamento que teve fim de uma maneira doída, especialmente por eu ter feito o desenvolvimento dele lá em Electric Love. Talvez seja um pouco triste, mas é apenas a vida sendo... A vida haha
Espero que gostem ♥



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Dominique acordou com os raios de sol diretamente em seus olhos, xingando mentalmente seu eu do passado por não se dignar a fechar as cortinas. Já deveria estar acostumada em acordar cedo demais pós-bebedeira, ainda mais por sempre esquecer o detalhe da cortina, mas dessa vez algo estava diferente. Ela não acordou com a cara amassada contra o colchão, devido à sua mania de dormir de bruços. Estava deitada de costas, o que só podia indicar - segundo seus hábitos muito particulares e facilmente identificáveis - que ela havia dormido com alguém. 

Olhou ao redor e não reconheceu o quarto, no entanto, os diversos vasos com margaridas e o cheiro de café no ar eram inconfundíveis, assim como a mulher que entrava no ambiente no mesmo instante, sorridente, vestindo apenas um moletom antigo do time de quadribol da Grifinória e com as mãos na cintura. 

 

— Achei que você fosse hibernar por mais umas três horas, como sempre costumava fazer — Alice Longbottom tinha os olhos castanhos cintilantes, exatamente como Dominique se lembrava da época de Hogwarts e também da noite passada, no aniversário de casamento da irmã mais nova de Alice, Nina, com o primo de Dominique, Fred. 

— As cortinas — respondeu com a voz rouca, ainda um pouco confusa e com a cabeça pesando uma tonelada. Alice assentiu e foi até a janela, fechando as cortinas. 

— Melhor?

— Sim, mas não sei se consigo mais dormir — Dominique tinha consciência de não estar colaborando em manter uma conversa civilizada, já que seu tom não era dos melhores, entretanto, tinha como desculpa sua ressaca horrível e o fato de que havia dormido com a mulher com quem teve um término não muito tranquilo três anos antes e que não conversava desde então. 

 

Chegou a ver Alice algumas vezes após o fim do relacionamento, a questão é que não haviam ficado tão próximas até a noite passada. É claro que Dominique já fantasiara com recaídas, principalmente quando via fotos da ex-namorada brilhando como artilheira no Holyhead Harpies, percorrendo o mundo em campeonatos e conquistando prêmios, sucesso e dinheiro. Alice estava bem e por mais que Dominique estivesse feliz por ela, sabia que, no fundo, isso havia custado o namoro das duas, e a culpa era majoritariamente sua, por não ter lidado bem com algumas coisas. 

Desde quando se envolveram, aos dezessete anos, Dominique nunca teve certeza do que faria depois de Hogwarts, seus NOM’S foram péssimos e seus NIEM’S, embora Rose, Albus e Alice tenham montado uma força tarefa para ajudá-la, também não foram muito melhores. Sua única esperança era uma proposta de algum time para jogar como artilheira, mas ela nunca veio, ao contrário de Alice, que recebeu uma antes mesmo de se formar. Ficou extremamente feliz pela namorada, como deveria ser, porém, era difícil não ligar para os sussurros comparando as duas e ignorar a expressão de decepção da mãe, que já havia perdido as esperanças de pelo menos algum cargo minimamente adequado no Ministério da Magia - o qual sequer fora um desejo de Dominique, para início de conversa. 

Apesar de tudo, Dominique sorriu e apoiou a namorada, que se encontrava numa rotina intensa de treinos, enquanto se ocupou em trabalhar temporariamente por meio período na loja de seu tio George até encontrar algum emprego. 

Tudo corria bem, na medida do possível, até o ponto em que as coisas começaram a desandar. 

 

— Eu estou passando um café, se quiser — a voz com um leve tom de ansiedade que Dominique conseguia reconhecer a quilômetros de distância a tirou de seus devaneios. 

 

Não seria bom começar a lembrar do término das duas e muito menos ficar jogando conversa fora. Não se recordava direito da noite passada, exceto pelos olhares que trocaram, com direito a muitas risadas e com toda certeza muitos drinks e não estava disposta a se lembrar. Não havia sido fácil esquecer Alice, se é que um dia de fato tivera algum sucesso em fazer isso, então não poderia ceder e entrar em um túnel de nostalgia e carência, que sabia ser algo bem passível de acontecer, considerando que cedera na noite anterior.    

Alice estava nervosa e esperava que não estivesse transparecendo demais, porquanto sabia que Dominique, por ser excelente em lê-la, poderia acabar se assustando com qualquer coisa que dissesse e que desse início a alguma discussão tardia da relação ou que implicasse em mais significados para o que elas tinham feito, do que realmente era plausível falarem a respeito. 

A questão é que lidar com Dominique não era fácil, nunca fora, se fosse para Alice ser sincera. Quando começaram a se envolver na adolescência, foi a Longbottom quem se apaixonou primeiro, enquanto Dominique parecia mais preocupada em manter uma relação limitada ao sexo casual e às conversas indiferentes em público. Foi preciso uma conversa franca e alguns meses separadas para que, enfim, Dominique criasse coragem para lidar com os próprios sentimentos e assumir o que ela e Alice possuíam. Apesar disso, ambas tinham plena consciência dos problemas de individualidade e de comunicação que Domi possuía que, combinados com a insegurança de Alice e sua mania de evitar conflitos o máximo que podia, compunham uma fórmula perigosa, que eventualmente comprovou não ser das melhores, reputando como tudo acabou. 

Alice sabia que, ao ser convidada para jogar por um time grande como o Holyhead Harpies e mais alguns antes mesmo de se formar, ao passo que Dominique não recebera uma proposta sequer, mesmo sendo uma ótima jogadora, um pequeno atrito silencioso surgiu entre elas. Dominique poderia até não se importar com esse fato em si, mas certamente não gostava das comparações que se tornaram frequentes. O problema era que ela não falava. Alice, por sua vez, não queria chateá-la ainda mais e evitava falar no assunto, pois não sabia qual seria a reação da namorada. Não desejava que soasse como pena, já que Domi odiava isso com todas as forças, e muito menos como soberba. 

De todos os males, esse foi o menor, mas com certeza um dos propulsores para o que se desenrolou depois, com Alice evitando contar sobre seu dia a dia nos treinos e Dominique cada vez mais fechada, presa em um emprego de meio período e buscando uma forma de sair de casa e fugir do olhar decepcionado de Fleur. 

A presença de Dominique nos jogos foi frequente no começo, porém não demorou muito para que alguns turnos acabassem coincidindo com o horário das partidas e Dominique sempre se atrasava, isso quando conseguia comparecer, a certa altura Alice disse que, por serem um pouco cansativos, Domi não precisava se esforçar para estar presente. Não houve muita relutância da parte de Dominique, o que deixou Alice um pouco decepcionada. 

Olhando para trás, a Longbottom via a relação das duas como um elástico: bastante flexível, mas não inquebrável. A distância entre as duas aumentava dia após dia, embora tivessem passado a dividir o mesmo teto em um prédio de tijolos laranjas em um ponto mais tranquilo de Londres, próximo ao Beco Diagonal. Estenderam o relacionamento até onde puderam daquela forma e, eventualmente, o elástico estourou, e cada uma seguiu para o seu canto.  

 

— Aceito — Dominique respondeu após o que pareceu uma eternidade, de modo que Alice se sobressaltou um pouco, tentando não desmanchar o sorriso no rosto. 

 

Alice não esperava que ela fosse querer ficar, considerando o quão Dominique era tendenciosa a fugir de situações, em especial quando eram extremamente constrangedoras. Talvez algumas coisas que parecessem  imutáveis mudassem, afinal de contas. Alice se questionava até que ponto mudavam e se isso poderia significar alguma coisa. Todavia, não era momento para reflexões profundas, pois precisava servir uma xícara de café para sua ex-namorada e Dominique era impaciente. 

Para Dominique o lado bom de toda aquela situação era que ela não precisava falar muito, já que Alice se ocupava energicamente com essa ação. Aproveitou para analisar um pouco melhor a ex-namorada, que agora discorria sobre atualizações da família dela - que Dominique já sabia, porque seu irmão Louis era extremamente próximo de Frank II, irmão de Alice, e com isso, era bastante comum ela ouvir notícia sobre os Longbottom, mas preferiu não comentar e deixá-la falar. 

Os cabelos da ex-namorada estavam um pouco mais longos do que Dominique se lembrava e mais claros também. Haviam algumas cicatrizes, oriundas de acidentes nas partidas de quadribol - uma delas inclusive fora a razão para Alice retornar a Londres para um tratamento de alguns meses por ter deslocado o ombro -, muitas olheiras e sardas novas, provavelmente em decorrência da exposição ao sol durante os treinos. 

Na noite anterior, ao revê-la, tudo que pôde pensar eram nos momentos em Hogwarts, em que mais foram felizes. Tinha sim, muita dor, principalmente nos últimos meses de relação, contudo Dominique não conseguia se lembrar de nada. Queria apenas ouvir a risada escandalosa de Alice de novo, com a boca aberta e os olhos fechados, portanto se esforçou para que tudo fosse casual e divertido. Naquela manhã, no entanto, estava mais difícil focar só nas coisas boas, em especial quando as lembranças das conversas duras e do som das portas batidas vinham com toda a força. 

Mas então, Alice fazia alguma coisa que lembrava Dominique de costumes antigos que ambas tinham quando moravam juntas e ficava fácil apenas sorrir e se deixar levar pela voz estridente, mas inebriante, de Alice. Naquele instante foi o aquário, com dois peixinhos, um dourado e um azul. Quando quiseram, anos atrás, adotar algum animal de estimação, ambas sabiam que não poderiam arriscar ir muito longe, não com elas tendo horários complicados e sendo completas negações no quesito “responsabilidade”, porquanto sempre deixavam as plantas que ganhavam de presente da madrinha de Alice, Luna, morrerem. Foi na quinta perda que resolveram dedicar-se mais. 

Quando conseguiram ter alguns vasos com plantas saudáveis, arriscaram um peixinho, afinal não poderia ser mais difícil que plantas, certo? Só acertaram na terceira tentativa, reputando que ou esqueciam de dar comida ou davam comida demais. Depois que estavam praticamente com um mini jardim em casa e com alguns peixinhos em um aquário largo - presente de Harry para o aniversário da sobrinha -, até cogitaram adotar um gato, que por ser mais independente que um cachorro, talvez funcionasse para elas. 

Não deu tempo, entretanto, pois logo se separaram e Dominique levou consigo o vasto aquário e os peixinhos, ao passo que Alice ficou com as plantas. Desse modo, ver um aquário na casa nova de Alice, mesmo que singelo, possuía um significado especial. 

Existia algo de contemplativo e melancólico em sentar-se próxima de um aquário, olhar fixamente para a água e para os peixes nadando por ali e apenas pensar: sobre questões existenciais, profissionais, amorosas, o que quer que fosse. E ambas sabiam disso, ainda mais quando em certa altura da relação já não mais conversavam uma com a outra e não havia com quem simplesmente começar a despejar problemas de relacionamento. 

É complicado tentar resolver algo quando sequer se sabe por onde começar. Depois do fim, Dominique já tinha algumas ideias de por onde deveria ter começado. Ela sabia que deveria ter sido menos teimosa. Não estava em uma competição com Alice, óbvio que não, exceto que todos ao redor das duas pareciam deixar isso implícito a cada conversa, o que a motivou a tentar seguir seu próprio caminho, longe do quadribol ou dos cargos que sua mãe implorava para que seguisse no Ministério. Queria brilhar à sua maneira e estar à altura de Alice, só não sabia como começar. Não sabia também exatamente como a ex-namorada via aquilo, mas não fez esforço para falar sobre seus planos. 

Nos horários livres de seu emprego de meio período na loja de seu tio George, Dominique acabou ocupando-se em ajudar Rolf Scamander, mas não quis contar para ninguém sobre o que estava fazendo, já que logo perguntas sobre uma possível carreira começariam e tudo o que ela mais queria era manter seu hobby em segredo para continuar tendo uma válvula de escape sempre que necessário. Sabia que tinha falhado algumas vezes ao não ver os jogos de Alice, e quando ela pediu para que não fosse mais, Dominique apenas concordou. Não desejava decepcionar a namorada e, se isso estava magoando Alice de alguma forma, não havia razão para estressá-la com atrasos. Era melhor, de fato, não ir. 

E assim, começaram a se afastar. 

Alice sofria em silêncio, observando a quietude da própria Dominique, e afundando-se cada vez mais naquela areia movediça emocional. Dominique não queria incomodar Alice, que era extremamente ocupada e vivia de cobranças em relação ao Holyhead Harpies, com mais uma notícia ruim, que, pelo que parecia, era o que mais predominava em sua vida. 

A Longbottom sabia que poderia ter perguntado, mas tinha medo de fazê-lo e acabar irritando ou magoando a namorada. Dominique sabia que deveria ter contado mais coisas e não compartilhado apenas momentos - raros - de felicidade, mas não o fez. Era fácil olhar, anos depois, para os erros cometidos e perceber o quão simples de serem resolvidos eles eram. 

Talvez se não fosse pelo fato de Alice ter deixado de fazer perguntas a Dominique quando a via cabisbaixa, as coisas fossem diferentes. Se Dominique não mentisse quando tinha problemas, como brigas com Fleur ou entrevistas de emprego fracassadas, quem sabe as coisas fossem diferentes. 

De repente, já não tinham mais o que falar. O sexo, que costumava preencher algumas lacunas e promover momentos de carinho e risadas durante horas, ambas enroscadas na cama ou no sofá, sem se importarem com o horário ou com estarem falando alto demais, começou a se esvair também, bem como esses momentos preciosos de intimidade e a sensação de paz que uma encontrava no abraço da outra. 

Se não fosse por tudo isso, talvez elas não tivessem se afastado. Talvez se Alice não tivesse começado a fazer outros amigos e a viajar demais para jogar pelo Harpies, ficando cada vez menos no apartamento das duas, tudo fosse diferente. Talvez se Dominique tivesse compartilhado a paixão recém-descoberta por animais mágicos, poderiam ter dado um jeito dela seguir isso como carreira e de se encontrarem em cidades ao redor do mundo quando suas rotas se cruzassem, tudo seria diferente. 

Talvez. 

E então, se todos esses “talvezes” tivessem acontecido, Alice e Dominique não teriam se separado após quatro anos de namoro, sendo três deles morando juntas, construindo sonhos e esboçando uma vida. Elas teriam seus cinco peixinhos ou mais, cada um diferente do outro, porque eram péssimas em reconhecê-los se fossem de tamanhos ou cores muito próximas, possivelmente teriam um gato, com certeza muitas suculentas e muitas margaridas, porque Alice sempre adorou tê-las pelo apartamento quando finalmente aprenderam a parar de matar plantas - suculentas apenas por serem adoráveis e fáceis de cuidar, e margaridas por lhe lembrarem o cheiro de Dominique -, com certeza muitas canecas rachadas ou sem alça, considerando que Dominique era mestre em derrubá-las sem destruí-las por completo, e diversas roupas espalhadas pelo local, já que elas não eram exatamente organizadas, a não ser em situações críticas - quando estavam diante da visita de Fleur, que era bem exigente no que concernia à arrumação, ou simplesmente quando se tornava impossível encontrar objetos e roupas sem recorrer a feitiços o tempo todo. 

Talvez continuassem brigando por cores - Dominique gostava de um estilo monocromático, enquanto Alice era adepta de uma explosão de arco-íris - e trocariam de roupa uma com a outra sempre que possível - com direito até mesmo a peças combinando eventualmente, somente porque adoravam irritar seus amigos ao saírem em grupo e brincarem sobre serem o casal mais fofo e entrosado deles. 

Provavelmente teriam se tornado madrinhas do bebê de Nina e Fred, depois se casado e estariam morando em uma casinha singela em alguma cidade pacata, com um pé de laranjeira - uma das únicas frutas que Dominique comia, então Alice sempre fazia de tudo para incorporá-la na rotina das duas, com sucos, doces ou apenas a laranja pura após as refeições - e um quintal agradável, com um espaço para que Alice pudesse finalmente dar início a um jardim de verdade com tulipas coloridas - as favoritas de sua falecida mãe - e para que elas pudessem jogar quadribol de maneira improvisada, uma vez ou outra, para relembrarem o tempo em que jogavam em uma sincronia invejável pelo time da Grifinória.  

 

— Vou pegar o leite — Alice soltou de repente e Dominique piscou algumas vezes, voltando à realidade. — Você toma café com leite e dois cubos de açúcar, certo? — Dominique murmurou um sim, o olhar fixo no aquário, sem muita certeza de que conseguiria manter a compostura se colocasse os olhos em Alice nos próximos instantes.  

 

Alice, por sua vez, tentava seriamente não chorar. Ver Dominique ali, bem e finalmente tendo encontrado uma paixão em sua vida, era algo que ela sempre quis. Quando soube que, após o término, Domi foi percorrer o mundo como assistente do marido de sua madrinha, levou um choque. Sentia-se mal por nunca ter ficado sabendo do gosto dela por animais, mas uma parte dentro de si estava contente por tudo parecer estar se encaminhando. Por meses torceu para que se trombassem pelas cidades nas quais o Holyhead iria jogar, porque não havia um sinal do destino maior do que aquele de que deveriam ficar juntas, apesar de tudo que havia acontecido, mas o encontro nunca aconteceu. Não até a noite passada, pelo menos, mas Alice sabia que não podia considerar um evento com data marcada entre familiares em comum um sinal do universo. Isso não a impediu, porém, de ter certeza que iria voltar para a casa com a ex-namorada no momento em que colocou os olhos nela e viu aquele sorriso, que não via desde que o relacionamento das duas começara a desmoronar.

Sabia que a cartada final para o término fora culpa sua e, sinceramente, não esperava que Dominique fosse sequer querer olhar na sua cara depois de tudo o que fez. Mas ali estava ela e era impossível seu cérebro não começar a ferver com as possibilidades do que aquela recaída poderia significar, ainda mais com ambas na mesma cidade pelos próximos meses. 

Seria possível passar uma borracha por cima do que havia acontecido? No lugar de Dominique, Alice não sabia se conseguiria perdoar. Por mais que soubesse exatamente como foi conduzida àquilo, pelo estresse de não conseguir dialogar com Dominique afetando seu desempenho no quadribol e a necessidade de jorrar o que estava sentindo e tentar obter algum tipo de reação de Dominique, Alice sabia que não fora justa. 

Disse que se esforçava mais pela relação do que Dominique desde antes mesmo de ficarem juntas de forma oficial e que estar com ela era emocionalmente desgastante. Usou a palavra fardo, fez menção às brigas com Fleur, ao fato de Dominique estar estagnada profissionalmente e sobre o sentimento constante de que o fato de ambas não falarem sobre a carreira de Alice, era fruto de uma possível inveja. Disse tudo isso com o coração doendo, querendo respostas às paranoias que vinha alimentando, querendo saber até que ponto eram verdadeiras. Desejava apenas saber que Dominique ainda conseguia reagir a algo, mesmo que fossem a palavras tão duras como aquelas. 

No fundo Alice queria machucar, pois estava, dia após dia, sendo ferida pelo silêncio cheio de incertezas e possibilidades implícitas. Arrependeu-se no momento em que soltou tudo aquilo, sabendo que estava injusta e sendo propositalmente má, mas não tinha como voltar atrás.

E Dominique sentiu o peso de tudo aquilo. 

Ela sabia que Alice não estava falando para valer, considerando que, apesar de ser uma pessoa sincera, não faria por mal deliberadamente. Viu o arrependimento nos olhos dela assim que as palavras foram ditas; contudo,não podia ignorar que foram ditas e apenas aquele fato já indicava o quão o relacionamento delas havia atingido um ponto crucial. Alice jamais falaria nada daquilo, porém algo despertara nela, e Dominique se culpava por isso. 

Tinha conhecimento de que havia dado vazão para dúvidas e interpretações erradas. Estava escondendo tudo como se de fato tivesse algo tenebroso a ocultar. Quis gritar e dizer que só se afastou pelo bem de Alice, para não chateá-la com assuntos bobos e nada empolgantes, e que não percebera o quão isso tivera um efeito totalmente contrário ao que esperava. Havia transformado Alice em alguém diferente e, com franqueza, Dominique também nem sequer se reconhecia mais. 

Talvez o que elas tinham ainda tivesse salvação, se apenas resolvessem sentar, conversar e deixar tudo às claras. 

Talvez teria dado certo, se Alice não tivesse falado com todas as letras que preferia estar literalmente com qualquer pessoa naquele momento que não fosse Dominique. 

Talvez teria dado certo, se Dominique não tivesse rebatido dizendo que não se importava com quem Alice estivesse, porque não fazia questão alguma de estar com ela. 

Talvez teria dado certo se ambas admitissem que aquilo não era verdade, que era somente uma coisa aparentemente interessante de se dizer para magoar a outra. 

Talvez poderiam ter conversado a respeito nos dias seguintes ao término, se um boato de um relacionamento entre Alice e uma colega de time - que eram extremamente próximas há meses - não tivessem vazado logo na sequência e Dominique não tivesse resolvido sair do país para trabalhar para Rolf, sem a possibilidade de Alice desmentir ou se explicar.

E lá estavam elas novamente, os “talvezes”. 

O problema é que nada daquilo havia acontecido. 

Elas haviam feito escolhas. Questionáveis, mas ainda sim eram escolhas. 

Apesar de tudo, três anos após o fim do relacionamento, mesmo sem terem esclarecido aqueles mal-entendidos, elas estavam ali de frente uma para outra, tomando café - Dominique com leite e dois cubos de açúcar, Alice puro - e jogando conversa fora, vivenciando a calmaria que veio a grande tempestade que fora o último encontro das duas. 

Dominique olhava para trás e via claramente onde havia errado. Não julgava Alice pelas coisas que foram ditas, porquanto sabia que poderia ter falado até pior se estivesse no lugar dela. Ela simplesmente não teve forças para retaliar na mesma medida, mas nunca foi um segredo a intensidade que Dominique poderia tomar em uma discussão. Entendia que Alice tinha sido levada ao limite, da mesma forma que ela havia tido sua energia sugada. Compreendia sua parcela de culpa e que não havia sido a melhor namorada do mundo. 

Alice também sabia onde errara. Não teve coragem de perguntar e tentar entender o que havia de errado com Dominique, preferiu fechar os olhos até ficar esgotada e explodir. Foi injusta em suas palavras e não respeitou o fato de que Domi talvez apenas não estivesse pronta ainda para compartilhar. 

Saber onde estava o erro já era um passo e tanto para tentar ajeitar as coisas, embora nenhuma das duas tivesse certeza de que seria uma boa ideia tentar mais uma vez. 

Mas como seguir em diante? Como interpretar o que aquela noite juntas havia significado? Como ter certeza se ainda se conheciam? Como saber se poderiam fazer acontecer? 

Não havia outra forma a não ser tentando. 

A questão seria quem iria se arriscar. E se valia a pena. 

 

— Você quer mais uma xícara? — a voz de Alice quase não saíra. 

A expectativa pelos próximos acontecimentos estava consumindo-a. Não queria ver Dominique sair por aquela porta. Queria dizer algo, só não sabia o que. Queria abraçá-la, mas não tinha confiança de que seria uma boa ideia. 

— Eu gostaria… — o sorriso que Dominique esboçou enquanto girava levemente a xícara na mesa foi triste, mas parecia sincero. — Mas preciso resolver algumas coisas na estufa do Rolf. 

 

Claro que Dominique não ficaria. Era uma mulher ocupada agora e, mais do que isso, apaixonada pelo que fazia. Além disso, provavelmente não havia perdoado Alice pelo término. 

Tentando ignorar o bolo que se formava em sua garganta, Alice sorriu e recolheu as louças, colocando-as na pilha da pia. Ao passar por Dominique, seu coração errou algumas batidas quando inalou o cheiro forte de margaridas, que era a marca registrada da loira, misturado com café e um toque de baunilha - oriundo do creme para as mãos que ela utilizava pela manhã e sempre fazia questão de carregar para todos os lugares. 

 

— Foi bom rever você — Alice soltou sem pensar, agarrando a beirada da pia com força e recusando-se a virar e encarar a outra. 

 

Não havia sido uma boa ideia e se não estivesse machucada provavelmente teria aparatado para algum lugar bem longe dali. Ficar ou fugir não faria diferença para a relação das duas, de qualquer forma, já que não existia mais nenhuma. Aquilo era apenas uma recaída, não haviam grandes significados por trás. 

 

— Também foi bom rever você, Ali. 

 

E lá estava o apelido que Alice não escutava há tanto tempo. Era uma sensação agridoce ouvi-lo agora, considerando tudo. Quase se esquecera de como aquela palavrinha de três letras soava nos lábios de Dominique. Ao menos teria sua lembrança renovada. 

 

— Quem sabe a gente não acabe trombando por aí de novo? — a loira acrescentou e Alice riu pelo nariz, finalmente se virando.

— Desde quando você acredita em destino?

— Não sei — ela deu de ombros, levantando-se e pegando sua bolsa. Alice acompanhava cada movimento com afinco, desejando gravar cada um deles. — Acho que é o que acontece quando se passa muito tempo com os Scamander.

 

Alice conduziu Dominique até à porta a passos lentos, sem saber exatamente o que queria falar, mas sentindo uma vontade incontrolável de dizer qualquer coisa. Um pedido de desculpas, um comentário que indicasse que ela pensava nas duas, qualquer coisa. No entanto, quando colocou a mão na maçaneta e entreabriu os lábios para começar a falar, Dominique a abraçou.

 

— Achei que seria legal ter uma lembrança mais sóbria — riu baixinho, afastando-se. O hálito de café, o susto do abraço e a proximidade enlouquecedora deixaram Alice levemente inebriada e a única coisa que ela conseguiu fazer foi assentir com a cabeça e acenar um “tchau” meia-boca. 

 

Quando a porta se fechou, Alice sentiu-se a pessoa mais sem noção e covarde da face da terra. Ela ainda tinha a mão na maçaneta enquanto olhava ao redor e mordiscava o lábio inferior, sentindo o coração acelerar. 

Tinha a sensação de estar deixando passar uma oportunidade. Ela não possuía uma certeza do que exatamente estava deixando passar, mas sabia que precisava fazer alguma coisa. E por isso abriu a porta e correu, descalça mesmo, escadas abaixo, torcendo para que Dominique ainda não tivesse deixado o prédio e aparatado. 

Não tinha ideia do que diria, porém precisava vê-la novamente, demonstrar que se importava, que estava diferente e que tinha consciência dos feitos do passado. Só isso já seria um bom começo, independente do que viesse. 

Ao chegar no lance de escadas entre o segundo e o primeiro andar foi surpreendida com Dominique subindo os degraus de dois em dois. Pararam uma de frente para outra, encarando-se com as respirações entrecortadas e os olhos ligeiramente arregalados, sem nunca quebrarem contato visual. 

 

— Você esqueceu alguma coisa? — Alice questionou enquanto tentava pensar em alguma desculpa do porquê ter descido as escadas voando, ainda de pijama e descalça para no caso de Dominique estranhar aquela comoção.

 

No entanto, existia algo diferente nos olhos da loira e um pensamento ocorreu a Alice. Dominique estava voltando por conta dela? Queria muito acreditar que sim, por isso desceu um degrau, ficando na mesma altura que a mulher, esperando uma resposta antes que seu coração saísse pela boca. 

 

— Esqueci. 

 

E Dominique envolveu o rosto de Alice com as duas mãos, puxando-a para um beijo com gosto de saudade, expectativa, voracidade e… café. 

 Era infinitamente melhor sentir o calor do corpo de Alice e poder tocá-la sem toda a atmosfera do álcool envolvida, que, de um modo inevitável, deixava tudo nebuloso e menos memorável. 

Dominique sabia que aquele beijo poderia ter muitos significados, mas estava tentando focar no agora: queria beijar Alice e ter uma memória decente do reencontro delas. Desejava descobrir o que aquilo significava, ainda que ela já tivesse uma leve desconfiança de onde aquela recaída iria dar. 

De toda forma, ainda tinham muito o que conversar. Precisavam se reconectar novamente, como as amigas que um dia foram e, então, se tudo desse certo, como um casal. 

Naquele momento, Dominique só se importava em beijar Alice Longbottom, ser correspondida com o entusiasmo recíproco e convidá-la para um café, todos os dias pela manhã, até que pudessem encontrar algum ponto de equilíbrio no meio de tudo aquilo. 

Não importava se dariam certo ou não. Bastava fazerem o que deveriam ter feito há muito tempo antes: tentar. 


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Notas finais do capítulo

Foi uma delícia participar do projeto e organizá-lo também, já quero o Delacour's 2022!
Obrigada por todos que leram até aqui ♥
Beijos!



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